PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) Comunicação, Consumo e Cidadania: o empreendedorismo social em sites de crowdfunding1 Eduardo Manente Batista2 Escola Superior de Propaganda e Marketing Resumo Este trabalho trata de analisar os discursos de projetos de empreendimentos sociais e os significados do consumo nesses projetos, presentes em sites de financiamento coletivo - ou crowdfunding. Os empreendedores sociais são um dos protagonistas neste novo cenário que desenvolve-se na internet. A partir do projeto “Corrida Maluca de Cadeirantes”, analisaremos sua formatação para atender as lógicas da concorrência que estruturam o crowdfunding. O quadro teórico desta pesquisa trata da discussão sobre os significados do empreendedorismo social; sua relação com o espírito do capitalismo e com o bem comum (Boltanski e Chiapello); a dinâmica entre os dois campos (Bourdieu); e os significados de seu consumo (Canclini). As análises são realizadas a partir da proposta teórico-metodológica da análise do discurso. Palavras-chave: Empreendedorismo social; Crowdfunding; Consumo; Cidadania 1. Introdução Este trabalho procura investigar o consumo de projetos sociais em sites de financiamento coletivo - também conhecidos como crowdfunding - a partir do ponto de vista comunicacional. O assunto proposto surge devido a emergência de uma discussão sobre o empreendedorismo social e as possibilidades fornecidas pelas plataformas de crowdfunding. Segundo Jenkins (2009), os usuários encaram a internet como um meio de ações coletivas, soluções de problemas, deliberação pública e 1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho COMUNICAÇÃO E CONSUMO: cultura empreendedora e espaço biográfico, do 4º Encontro de GTs - Comunicon, realizado nos dias 08, 09 e 10 de outubro de 2014. 2 Mestrando no Programa de Pós-Graduação de Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) criatividade alternativa. Dentro deste cenário da cultura participativa (idem), os empreendedores sociais encontram novas possibilidades de viabilização financeira de seus projetos. O Catarse3, que denomina-se como “a maior comunidade de financiamento coletivo do Brasil” já possui uma categoria exclusiva para "negócios sociais" devido à quantidade de projetos sociais apresentados. Estes projetos possuem a mesma estética que qualquer outro tipo de empreendedorismo, porém, possuem o objetivo de melhorias sociais ao invés de fins lucrativos. Possuindo a competência profisional necessária, os empreendedores sociais se engajam em alcançar o bem comum a partir da lógica do mercado. Nesta pesquisa investigaremos a atuação destes empreendedores em sites de crowdfunding. 2. Empreendedorismo social O empreendedor social é um termo que, apesar de ganhar força na contemporaneidade, ainda carece de estudos e pesquisas de caráter acadêmico. Por seu surgimento relativamente recente, definições claras de seu conceitos ainda se desenvolvem na academia. Segundo Dees (2001), o empreendedor social combina a paixão de uma ação social com as características inovadoras e competentes do mundo dos negócios. Ele incorpora o modus operandi do capitalismo para viabilizar seus projetos sob a lógica de mercado. O empreendedor social possui as mesmas competências do empreendedor comum, porém, ele as utiliza não para fins puramente lucrativos, mas para fins sociais. Apesar de ainda não existir uma delimitação definitiva sobre seu conceito, alguns teóricos investigam possíveis tipologias dentro do campo do empreendedorsimo. Peter Drucker (apud DEES, 2001), por exemplo, classifica como um empreendedor aquele que não se limita a um modelo de negócio já existente, mas 3 www.catarse.me/pt PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) enxerga novas possibilidades e, a partir de um problema, propõe uma nova solução. Dentro do conceito de Peter Druker, nota-se uma diferença entre empreendedores e administradores: administradores apenas gerenciam um recurso existente, enquanto empreendedores se mobilizam e criam valor até então inexistente. Segundo o autor, os empreendedores sociais se assemelham pelos seguintes pontos: adotam uma missão para criar e sustentar valor social e não privado; buscam novas oportunidades para servir tal missão; envolvem-se em um processo de contínua inovação, adaptação e aprendizagem; e agem independentemente da limitação de seus recursos iniciais (DEES, 2001). Uma