CONSELHO ECONÓMICO E SOCIAL
COLÓQUIO O PLANO NACIONAL DE EMPREGO
(Organizado pelo Conselho Económico e Social, no Pequeno Auditório da Caixa
Geral de Depósitos, a 23 e 24 de Março de 1998)
LISBOA, 1998
1
ÍNDICE
Sessão de Abertura
Intervenção do Presidente do Conselho Económico e Social
Dr. José da Silva Lopes
5
Intervenção Ministro do Trabalho e Solidariedade
Dr. Eduardo Ferro Rodrigues
8
Intervenção do Comissário da União Europeia
Mr. Padraig Flynn
17
Políticas Activas de Emprego
Emprego e Desemprego
Prof. António Figueiredo
26
Mercado Social de Emprego
Dr. Acácio Catarino
38
Fiscalidade e Emprego
Dr. Manuel Freitas Pereira
46
Educação e Formação Profissional (I)
O Ensino e o Mercado de Trabalho
Prof.ª Teresa Ambrósio
53
O Ensino e a Evolução Económica
Prof. António Barreto
62
Educação e Formação Profissional (II)
Intervenção do Secretário de Estado do Emprego e Formação
Dr. Paulo Pedroso
69
A Transição da Escola para a Vida Activa
Dr. Joaquim de Azevedo
74
A Política de Formação Profissional
Prof.ª Margarida Chagas Lopes
83
Igualdade de Oportunidades no Mercado de Trabalho
Intervenção do Secretário da Inserção Social
Dr. Rui Cunha
88
As Mulheres no Mercado de Trabalho
Prof.ª Lígia Amâncio
95
Os Deficientes e o Emprego
Dr. Luís Capucha
102
2
As Minorias Étnicas e o Emprego
Dr. José Leitão
112
Desenvolvimento do Espírito Empresarial e da Capacidade de Adaptação
das Empresas
Intervenção do Ministro da Economia
Dr. Pina Moura
121
Facilidades ao Estabelecimento de Novas Empresas
Dr. Paulo Nunes de Almeida
126
Melhoria da Competitividade e da Capacidade de Adaptação das Empresas
Prof. Ricardo Bayão Horta
134
Facilidades à Instalação de Empresas
Eng.º António Souta
Programa
142
148
3
Discurso de Abertura
4
Intervenção do Senhor Presidente do Conselho Económico e Social,
Dr. José da Silva Lopes
O Colóquio sobre o Plano Nacional de Emprego, que agora estamos a inaugurar,
resultou de uma proposta formulada pelo Senhor Ministro do Trabalho e da
Solidariedade ao Conselho Económico e Social.
Foram dois os objectivos que presidiram à realização do Colóquio.
O primeiro desses objectivos foi o de promover a difusão das ideias que o Governo
está a considerar para efeitos de elaboração do Plano Nacional de Emprego, que terá
de ser apresentado na União Europeia, em Abril próximo, em harmonia com as
decisões tomadas pelos Chefes de Estado e de Governo no Conselho Europeu
Extraordinário do Luxemburgo sobre o emprego, de Novembro passado. Procurou-se
que essas ideias possam ser amplamente conhecidas e debatidas não só por
representantes dos parceiros sociais, quer do lado sindical quer do lado patronal, mas
também pelos outros membros do Conselho Económico e Social e por vários
especialistas particularmente interessados nos problemas de emprego e da formação
profissional.
O segundo objectivo do presente Colóquio foi o de reunir contribuições dos seus
participantes que possam enriquecer os trabalhos, ainda em curso, relativos à
preparação do Plano Nacional de Emprego. Tais contribuições virão não só dos
oradores indicados no programa que foi estabelecido, mas também das intervenções
que terão lugar durante o período de debates em cada sessão.
É natural que o essencial dos resultados que o Colóquio virá a produzir resulte das
comunicações programadas.
Neste contexto, devo começar por agradecer ao Senhor Ministro do Trabalho e da
Solidariedade e aos seus colaboradores o apoio que nos deram na organização deste
Colóquio.
Deverei agradecer, também, ao Senhor Comissário da União Europeia, Pádraig
Flynn, o ter-se deslocado expressamente a Portugal, para fazer uma intervenção nesta
sessão de abertura do presente Colóquio. As informações que nos vai fornecer e os
seus comentários serão, sem dúvida, do maior interesse para todos os presentes.
