DINHEIRO DA MULTIDÃO
Oportunidades X Burocracia no Crowdfunding Nacional
Por Vinicius Maximiliano Carneiro
Acredito que todo livro deve ter uma missão...
“O PRIMEIRO LIVRO BRASILEIRO SOBRE FINANCIAMENTO COLETIVO A
TRATAR DO ASSUNTO DE FORMA COMERCIAL, FISCAL E TRIBUTÁRIA COM
CLAREZA E OBJETIVIDADE”.
1a. Edição – 2014
Escrito por Vinicius Maximiliano Carneiro
Conceito Gráfico: Mário Pertile
Adaptação para formato Epub: Viviane Becker
Dinheiro da Multidão - Oportunidades X Burocracia no Crowdfunding Nacional
de Vinicius Maximiliano Carneiro está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-Não
Comercial 4.0 Internacional.
Podem estar disponíveis autorizações adicionais às concedidas no âmbito desta licença
em http://www.viniciuscarneiro.adv.br.
LOCALIZE A INFORMAÇÃO!
AGRADECIMENTOS;
PREFÁCIO;
COMEÇANDO DO COMEÇO;
ANTEPASSADOS DO FINANCIAMENTO COLETIVO (CROWDFUNDING);
MAS AFINAL O QUE É FINANCIAMENTO COLETIVO?
PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO NEGÓCIO;
FINANCIAMENTO FILANTRÓPICO OU PROJETOS SOCIAIS;
FINANCIAMENTO DE PRODUTOS E SERVIÇOS;
FINANCIAMENTO PARA ABERTURA DE STARTUPS;
FINANCIAMENTO DE EMPRÉSTIMOS;
FINANCIAMENTO EM INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO;
RISCOS INERENTES AO FORMATO COLETIVO;
RISCOS OPERACIONAIS;
RISCOS FINANCEIROS;
RISCOS LEGAIS;
ENQUADRAMENTO BUROCRÁTICO, FISCAL E TRIBUTÁRIO;
PROJETOS NÃO FINANCIADOS E DEVOLUÇÃO DE VALORES;
TENTATIVA DE REGULAMENTAÇÃO – PROJETO DE LEI;
A FORÇA DA MULTIDÃO – BREVE ANÁLISE DE MERCADO;
SOBRE O AUTOR.
AGRADECIMENTOS
Nos dias atuais, conseguir tempo para se dedicar a um projeto, seja ele qual for,
pode se transformar na maior epopeia da sua vida caso não esteja preparado.
Afinal, dedicação não depende só de você, mas de todos aqueles que, ao seu
redor, possibilitam a você ter tempo livre para então iniciar a jornada.
Pensando nisso só posso agradecer a todos os que me proporcionaram essa
aventura. Colegas de trabalho, colaboradores, amigos, parceiros de negócios.
Muitos entenderam o foco e simplesmente aguardaram pacientemente.
Sobre minha família... Bom, sem comentários! São a base de tudo e sem os
“projetos especiais” para conter a garotada, simplesmente isso não teria
acontecido no tempo recorde em que aconteceu. À minha esposa, amante
incansável e mãe zelosa, meu carinho mais profundo e especial nesse primeiro
trabalho tantas vezes por ela compartilhado nos finais de noite!
À minha história, agradeço pelas lições e oportunidades proporcionadas por
meus pais. Ensinaram-me desde sempre que estudar não ocupava espaço; que
fizesse o que fosse, aplicasse o meu melhor; que trabalhar não mata ninguém; e
que compartilhar conhecimento só gera mais conhecimento. Ao meu pai pelo
pragmatismo que me ensinou a ter na gestão dos negócios e de cada novo
empreendimento, mesmo diante de nossas intermináveis divergências! A minha
mãe pela cultura do livro, do estudo, da busca e do crescimento intelectual. Se
sou o que sou, é fruto dessa combinação de valores trazidos por eles. Obrigado!
A uma pessoa especial, que provavelmente nem imagine que tenha sido o
estopim desse projeto literário, um novo-distante-virtual amigo Alan Jones, cuja
entrevista para o site Talkfunding.com despertou minha criatividade para criar
esse e-book.
A galera do Estúdio Buteko, Mário Pertile e Vivi, sempre prontos para uma nova
criação visual, quote, logo, vídeo... Enfim, todas as minhas maluquices da última
hora... Valeu galera... O trabalho ficou show! A Carol que chegou à equipe há
pouco, valeu pela dedicação em entender o tema!
Ao querido amigo, mestre, inspirador e profissional que prefacia esse livro Dr.
Manoel Antonio dos Santos por ter aceitado com tanto zelo o pedido maluco de
um escritor iniciante praticamente desconhecido: sem palavras pelo seu
reconhecimento!
Aos amigos e mentores espirituais que sempre me acompanham, iluminam e
mantem as ideias e criações ululando em minha mente... Espero ter tempo hábil
para desenvolver tudo que ainda está por vir!
ANTES QUE VOCÊ LEIA ESSE LIVRO...
PREFÁCIO
Tudo que nós lemos, que nós ouvimos e que nós vemos, nos TRANSFORMA. Às vezes,
essa transformação é imperceptível, noutras ela verdadeiramente sacode as nossas
vidas, deixando marcas profundas.
A exemplo do formato adotado pelo autor dessa Obra, tomo a liberdade de
iniciar estas notas com um provérbio (me perdoe o criador - ao qual deveria ser
dado o devido crédito - porque não logrei identificá-lo). Estejam certos todos
aqueles aos quais a temática dos financiamentos coletivos interessa, que ao final
da leitura cuidadosa deste trabalho, terão sido – todos – tocados profundamente
pelo conteúdo desse abrangente trabalho.
Conheço o Vinicius há cerca de duas décadas e pude testemunhar que foram
marcantes as suas passagens pelas entidades que defendem os direitos autorais
das indústrias da música, do cinema e de programas de computador. O mesmo
afinco com que ele se desincumbiu das missões que lhe confiaram MPA, APDIF,
ABES, BSA, ADEPI dentre outras, aqui também empregou para literalmente
dissecar o “crowdfunding”.
Com um poder de sumarização invejável, o autor logrou sintetizar em pouco
mais de uma dezena de capítulos, temáticas complexas que incluem a origem do
financiamento coletivo; a definição prática do que é o crowdfunding e suas
diversas formas (financiamento de produtos; de serviços; de startups; de
empréstimos; de investimentos); Os riscos inerentes a essa atividade e seus
formatos operacionais; questões de natureza tributária inerentes ao segmento;
os riscos legais envolvidos nessa prática (seja pela ausência de regulamentação
seja pela similaridade de algumas variações de financiamentos coletivos com as
atividades regulamentadas pelo Banco Central). Não se esqueceu o autor de
discorrer sobre as medidas legais aplicáveis (incluindo os aspectos de natureza
cível e penal) e também sobre a premente urgência de uma regulamentação da
matéria pelo Congresso Pátrio.
Pela dinâmica que cerca o crowdfunding e também em razão da pujança com que
essa atividade tem ocupado o seu espaço, estou certo que a empreitada do Autor
não se encerra com o lançamento da primeira edição da publicação: restar-lhe-á
a missão de atualizar permanentemente esta Obra, tanto para enriquecer o livro
com as novas modalidades de financiamentos coletivos que o mercado brasileiro
por certo se encarregará de lançar - fruto da enorme capacidade criativa nos
nativos deste País Continental - como também para incorporar ao texto as
normas regulamentadoras que por certo serão editadas pelo legislador pátrio.
Por ter percebido essa necessidade, o Autor optou por lançar inicialmente a
edição digital do “Dinheiro da Multidão”.
Recomendo o livro cuja honra do Prefácio a mim foi confiada para todos aqueles
quem tenham interesse em envolver-se com o crowdfunding seja diretamente
como Apoiador, Criador ou Gestor de financiamentos coletivos, assim como
indico a leitura desta publicação a todos os operadores do direito.
Manoel Antonio dos Santos
Advogado especialista em Direito de Informática
Diretor Jurídico da ABES – Associação Brasileira das Empresas de Software.
I. COMEÇANDO DO COMEÇO...
“Quando você tem uma realidade que ela ainda não foi percebida pelo mercado (e
mercado é a realidade + percepção), significa que ela ainda não foi precificada!” –
Flavio Augusto da Silva
Por mais que a internet venha popularizando a escrita e a divulgação de obras,
escrever um livro, mesmo que em formato e-book, é uma tarefa deliciosamente
audaciosa. Afinal, independente da quantidade de leitores que ele atingir, suas
idéias, conceitos e até mesmo pontos de vista se tornam públicos a partir do
lançamento. Como os filhos... Depois que estão no mundo, cabe-nos apenas
educar, mas controle sob eles é uma ilusão.
Pois bem, eu resolvi correr esse risco. Já há tempos tenho idealizado escrever
algo mais substancioso e focado do que as matérias do blog “No país da
fiscalização”, o qual mantenho há vários anos tentando falar de assuntos novos,
com um enfoque no cruzamento da burocracia brasileira com as novidades e
absurdos criados pelos legisladores. Isso tudo em contraposição às inovações do
mercado, que não aguardam leis ou regulamentos para se tornarem um sucesso.
Afinal, quem há 5 anos imaginaria o poder das redes sociais como nós as
conhecemos? Aliás, quem falaria que essas “redes” se tornariam alvo da maior
revolução da comunicação já vivida pela humanidade? Vídeos, textos, gráficos,
fotos, imagem e som... Tudo ao alcance dos seus dedos, do seu teclado e do seu
mouse.
O tema que escolhi para essa aventura foi justamente o que veio para
revolucionar, para sempre, a forma como nos relacionamos com o financiamento
de bens, serviços, instituições de caridade, empresas e até mesmo governos e
bancos. Não pretendo fazer qualquer apologia reacionária contra o sistema,
contra o mercado, contra a política. Já passei dessa fase.
O objetivo é justamente trazer ao mercado alguns conceitos e reflexões que estão
sendo pouco considerados quando se trata de novas tecnologias, especialmente
pela teia burocrática existente no Brasil e que é responsável pela mortalidade
absurda de startups. Além disso, muitas empresas já estabelecidas, quando
adotam um modelo inovador de negócios, encontram-se às escuras com as
exigências tradicionais e arcaicas do fisco, a ponto de simplesmente
abandonarem segmentos espetaculares unicamente pela falta de preparo
daqueles que deveriam garantir, no Brasil, o desenvolvimento da inovação.
Portanto, o foco é esse: mostrar que o mercado de financiamento coletivo
precisa, com urgência, “preparar-se para o despreparo da burocracia brasileira”,
dos legisladores, das regras contábeis adequadas e da fome arrecadatória do
fisco.
A missão desse livro é ajudar a esclarecer alguns caminhos que, se já não foram
percorridos, certamente o serão por aqueles que se aventuram nas duas pontas:
na criação de sites de financiamento coletivo e no uso do financiamento coletivo
para fomentar projetos que são do seu interesse. Vou tentar de forma simples (se
é que isso é possível com tantas leis insólitas nesse país), delinear alguns pontos
crônicos, possibilidades jurídicas, análises comerciais, enquadramentos
contábeis, enfoques práticos... Enfim, quero tentar ajudar quem investe em nosso
país, diante desse magnífico mercado que se abre com o uso das redes sociais e a
“força da multidão”.
Questões e mais questões surgem em todas as frentes. Algumas delas já
abordadas no meu blog (www.nopaisdafiscalizacao.com.br). Além disso, meu
insight final para esse e-book foi o convite que recebi do querido Alan Jones, para
dar uma entrevista ao Blog Talkfunding.com (www.talkfunding.com) exatamente
sobre a indústria de crowdfunding no Brasil. As perguntas simplesmente
detonaram a necessidade de escrevermos o primeiro livro brasileiro sobre
crowdfunding, com o máximo de conteúdo disponível para aqueles que querem
empreender nesse segmento.
Ao contrário de tantos sites especializados, que possuem e-books sobre como “se
fundear”, onde eles explicam e direcionam as melhores práticas para que os
proponentes de projetos possam ter mais chances de sucesso, nosso objetivo
está nos empreendedores do mercado, ou seja, os audaciosos que estão criando
as plataformas para que a multidão possa encontrar aquilo que lhe interessa.
Não que eu não queria tratar do tema dos projetos (teremos um capitulo sobre
isso), porém o foco do livro está no empreendedorismo que viabiliza a conexão
entre projetos e investidores. Como cresci em uma família de empreendedores,
tenho o gene em rotação máxima, a partir do qual acredito que a evolução dos
países, dos povos e da humanidade está bastante vinculada às inovações criadas
por aqueles que encaram as dificuldades e criam seus negócios, geram emprego
e pagam impostos, seja em que segmento for.