outra tentativa de classificação é o argumento de que uma ação social caracteriza-se por seu assistencialismo e por não ser um negócio autossustentável. Assim como o ativismo social que supostamente caracteriza-se por não tomar uma ação direta para resolver o problema, mas tenta influenciar governos, ONGs ou consumidores a tomarem a ação. O que notamos nessas classificações são tentativas de denominação dentro do campo, mas o que observamos na prática é a sobreposição destes conceitos, sendo difícil identificar os limites conceituais. Na prática, essas classificações falham pois as atuações acabam sendo modelos híbridos entre empreendedorismo social, ação social e ativismo social; (MARTIN e OSBERG, 2007) tornando o empreendedorismo social um campo que também abrange todas estas outras atuações. A atuação no empreendedorismo social cresce entre os jovens que estão começando suas carreiras profissionais e anseiam ser empreendedores. A aura que o empreendedorismo ganha nas últimas décadas, segundo Boltanski e Chiapello (2009), se dá pela nova retórica do espírito que promove o engajamento no capitalismo. Ao contrário das gerações anteriores que encontravam nas grandes empresas a promessa de estabilidade financeira, a atual precarização do trabalho faz com que a convocação ao empreendedorismo seja uma opção atrativa às novas gerações. (idem) Assim, se tornar empreendedor ganha uma aura no mundo do trabalho atual e se reveste com uma série de argumentos como “fazer o que gosta”, “ser dono de si mesmo”, PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) “acreditar no sonho” entre outras expressões que encontramos neste universo. São justificativas para promover o engajamento no capitalismo e empenhar-se em superar os problemas propostos pelo neoliberalismo. Boltanski e Chiapello afirmam que se o capitalismo não morreu, foi porque conseguiu readequar as justificativas que o apresentam como “ordem aceitável e até desejável, a única possível, ou a melhor das ordens possíveis” (2009, p. 41-2). Já no discurso do empreendedor social identificamos um paradoxo: a tentativa de buscar o bem comum se engajando no modus operandi do capitalismo. Este fato se evidencia em posts de facebook da Artemisia4 - uma organização de fomento a projetos sociais - que constroem significados ao empreendedorismo social em seu discurso. Segundo Fairclough, "o discurso é uma prática, não apenas de representação do mundo, mas de significação do mundo, constituindo e construindo o mundo em significado." (2001, p. 91) Figura 1 e 2: posts do facebook da Artemisia “Entre ganhar dinheiro e fazer a diferença, escolhemos ficar com os dois.” Esta peça evidencia o paradoxo do empreendedor social ao se engajar no capitalismo 4 fonte: www.facebook.com/ArtemisiaNS PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) como forma de resolver problemas gerado pelo mesmo sistema. O “ganhar dinheiro” e “fazer a diferença” é representado na imagem pelas setas em direções opostas diante da pessoa, revelando a percepção de que o altruísmo e o acúmulo são realmente opostos. Da mesma maneira na Figura 2, a frase de Guy Kawasaki - um dos proeminentes capitalistas do Vale do Silício - também nos mostra como é incorporado os anseios e justificativas de bem comum na prática discursiva deste engajamento. E, quando o capitalismo é obrigado a responder efetivamente às questões levantadas pela crítica, para procurar apaziguá-la e conservar a adesão de suas tropas, que poderão dar ouvidos às denúncias, ele incorpora, nessa operação, uma parte dos valores em nome dos quais era criticado. (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2009, p. 63) Segundo Boltanski e Chiapello, o "bem" do capitalismo não pode corresponder ao "comum", pois suas formas de exploração também se adequam ao atual contexto conexionista. (2001) Apesar desta pesquisa não se propor em responder definitivamente esta questão, cabe investigarmos a contradição do capitalismo que é revelada no discurso do empreendedor social: seria o empreendedor social realmente uma brecha do capitalismo com poder de impacto social ou simplesmente faz parte da nova justificativa do capitalismo como resposta às anteriores críticas? 