Terei ainda que exprimir o meu reconhecimento ao Senhor Ministro da Educação,
ao Senhor Ministro da Economia, ao Senhor Secretário de Estado do Emprego e da
Formação e ao Senhor Secretário de Estado da Inserção Social, pelas suas
intervenções, com que serão iniciadas as nossas sessões de trabalho.
A esta lista de agradecimentos terei de acrescentar os especialistas convidados,
autores das comunicações, que serão uma das bases fundamentais para o nosso
trabalho.
Por último, não posso deixar de exprimir um reconhecimento muito particular à
Caixa Geral de Depósitos, e designadamente ao seu presidente Dr. João Salgueiro,
por ter posto estas instalações à disposição do Conselho Económico e Social, para a
5
realização do Colóquio. Não é a primeira vez – nem certamente será a última – que a
Caixa Geral de Depósitos presta este tipo de apoio de tanto interesse para o trabalho
do Conselho Económico e Social.
Como está indicado no programa, o Colóquio vai ocupar-se sobretudo das políticas
activas de emprego; da educação e formação profissional; da igualdade de
oportunidades no mercado de trabalho; e do desenvolvimento do espírito empresarial
e da capacidade de adaptação das empresas.
Não iremos tratar de outros aspectos da política de emprego. E, no entanto, alguns
desses aspectos têm aparentemente ainda mais importância do que aqueles de que nos
vamos ocupar. É isso o que sucede, nomeadamente, com as condicionantes
macroeconómicas do mercado de emprego e com a flexibilização da legislação
laboral.
Assim, no que respeita àquelas condicionantes, todos sabemos que o crescimento
do PIB é, de longe, o factor que, entre nós, mais influência tem tido na marcha do
desemprego. Está demonstrado que, por cada ponto de percentagem no excesso da
taxa de crescimento do PIB de um dado ano em relação à tendência do médio prazo, o
desemprego tem descido cerca de meio ponto de percentagem. Analogamente, quando
o crescimento do PIB é inferior à tendência, tem havido aumento do desemprego na
mesma proporção. É assim evidente que o remédio mais importante para combater o
desemprego é conseguir maior crescimento económico. Mas, a médio e longo prazo, o
ritmo do crescimento económico depende, além do mais, dos factores que vamos
analisar neste Colóquio, em particular a educação e formação profissional, e o
desenvolvimento do espírito empresarial e da capacidade de adaptação das empresas.
Também não podemos esquecer outro dos factores de que nós não trataremos
especificamente – o da flexibilidade nos salários reais e no volume de emprego. Essa
flexibilidade explica que o desemprego em Portugal, não obstante as suas flutuações
cíclicas, tenha permanecido em níveis inferiores à média europeia. Embora a
legislação laboral portuguesa seja por muitos considerada como muito rígida em
comparação com a de outros países, o facto de boa parte dela não se aplicar com toda
a efectividade a uma elevada proporção dos trabalhadores, leva a que, de facto, o
mercado de trabalho em Portugal tenha até aqui sido bastante flexível.
As condicionantes macroeconómicas e as questões relativas à flexibilidade do
mercado de trabalho ganharão ainda mais relevância no futuro próximo, em virtude
das mudanças que ocorrerão, se Portugal entrar na União Económica e Monetária,
como todos esperamos. Será importante discutir as implicações para a política de
emprego que poderão resultar da perda de soberania na política monetária e das
limitações na política orçamental impostas pelo Pacto da Estabilidade. E será ainda
mais importante estudar até que ponto é que o estreitamento das margens de manobra
na política macroeconómica tornará necessária a maior flexibilização do mercado de
trabalho, como condição para lutar contra o desemprego em face de choques
adversos.
6
Apesar de tudo isso, não foi possível que o programa do presente Colóquio
incluísse referências específicas às condicionantes macroeconómicas e à
flexibilização do mercado de trabalho. Isso aconteceu por duas razões. Em primeiro
lugar, porque, tratando-se de contribuir para a preparação do Plano Nacional de
Emprego, houve que dar prioridade aos tópicos apresentados na Resolução do
Conselho da União Europeia relativa às directrizes para o emprego em 1998. Daí que
o programa do Colóquio siga de perto o esquema traçado naquela Resolução. Em
segundo lugar, procurou-se que o Colóquio não se tornasse excessivamente longo e
complexo, como inevitavelmente teria de suceder, se além das questões apontadas nas
directrizes estabelecidas pelo Conselho da União Europeia, tivéssemos de debater
também as questões de natureza macroeconómica ou questões de flexibilização
laboral. Essas questões merecerão, sem dúvida, a maior atenção, mas não é pelo facto
de elas não estarem incluídas no programa do presente Colóquio que nos vai faltar
trabalho.