Enfim, vamos ao desafio... E que Oxalá nos permita a serenidade necessária a um
conteúdo relevante e útil a todos os interessados!
II. ANTEPASSADOS DO FINANCIAMENTO COLETIVO (CROWDFUNDING)
“É chegado o momento que raramente acontece na historia, quando nos saímos do
velho e vamos para o novo (...)” – Jawaharlal Nehru
Certamente estamos falando de um mercado muito recente, de 2 a 3 anos para
cá. Mas, sem dúvida, todas as grandes sacadas da humanidade (incluindo
modelos de negócios revolucionários) têm aquela historinha, que remonta a uma
semente lançada por alguém, um insight, uma origem em princípios básicos, em
algum canto e que no final tornou-se a nova onda do mercado.
Além disso, toda obra necessita de fundamento histórico, caso contrário ficamos
muito a margem da essência do conhecimento que despertou aquela inovação,
sem falar na fragilidade de obra pela ausência dos argumentos de “autoridade”. É
como assistir “A rede”, filme sobre o Facebook.com. Existiu uma história, um
start, um piloto... e depois um sucesso mundial!
Com o financiamento coletivo não poderia ser diferente.
Não irei buscar raízes muito profundas, pois o objetivo não é esse, mas já adianto
que existem indícios históricos extraordinários sobre a origem das redes sociais
e sua evolução, remontando a épocas anteriores ao nascimento de Cristo.
Gosto muito dos fundamentos históricos apresentados em um infográfico
interessante divulgado pela Fundable.com (www.fundable.com), que datam do
Sec. 18 os indícios do que poderíamos considerar um financiamento coletivo
muito próximo da forma como o conhecemos. Mercadores irlandeses deram
origem a microfinanciamentos para produtores rurais de sua região, como forma
de viabilizar suas pequenas produções familiares para serem vendidas nos
mercados.
Esse formato não se confundia com a atividade bancária, justamente por ter
como foco a viabilização da atividade fim do mercador, e não o lucro ou o juro em
si. Claro que existia a remuneração ou compensação monetária pelo ato, mas de
uma maneira muito reduzida. A base do microfinanciamento estava na rede de
contatos dos mercadores e quem eles indicavam, em uma clara expressão do uso
da “rede social” individual para validar as operações (credibilidade do
networking).
Nessa esteira, formaram-se instituições ao longo do sec. 19 especializadas em
microcrédito, sempre com foco na disseminação mais da atividade do que do
lucro em si. A rentabilidade era praticamente 100% reinvestida para viabilizar
outros financiamentos para novas pessoas e assim um ciclo virtuoso se formava.
O marco inicial que podemos sinalizar sobre o moderno crowdfunding seria o
uso da rede social, por uma banda de rock inglesa, para montar sua turnê nos
EUA, pedindo a seus fãs norte-americanos doações equivalentes a 60.000 dólares
para que os shows fossem viáveis. Estamos no final dos anos 90 e com isso
cunha-se o termo “crowdfund” (que em tradução livre chamaríamos de “fomento
da multidão”). Nascia aí o tripé “capacidade X possibilidades X interesse” que
torna o financiamento coletivo uma das maiores máquinas de agregação
financeira e de resultados práticos, já criada na história moderna, sem
intervenção estatal.
Para os interessados, acessem esse link com uma linha do tempo bem bacana
sobre todas as redes sociais mais conhecidas (e outras nem tanto!) – Veja aqui.
Com o advento das redes sociais digitais (*), a alavancagem para a comunicação
massiva em torno de interesses comuns tornou-se exponencial. A partir do
momento em que os empreendedores foram capazes de capitalizar formas
comerciais para esse “meta-data” de contatos, surgem os sites especializados em
financiamentos coletivos em massa, dos mais diversos segmentos: projetos
filantrópicos, societários e de empréstimos, tais como conhecemos hoje.
Em minha modesta análise, o foco de grande proliferação e campo de testes para
o modelo atual de crowdfunding, ocorreu durante o advento dos sites de
“compras coletivas”, os quais, particularmente no Brasil, ultrapassaram a casa
dos milhares em menos de 6 meses.
Casos emblemáticos, problemas com consumidores, mídia divulgando novidades
e absurdos. Até hoje vemos um aqui e outro acolá sobre o assunto, mas de forma
bem reduzida. Porém, através deles e graças a eles, os empreendedores puderam
observar o potencial de movimentação financeira dos grupos sociais de mesmo
interesse e a facilidade que os meios de pagamento eletrônico proporcionaram
para que pudessem desenhar um modelo de negócio, agora um pouco mais
avançado e direcionado, para o financiamento coletivo.
A idéia de que determinada oferta em um restaurante só poderia ser “ativada”
após um número mínimo de pessoas aderirem àquela oferta, é a base atual da
massiva maioria dos sites de financiamento coletivo de projetos. No meu blog
“No país da fiscalização”, ficamos durante 5 semanas como top 10 do Google no
assunto, pois, naquela altura, tratamos tecnicamente sobre diversas dúvidas e
riscos tributários que os empresários do setor estavam enfrentando.
Desenvolvemos modelos de contratos específicos e com segurança jurídica
direcionada ao novo modelo de negócio e orientamos centenas de empresas do
segmento a como escriturar contabilmente seus ganhos naquele nicho
empresarial.
Não menos importante, esse modelo de negócio (o das compras coletivas)
possibilitou aos empreendedores do segmento manipularem somas
consideráveis de dinheiro, especialmente quando as ofertas não eram “ativadas”
(e atualmente quando os projetos não são financiados), o que trataremos mais
tarde. Mas aqui, sem dúvida alguma, aguçaram-se os sentidos de capitalização do
dinheiro coletivo em função dos interesses e da facilidade de agregação. Não
podemos deixar de assinalar que, sem a indústria moderna dos meios de
pagamento digitais, pouco do que vemos hoje seria possível com o nível de
segurança existente nas transferências de valores digitais.
Indubitavelmente, por mais avançado que pareça o estágio em que nos
encontramos, acredito estarmos somente no início do pleno emprego de tudo
aquilo que o financiamento coletivo ainda pode oferecer. Até então, ainda são
poucos os segmentos envolvidos no Brasil. Existe ainda muita resistência, falta
de regras claras e riscos potenciais na esfera fiscal, tributária e de direitos do
consumidor.
III. MAS AFINAL O QUE É FINANCIAMENTO COLETIVO?
“Logo que, numa inovação, nos mostram alguma coisa de antigo, ficamos
sossegados.” – Friedrich Nietzsche
Em um e-book, nada mais justo do que utilizarmos as fontes da Internet para
alimentar os fundamentos daquilo que estamos analisando. Assim, fomos buscar
na Wikipédia a definição mais atual de crowdfunding ou financiamento coletivo,
a saber:
“O financiamento coletivo (crowdfunding) consiste na obtenção de capital para
iniciativas de interesse coletivo através da agregação de múltiplas fontes de
financiamento, em geral pessoas físicas interessadas na iniciativa. O termo é
muitas vezes usado para descrever especificamente ações na Internet com o
objetivo de arrecadar dinheiro para artistas, jornalismo cidadão, pequenos
negócios e start-ups, campanhas políticas, iniciativas de software livre, filantropia
e ajuda a regiões atingidas por desastres, entre outros.
É usual que seja estipulada uma meta de arrecadação que deve ser atingida para
que o projeto seja viabilizado. Caso os recursos arrecadados sejam inferiores à
meta, o projeto não é financiado e o montante arrecadado volta para os
doadores.”1
Segundo o Deputado Federal Jean Willys, em sua consulta junto ao TSE acerca da
possibilidade do uso de financiamento coletivo para campanhas eleitorais,
definiu crowdfunding da seguinte forma:
“O financiamento coletivo consiste na obtenção de capital para iniciativas de
interesse coletivo através da agregação de múltiplas fontes de financiamento, em
geral pessoas físicas interessadas na iniciativa. Traduz-se por ações na Internet
(websites) com o objetivo de arrecadar dinheiro para diversos fins.”
Para Gil Giardeli, considerado um dos maiores especialistas em
compartilhamento e novas economias digitais do país, “Novas palavras
inventadas para expressar o compartilhamento aparecem: crowdfunding,
crowdsoursing, crowdacting... O primeiro é o financiamento pela multidão, ou seja,
a mobilização coletiva de consumidores na internet, que custeia desde pequenos
projetos até grandes shows e filmes que não estão mais em cartaz, sem precisar
esperar que uma empresa ou organização faça isso. (...)”2
Temos ainda, a definição traçada pelo Banco Mundial, em seu estudo sobre os
impactos do crowdfunding nos países em desenvolvimento, o qual tomaremos
como referencial global para abranger o assunto, como segue (tradução livre):
1
2
Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Crowdfunding
In Você é o que você compartilha. Ed. Gente. P. 28
“Crowdfunding é uma forma compatível com a Internet para negócios ou outras
organizações para arrecadar dinheiro na forma de doações ou investimentos a
partir de vários indivíduos.”3
De forma mais simplista, nada mais é do que utilizar sua rede social digital para,
através da divulgação também digital do seu projeto, pedir doações em troca de
prêmios para as pessoas que gostariam que o objetivo fosse alcançado. Um
grande valor rateado por milhares torna-se muito pouco para quem contribui,
porém muito para quem, somando todos, recebe. Esse é o princípio básico do
crowdfunding.
Alguns nomes de sites são bem sugestivos e demonstram exatamente a essência
desse tipo de negócio no Brasil, que é nosso foco. Vaquinha social
(www.vaquinhasocial.com.br), um site do gênero, é a expressão mais popular e
próxima do que representa para o brasileiro o movimento do financiamento
coletivo no mercado nacional. Todos se juntam, escolhem, financiam e sentem-se
realizados por contribuir com algo maior, “o projeto”. E de quebra tem muita
gente ganhando dinheiro com isso.
Outro traço marcante do financiamento coletivo é o engajamento com a causa,
com a identidade entre o financiador e o projeto. A coisa é realmente passional,
chegando a atingir níveis inimagináveis de divulgação, disseminação da ideia e
volume de arrecadação. Projetos populares e que consigam atrair o gosto do
público participante, facilmente ultrapassam a casa dos milhões, em tempo
recorde. Causas sociais e mobilizações humanitárias são capazes de atingir
dezenas de milhões em dias ou até horas.
No Brasil temos situações ainda pontuais de projetos que atingiram os milhares
de reais. Contudo, entendo que isso está ainda relacionado ao nosso formato de
negócio e ao receio que nós ainda temos de utilizar meios de pagamentos
eletrônicos (os brasileiros culturalmente não costumam ser “early addopters” de
inovações tecnológicas que envolvam uso de dinheiro via internet), em
detrimento dos boatos de insegurança, roubo de dados, complexidade de
devolução dos valores e garantias de que o dinheiro realmente será utilizado
para a finalidade divulgada no projeto. É uma questão mais de credibilidade do
que de capacidade financeiro-contributiva.
Até o fechamento dessa obra, o mais expressivo projeto a atingir recorde de
arrecadação com o uso de financiamento coletivo no Brasil foi da
empreendedora
Bel
Pesce,
através
do
site
Kickante
(http://www.kickante.com.br/campanhas/bel-pesce-legado-menina-do-vale)
que arrecadou, por enquanto, mais de R$ 825.000 antes do vencimento do prazo
da campanha, mesmo diante de uma meta audaciosa de R$ 260.000 iniciais. Um
sucesso calcado em planejamento, estratégia de marketing e muito trabalho!
3In
Crowdfunding’s Potential for the Developing World. 2013. infoDev, Finance and Private
Sector Development Department. Washington, DC: World Bank. P. 8
IV. PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO NEGÓCIO
“Chegou o tempo de preencher as lacunas que nos separam, chegou o tempo de
construir.” – Nelson Mandela
Entendido o conceito de crowdfunding, passaremos a analisar as características
principais, somadas aos riscos potenciais, aos reais e aos inerentes do modelo de
inovação adotado. Empreendedores de todos os portes e segmentos têm
idealizado sobre o uso dessa nova forma de arrecadação coletiva para seus
projetos, esquecendo-se, contudo, que uma exposição dessa natureza de sua
marca ou empresa pode ser um sucesso meteórico tanto quanto uma exclusão
catastrófica do mercado.