3. O crowdfunding Os recursos oferecidos pelos novos meios tecnológicos talvez sejam uma das principais ferramentas disponíveis para a entrada do jovem no universo do empreendedorismo. Dentre estes recursos, encontramos o crowdfunding: um financiamento coletivo feito com contribuições de um público ao invés de uma empresa privada. O crowdfunding surgiu a partir do modelo crowdsourcing - um processo de produção baseado em rede colaborativa de usuários. O termo foi usado PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) pela primeira vez em um artigo de Jeff Howe para a Revista Wired5, apesar do modelo já ter sido utilizado anteriormente em sites como Wikipedia, IMBD e o sistema operacional Linux, por exemplo. Para nos situarmos em termos de definição, usaremos o conceito de Mollick: Crowdfunding refere-se aos esforços de indivíduos e grupos empresariais culturais, sociais e com fins lucrativos - para financiar seus empreendimentos baseados em contribuições relativamente pequenas de um grupo relativamente grande de indivíduos que utilizam a internet, sem intermediários financeiros padrões. (MOLLICK, 2014, p.2) De acordo com a pesquisa do Inter-American Development Bank6, existem diferentes tipos de crowdfunding: os baseados em caridade; os baseados em recompensas; os baseados em débito; e os baseados na equidade. Para esta pesquisa, nos limitaremos aos mais comuns em projetos de iniciativas independentes que são os baseados em recompensas. Como exemplo deste tipo de crowdfunding, temos o Catarse, Kickstarter, GoFundMe - em que os apoiadores recebem algum benefício em troca de seu financiamento. Este tipo de crowdfundig se constitui basicamente por três elementos interdependentes: os proponentes - que idealizam e apresentam o projeto buscando o financiamento; os colaboradores - que financiam o projeto; e a própria plataforma - responsável pelo funcionamento e mediação entre as outras partes. Estes sites geralmente também atuam baseados na regra do tudo ou nada: o proponente e a plataforma só recebem o valor contribuído se a meta total do projeto for arrecadada. O crowdfunding se assemelha, em várias maneiras, com a prática comum de colaboração entre amigos, como as famosas “vaquinhas”. Mas estas plataformas tecnológicas também estabelecem uma forte relação de participação entre seus membros, conforme as práticas da cultura participativa (JENKINS 2009). Assim, os 5 Disponível em: www.wired.com/wired/archive/14.06/crowds.html. Acesso em junho de 2014 6 Disponível em: www.crowdsourcing.org/editorial/crowdfunding-in-mexico-the-power-ofdigital-technologies-to-transform-innovation-entrepreneurship-and-economic-inclusionreport/31100 Acesso em junho de 2014 PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) projetos de iniciativa independente - seja cultural, comercial ou social - possuem novas formas de viabilização sem depender de incentivos financeiros do governo ou de instituições privadas. O crowdfunding se estabelece como um grande colaborador de uma nova forma econômica: “Não através de comércio, caridade, ou de investimento - mas por meio de um novo modelo, alimentado por um público disposto.” 7 4. Projetos sociais como mercadoria Os projetos que assumem objetivos "sociais", voltados ao bem comum, representam uma grande parcela dos proponentes nas plataformas de crowdfunding. No Catarse ganham uma própria categoria: “negócios sociais”. Estes concorrem com todas as outras categorias pela atenção dos usuários, exigindo dos projetos sociais uma formatação específica. Eles devem possuir uma estética de mercadoria para persuadir os usuários a financiá-los, incorporando as lógicas da concorrência que estruturam o campo do empreendedorismo social. Segundo Bourdieu, um campo consiste em um espaço social construído a partir de determinado habitus - “princípio gerador de práticas objetivamente classificáveis” (BOURDIEU, 2007, p.162). Apesar de cada campo ser autônomo e ter seu próprio conjunto de práticas e singularidades, todos os campos também possuem lógicas em comuns: relações objetivadas, formas de legitimação e diferenciação social, lutas por prestígio e poder, dominantes e dominados e etc. Os campos também são, ao mesmo tempo, estruturas estruturadas e estruturantes, ou seja, influenciam a relação de seus participantes e também são influenciados pelas mesmas. Assim como produtos expostos em vitrine, cada projeto social em crowdfunding também concorre com outros logo na página inicial. O proponente conta com um video de poucos minutos para convencer o colaborador a financiá-lo, 7 Disponível em