Mesmo com as restrições impostas ao programa definido, teremos amplas
possibilidades de identificar sugestões e recomendações que possam vir a revelar-se
de significativo interesse para ajudar o Governo na sua tarefa de elaboração do Plano
Nacional de Emprego, que dentro em breve terá de ser apresentado em Bruxelas.
É por isso que espero que o presente Colóquio se venha a revelar de grande
utilidade.
7
Intervenção de Sua Excelência o Ministro do Trabalho e da Solidariedade
Social,
Dr. Eduardo Ferro Rodrigues
A importância da nova abordagem ao emprego na UE
Em todos os países da União Europeia estão, neste momento, a ser elaborados os
Planos de Acção para o Emprego os quais constituem novas realidades no contexto da
União, realidades correspondentes a uma importante viragem que foi operada ainda
muito recentemente.
De facto foi a cimeira Extraordinária sobre o emprego realizada no Luxemburgo
no final do passado ano que veio, na sequência da Cimeira de Essen e da inclusão do
capítulo sobre o emprego no Tratado de Amesterdão, dar uma efectiva concretização
a uma já velha ambição da generalidade dos países da UE: aprofundar uma estratégia
de conjunto para a promoção do emprego e o combate ao desemprego.
E esta ambição é, indiscutivelmente, uma ambição partilhada pelo conjunto dos
cidadãos da Europa, confrontados com uma persistente e alarmante incapacidade das
economias europeias de superar um défice muito significativo da geração de
empregos.
Esse défice:
– faz com que mais de um em cada dez activos na Europa estejam na situação
de desempregados;
– faz com que a União possua uma taxa de emprego bem mais baixa que a dos
grandes espaços económicos com que concorre;
– faz com que muitos milhões de jovens defrontem uma angustiante
inexistência de oportunidades para a sua plena inserção na vida activa;
– faz com que o desemprego seja uma das principais, senão a principal causa
de pobreza e exclusão social em muitos países da Europa.
Esta nova abordagem da problemática do emprego pelo conjunto da União traz
consigo uma importante responsabilidade perante muitos milhões de europeus, a de
contribuir para inverter uma situação insustentável que ameaça pôr em causa os
próprios fundamentos do modelo social europeu.
É, no entanto, necessário considerar que não podemos esperar desta viragem
imediatos resultados e drásticas alterações nos mercados de trabalho da Europa. A
situação que defrontamos é fruto de uma complexa e prolongada evolução económica
e social e a sua superação exige, não só um esforço continuado de todos os agentes
relevantes à escala europeia, como, muito principalmente, a confluência de
transformações em muitos e complementares planos económicos e sociais.
8
Uma superação séria e sustentada das dificuldades existentes na criação de
empregos na Europa exige, como o acordo do Luxemburgo muito bem sublinhou, que
se compatibilizem três planos complementares:
– os avanços na construção da União Económica e Monetária e a
correspondente criação de um quadro macroeconómico estável e que
favoreça o crescimento económico e o investimento;
– o aprofundamento da coesão económica e social no espaço europeu, factor
essencial ao estabelecimento de um quadro estimulante para um crescimento
sustentável;
– o desenvolvimento de políticas activas de emprego que acelerem a
transformação do crescimento económico em crescimento do emprego e que,
elas próprias se constituam num dos factores do crescimento e do
desenvolvimento económico.
A Cimeira Extraordinária sobre o Emprego realizada no Luxemburgo estabilizou
um importante consenso que veio mais tarde a traduzir-se nas Directrizes para o
emprego para 1998.
Esse consenso comporta duas componentes principais: por um lado ele pode
identificar quatro pilares de actuação para a promoção do emprego e o combate ao
desemprego e o seu desenvolvimento em 19 directrizes com um relevante conteúdo
concreto; por outro lado foi estabilizada uma metodologia de trabalho que combina de
forma original e inovadora a responsabilidade da União e a responsabilidade nacional
na construção de uma estratégia para o emprego.