Como tenho falado desde o início, o objetivo não esta centrado no projeto ou no
financiador do projeto (ambos usuários dos sites de crowdfunding), mas sim na
figura da empresa e do empreendedor que atua no segmento. Isso não significa
que não faremos menção a questões ligadas ao projeto ou sua forma de
estruturação, mas como já frisamos anteriormente; sites altamente gabaritados e
especializados já discorreram verdadeiros tratados sobre o tema com muito
mais propriedade.
Uma das características principais que gosto de assinalar está em dois pontos da
campanha da maioria dos sites de fomento coletivo:
1) Limite mínimo para “ativação” do projeto e consequente transferência
dos valores doados ao idealizador (existem exceções);
2) Inexistência de limite máximo de contribuição para participação de
doações no projeto, enquanto a campanha estiver aberta;
Sei que pode parecer simples, mas na verdade, os detalhes desse formato
indicam situações com reflexos operacionais, fiscais, tributários e financeiros
extremamente relevantes sobre os quais, em um futuro breve, ouviremos
notícias da mídia sobre essa condição imposta aos usuários dos sites de
financiamento coletivo. Falaremos mais sobre isso adiante.
Com relação à criação, divulgação e arrecadação do projeto, os sites em geral
criterizam o conteúdo enviado pelos potenciais arrecadadores e, após essa
análise (que pode variar bastante, dependendo do segmento e do formato do site
e da campanha), o material produzido vai para o ar e começa a ser divulgado em
todos os canais possíveis de mídias sociais existentes.
Ao final da campanha, se ela for bem sucedida, o site transfere o total dos valores
arrecadados ao idealizador, descontando-se um percentual relativo aos serviços
prestados pela intermediação dos canais de divulgação. Caso a campanha não
seja “ativada”, ela é encerrada no site e os valores doados ao projeto retornam
aos seus financiadores, em geral na forma de crédito para outros projetos dentro
do próprio site ou reembolsando diretamente em dinheiro (falaremos mais
detidamente sobre isso).
Para facilitar o estudo e a compreensão, dividiremos em 5 os formatos mais
comuns de negócio baseados em crowdfunding, que seriam os seguintes:
a) Financiamento filantrópico ou para projetos sociais;
b) Financiamento de produtos ou serviços, existentes
desenvolvimento;
c) Financiamento para a abertura de startups (novas empresas);
d) Financiamento de empréstimo para pessoas ou empresas;
e) Financiamento de clubes de investimento.
ou
em
Iremos explicar melhor cada um desses formatos. Como já dissemos essa divisão
não é exaustiva e certamente, em pouco tempo, precisará ser revisada para
acomodar novos segmentos que poderão ser fomentados através do dinheiro das
multidões. Em tempo, indico aos interessados um link do Pinterest.com que
mostra a vasta gama de segmentos de mercado e negócios que podem ser
atingidos através do financiamento coletivo mundo afora. Veja aqui.
A) FINANCIAMENTO FILANTRÓPICO OU PROJETOS SOCIAIS
A forma mais comum e inicial de praticamente todos os projetos de
crowdfunding mundo afora. Consiste basicamente na divulgação, para um nicho
de pessoas, de projetos com características muito próprias, com a finalidade de
viabilizar a realização do objetivo, como por exemplo, uma turnê artística,
musical, uma ação humanitária relevante para regiões afetadas por desastres
naturais ou mesmo socorro emergencial a determinadas instituições ou pessoas
carentes. Eventos educacionais e congressos utilizam também esse formato.
Esses financiamentos adotam principalmente o formato de doação, em troca de
uma recompensa, geralmente simbólica pela participação, quase sempre sem
cunho financeiro, até pela própria característica do projeto. Um dos segmentos
mais interessantes e que já angariou mais de 1 bilhão de dólares nos últimos
tempos é o de sites especializados em ajudar pessoas a pagar despesas medicas e
tratamentos de saúde nos Estados Unidos4.
Como o foco está na doação, muitos dos participantes enviam dinheiro sem se
preocupar com o retorno, mas unicamente por questões altruístas e socialmente
relevantes. Projetos espetaculares para moradores de rua, mães solteiras,
crianças doentes, portadores de necessidades especiais, socorro e preservação
de animais, entre outros, possuem caminho farto para fomento coletivo. O apelo
emocional predomina sobre qualquer correlação financeira, e os valores de
doação envolvidos em geral são baixos, justamente para atingir o máximo
possível de doadores junto à população.
Sem dúvida o maior fomentador público disso, e certamente beneficiado foi o
presidente Barack Obama, dos EUA, quando de sua primeira eleição presidencial.
4
http://www.foxbusiness.com/personal-finance/2014/09/18/5-crowdfunding-websites-tohelp-pay-off-medical-bills/
Barack criou uma rede de doações para sua campanha para que todos os que
quisessem, pudessem fazê-lo via celular, computador etc. Arrecadou milhões
com seu slogan “Yes, we can” e mostrou ao mundo que, quando o povo quer,
inclusive dinheiro torna-se relativo. A meu ver um dos maiores exemplos de
projeto social bem sucedido da historia moderna do financiamento da multidão.
B) FINANCIAMENTO DE PRODUTOS E SERVIÇOS
Sem sombra de dúvida esse formato modificou radicalmente a forma como a
indústria desenvolvia produtos há 10 anos. Em uma situação hipotética
simplista, todas as vezes que alguém queria lançar um novo produto ou serviço,
dependia de um financiador, banco ou indústria, que deveria acreditar no projeto
do produto para financiá-lo. Com isso, se o produto fosse um fracasso, assumiase o prejuízo. Se fosse um sucesso, os contratos de direitos sobre a marca
simplesmente inviabilizavam o ganho de escala do desenvolvedor.
Com a indústria do crowdfunding, desenvolvedores e empresas começaram a
testar a receptividade de novos produtos e serviços antes mesmo de serem
lançados. Com protótipos bem desenhados e funcionais, formatam projetos
interessantíssimos e divulgam em sites com essa finalidade, numa busca pela
validação da idéia, do conceito, do design.
Abrem as portas aos futuros consumidores para que digam o que gostam, o que
não gostam e de que forma querem. Atribuem, na maioria das vezes,
recompensas ligadas ao novo produto ou serviço, como forma de “premiar”
quem acreditou na ideia. Personalização do produto final, notas de
agradecimento público ou nos materiais de divulgação da marca são alguns dos
exemplos para esse tipo de campanha.
Além de tudo isso, acabam ainda obtendo um bom dinheiro inicial e sem custo
elevado para concluir as pesquisas, os protótipos e até lançar a primeira linha de
produtos e serviços. Não raras são as situações em que o projeto busca R$ 100
mil e arrecada R$ 1 milhão. Afinal, outra característica especialíssima dos
instrumentos de fomento coletivo está na ausência de limite do número de
participantes.
Dessa maneira, o formato de financiamento e desenvolvimento de novos
produtos passa por um frenesi coletivo espetacular, já que, com todo esse
potencial da massa para analisar um novo lançamento, sendo ele bem recebido
no projeto, imagine no mercado na versão final.
C) FINANCIAMENTO PARA ABERTURA DE STARTUPS
Outro formato bem interessante do crowdfunding, está na capitalização de
investidores para o lançamento de empresas inovadoras, as chamadas startups.
Em síntese, consiste no desenvolvimento de um projeto onde se apresenta o
business plan da empresa, seu foco, mercado, clientes em potencial, produto ou
serviço inovador, nicho etc.
De posse disso, oferece-se aos financiadores uma participação sobre os lucros da
futura companhia ou mesmo nas participações acionárias que justifiquem a
doação dos valores investidos.
Esse formato de negócio particularmente me encanta pela originalidade e
transparência. Contudo, no Brasil especialmente, sofre impactos negativos diante
do sistema legal, comercial e burocrático que possuímos, de maneira que iremos
tratar dele especificamente no capitulo “burocracias”, que entravam os
financiamentos coletivos país adentro. Países como Estados Unidos, Inglaterra,
Coreia do Sul e Canadá estão se estruturando para viabilizar limites e regras. Já
na Austrália, o governo elegeu como prioridade flexibilizar, com urgência as
regras para esse tipo de financiamento coletivo, dado a importância que isso
atingiu no mercado local5.
Mas, deixando essa analise nesse momento, o formato é interessante e torna-se
um instrumento poderoso para que os futuros empreendedores possam
desenhar modelos de negócios que foquem na qualidade da empresa, no
segmento de mercado e na forma de distribuição dos futuros resultados
positivos. São projetos que costumam envolver somas mais consideráveis de
participação coletiva, tendo como contrapartida não as recompensas
tradicionais, mas sim as equivalências de participação nos negócios. No Brasil o
site mais emblemático nesse segmento é o eusocio.com (www.eusocio.com.br)
Existem casos curiosos de empresas que atingiram a casa dos milhares de “novos
sócios” em razão da cessão de participação oferecida pelo empreendedor. Em
contrapartida, elas obtêm dinheiro no mercado sem qualquer custo extra e sem
intermediários (bancos, corretoras, agentes etc.), demonstrando, por outro lado,
que o formato atual de ações e cotas societárias já está ultrapassado para o
modelo que vem surgindo no mercado. Bolsa de valores parece estar se tornando
coisa do passado!
Nesse setor, existem meandros contratuais sensíveis e que merecem muita
atenção, tanto dos arrecadadores, quanto dos sites que fazem a intermediação
com a multidão. O formato societário, a distribuição de lucros, o rateio de
prejuízos, a responsabilidade tributária perante o fisco brasileiro, a comprovação
da origem dos valores investidos, a demonstração do uso adequado dos
investimentos... Enfim, detalhes minuciosos que, se passarem despercebidos,
podem culminar não só com o fim da empresa, mas com situações civis e
criminais muito desagradáveis sob o ponto de vista comercial. Prometo voltar a
esse ponto na hora certa!
5
http://www.brw.com.au/p/investing/government_prepares_to_relax_equity_xrSQPzUiuS1z2BE1
DKQP7L
D) FINANCIAMENTO DE EMPRÉSTIMOS
Outro segmento polêmico, porém não menos promissor, está no financiamento
coletivo de empréstimos diretos a pessoas ou empresas para que quitem suas
dívidas, alinhem seu fluxo de caixa ou simplesmente façam novos investimentos
no negócio, sem a intermediação bancária ou dos agentes tradicionais.
Com a adesão em massa dos novos meios de análise de crédito e risco (credit
score) de mercado, as análises de informações e de potencial de pagamento
tornaram-se muito mais acessíveis. Além disso, as pessoas e empresas possuem
acesso a um volume assustador de informação esclarecedora, de maneira que
podem optar por buscar no mercado outras formas de financiamento de suas
dívidas ou projetos sem terem de se curvar às exigências cada vez mais rígidas
dos sistemas financeiros tradicionais.
Novamente, no Brasil, ainda é um setor muito pouco explorado, basicamente, a
meu ver, pela prematuridade dos instrumentos de análise de crédito (ainda
esparsos e deficitários em relação a outros países), bem como pelos entraves
legais e burocráticos para esse tipo de operação interna de empréstimos. Os
juros praticados no Brasil, igualmente, são outro limitador para esse tipo de
financiamento. Mas muito em breve teremos notícias de um formato próspero
nesse ramo de atividade. Uma das mais respeitadas consultorias do mundo, a
KPMG já começa a se manifestar6 sobre determinados pontos do crowdfunding
internacional, justamente por observar seu potencial de afetar os meios
tradicionais de empréstimo e circulação de riqueza a partir dos juros.
Uma delas já circula na internet, não sobre campanhas desse tipo por aqui, mas
sobre a preocupação do “tradicional” sistema bancário com a força desse tipo de
atividade coletiva. O Santander já iniciou movimentos7 para fechar parcerias com
grandes sites de empréstimo coletivo no exterior, em um claro movimento de
respeito pela concorrência: afinal, subestimar o poder das multidões pode ser
muito arriscado para o meio como os bancos atualmente se relacionam com seus
clientes. Não podemos esquecer que, movimentos nesse sentido certamente irão
despertar a atenção do Banco Central para regulamentar potenciais players
desse segmento.
Esse tipo de financiamento coletivo de endividamento ou de investimentos,
apesar do risco, apresenta taxas de retorno muito mais interessantes,
especialmente pela diluição do risco global, em detrimento do rateio do
resultado operacional esperado. Some-se a isso que pequenas empresas e
pessoas físicas endividadas não são um alvo de interesse bancário. E mais: dados
do Ipea8 mostram que no Brasil somos apenas 50 milhões de pessoas com conta
bancária. Os outros 53 milhões ainda utilizam unicamente dinheiro para todas as
http://www.crowdfundinsider.com/2014/09/48611-kpmg-banks-wonder-crowdfundingfriend-foe/
7 http://www.crowdfundinsider.com/2014/09/50217-capgemini-will-see-acquisitions-p2plending-platforms-banks-soon/
8http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=2498:catid
=28&Itemid=23
6
suas transações financeiras, ou seja, um vasto campo de ação e crescimento de
mercado se for bem explorado.