www.kickstarter.com/blog/who-is-kickstarter-for. Acesso em junho de 2014. PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) exigindo uma apresentação sucinta e eficiente - também conhecida como elevator pitch8. Para isso, os projetos incorporam a estética persuasiva do mercado: identidade visual, peças de comunicação, mídias sociais, recompensas, entre outros. Reforçando o aspecto competitivo do campo, o Catarse posssui um blog que é alimentado constantemente com dicas de formatação considerados mercadologicamente eficientes e persuasivos. A importância de incorporar esta estética se evidencia em uma pesquisa9 feita com os próprios usuários do site sobre quais fatores importam na hora de apoiar um projeto. A pesquisa revelou que, em uma escala de importância de 1 a 100: a identificação com a causa é o principal fator, com 88 na pontuação; a confiança no potencial do realizador, em segundo lugar, com 71; e a qualidade da apresentação do projeto em terceiro lugar, com 70. Todos estes recursos são formas de legitimação dentro destes espaços. Assim, as plataformas de crowdfunding estruturam aos projetos ali presentes com a lógica de mercado, assim como também são estruturados por eles. A “Corrida Maluca de Cadeirantes” é um exemplo de como o empreendedorismo social se viabiliza por se apropriar da estética de mercado. Este projeto consiste em um evento que organiza uma corrida tematizada de crianças cadeirantes, com o intuito de incentivar a inclusão social. O projeto traz em si aspectos do universo infantil - humor, brincadeira, gincana e personagens de desenhos. A ideia é fantasiar as cadeiras de rodas, tratando estas não como uma dificuldade, mas como um recurso visual para o evento. A cadeira de rodas, elemento indissociável da vida cotidiana dessas crianças com deficiência, é o elemento ressignificado de forma lúdica e fantasiosa. A construção dos carros ocorreu em uma confraternização que juntou famílias, artistas e voluntários. O projeto foi bem 8 Nome utilizado no mundo corporativo para se referir a apresentação de uma ideia de forma persuasiva em um curto espaço de tempo - como se estivesse apresentando em uma subida de elevador. 9 Fonte: www.pesquisa.catarse.me, disponível em maio de 2014 PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) sucedido no financiamento, pedindo a colaboração de dez mil reais e atingindo mais de doze mil reais. Figura 3:Página do projeto no Catarse10 Figura 4 e 5: Tematização dos cadeirantes na Corrida Maluca de Cadeirantes Ao encontrar este projeto no crowdfunding, o colaborador se depara com peças de comunicação que se apropriaram de uma estética publicitária e respondem aos principais requisitos da pesquisa: teve qualidade na apresentação, fez o colaborador se identificar com a causa e mostrou o potencial do idealizador. O idealizador deste projeto é um publicitário que se dedica a projetos sociais e, como a maioria dos profissionais de publicidade, ele busca criatividade como um 10 fonte: catarse.me/pt/corridamaluca disponível em junho de 2014 PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) diferencial competitivo, mesmo em projetos sociais. Podemos verificar na descrição de sua marca na própria página do facebook: O Smile Flame nasceu para criar projetos que misturam ações do bem com referencias legais. Acreditamos que dá pra obter melhores resultados quando ajudamos os outros de forma mais divertida, fugindo dos clichês e padrões piegas. 11 Nesta declaração, nota-se como o discurso de um empreendedor social se confunde com o discurso mercadológico. A referência de “clichês” e “padrões piegas” revela a irrelevância competitiva que um projeto com o mesmo objetivo teria se não possuisse o mesmo poder persuasivo. Nota-se que para “ajudar os outros” dentro da lógica do mercado é necessário incorporar técnicas e conhecimentos de um empreendedor. Com isto, este projeto social se legitima no campo do crowdfunding através de sua estética publicitária. Conforme Lazzarato (2006), não se trata apenas de oferecer um produto ou serviço, mas de convocar o colaborador para participar de um mundo possível. Para o autor, a marca não existe fora do trabalhador ou do consumidor, mas somente na relação entre essas duas partes; o consumidor não existe a priori, ele se estabelece à medida em que corresponde a este mundo possível. É Através dela que o serviço ou produto ganham seus signos e materializam este mundo possível. “A publicidade encontra primeiramente a alma, e depois o corpo.” (LAZZARATO, 2006, p. 105) O "possível" (um produto ou um serviço) que vai expressar o "mundo" normatizado da empresa não existe a priori, ele precisa ser criado. 