Estes dois planos do consenso alcançado são indissociáveis e da maior
importância. Importa que se assuma que o problema do emprego é um problema
europeu, e um dos mais importantes problemas da integração europeia, e é um
problema com profundas e determinantes especificidades nacionais.
Ele exige, portanto, respostas globais e uma estratégia combinada, mas igualmente
o respeito pela profunda especificidade das situações e pela necessidade de decisivas
adaptações da estratégia europeia às realidades nacionais.
O desemprego é uma realidade europeia mas ele atinge de forma distinta os
diferentes espaços nacionais e até regionais na Europa: não apenas porque a
intensidade do desemprego é distinta, mas também porque as suas consequências no
plano social, no plano da qualidade de vida e da coesão social são muito distintas.
Os níveis de emprego na União terão de ser elevados de forma global em toda a
União, mas a natureza desse processo é muito distinta nos vários contextos existentes:
não só porque a sustentabilidade dos sistemas de emprego é muito diversa, mas
também porque a capacidade do emprego existente em gerar aceitáveis níveis de bemestar e de coesão social é, ainda, muito desigual.
É esta realidade que exige a metodologia combinada de respostas dos planos
Europeu e Nacional que foi consagrado no Luxemburgo e na construção da qual
Portugal se empenhou de forma activa e profundamente convicta.
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Os quatro Pilares em que se desenvolveram as directrizes para o emprego
correspondem, de facto, a dimensões nucleares para a resposta aos problemas do
emprego.
Essa resposta exige um importante reforço da empregabilidade dos cidadãos
europeus no duplo sentido da melhoria da capacidade de aceder a uma integração ou
reintegração profissional e do reforço da capacidade para tornar duradouramente
sustentáveis os empregos existentes.
A resposta europeia aos problemas de emprego exige um significativo reforço do
espírito empresarial, como sinónimo da capacidade de, a todos os níveis da
sociedade, gerar iniciativas que de forma eficaz aproveitem, em pleno as
oportunidades de gerar emprego e riqueza.
Esta capacidade de aproveitar as oportunidades exige, ainda, reforços da
adaptabilidade das empresas e dos trabalhadores aos novos contextos competitivos e
às novas modalidades de organização do trabalho.
Finalmente a resposta aos problemas do emprego exige que se afrontem com
decisão as importantes desigualdades que ainda persistem em muitos domínios dos
mercados de trabalho, nomeadamente aquelas que discriminam as mulheres, gerando
um clima e uma cultura de efectiva e plena igualdade de oportunidades.
Portugal é, no quadro da União Europeia um dos países que apresenta mais
profundas especificidades no que respeita aos problemas do emprego e do
desemprego.
É sabido que possuímos uma situação no mercado de trabalho que se caracteriza,
do ponto de vista estrutural, por uma elevada capacidade de resposta e por uma
enorme sensibilidade aos ciclos económicos. Portugal desenvolveu, ao longo das
últimas décadas um modelo económico e social onde compatibilizou uma taxa de
emprego comparativamente alta com níveis de produtividade e de remuneração do
trabalho relativamente baixas.
Por outro lado temos vindo a viver ciclos económicos onde o crescimento
económico tem sido alimentado, de forma equilibrada, com os contributos do
emprego e da produtividade, o que tem permitido que, em fases de expansão do
produto se gerem respostas relativamente rápidas em termos dos níveis de emprego.
Os grandes desafios do emprego em Portugal
Podemos afirmar que os problemas com que Portugal se defronta no mercado de
trabalho são problemas de três tipos, articulados entre si de complexa e exigente
resposta.
Possuímos um desemprego que, apesar de comparativamente baixo em termos
europeus, é estruturalmente grave e de superação complexa.
Possuímos um sistema de emprego onde são demasiado abundantes os factores de
fragilidade e os défices de sustentabilidade.
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Possuímos uma estrutura económica e produtiva onde estão, ainda, pouco
amadurecidos os processos de reestruturação correspondentes às novas exigências da
competitividade externa e interna das nossas empresas.
As dificuldades associadas às características do nosso desemprego evidenciam-se
em vários factores de enorme importância:
O desemprego em Portugal tem uma componente muito pesada de desemprego de
longa duração. Este ronda a metade do total dos desempregados e possui uma muito
elevada tendência para se transformar em desemprego de muito longa duração. Este
desemprego de longa duração afecta particularmente trabalhadores com défices de
habilitações e qualificações e, crescentemente, os trabalhadores mais idosos.