Atrelado a isso, surge um pujante e próspero setor de análise pré-operacional
dos projetos apresentados, uma verdadeira due dilligence sobre o caso, com fins
de analisar a viabilidade, garantias, capacidade de pagamento, liquidez entre
outras. Os profissionais atrelados aos sites que atuam nesse ramo de
financiamento são altamente gabaritados e possuem faro para situações
potencialmente problemáticas. Até por isso, uma das características principais
de sites desse tipo é que praticamente todas as campanhas só podem ir ao ar
após a analise e aval dessa equipe. Sem isso, não há sequer a divulgação da
campanha para evitar o risco de um fracasso financeiro deplorável aos olhos do
mercado.
E) FINANCIAMENTO EM INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO
Essa nomenclatura do item “E” foi sugerida por mim, haja vista que, em geral, ela
fica dentro do financiamento de produtos e serviços. Porém, segundo minhas
análises, ela possui alguns traços peculiares e únicos, que justificam seu destaque
didático.
Tem-se iniciado no Brasil de forma tímida, novamente em razão dos entraves
burocráticos e legais. Porém, especialmente nos EUA, tem sido uma das
expressões mais fortes de reaquecimento da economia norte americana,
especialmente após o presidente de lá promulgar uma legislação especifica que
trata e regulamenta o tema, ao menos em seus pontos principais, conhecida
como Jobs Act. Falaremos dela mais detidamente no momento adequado.
Em resumo, trata-se do financiamento dos antigos “clubes de investimento”,
onde pessoas que queriam adquirir participações ou aquisições de maior vulto,
reuniam-se com seus pares e “cotizavam” um capital em dinheiro para
determinada finalidade. Em outras palavras, se alguém queria comprar um
prédio e não tinha o valor total, reunia os amigos e somavam tantas cotas
quantas fossem necessárias para viabilizar a compra do prédio. Ao final, com a
revenda ou aluguel do imóvel, rateavam entre si os resultados.
Na prática, o financiamento de clubes de investimento está ancorado no mercado
imobiliário, em primeira instância. Existem dezenas de segmentos
potencialmente promissores (eu mesmo fiquei impressionado com alguns que
encontrei, tais como comprar poços de petróleo no Texas com financiamento
coletivo, ou construir o maior condomínio vertical do mundo na Colômbia, etc.),
mas o mais expressivo até o momento sem dúvida alguma é o imobiliário.
Seja para a compra de imóveis e revenda, seja para a compra de terras,
construção de imóveis e revenda, seja para compra e aluguel, o mercado de
financiamento coletivo cresce em números dezenas de vezes mais rápido do que
todos os demais reunidos. No Brasil especialmente, em que existe demanda
reprimida para habitação e locação de imóveis de alto desempenho e
modernidade, mostra-se um prato cheio para os empreendedores do ramo se
estruturarem e idealizarem seus próximos passos.
A força da coletividade em financiamentos desse tipo está esbarrando em
regulações da década de 60/80, onde os mercados, ainda muito fechados,
tentavam regular tudo aquilo que não podiam controlar, especialmente no Brasil
em que as questões democráticas estavam em franca decadência.
Contudo, como somos um país legalista, de fundamentação legal romana,
baseada não nos costumes, mas na legislação escrita, sem a devida modernização
legal, esse ramo de atividade continua travado, estando adstrito somente aos
chamados “investidores qualificados”, tornando-se um limitador não para os
projetos, mas para quem pode efetivamente investir neles. A CVM, Receita
Federal e Banco Central precisam urgentemente produzir ou rever suas
instruções normativas para que essas atividades deixem de navegar no limbo e
tornem-se prósperas geradoras de emprego e renda.
Um dos exemplos mais significativos e inspiradores nesse segmento está na rede
Prodigy Network (www.es.prodigynetwork.com) atualmente envolvida em uma
operação bilionária de crowdfunding e rodada de investimentos. A história dessa
rede de financiamento coletivo especializada em imóveis (real state)
impressiona pela audácia e pelo sucesso. Surgida em 2003, lançou um arriscado
projeto de construir o primeiro arranha-céu na capital colombiana de Bogotá,
denominado
BD
Bacatá
através
de
financiamento
coletivo
(http://es.prodigynetwork.com/portfolio_projects/bd-bacata/).
Não só conseguiram atingir a meta (será entregue em 2015) como lançaram
outros projetos ainda mais audaciosos, que envolvem prédios comerciais em
Mannhatan (NY, USA) e os consagrou como o maior recordista em campanhas de
arrecadação para financiamento coletivo imobiliário da historia mundial. Em sua
última cartada, fecharam uma parceria estratégica com grandes fundos
imobiliários norte americanos e concentraram o valuation da empresa em mais
de 68 milhões de dólares9. Nada mal para comprar imóveis com o dinheiro da
multidão, não acham?
Outro exemplo emblemático e de inovação dentro do próprio segmento de
financiamento coletivo, são os refinanciamentos de imóveis privados, propondo
taxas anuais de juros bem interessantes aos investidores. Mais detalhes sobre
esse formato pode ser estudado no site www.crowdproperty.com .
Como vocês podem notar, os segmentos foram exemplificativos. Como tudo é
muito novo, novas formas e divisões podem ocorrer, mas nesse momento nos
parece a mais adequada ao que temos visto no mercado.
Importante notar que, comum a todos os segmentos, está o compromisso de
lealdade dos arrecadadores com seu público alvo, seus financiadores. Afinal, por
9
http://www.crowdfundinsider.com/2014/09/50163-largest-real-estate-crowdfundingplatform-prodigy-network-closes-68-5-million-manhattan-property/
mais lindo e completo que esteja o projeto, por mais que os sites possuam
equipes altamente capacitadas para análise de situações de risco, e por mais que
essas equipes sejam especializadas em analisar os potenciais negócios, a empatia
entre o financiador e a idéia global ofertada pelo arrecadador ainda é o fator de
maior relevância nesse segmento. Credibilidade é a palavra!
Afinal, a força da multidão está na confiança e na crença de que, aquilo que se
divulgou e que se comprometeu, é exatamente aquilo que será executado. É um
mercado que não permite desvios (ao menos não sem uma punição comercial
violentíssima através das redes sociais), tampouco busca culpar inocentes em
razão dos culpados. É um mercado que age de forma implacável com o
mentiroso, com o enganador, com o esperto, com o descomprometido. Como
tudo está online e tudo é compartilhável, qualquer deslize por parte do gestor do
projeto relativamente a informação real e a divulgada transforma-se em ondas
incontroláveis de execração pública e eliminação por completo de novas
tentativas.
Somam-se a isso as mentes criminosas que podem circular por esses meandros,
criando projetos com fins escusos aos já divulgados aqui, e que certamente não
irão desistir de arrebanhar essa horda de doadores para causas nobres, para
seus projetos irregulares e ilegais. Um caso clássico seria o uso de projetos de
crowdfunding para lavagem de dinheiro, já que, no final das contas, em razão da
falta de regulamentação, pouca ou nenhuma informação é disponibilizada pelos
sites sobre a origem dos fundos que são transferidos aos arrecadadores. E sem
isso, fica difícil demonstrar que quem efetivamente doou, poderia doar, ou que a
quantia que foi doada realmente era declarada. Estudaremos essa situação no
capítulo que trata dos casos no Brasil que potencializam o risco de situações
como essa.
V. RISCOS INERENTES AO FORMATO COLETIVO
“Acabou a privacidade de sua empresa. Nada mais deve ficar escondido e tudo é
novo, porém sem espaço para erros.” – Gil Giardeli
Como todas as atividades empresariais, não podemos deixar de tratar de alguns
riscos aplicáveis ao tipo de negócio, de maneira que o empreendedor necessite
prever, alinhar e minimizar tais efeitos. Reforçando que nosso foco está no
empreendedor do site que viabiliza as campanhas de arrecadação.
Podemos dividir os riscos em três segmentos: operacionais, financeiros e legais.
Vamos buscar tratar e exemplificar cada um deles de forma a facilitar a discussão
sobre o assunto.
Nos riscos operacionais, gostaria de alocar os seguintes – integridade do plano
de negócios, perda de prazos e erros de projeto.
Já nos riscos financeiro, vamos focar em – excesso de arrecadação e excesso de
despesas na execução do projeto ativado.
Por fim, nos riscos legais, os que julgamos mais relevantes – responsabilidade
por projetos não concluídos, conivência com projetos ilegais, lavagem de
dinheiro e demais crimes.
V.1. RISCOS OPERACIONAIS
Operacionais são os riscos que podem comprometer a atividade como um todo,
ou seja, seu funcionamento normal e regular. Como estamos falando de novos
negócios, invariavelmente temos dúvidas acerca da melhor forma e do “como
fazer” determinados processos. Porém, algumas funções básicas aplicam-se a
toda e qualquer empresa, seja ela virtual, web ou tradicional.
Na esfera dos riscos operacionais, a integridade do plano de negócio do site é
uma das mais relevantes. Afinal, conseguir explicar aos investidores e ao
mercado o que você faz e como serão suas receitas e lucros é basicamente tudo!
Lembrando que, mais adiante iremos discutir o conceito de receita, despesa e
lucro, especialmente no que se refere à movimentação financeira do site. Outro
braço que precisa ser adicionado aqui é o erro de projeto do divulgador: um
projeto inseguro, sem fundamentos sólidos ou no mínimo validados, torna o seu
site sem credibilidade e porventura totalmente frágil a um mercado que cresce
ambiciosamente 95% ao ano.
Outro risco dessa natureza está na perda de prazos. Esses prazos se referem ao
formato de divulgação dos projetos, bem como do banco de dados que será
utilizado para essa base. Afinal, um site somente será procurado por
idealizadores de projetos se apresentar uma base de divulgação consistente,
capaz de se interessar por aquele formato de investimento. Se seu site perder o
timming de divulgação, ou se seus meios de mídia não forem efetivos, isso torna
sua operação simplesmente frustrante. Além disso, surgem noticias de que
vários sites somente iniciam a divulgação em massa para sua base de dados, de
projetos que ja tenham atingido pelo menos 50% de arrecadação, o que, e meu
ver, além de infeliz, é tratar de forma desigual todos os potenciais sucessos
online.
O ultimo risco operacional que percebemos trata-se no erro de projeto, ou seja: o
empreendedor idealiza um segmento de mercado para atuar como
intermediador, porém, ele nada conhece desse mercado, tampouco de todos os
projetos divulgados em sua base. Deixar que projetos sejam divulgados sem
critérios rígidos de comprovação, acompanhamento e due dilligence (para
proteger seus assinantes e apoiadores), compactuando com potenciais
espertinhos que já perceberam a viabilidade de se levantar dinheiro na web,
certamente tornara seu site indesejado para novos financiadores. Volte no
capitulo IV e veja os principais segmentos aplicáveis. Cada um deles requer
conhecimento ou, no mínimo, dedicação e estudo aprofundado antes de navegálos.
V.2. RISCOS FINANCEIROS
Aqui vamos falar inicialmente de uma situação que AINDA não é um problema,
mas que a meu ver, aponta no horizonte como um potencial calcanhar de Aquiles
para os sites. Trata-se do excesso de arrecadação em alguns projetos. Não nos
esqueçamos de que, todo o site de financiamento coletivo é um intermediador de
negócios. Obvio que cada segmento possui características especiais, mas no
fundo, todos são canais de divulgação em massa e amplificação de audiência para
projetos privados que levariam muito mais tempo para ganhar projeção
exponencial.
É obvio que, para o marketing empresarial, quanto mais um projeto “estourar” a
cota, melhor, já que isso prova que a ideia é boa e que o site tem penetração
social digital eficiente. Além disso, como veremos mais adiante, a movimentação
financeira ligada a projetos que “quebram tudo” mostra-se muito lucrativa para o
site e para os divulgadores. Negócios são negócios!
Porém, não podemos esquecer que um projeto, desde que é concebido tem, em
tese, seu desenho de custos e a necessidade financeira já traçada e, portanto, o
valor final pleiteado atende todas as necessidades do idealizador, inclusive seus
ganhos. Contudo, temos que novamente voltar ao item IV e reler os tipos de
segmento adotados no financiamento coletivo, já que, baseado em cada um deles,
a perspectiva de excesso pode ser uma grande armadilha comercial, senão legal.