0 mundo, os trabalhadores, os consumidores não preexistem ao acontecimento. São, ao contrário, engendrados pelo acontecimento. (LAZZARATO, 2006 P. 108) Segundo o autor, esta é uma das características do capitalismo atual, que não consiste mais na exploração física, como se dava nas discussões de Marx; mas se dá na apropriação destes mundos possíveis. Ou seja, no crowdfunding, as apresentações 11 Fonte: www.facebook.com/smileflameproject/info disponível em junho de 2014 PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) dos projetos sociais expressam os mundos possíveis imaginados pelos proponentes e são consumidos à medida em que os colaboradores aderem a este mundo. 5. Consumo e cidadania Com o crescimento do universo crowd, notamos o surgimento de novos espaços que fomentam o consumo. O empreendedor social participa deste contexto com estratégias publicitárias atreladas à uma causa de bem comum, tornando-se um forte proponente dentro da concorrência. Segundo a pesquisa feita com os próprios usuários do Catarse12, 41% do interesse do público está em apoiar causas com viés social e ou ambiental, que fortaleçam comunidades de forma responsável e solidária. Este dado nos revela uma possível crítica ao capitalismo anterior - cuja imagem se construiu sob uma forma mais nociva às novas gerações - fazendo com que o consumo de projetos sociais se diferencie do consumo de projetos comerciais. De acordo com Canclini (2001, p. 77), o consumo pode ser definido como “o conjunto de processos socioculturais em que se realizam a apropriação e os usos dos produtos.” Compreendido como algo além do ato de compra ou da mera apropriação individual de objetos, o consumo pode ser um processo ritual que gera sentido e significado. Ou seja, o consumo de projetos sociais em crowdfunding é uma apropriação coletiva que proporciona uma determinada satisfação, que leva as recompensas em projetos sociais serem, em sua grande maioria, de valores simbólicos: um vídeo de agradecimento personalizado, uma fotografia relacionada à causa, etc. Os rituais eficazes são os que utilizam objetos materiais para estabelecer o sentido e as práticas que os preservam. Quanto mais custosos sejam esses bens, mais forte será o investimento afetivo e a ritualização que fixa os significados a eles associados. (CANCLINI, 2001 p. 82-3) 12 Fonte: www.pesquisa.catarse.me, disponível em maio de 2014 PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) Com o crescimento de investimentos em causas sociais, encontramos cada vez mais serviços que atendem a este “nicho de mercado”. O Benfeitoria13, por exemplo, é o primeiro site de crowdfunding que não cobra comissão dos projetos financiados, com o intuito de fomentar o segmento. Existe também o Wings for Change 14 , uma instituição de empreendedores sociais que fez parceria com o Catarse: completam os 20% faltantes do valor dos projetos sociais que conseguirem chegar aos 80%. Estas são evidências de uma paradoxal crítica ao capitalismo que busca o bem comum se utilizando do próprio sistema. A ideia de cidadania está fortemente entrelaçada ao consumo nas plataformas de crowdfunding. 6. Considerações finais A imagem do empreendedor social nos revela uma contradição do capitalismo, ao produzir sujeitos que se utilizam de seu modus operandi que promove o engajamento na concorrência para buscar o bem comum. O capitalismo parece incorporar os anseios e desejos das novas gerações em sua retórica. Se por um lado há uma inegável apropriação mercadológica dos projetos sociais, por outro lado, seu consumo mostra a disposição dos sujeitos em promover ações de valor social. Cabe investigarmos como a atuação dos empreendedores sociais em crowdfunding pode ser um grande indicador do novo espírito do capitalismo que, segundo Boltanski e Chiapello (2009) sempre procura novas justificativas e argumentos para si, mostrando-se sedutor aos que buscam o bem comum. 13 benfeitoria.com 14 wings.catarse.me/pt PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) Referências BOLTANSKI, Luc e CHIAPELLO, Ève. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009. 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