O desemprego possui uma componente muito representativa de desemprego jovem
o qual atinge cerca de um terço do total. Por outro lado esse desemprego é composto
por uma significativa percentagem de jovens que demoram a encontrar empregos com
alguma sustentabilidade e regressam frequentemente à situação de desemprego. E,
ainda, o desemprego jovem começa a incorporar crescentes componentes de jovens
com qualificações e habilitações escolares relativamente elevadas mas que se revelam
desajustadas face à procura existente.
Finalmente, o desemprego em Portugal está, em muitas situações, associado a
enormes problemas de pobreza e exclusão, problemas que são ampliados pelo facto de
possuirmos, ainda, uma insuficiente rede de protecção social. Apesar dos esforços que
estamos a desenvolver no sentido de tornar mais eficaz a protecção social, é sabido
que a protecção no desemprego possui ainda uma cobertura longe da ideal o que,
associado ao baixo nível de rendimentos salariais que ainda marca a existência de
muitas famílias, fragiliza enormemente as famílias atingidas por situações
prolongadas de desemprego.
Mas será talvez ao nível das características qualitativas do emprego que Portugal
defronta os mais sérios e exigentes desafios da actual fase do nosso desenvolvimento.
As consequências de longas décadas de insuficiente investimento na formação de
base e na qualificação dos portugueses fazem com que tínhamos a população
empregada que possui os níveis mais baixos de habilitações de toda a união Europeia.
Em meados desta década Portugal possuía um peso trabalhadores de baixas
habilitações na sua população empregada da ordem dos 73% valor mais do que duplo
da média Europeia e, por exemplo, 12 pontos acima da Espanha, 20 da Grécia e 30 da
Irlanda.
A influência que este indicador possui na estrutura de qualificações, o seu impacto
na capacidade competitiva da economia e a sua influência na sustentabilidade dos
rendimentos e dos empregos é, naturalmente de grande dimensão.
Se esta situação é fruto de opções estruturais de longo prazo que são de lenta
recuperação, ela é também resultado de uma estrutura económica relativamente pobre
e pouco exigente a qual se desenvolveu, precisamente, utilizando intensivamente as
características da nossa força de trabalho.
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Mas é também indiscutível que a fragilidade da estrutura de habilitações e
qualificações da nossa população activa é, nos nossos dias, um dos maiores
obstáculos, senão o maior dos obstáculos, a uma transformação rápida e progressiva
do nosso tecido empresarial.
Esta situação é tanto mais grave quanto ela atinge, ainda muito extensas áreas da
nossa população activa em idade juvenil ou de jovens adultos. O défice do binómio
habilitações/qualificações não poderá ser superado pela simples substituição
geracional. De facto se possuímos, nos nossos dias, níveis de escolarização da nossa
população juvenil bem próximos, pelo menos em termos quantitativos, das médias
europeias, essa não é a situação de muitos dos activos que estão ainda na fase inicial
da sua carreira profissional e que serão ainda, durante décadas, uma parte
insubstituível da nossa força de trabalho.
Um terceiro facto crítico da nossa situação em termos de emprego prende-se como
atrás referi, com a inevitável aceleração do processo de reestruturação económica que
a actual fase da dinâmica competitiva impõe, quer sobre o impulso da integração
económica e monetária, quer sob o impulso dos processos de globalização e
liberalização das trocas mundiais, quer, ainda pela simples dinâmica de mudança que
o mercado nacional e a nossa procura interna impõem.
Todas as indicações mais recentes apontam no sentido de que essa aceleração está
em marcha:
– sectores económicos que foram amplos criadores de emprego em fases
ascendentes de anteriores ciclos económicos não estão hoje a apresentar
idêntico dinamismo;
– o processo de terciarização intensifica-se e com ele, intensos processos de
reestruturação sectorial, mesmo dentro do sector terciário;
– a fase de recuperação da criação líquida de emprego vive-se, em paralelo,
com sinais de crescimento intenso de processos de criação/destruição de
empregos.
Estes sinais de transformação, ainda que não completamente consolidados,
colocam dificuldades adicionais ao nosso mercado de emprego, apesar de,
naturalmente, eles serem mais facilmente geridos numa fase de crescimento
económico como aquela que estamos a viver.
Neste quadro, uma estratégia nacional para a promoção do emprego, da sua
sustentabilidade e da sua qualidade corresponde, naturalmente, a toda uma estratégia
de desenvolvimento económico e social para o nosso país.