Particularmente ainda não possuo uma opinião formada sobre qual seria o
melhor tratamento para esses excessos de arrecadação, sendo que estou certo
somente de uma coisa: quanto mais dinheiro envolvido na operação, maior o
interesse do fisco em compreendê-la e acompanhá-la de maneira a não ter a
função dos projetos desvirtuada. Além disso, impostos podem ser devidos nessa
operação!
Exemplos simples de “problemas” gerados pelo excesso, segundo cada formato
de financiamento.
Filantropia – é um dos únicos que não apresenta problemas, pela
natureza altruísta da coisa, ou seja, quanto mais arrecadar, maior será a
ajuda e impacto social positivo do projeto. Como se trata de doação, todo
o processo estaria coberto.
Produtos ou serviços – se eu entender que a contribuição para o produto
é uma compra antecipada dele, tenho que ter condições de produzir tudo
aquilo que vendi. Porém eu muitas vezes estou ainda desenvolvendo o
protótipo, então, se arrecadar mais do que pedi, não necessariamente
terei como atender esse excedente.
Startups – um dos mais problemáticos, já que, quanto maior a adesão,
mais “dividida” terá que ser a parcela de participação na empresa, ou nos
resultados do seu lucro. Existem casos de mais de 3.000 apoiadores em
uma única empresa, o que tornou a oferta de participação proposta pelos
idealizadores quase irrisória, causando insatisfação dos apoiadores. (aqui
caberia ainda uma análise sobre eventuais prejuízos, mas ainda não será
foco desse estudo).
Empréstimos – outro problema, já que, se eu preciso de R$ 10.000,00 e
posso pagar R$ 500,00 por mês, se eu arrecadar R$100.000,00 não
necessariamente vou poder pagar R$5.000,00 a todos os que
contribuíram. Além disso, aqui ainda existe o problema do pagamento de
juros pactuados na oferta do projeto, o que pode transformar o custo do
dinheiro numa bola de neve sem fim.
Investimento Imobiliário – gente demais querendo comprar o mesmo
bem, reduz demais sua rentabilidade per capita, ou seja, o que seria um
lucro interessante passa a ser mero rateio de migalhas. Além disso,
projetos nesse segmento costumam ser rentabilizáveis no longo prazo, o
que, se não ficar bem claro aos apoiadores, pode gerar problemas
comerciais indesejados.
O outro risco financeiro que entendemos importante trata do excesso de
despesas dos projetos. Novamente tratamos aqui da credibilidade que o site deve
transmitir a seus usuários, tanto apoiadores quanto divulgadores. Qualquer
projeto que, depois de ativado, simplesmente apresente um desenvolvimento
sofrível por mau planejamento das despesas, ou seja, do uso do recurso obtido,
reflete negativamente no site, que fica sendo um espelho de projetos que não
adotam transparência na utilização dos recursos. Não podemos esquecer
também que, dinheiro arrecadado e projeto não viabilizado, pode até configurar
estelionato, o que refletiria negativamente na imagem do site em que o projeto
foi viabilizado.
Como estamos na era da transparência, uma forma de inibir isso estaria na
vinculação, nos termos e condições de uso do site, onde o divulgador que tivesse
seu projeto ativado deveria prestar contas, até o final do uso dos recursos, a uma
equipe técnica do site, a qual divulgaria relatórios na própria plataforma como
forma de mostrar o que está sendo feito com o dinheiro obtido. Um nicho de
negócio, um oceano azul, entendeu?
V.3. RISCOS LEGAIS
Em um país como o Brasil, onde o Judiciário é paralítico, especialmente no que
tange a novas formas de negócio, ter consciência de alguns riscos legais pode
fazer a diferença entre uma boa operação ou uma boa briga judicial por anos a
fio e custos intermináveis. Como advogado que fui de empresas cinematográficas
de Hollywood e gestor de projetos especiais para o setor de software, posso
garantir que a estrutura legal brasileira não está pronta para tratar, quiçá
entender, o que se passa em uma operação dessa natureza. Raros são os juízes
que dedicam seu tempo a essas inovações como forma de atualizar seu
repertório.
Assim, como primeiro risco legal sinalizamos a responsabilidade por projetos
ativados e não concluídos. A melhor forma de exemplificar e entender isso é a
seguinte: um corretor de imóveis lhe vende uma casa e diz que ela está em
perfeito estado, que tudo funciona e que você esta fazendo um excelente negócio.
Você compra a casa, e após assinar o contrato, percebe que a casa estava
“maquiada”, ou seja, cheia de problemas escondidos, inviável de ser habitada e
cheia de irregularidades técnicas. O critério e o risco foram do comprador, claro.
Mas quem ele vai culpar pelas informações incorretas?
Entendemos que com os sites de intermediação de financiamento coletivo isso
não é diferente. Claro que o site não será responsável pela execução do projeto,
até porque não se trata do seu objetivo. Mas, se o site não possui ferramentas
mínimas para acompanhar, ao menos por algum período de tempo, a utilização
correta dos recursos, eventuais projetos que simplesmente não dêem em nada
podem se tornar verdadeiros problemas legais. Lembrando que, no Brasil a
legislação que trata de direitos do consumidor atribui responsabilidade
subsidiária a diversos prestadores de serviços pela qualidade dos mesmos. Não
temos nada expressamente previsto em lei, mas, não custa refletir... (falaremos
mais sobre isso quando analisarmos o projeto de lei na Câmara n. 6.590 de
2013)10.
Outro risco legal está na conivência com projetos ilegais, sejam com essa
finalidade, sejam porque dissimularam sua real atividade. Aqui um exemplo
clássico está nas “vaquinhas virtuais” que foram feitas pelos condenados do
famoso processo do Mensalão, com sentença do STF: além de suas penas de
prisão, foram obrigados a pagar pesadas multas aos cofres públicos.
Rapidamente, apoiadores e partidários criaram campanhas em sites de
10
http://www.camara.gov.br/sileg/integras/1171806.pdf
financiamento coletivo e arrecadaram, em período recorde, mais de 1 milhão de
reais para pagar as multas aplicadas. As reportagens abaixo indicam algumas
referências.
(“Vaquinha arrecada mais de 1 milhão para Delúbio Soares.” Veja aqui.)
(“Solidariedade a Delúbio.” Veja aqui)
(“Mensalão: site dedicado a Dirceu arrecada R$ 643 mil em doações.” Veja aqui.)
(“Site arrecada R$ 667,5 mil para pagar multa de Genoíno.” Veja aqui.)
Aqui, a atitude dos condenados, em si, aparentemente não configura crime (e
nem queremos adentrar esse mérito de juízo de valor, sendo que utilizamos o
caso apenas para demonstrar as potenciais distorções que precisam ser coibidas
pela regulamentação do segmento). Afinal, na lei penal não existe proibição de
que você, condenado a pagar uma multa, peça doações em dinheiro para fazê-lo.
Porém, o que chama a atenção aqui são dois pontos: primeiro, a velocidade com
que o dinheiro foi levantado; segundo, como a origem dos doadores é em geral
omitida pelos sites, não se sabe exatamente de onde veio todo o dinheiro.
Novamente, sem adentrar no mérito da arrecadação, havemos de concordar que
existe um potencial de que se utilize o instrumento de arrecadação coletiva de
forma desvirtuada à finalidade para que foram criados.
E aqui entendemos o risco aos sites. Quando, ao repassar valores dessa natureza,
o site deixa de informar aos órgãos oficiais a procedência dos valores um a um,
em tese torna-se responsável pela ausência da informação e por sua vez, pelo uso
indevido desse dinheiro. Ademais, não podemos esquecer que a figura moral de
sites que participam desse tipo de campanha pode ficar muito abalada perante
seus usuários, já que nem todos querem ligar seus projetos e marcas a sites que
ajudam a arrecadar dinheiro em projetos dessa natureza. Sem discutir a natureza
da condenação, eles são legalmente declarados culpados e cumprem suas penas
de acordo com as determinações do Supremo Tribunal Federal.
A coisa mostrou-se tão inusitada que o Ministério Público deu inicio a
investigações no sentido de apurar em detalhes a origem das doações 11. Reforço,
o problema não está na arrecadação. Temos sempre que olhar para a origem do
dinheiro como forma de prevenir distorções.
Outro exemplo interessante e que levantou debates fervorosos na rede mundial
sobre o financiamento de campanhas que tenham como objetivo ações ilegais ou
imorais, ocorreu no site GoFundMe (www.gofundme.com) e tratava do pedido de
um projeto para financiar o aborto de uma mulher. Sim, ela iniciou uma
campanha para obter dinheiro para então fazer um aborto 12. O site, após
11
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/02/1407622-ministerio-publico-apura-doacoesa-petistas.shtml
12 http://www.theweek.co.uk/technology/60498/controversial-crowdfunding-where-to-drawthe-line
perceber que a campanha estava gerando um movimento negativo (apesar de
arrecadar fundos), decidiu retira-la do ar a seu critério, como uma demonstração
de “visão social adequada”.
O último risco legal é uma consequência deste que acabamos de falar, e que trata
da lavagem de dinheiro, terrorismo, racismo, etc. Os sites que permitam que
campanhas que incitem o crime ou tratem de questões ilegais possam veicular
seus projetos, pode ser vinculados a essa ilegalidade, mesmo contra sua vontade.
O mais grave trata-se da lavagem de dinheiro. Quer um exemplo simples?
Digamos que uma empresa devidamente estabelecida e que venda sapatos,
possui um valor em dinheiro de “caixa dois” e não tem como contabilizar isso
legalmente. Ela por sua vez lança uma campanha no site sobre o lançamento de
um modelo revolucionário de sapatos e, através de “terceiros apoiadores”
simplesmente arrebenta de arrecadar e viabiliza o projeto no valor total do que
ela tinha “não contabilizado”. Com isso, em tese, e diante da ausência de
controles fiscais apropriados que o Brasil ainda não possui, esse dinheiro seria
“esquentado” e tornar-se-ia legal diante das doações.
Outro exemplo gritante: uma pessoa ou empresa quer repassar uma quantia a
titulo de corrupção a um agente público. Este então lança uma campanha de um
suposto projeto social para crianças carentes de um bairro qualquer, e ao longo
da campanha arrecada o total do projeto. O corruptor repassou o dinheiro e o
corrompido, legalizou a quantia.
Sei que parece “teoria da conspiração”13, mas ninguém pode negar que esses
exemplos simples, da forma como está o mercado atualmente, são mais do que
possíveis (sei que posso ter incitado inclusive a ideia se ela não existia, mas essa
é a função investigativa da literatura, o que de forma alguma compactua com
posições nesse sentido). Entendo que uma das poucas formas de proteger os
sites e empreendedores deste risco está no desenvolvimento ou contratação de
equipes para validar os projetos antes do lançamento e depois da ativação dos
mesmos, algum acompanhamento regular dos resultados. Sem esses controles,
fica simplesmente fácil demais transitar com valores ilegais sob o pano de
projetos bem sucedidos.
13 http://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_da_conspira%C3%A7%C3%A3o
VI. ENQUADRAMENTO BUROCRÁTICO, FISCAL E TRIBUTÁRIO.
“Precisamos de empresários magnânimos, progressistas na era das grandes
verdades, alfabetizados digitais, que entendam o contexto e que existe um mundo
de possibilidades para as empresas.” – Gil Giardeli
Falar de questões fiscais e tributárias no Brasil, ainda mais em um e-book, tornase um desafio peculiar. É necessário que seja suficientemente claro e objetivo,
sem estender-se no emaranhado legislativo, e ao mesmo tempo tem-se que
tentar evitar quaisquer omissões que possam minar o entendimento sobre o
assunto. Essa preocupação não está localizada somente por aqui, mas
especialmente nos países em que a atividade está em franca ascensão (Estados
Unidos e Inglaterra especificamente). Afinal, circulação de dinheiro e riqueza
sem a devida prestação de contas ao fisco...
Assim, vou me aventurar nessa tentativa, espelhando-me principalmente nas
experiências, vividas na área tributária como advogado e na área fiscal como
gestor de escritório contábil e departamento fiscal. Além disso, vou abusar um
pouco do conteúdo que já venho postando no Blog sobre o assunto, remetendo
aos mais interessados no assunto a leitura dos nossos posts sobre alguns
detalhes que necessitem de maior dedicação. Some-se a isso um esclarecedor
artigo (se assim posso dizer!) canadense sobre essas implicações e suas
dificuldades práticas14.