Em Portugal o caminho para a construção de um sistema de emprego mais
qualificado e que, sustentadamente, garanta níveis elevados de coesão e bem estar
social exige que se dêem passos significativos de reforço da nossa capacidade
competitiva e de modernização e enriquecimento do nosso modelo social.
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A superação dos défices e insuficiências que possuímos no plano do emprego não
pode prescindir da consolidação de dimensões estratégicas de modernização.
Essa superação passa, nomeadamente:
– pela afirmação de uma importante componente empresarial de elevada
capacidade competitiva externa em segmentos dinâmicos da procura
internacional, com relevante participação do investimento estrangeiro e
tecnologicamente desenvolvida;
– por uma continuação, ainda relativamente prolongada, de um esforço de
investimento infra-estrutural, decisivo para a manutenção nos níveis de
emprego e de crescimento, mas igualmente decisivo para reforçar as
condições de sustentabilidade do desenvolvimento económico de longo
prazo;
– por um esforço de expansão do mercado interno, naturalmente compatível
com os equilíbrios macroeconómicos e com a estabilidade, mas igualmente
essencial para assegurar níveis de resposta a necessidades sociais ainda
amplamente insatisfeitas;
– pela priorização do esforço de investimento nos recursos humanos, não só
numa lógica de longo prazo, mas igualmente numa perspectiva de actuação
no curto prazo na promoção dos níveis culturais e profissionais da nossa
população activa.
Naturalmente que esta ambição de superação das nossas actuais insuficiências é
uma ambição de grande fôlego, uma ambição que combina dimensões de curto e
médio prazo com ambições que poderíamos chamar de geracionais.
Mas é uma ambição indispensável para enfrentarmos com confiança as exigências
que o futuro nos está, já hoje, a colocar. É uma ambição que exige um compromisso
muito intenso de uma parte substancial da nossa sociedade, do Estado até à sociedade
civil.
O plano Nacional de Emprego – os seus objectivos e prioridades
É neste quadro de compromisso estratégico que o nosso Plano de Emprego tem de
ser construído, numa lógica de resposta às questões do curto prazo, mas igualmente
numa lógica de integração de uma estratégia que irá ultrapassar a viragem do século e
projectar-se na próxima década.
O grande desafio a que o PNE procura dar resposta situa-se, pois, na necessidade
de desenvolver a política de emprego de forma integrada, favorecendo um
crescimento económico rico em emprego, defendendo a sustentabilidade dos nossos
níveis de emprego e promovendo uma intensa requalificação do mesmo.
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O quadro da situação portuguesa impôs que a adaptação à nossa especificidade das
orientações globais saídas da Cimeira do Luxemburgo conduzisse à identificação de
quatro grandes objectivos para o Plano:
a) promover uma transição adequada dos jovens para a vida activa;
b) promover a inserção socioprofissional e combater o desemprego de longa
duração e a exclusão;
c) melhorar a qualificação de base e profissional da população activa, numa
perspectiva de formação ao longo da vida, nomeadamente como forma de
prevenção dos fenómenos de desemprego;
d) gerir de forma preventiva e acompanhar os processos de reestruturação
sectorial.
Atingir estes objectivos, num quadro temporal que se projecta em cinco anos, mas
que inclui uma dimensão de curto prazo, exige uma identificação rigorosa dos
caminhos estratégicos para os atingir.
Irei salientar alguns dos caminhos estratégicos que o PNE irá desenvolver.
Como primeira e fundamental opção de trabalho podemos identificar a promoção
da articulação entre os domínios da educação, formação e emprego.
Esta articulação é fundamental para a correcção das nossas insuficiências
estratégicas e muito já foi feito e está a ser feito nesse particular. Mas haverá que
produzir, nos próximos anos um poderoso impulso para uma mais eficaz interligação
entre estes domínios, especialmente na prioridade de requalificação dos activos.
Uma segunda opção estratégica que salientarei prende-se com a valorização de
abordagens temáticas, regionais e locais assentes na resolução de problemas em
domínios como as respostas aos problemas sociais e ambientais. Estas são áreas onde
é possível combinar as necessidades sociais com a criação de emprego, favorecendo
ainda os equilíbrios regionais que constituem outra das preocupações portuguesas
neste domínio.
Uma terceira linha de orientação exige a promoção do diálogo social, o reforço
da concertação e da criação de parcerias a vários níveis, no sentido de concretizar
acordos e iniciativas que promovam a competitividade e o emprego.
Esta é uma das componentes fundamentais do espírito de abordagem dos
problemas de emprego que a União Europeia está a desenvolver e este é um campo
onde em Portugal muito há a inovar.
A articulação entre a política de protecção social e as políticas de emprego e
formação, é outra das linhas de trabalho que considero prioritárias, não só porque a
fragilidade combinada dos nossos sistemas de emprego e de protecção social é
significativa, mas também porque estamos a desenvolver uma nova lógica de políticas
sociais onde a inserção social é uma das prioridades.
14
Uma outra opção de orientação estratégica do nosso Plano passará por privilegiar
uma promoção transversal de acções positivas visando corrigir as desigualdades
entre homens e mulheres na inserção profissional e no trabalho.
Uma linha de operacionalização do PNE que assume uma prioridade maior diz
respeito à necessidade de reforçar a especialização e acrescer a eficácia dos Serviços
Públicos de Emprego. Esta opção concretiza-se através da concentração das
actividades dos serviços públicos de emprego no acompanhamento individual e
personalizado e na dinamização de redes de parcerias alargadas.
O acompanhamento individual dos cidadãos que recorrem aos serviços de
emprego, especialmente quando eles defrontam uma situação de desemprego, é o
caminho decisivo para a elevação da qualidade das políticas de emprego.
Finalmente uma outra orientação estratégica que irá formatar o nosso Plano
Nacional de Emprego consiste no desenvolvimento de programas e projectos
piloto, numa lógica de experimentação, com vista à valorização e demonstração de
boas práticas em áreas ou grupos considerados prioritários e o seu posterior
alargamento.
A concretização destas orientações estratégicas, destas linhas de abordagem dos
problemas do emprego e do desemprego em Portugal, dará origem a um conjunto de
objectivos específicos que, já a partir de 1998, e com o horizonte de 5 anos que está
fixado nas directrizes do Luxemburgo, começarão a ser concretizados.
Esses objectivos específicos, que serão oportunamente divulgados e debatidos a
vários níveis, deverão possibilitar melhorias das nossas políticas de emprego em áreas
como:
– o reforço da formação qualificante para a inserção e a reinserção
profissional, bem como do conjunto das medidas activas de emprego;
– a simplificação e racionalização das inúmeras medidas que hoje possuímos
em termos de apoio ao emprego e à formação;
– a orientação dos Serviços Públicos de Emprego para a construção de
percursos de inserção para todos os desempregados por forma a atingir, em
três anos, o objectivo europeu de oferecer a todos os jovens antes de seis
meses e a todos os desempregados antes de 12 meses de desemprego uma
nova oportunidade para a sua inserção;
– o aprofundamento da lógica de parceria na resposta ao problema do emprego,
seja entre áreas governativas seja com os parceiros sociais e demais
instituições da sociedade civil.
De facto a política de emprego que necessitamos é exigente em termos de
mobilização de parcerias para a criação de condições para o seu sucesso.
Em primeiro lugar existe uma parceria europeia que tem de ser devidamente
enquadrada e valorizada.
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A parceria europeia indispensável ao desenvolvimento da nova abordagem aos
problemas do emprego possui, naturalmente, um quadro complexo que é o quadro de
construção da União Europeia.
Esta parceria tem neste momento três vértices nucleares para a construção de uma
abordagem combinada aos problemas do emprego.
Esses vértices são a construção da UEM, o reforço da Coesão Económica e Social
e, naturalmente, a coordenação das políticas para o emprego.
Não me parece possível isolá-las nem hierarquizá-las. No entanto, julgo essencial
que se compreenda que não é possível uma política europeia para o emprego que não
seja tributária dos grandes objectivos da estabilidade e da coesão económica e social.
A comparabilidade das variáveis associadas ao emprego ao nível europeu é ainda
limitada, não só por problemas de natureza técnica e estatística, mas também porque
os desempenhos nacionais nos domínios económico e social só podem ser
compreendidos numa lógica integrada que não escamoteie as relações (ora de
conflitualidade ora de complementaridade) que existem entre as variáveis económicas
e sociais. E essa lógica de abordagem é a lógica da combinação entre a estabilidade e
o desenvolvimento da coesão.