Em resumo, temos que observar o seguinte gráfico sobre a relação fiscal que
existe entre todos os envolvidos em uma operação de financiamento coletivo.
Ademais, o primeiro indicador da dificuldade de enquadramento da operação
está na figura jurídica dos envolvidos. Falei bastante sobre isso no post
“Crowdfunding – doação, compra e venda ou serviço?” no blog. Para entender
mais detalhadamente meus questionamentos, recomendo a leitura desse
material. Clique aqui para ver a imagem em tamanho real.
14
http://m.theglobeandmail.com/globe-investor/personal-finance/taxes/crowdfunding-raisesmoney----and-tax-questions/article20519273/?service=mobile
De forma simplificada, o gráfico mostra que, na relação que se opera quando um
projeto é lançado em um site de financiamento coletivo, nos leva a algumas
conclusões especificas e que, sendo aceitas, mudam drasticamente o cenário
tributário em questão para cada caso.
De forma simplificada, existem 4 partes principais:
1a. – O tomador dos recursos ou “criador do projeto”;
2a. –O “site de crowd” que irá hospedar o projeto e angariar os fundos;
3a. – Os “financiadores” ou doadores dos projetos;
4a. – Os “meios de pagamento” online disponibilizados pelo site.
É obvio que, dependendo de cada tipo de projeto conforme falamos no capítulo
IV, o nome dado a cada um desses participantes pode sofrer alterações. Mas de
forma geral e na essência do crowdfunding, essas são as partes relacionadas. E
com isso, cada uma delas possui um tratamento tributário e fiscal muito
específico dentro da legislação brasileira. Falaremos mais detidamente sobre a
plataforma e os meios de pagamento, já que nosso foco aqui é o empreendedor
do segmento. Porém, no artigo que referimos do blog, tecemos diversas
considerações sobre cada elemento.
Em uma primeira análise, e justamente em razão de sua raiz histórica com as
compras coletivas, os sites de financiamento coletivo possuem uma
característica clara de intermediadores de negócios. Afinal, em observação literal
do que fazem, eles simplesmente disponibilizam um espaço na Web, com
endereço próprio, uma base de dados de endereços eletrônicos cadastrados e
divulgação em massa em redes sociais, com foco a divulgar, da maneira mais
ampla possível, os projetos indicados pelos seus usuários tomadores (os
criadores dos projetos). Os interessados, ao receberem a divulgação, vão até o
site, utilizam suas facilidades de pagamento e apoiam o projeto.
Assim, a figura do site é de mero intermediador entre quem tem um projeto e
quem quer apoiar um projeto. Porém, para a lei brasileira, a definição de
intermediação de negócios está tão atrasada, que ainda se confundem com a
representação comercial para fins de tratamento tributário.
Contudo, o cuidado inicial que temos que adotar, especialmente no Brasil onde a
legislação tributaria deve ser analisada de forma literal, ou seja, o conteúdo das
palavras do texto legal deve ser interpretado pela literalidade, sem ampliações,
restrições ou distorções de seu significado intrínseco, a primeira questão fica
exatamente nesse ponto:
Quem acessa um site de financiamento coletivo e financia um projeto, é um
colaborador, um doador, um comprador, um sócio ou um apoiador?
Pode parecer bobagem, mas para cada resposta que dermos ao questionamento
acima, encontraremos um enquadramento tributário especifico, com reflexos
diretos para o próprio site, já que ele, na qualidade de intermediador, deve
respeitar a figura jurídica de cada um deles.
Para o site, a intermediação de negócios nos parece clara. Mesmo que
partíssemos do pressuposto que o site é um portal de internet e que em tese,
prestam serviços, tais serviços são de intermediação. E a intermediação cria
obrigações tributárias ao site, a qual tenho observado, praticamente não vem
sendo cumpridas pela grande maioria das startups do segmento. Aos
profissionais de contabilidade a eles atrelados, recomendo fortemente uma
atualização sobre o assunto e sobre as formas de recolhimento de impostos e
formas de contabilização correta das receitas e despesas do site.
A primeira delas refere-se à natureza do valor cobrado do divulgador do projeto.
Em geral, os sites tem uma política de, em sendo ativado o projeto com o
atingimento do numero mínimo de apoiadores, o total dos valores arrecadado
será transferido ao divulgador do projeto, descontado um percentual que varia
de 5% a 30%. Lembrando que essa variável de percentual é muito peculiar ao
tipo e formato de negócio de cada site.
Além desse custo, costuma-se descontar do divulgador o percentual cobrado
pelos meios de pagamento para a transferência dos valores, que igualmente
varia de 2% a 5%.
Nesse expediente, já podemos concluir que, a “receita” efetiva do site é somente
o percentual cobrado sobre o total transferido. Exemplifico: para cada R$100,00
arrecadado, o site ficará com R$5,00. Essa é a explicação mais básica. O problema
surge na forma de separar e comprovar, contábil e fiscalmente, que o valor que
efetivamente ficou na conta do site foi somente a comissão, e não o total do
projeto.
Pode parecer óbvio isso que estou dizendo, mas eu aconselharia qualquer
empreendedor do ramo a consultar um amigo contabilista e perguntar a ele se a
coisa é tão fácil quanto parece. Afinal, essa movimentação financeira precisa
encontrar uma escrita contábil perfeita, de modo que o site consiga demonstrar,
sem dúvidas, que em um projeto de arrecadação de R$100.000,00 ele só faturou
efetivamente R$ 5.000,00.
Além disso, vai ter que conseguir comprovar que os custos com os meios de
pagamento foram arcados pelo divulgador do projeto, e não pelo site, o que
encontra outra dificuldade, por uma simples razão: os meios de pagamento
repassam o pagamento dos valores para o CNPJ do site, não para o CPF ou CNPJ
do divulgador. Ou seja, a relação de custo dos percentuais dos meios de
pagamento é com o site, nunca com o divulgador. Novamente pode parecer óbvio
isso, mas na prática a inexistência de documentos que acobertem o processo
pode gerar problemas fiscais graves.
Começando pela emissão de NF entre todos os envolvidos. Vamos tentar?
Se eu resolvo apoiar com R$100,00 um projeto de R$100.000,00,
raciocinem comigo:
a) Entro no site e pago para o site os R$100,00; o correto seria o site me
enviar uma nota fiscal dele, no valor de R$100,00? Ou uma nota fiscal
somente do percentual que ele vai cobrar do divulgador, SE o projeto for
ativado? OU será que ele não precisa emitir nenhum documento fiscal ao
meu apoio financeiro?
b) O divulgador, no momento em que eu apoio o projeto e pago para o site,
vai me emitir nota fiscal relativa ao valor que paguei? Ou o meio de
pagamento vai me emitir uma nota fiscal do que eu paguei? E eu paguei
para quem, para o site ou para o divulgador? Já sabemos que é para o site.
c) Digamos agora que o projeto foi ativado, que ele atingiu os R$100.000,00
e que o site vai transferir ao divulgador esse valor. O divulgador tem que
emitir uma nota fiscal para o site no valor de R$100.000,00 ou o site tem
que emitir uma nota fiscal de serviços prestados para o divulgador no
valor de R$5.000,00 (se for 5%, por exemplo)? E os custos com o meio de
pagamento, são de quem?
d) Digamos mais: como o custo do meio de pagamento foi do site, quem vai
ficar com a nota fiscal dessa despesa? O site ou o divulgador? Detalhe que
a relação de serviço financeiro com o meio de pagamento se deu com o
site, não com o divulgador.
e) Por fim, mas não somente, temos mais o seguinte: o apoiador do projeto
vai receber algum comprovante fiscalmente legítimo, do valor que pagou?
Se sim, de quem, e em que valor? Vamos abrir aqui um subtópico:
a. Digamos que eu apoiei o projeto com R$100,00, mas ele não
atingiu o total necessário para ativação. O valor que paguei, em
geral, já foi transferido para o site, que então me dará créditos para
usar em outros projetos do próprio site. Só que, se o projeto não
“virou” e eu já paguei quem ficou com a receita? Se for o site (e isso
independente dele me dar um crédito para uso), indubitavelmente
o conceito de “receita” total do site modifica-se de forma drástica, e
como consequência tributariamente mais complexa.
Eu fiz propositalmente esse emaranhado para que você possa ter uma ideia
inicial da complexidade do tema que estamos tratando, especialmente no Brasil.
A legislação tributária é densa, mal feita e complexa o suficiente para deixar
perdido o mais experiente dos profissionais. Esse emaranhado de questões que
fiz acima já é suficiente para modificar, na prática, a obrigação tributária dos
sites de financiamento coletivo, os quais estariam fragilizados em explicar ao
fisco a origem efetiva de suas receitas (se de comissões ou se de arrecadações
diretas).
O ponto sensível está justamente na transferência de valores entre o meio de
pagamento e o site. Essa relação, além de restrita (o meio de pagamento não
identifica cada projeto, ele identifica o CNPJ de quem vai receber aquele
pagamento, ou seja, o site), esbarra nas definições conservadoras do
Regulamento do Imposto de Renda, relativamente ao conceito de receita,
faturamento e custo para fins de tributação.
Nessa mesma esteira, o desenho tributário que temos no Brasil relativo às
alíquotas e impostos aplicável a cada tipo empresarial, é altamente arriscado
para essas operações, por um motivo prático: empresas que precisem
contabilizar sua movimentação com esse nível de detalhamento, dificilmente
poderiam optar por uma tributação do Simples ou do Lucro Presumido. Em
nosso modesto entendimento, o formato tributário aplicável somente poderia
ser do Lucro Real, justamente em função das possibilidades contábeis formais
para se substanciar todas as operações dessa natureza, de modo que o fisco
consiga enxergar exatamente em que momento cada um dos envolvidos torna-se
responsável tributário por cada tipo de informação.
Muitas vezes o empreendedor monta seu plano de negócios e formato de custos
sobre uma tributação do Simples Nacional, sem levar em consideração que, até o
ano de 2014, a intermediação de negócios está proibida de optar por esse
formato. E temos dezenas de colegas contadores apurando impostos nesse
formato, justamente por não compreenderem claramente o funcionamento do
negócio do cliente.
Outras vezes o empreendedor não adota o Simples, em razão do seu volume de
faturamento, sendo aconselhado pelo técnico contábil a adotar o Lucro
Presumido para sua escrita fiscal. Porém, sem esse conhecimento detalhado do
modelo de negócio, a tributação final sobre o faturamento (seja ele qual for, das
comissões ou do volume movimentado) torna-se exageradamente alto, muitas
das vezes inviabilizando a operação em curto espaço de tempo.
E esse é um dos objetivos desse nosso e-book: auxiliar empreendedores e seus
assessores contábeis e legais, a analisar o negócio de forma inovadora, segura e
próspera. Muitos profissionais evitam ou simplesmente se recusam a
contabilizar empresas no Lucro Real. Alega na maioria das vezes, dificuldade em
encontrar equipe técnica para cumprir todas as obrigações. E verdade seja dita,
uma contabilidade no formato de Lucro Real, ainda mais com os cruzamentos
atuais de arquivos eletrônicos, é uma atividade que demanda alta
responsabilidade e conhecimento apurado. Nada obstante, não podemos
esquecer que o Lucro Real certamente é um dos formatos contábeis mais
fidedignos da atividade empresarial, seja em que seguimento for inclusive sob o
aspecto da justiça tributaria: somente se tributa com Imposto de Renda e
Contribuição Social a parcela apurada como lucro efetivo da operação, ou seja,
aquilo que efetivamente restar ao empreendedor ao final da operação.
Em paralelo, muitos empreendedores igualmente têm medo do Lucro Real sem
sequer entender em detalhes do que se trata tampouco estudar seus benefícios.
Além disso, sempre são amedrontados pelos demais, quando percebem que a
contabilidade tem que ser correta, que tudo precisa de nota fiscal, de
comprovante, de origem e destino. O Lucro Real bem feito, é uma vantagem
considerável sobre o custo dos tributos, até mesmo sobre o sistema Simples.
Contudo, o que não podemos deixar de notar é que, nesse afã de não ficar com a
responsabilidade de informar ao fisco as operações do cliente, de ter que
contabilizar tudo, de não poder lançar tudo no “caixinha”, muitos contadores
deixam os gestores de novos negócios, especialmente sites, sem um norte claro
do que fazer ou de como fazer. No final, o resultado é um só: pesadas multas,
inviabilização da empresa, processos judiciais fiscais.
Sem qualquer crítica direta ao segmento (até porque eu faço parte dele), o
número de profissionais da área contábil que está apto a processar
contabilidades nesse nível de detalhes, bem como “entender” de forma clara as
operações de um site de financiamento coletivo, ou de qualquer outro modelo de
negócio inovador via web, tem-se mostrado reduzido, quando não inexistente. As
empresas e empreendedores por sua vez, com uma análise simplista de custo de
serviços contábeis, não buscam profissionais de alta qualificação, por entender
que “qualquer um faz essa escrita”, colocando seu negócio em risco sem o devido
conhecimento técnico.
Sei que esse capítulo já ficou maior do que o previsto, mas a questão é realmente
complexa. Voltemos aos questionamentos que fiz nos itens “a” ao “e” acima.
Geralmente o que se vê, só para ilustrar, são sites de financiamentos no Simples,
divulgadores de projetos pessoa física, meios de pagamento pessoa jurídica e
apoiadores pessoas física e jurídica. Nesse emaranhado de relações, cada parte
tem uma característica tributária que, se for bem estruturada, reduz custos para
todos, sem exceção, e de forma correta, legal e segura.
Quando tudo esta no famoso pacotão do “Simples”, confesso que fico com medo.
Afinal, de Simples, o sistema não tem nada. E a ilusão de que o custo tributário é
menor só porque minha forma de apuração (operacional) é menor, já se mostra
falha e ilusória.
VII. PROJETOS NÃO FINANCIADOS E DEVOLUÇÃO DE VALORES
“Litígio: uma máquina na qual se entra com um porco e se sai como uma salsicha”.
– Ambrose Bierce
Outro ponto que não poderíamos deixar de comentar refere-se aos projetos que
não atingem o número mínimo de apoiadores para serem financiados, além de
fazermos algumas reflexões sobre o formato adotado pelos sites na “devolução”
dos valores enviados a esses projetos.
De antemão, precisamos retomar as considerações que fizemos no capitulo VI
sobre o que são faturamento e receita nos sites de financiamento coletivo. Sem
esse embasamento, podemos nos perder em elucubrações improdutivas.
Assim, se admitirmos que os valores enviados pelos apoiadores aos projetos que
não foram ativados, permanecem em poder do site, tecnicamente esses valores
se tornam faturamento do site. Quanto aos argumentos atinentes à devolução
trataremos mais a frente, mas nesse ponto vamos falar somente do fluxo
financeiro.
Inegável perceber que a transferência dos valores para os sites, por parte dos
sistemas de pagamento, é operação financeira acobertada, em tese, pelo contrato
existente entre o site e o sistema de pagamento, como meio facilitador da
atividade fim do site, que é a intermediação de negócios. Como estamos falando
dos projetos não financiados, o site em si fatura (em tese), mesmo que o projeto
não decole.
Do outro lado, os sites divulgam uma política de devolução dos valores em forma
de crédito, daqueles projetos que não foram ativados, para que o apoiador possa
usar em algum outro projeto do mesmo site, o valor então já repassado. Aqui
precisamos analisar alguns detalhes especiais. Até o lançamento dessa obra, já
observamos alguns sites atualizando suas políticas de devolução para permitir o
reembolso imediato caso o projeto não seja viabilizado, a exemplo do Catarse, o
que é motivo de orgulho para nossa produção literária sobre o assunto.
A figura do crédito, pela legislação brasileira, comporta diversas interpretações.
Na prática, se entendermos que a relação entre o apoiador e o site é de consumo
(em razão da prestação do serviço de intermediação), esse condicionamento de
uso dentro do próprio site se mostra abusiva. Se analisarmos sob o prisma
comercial, a iniciativa é meramente de marketing, por se tratar de um processo
“forçado” de fidelidade.
O maior problema aqui está nos casos em que o apoiador quer a devolução
efetiva do dinheiro pago, seja porque não quer mais apoiar nenhum projeto, seja
porque não aceita esse condicionamento, haja vista que ele não sabe quando
pode aparecer outro projeto que lhe interesse nos mesmos moldes ou valores. E
nesse caso, a maioria dos sites condiciona ao apoiador que abra uma conta
dentro de um sistema de pagamentos online, para, ARCANDO COM OS CUSTOS
DESSE SISTEMA, receba o reembolso dos valores. Só que, justamente em razão
desses custos, o valor recuperado não será o valor originalmente pago.
Outro problema: imaginemos que um site esteja a pleno vapor, com dezenas de
projetos, milhares de apoiadores, mas que a grande maioria desses projetos não
atinja o mínimo para ativação. Digamos ainda que o empreendedor, por algum
motivo, sinta-se desmotivado de continuar sua empresa e resolva fechá-la
simplesmente. E digamos ainda que eu apoiei com R$1.000,00 um projeto “x” o
qual não foi ativado e, portanto eu tenho um crédito. E nesse meio tempo o site
simplesmente sai do ar, fecha-se a empresa e meu crédito "cai em descrédito”.
Novamente voltaríamos à necessidade premente de se ter uma contabilidade
bem estruturada e completa (e devidamente informada aos órgãos oficiais
eletronicamente), a qual viabilizaria ao apoiador demonstrar seu crédito e ter de
quem receber. Além disso, em uma contabilidade bem estruturada, o próprio site
que pretende encerrar suas operações, teria condições em due dilligence de
informar ao mercado e aos credores tudo que tem a reembolsar de créditos não
utilizados.
Percebam que o assunto é delicado! Alguns meios de pagamento possuem meios
de controle para não repassar o valor aos sites sem que o projeto seja ativado.
Porém, da mesma forma, esses meios de pagamento retém esses valores dos
apoiadores, aguardando o uso do crédito, ou o processo chamado de
“transferência de projetos”, onde o apoiador volta ao site e indica para onde deve
ir aquele valor que ele tem disponível.
A coisa não parece tão grave, desde que estejamos falando de pequenos valores.
Mas existem diversos projetos na rede onde as cotas de apoio (ou até mesmo
chamadas de “patrocínio”) estão na casa dos R$20.000,00, por exemplo. Imagine
uma empresa ou pessoa na qual o projeto não foi ativado, fique com um crédito
de R$20.000,00 para novos projetos? Comercialmente isso se mostra altamente
negativo ao modelo de negócio, apesar de financeiramente atrativo.
O problema é relevante na medida em que o Paypal, um conhecido meio de
pagamento, já instituiu políticas específicas fora do Brasil para a conclusão de
projetos de crowdfunding em sites dessa natureza, com a preocupação de que,
aqueles que sejam ativados, realmente ocorram. Na prática, qualquer escândalo
de projetos que arrecadem milhões e simplesmente não gerem nada, cria um
grande desconforto comercial, além das dezenas, quando não milhares de
operações de devolução (refund) ocasionadas por esse tipo de acontecimento.
Sem falar no potencial numero de ações judiciais que podem inundar Tribunais
em busca da recuperação dos valores.
Não podemos esquecer ainda que no Brasil, a intenção legislativa esta navegando
a margem da realidade de algumas empresas do segmento, de maneira que,
dependendo da forma adotada, pode acabar estendendo responsabilidades por
não execução dos projetos aos sites e aos meios de pagamento, que a bem da
verdade nada tem de relação com essa efetividade. Afinal, tanto site quanto meio
de pagamento, são custos do idealizador do projeto, sendo este em última
instância responsável integral pelo cumprimento daquilo que ele divulga.
Por fim, a legislação do Consumidor no Brasil trata com severidade campanhas
que sejam consideradas “enganosas” ou que levem o consumidor a erro. Você
pode até estar se questionando se nesse caso de financiamento coletivo seria
uma relação de consumo? Meu entendimento é simples: se o projeto inclui o
desenvolvimento e pré-venda a entrega de um produto ou serviço, se aplicaria
sim a lei consumidora. Nos demais casos, cada órgão atuante em sua esfera de
competência seria cabível de análise, mas no caso de produtos e serviços o risco
de problemas extensivos aos sites é muito grande, seguindo-se a tradição legal
brasileira.
Com base nisso, entendemos que a melhor forma de evitar riscos potenciais esta
no desenvolvimento de uma equipe interna ou terceirizada de auditores
especializados na análise de projetos que serão divulgados no site.
Posteriormente, aos ativados, acompanhamento do desenvolvimento do projeto.
Aos que não foram ativados, implantar uma politica simples e eficiente de
reembolso e devolução aos financiadores. Quanto mais gabaritada for essa
equipe de “pré-análise e acompanhamento”, menores os riscos aos sites. Simples
assim!
VIII. TENTATIVA DE REGULAMENTAÇAO – PROJETO DE LEI
“É mais fácil legalizar certas coisas do que as legitimar.”- Sébastien-Roch
Chamfort
Como já dissemos no início, o Brasil é um país legalista e, para tanto, todas as
novidades que surgem no chamado “mundo dos fenômenos” necessita de lei
especifica que defina conceitos, indique caminhos e estruture a forma como o
restante do arcabouço jurídico deverá tratar a matéria. Isso não significa que as
leis sejam boas... Apenas que sem elas, ficamos a deriva quanto ao tipo de
entendimento a ser aplicado pelas autoridades em todas as esferas.
Não poderíamos deixar, portanto, de mencionar a existência do projeto de lei,
mesmo que este e-book não tenha foco em analise legal. Afinal, seja lá o que for
aprovado pelo legislativo brasileiro, o setor terá que se adequar para que possa
atender as exigências burocráticas legais.
Em nosso modesto entendimento o ponto alto e diferenciado do Projeto de Lei
6.590/2013 é a proposta audaciosa de conceder dedução de Imposto de Renda
sobre os que investirem em projetos ligados a plataformas de financiamento
coletivo, bem como concessão de isenção de tributação de 50% sobre o valor dos
lucros obtidos nos investimentos viabilizados pelas plataformas. Esse ponto,
além de positivo, seria uma alavancagem espetacular ao segmento no pais, além
de criar credibilidade essencial aos novos investidores desse mercado.
Recomendo a leitura do nosso post no Blog.
Diante dos movimentos de mercado e da proliferação dos sites na rede, além do
aumento considerável nos valores globais de arrecadação nas campanhas, os
legisladores deram início aos chamados Projetos de Lei, que são a forma
adequada no Brasil para se regulamentar determinado assunto que necessite de
legislação própria. A iniciativa veio do Deputado Federal Otavio Leite, através do
PLC n. 6.590 de 201315. Inclusive já manifestei meu entendimento acerca do
projeto no blog (http://nopaisdafiscalizacao.com.br/?p=770) que pode ser
acessado aos mais interessados em análises jurídicas.
Não se trata obviamente de uma nova legislação fiscal, tributaria ou financeira, já
que para isso, centenas de outras leis deveriam ser adequadas. No Brasil, a via
utilizada infelizmente não está na modernização das leis que já existem, mas sim
na criação de novas leis, o que torna nosso sistema jurídico altamente confuso e
conflitante. Com o financiamento coletivo não será diferente. Assim, nossa
intenção aqui não está em criticar o projeto, mas unicamente auxiliar em alguns
pontos que precisam ser melhorados, incluídos ou eliminados do entendimento
proposto, para que o segmento continue a ser próspero para o mercado nacional.
E mais: não podemos esquecer que no ano de 2014, ganhamos o chamado
“Marco Civil da Internet”, através da Lei 12.965/1416, o qual precisa encontrar
15
16
http://www.camara.gov.br/sileg/integras/1171806.pdf
http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L12965.htm
consonância com quaisquer outras leis que sejam criadas e tenham como foco o
segmento informático da rede mundial de computadores. Igualmente já falei
sobre
ele
no
blog
quando
da
sua
promulgação
(http://nopaisdafiscalizacao.com.br/?p=754), inclusive com enfoque justamente
nas questões ligadas ao financiamento coletivo e possíveis interpretações
positivas.
Levando-se em consideração que a literatura legal sobre o assunto é ainda muito
esparsa no país, uma das poucas referências que podemos denominar de
“oficiais” tratando da terminologia de financiamento coletivo, foi dada pelo
Tribunal Superior Eleitoral, em uma solução de consulta17 formulada por um
Deputado Federal sobre a possibilidade de arrecadação de campanha com uso
dos meios de financiamento coletivo. Gostaria de remeter-me a essa consulta em
alguns trechos que nos parecem muito esclarecedores acerca da “forma” como a
legislação pretende encarar o segmento, mesmo que em outras situações fáticas
que não a política. Veja:
“3. Já no que tange ao segundo questionamento, convém ressaltar a necessidade de
que sejam emitidos recibos individualizados, à medida que forem ocorrendo
doações por meio de mecanismo criado especificamente para este fim na página de
internet criada pelo candidato, partidos político ou comitê financeiro.
3.1. Nesse ponto específico, é importante destacar que a aludida individualização é
imprescindível para que sejam apurados os limites de doação estabelecidos pelos
arts. 23 e 81 da Lei n. 9.504/1997 (...)”[grifo nosso]
Novamente: estamos utilizando tais referências para demonstrar quão sensível é
o tratamento legal de doações, de modo que, o caso acima trata de campanhas
eleitorais e por essa razão menciona legislação eleitoral. Contudo, como nada
específico temos em outros órgãos oficiais (pelo menos em minhas pesquisas até
o momento não obtive sucesso!), o princípio básico de direito ligado à analogia
traz-nos mais segurança na busca de formas de evitar riscos ligados ao
desenvolvimento da atividade. Por essa razão, citamos trechos da resposta a
Consulta formulada indicando que, em pequenos detalhes, podem estar contidas
as soluções (ou problemas!) desse mercado em nascimento.
E a mencionada consulta prossegue:
“As técnicas e serviços de financiamento coletivo (crowdfunding) como se vê do
segundo questionamento formulado, envolvem a figura de um organizador, ou seja,
uma pessoa jurídica ou física, que é responsável pela arrecadação e posterior
repasse dos valores recebidos ao financiado. Tais serviços podem ser realizados
gratuitamente, mas, geralmente, são remunerados em percentuais relevantes.”
[grifo nosso]
Consulta n. 208-87.2014.6.00.0000 – classe 10 – Tribunal Superior Eleitoral
(http://www.tse.jus.br/)
17
Nesse pequeno trecho, particularmente enxergo uma definição legal
importantíssima para as atividades de financiamento coletivo, ao tratá-las
expressamente como “serviço” e, portanto, sujeitas ao ISSQN (imposto sobre
serviços de qualquer natureza). Embora a lista de serviços trazida pela Lei
Complementar 116/2003 não mencione a intermediação de negócios através de
sites de internet como tributável, é importante ressaltar que, caso prevaleça esse
entendimento, esse imposto incidirá diretamente sobre as receitas do site,
reduzindo os ganhos dos empreendedores.
Ainda nesse mesmo trecho, podemos observar outra definição importante: a
delimitação da receita sobre a qual incidiria qualquer tipo de tributação
específica sobre o chamado “faturamento” do site, ou seja, somente sobre os
percentuais cobrados do idealizador do projeto. Pode parecer insignificante, mas
na prática, reduz absurdamente os riscos de que o fisco possa pretender tributar
100% da movimentação financeira do site, ao invés de unicamente os
percentuais cobrados pela arrecadação e gestão dos valores até a efetiva
transferência ao idealizador do projeto.
Outro foco que não podemos desconsiderar é a preocupação do Banco Mundial
em dar suporte aos países em desenvolvimento para a devida implementação de
potenciais regulamentações, especialmente aquelas relacionadas à lavagem de
dinheiro e ao benchmarking de modelos já bem sucedidos em outros países
desenvolvidos. O foco principal do infoDev, relatório específico sobre o mercado
de crowdfunding mundial, aponta um cenário de crescimento orgânico forte,
porém, altamente dependente de regulamentação simplificada, garantia de
respaldo aos investidores e de proteção aos projetos bem sucedidos.
Existem inclusive grupos específicos dentro da instituição com foco na análise de
novas frentes de abordagem. Afinal, quando o Banco Mundial percebe que o
mercado está movimentando mais de 5 bilhões de dólares em 2014, inicia um
movimento de observação e análise estrutural que demonstra a relevância do
mercado, a inovação do meio e a necessidade de se repensar a forma como o
dinheiro transita entre as partes envolvidas, muitas das vezes sem a
interferência das próprias instituições bancárias.
Dessa forma, consignamos neste capítulo nosso total apoio ao aperfeiçoamento
profundo do texto apresentado, o qual deve ser discutido amplamente junto à
sociedade, aos financiadores, aos sites, aos empreendedores e as autoridades
fiscal e monetária brasileiras. Afinal, nenhum modelo deve ser criado para
inviabilizar a tributação. Contudo, igualmente não se deve engessar o segmento
de tal forma que se torne simplesmente impossível atuar nele em razão do
volume de regulações. Estamos acompanhando o tramite do projeto na
expectativa de que novas formas de se tratar o assunto sejam em breve adotadas,
utilizando inclusive os modelos que já estão funcionando em outros países onde
o mercado de financiamento coletivo está bem mais maduro.
IX. A FORÇA DA MULTIDÃO – BREVE ANÁLISE DE MERCADO
“A sabedoria das multidões é o nosso poder de transformação do coletivo.” – Gil
Giardelli
A mola propulsora desse trabalho intensivo de produção do e-book teve como
pano de fundo principalmente minhas observações sobre o poder da multidão
financiadora. Salta aos olhos o potencial monetário envolvido, sem falar na
explosão de projetos em todo o mundo que estão sendo muito bem sucedidos.
Além disso, existe uma clara quebra de paradigmas de modelo de negócio e de
finanças. Afinal, o uso efetivo do poder econômico da multidão nunca havia sido
testado dessa forma, catapultado pela força das redes sociais digitais.
Particularmente, o marco inicial desse movimento como já comentei no início, se
deu com o financiamento coletivo da campanha do presidente Barack Obama,
nos EUA e seu slogan “Yes, we can!”. Apoiado nisso, aproveitou uma crise global
para sancionar o que entendo ser a legislação mais inovadora do mundo em
matéria de crowdfunding, o conhecido “Jobs Act”. Some-se a isso o momento
mundial em que as pessoas desejam participar, colaborar, compartilhar. Gil
Giardeli brilhantemente intitula seu livro sobre o tema em “Você é o que você
compartilha”, em uma clara menção ao fenômeno global de motivação coletiva
em torno de causas comuns.
Não é nova a mobilização de grupos para certas ações. Isso existe desde Jesus
Cristo, ou até mesmo antes dele. Porém, a forma como se esta capitalizando o
potencial desses grupos, com o uso da forca econômica, mostra que o mercado
tradicional que conhecemos sofrerá em breve uma remodelagem estrutural
necessária a sua sobrevivência. As instituições tradicionais que não perceberem
isso, certamente serão tomadas pela surpresa do novo mercado.
Nenhum segmento apresenta crescimento como esse. Estamos falando da ordem
de mais de 90% ao ano, seja em volume operado, seja em quantidade de projetos.
Todos se sentiram à vontade para colocar suas ideias “pra fora”, falar do que
pensam, pedirem sem ter medo da negativa. Projetos engavetados há anos
tornaram-se âncoras de sucesso e histórias incríveis de financiamento. Validar
seus sonhos passou a ser algo corriqueiro e necessário.
Segmentos nunca antes imaginados, como imóveis, instituições de caridade,
empresas inteiras, produtos independentes, segmento adulto, prospecção de
negócios, ampliação de mercados, projetos sócio ambientais, campanhas
políticas, arrecadação de multas, enfim, tudo que se possa demonstrar com um
vídeo e um bom discurso têm potencial de se transformar em mais um sucesso
coletivo. O inusitado é a maior característica desse segmento.
Os riscos existem, conforme tentamos indicar alguns. Não pretendíamos nem
conseguiríamos falar de tudo, mas algumas reflexões mostram os perigos e
lacunas que precisam de atenção. Tais riscos, contudo, não podem ser entraves
ao desenvolvimento do segmento. O marco civil da internet já trouxe algum pano
de fundo para proteger os empreendedores... Falta muito, mas já temos algo.
As questões fiscais, burocráticas e tributárias que foram nosso foco, mostram-se
complexas, chatas e até inconvenientes como diria Al Gore em seu filme “Uma
verdade inconveniente”, a qual não deixa de existir só porque não queremos
confrontá-la. As empresas desse segmento precisam de equipes técnicas,
contadores e advogados altamente preparados principalmente para dar-lhes
suporte em um futuro próximo. Não sabemos de que forma o fisco brasileiro irá
tratar as operações. O nível de intervencionismo no Brasil costuma ser alto, a
observar pelas disposições do projeto de lei que “tenta” tratar do tema. Estamos
tentando inventar a roda, quando podemos importá-la e adequar a nossa
realidade legal.
Não podemos deixar de lado os possíveis incentivos fiscais e tributários para
aqueles que investirem em projetos dessa natureza, bem como a simplificação
das regras ligadas a Sociedades por Ações originadas por movimentos de
financiamento coletivo. A Inglaterra ja oferece benefícios fiscais ha mais de 10
anos para investidores desse tipo. Nos EUA, alguns Estados americanos já
regulamentaram a atividade de forma a estimular novas empresas e
investimentos, a exemplo do Texas. Regular é preciso, mas beneficiar quem
acredita nos projetos é igualmente importante nesse estagio, para criar o
ambiente de credibilidade necessário.
Novos setores de mercado ligados à consultoria para os criadores dos projetos,
para os proprietários dos sites e para “certificadores de projetos” despontam
como nichos nunca antes imaginados. Ferramentas tradicionais de due dilligence
precisarão ser repensadas para validar, proteger e adequar formas totalmente
novas de análise de negócio. Cursos e profissionais dessa nova área serão
demandados em breve. Terão que influenciar Judiciário, Fisco, Órgãos
administrativos, Parlamentares, Governos. A compreensão será à base da
regulamentação, para que não quedemos de morte antes de atingirmos um grau
de maturidade do mercado coletivo mundial.
Contabilistas especializados em “e-contabilidade” para conciliação, controle e
escrita fiscal de enormes bases de dados de pessoas físicas junto a um site, sejam
financiadores, doadores ou sócios. Apurações efetivas e seguras de impostos.
Apropriação de receitas em diversas moedas e países, já que um projeto hoje
pode ser apoiado por pessoas ao redor do mundo e centralizado em um meio de
pagamento nacional.
Advogados altamente especializados em questões tributárias não vinculativas e
que entendam profundamente de projetos coletivos, financiamento em rede,
meios de pagamento. Consultores e Auditores com alta capacidade de
simplificação responsável de processos, e que consigam fugir do tradicionalismo
cartesiano de preencher planilhas para confrontar as operações de uma empresa
de operações continentais. Esse sim é o mercado que teremos!
Ferramentas de simulação de cenários nunca foram tão necessárias, ainda mais
em contextos de prospecção de mercado futuro para potenciais novos produtos,
serviços, compartilhamento e projetos sociais. Não podemos correr o risco de
transformar a transparência, atual aliada, em carrasca dos controles
injustificados. A internet, por sua natureza, é um ambiente auto-regulatório
vinculado aos potenciais de mercado. Contudo, o mínimo de orientação e
segurança jurídica fazem-se necessárias em todas as novas formas e negócio,
especialmente aquelas que envolvem movimentações financeiras e
investimentos em grandes operações monetárias (grande quantidade de
pessoas).
Bem vindos ao novo mundo financeiro dos banqueiros sociais! Sucesso a todos!
SOBRE O AUTOR
Vinicius Maximiliano Carneiro é Advogado Corporativo, Gestor Contábil e
Financista, MBA em Direito Empresarial pela FGV, Especialista em Direito Eletrônico
pela PUC/MG, atuou como advogado de Propriedade Intelectual no Brasil para a
MPA - Motion Picture Association, ADEPI - Associação de Defesa da Propriedade
Intelectual e UBV - União Brasileira de Vídeo;
Em seguida, como gestor de projetos especiais na ABES - Associação Brasileira das
Empresas de Software e BSA - Business Software Alliance. Membro da Comissão de
Mercado de Capitais e Governança Corporativa da OAB/SP. Idealizador do projeto
vencedor do Premio SESI-Senai Inovação 2010 sustentável “Dinheiro Verde”;
Autor do Blog "No País da Fiscalização" e do mais recente e-book "Dinheiro da
Multidão", focado no mercado de Financiamento Coletivo nacional. Empreendedor
serial é Diretor Executivo da Etecon Contabilidade, Diretor Financeiro da Mhydas
Fomento Mercantil e Presidente no Brasil da Mhydas North America. Apaixonado
por Internet, novos mercados e Economia Digital.
Acesse o site.
LICENÇA CREATIVE COMMONS
1a. Edição – 2014
Escrito por Vinicius Maximiliano Carneiro
Conceito Gráfico: Mário Pertile
Adaptação para formato Epub: Viviane Becker
Dinheiro da Multidão - Oportunidades X Burocracia no Crowdfunding Nacional
de Vinicius Maximiliano Carneiro está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-Não
Comercial 4.0 Internacional.
Podem estar disponíveis autorizações adicionais às concedidas no âmbito desta licença
em http://www.viniciuscarneiro.adv.br.
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