Uma outra dimensão de parceria fundamental nesta abordagem ao emprego situase no seu carácter inter-sectorial. Se esta era já uma realidade conhecida, o contributo
dos Planos de Acção para o Emprego para esta assunção é indiscutível. O programa
deste Colóquio, nas suas várias sessões é uma prova viva desta realidade.
Finalmente uma dimensão de parceria que estes Planos vieram valorizar tem a ver
com o domínio das relações sociais e laborais. Os Planos Nacionais que estão a ser
elaborados não são planos dos Governos mas planos para os países. Algumas das
directrizes europeias destinam-se, em exclusivo aos parceiros sociais. Fizemos já
apelo a que os parceiros sociais em Portugal assumam, como está a acontecer noutros
países, compromissos de trabalho conjunto para a concretização dessas directrizes.
Estou certo que ao fazê-lo estarão a contribuir de forma importante para esta
ambição de dar novas respostas aos problemas do emprego.
Terminarei fazendo votos para que este Colóquio corresponda inteiramente aos
seus objectivos e agradecendo ao Conselho Económico e Social e ao seu Presidente
esta oportunidade de alimentar, de forma tão rica, uma reflexão que queremos que
acompanhe, em permanência a acção que estamos a desenvolver.
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Intervenção do Senhor Comissário da União Europeia, com a responsabilidade para o
Emprego, Relações Industriais e Assuntos Sociais,
Mr. Padraig Flynn
Lisbon Colloquium: Summary
This colloquium underlines the strong role Portugal is playing in the Union's
employment strategy. Our problems lie in our inability to handle macro-economic shocks,
or to modernise labour markets. Our response to the former is convergence and
coordination in economic policies and EMU. Our response to our labour market problems
is the Employment Strategy, and the Jobs Summit commitments.
Our first priority is entrepreneurship, to stimulate more and better jobs, by promoting a
stronger entrepreneurial environment and supporting job creation, including in the social
economy. Our second priority is employability, so that jobseekers can take new
employment opportunities. Thirdly, adaptability, to equip enterprises and the workforce to
embrace new technologies and conditions. Our fourth priority is equal opportunities, to
modernise societies so men and women can work on equal terms, to develop the full
capacity of our economies. The role of the Social Partners is important to all these policy
priorities.
In Portugal, as in all Member States, the NAPs will enable elaboration of concrete
measures to address specific national problems. The preparation of the Portuguese NAP
has been used to review labour market policies, and mobilise government services and the
social partners. This is exactly the collective strength needed to address the problems we
share. The Portuguese action plan will also reflect the common strand of the challenge,
structural reforms to meet structural problems. We must all move towards an
employability-oriented and preventive strategy.
The Structural Funds ensure the benefits of integration, and modernisation of markets
and systems, are inclusive. The reform will focus on combatting unemployment and
exclusion. It will ensure better targetting and impact; simplify administrative and financial
arrangements, and re-model the partnership process between the Commission and Member
States. It has been guided by four principles: economic and social cohesion; promoting
growth and employment; mainstreaming equal opportunities; and re-focusing the
Commission role in implementation. Much focus has been on the loss of assistance some
regions will bear. Transition arrangements will enable Portugal to navigate this change.
Reform will improve the Funds' ability to do their job, for employment and cohesion, with
the force of the new Treaty, and the Summit priorities. The ESF will remain our most
important weapon.
The Member States submit their NAPs soon. 13 of the 15 national seminars, to help
shape the NAPs, have now taken place. The Member States have demonstrated real
17
commitment to the exercise. The process they have launched is broadly based and fully
integrated. All are involving the social partners in developing the NAPs. In all Member
States, they are being submitted to the Government for approval. The Member States have
welcomed the Commission contribution to the process. Like many Member States,
Portugal has placed this process at the centre of policy planning, and emphasised the Social
Partners' role.
This is not a smooth path. It is the best one. I encourage the government and Social
Partners to come together as fully as possible. The new economic and technological
conditions within which the Single Market is developing demand investment in people.
They demand that we begin to anticipate change, as a process, in Portugal and across the
Union. Doing so can help address the specific needs of the Portuguese employment
strategy in the context, and with the collective strength, of common concern.
Mr. President, Minister, ladies and gentlemen,
I am very pleased to be back in Lisbon today and I am honoured to be able to join
in these proceedings. This event is a good example of the added value of bringing
European cooperation to bear on common European concerns. The subject, improving
employment performance, could not be more important for all our citizens.
At the outset, I want to congratulate the Portuguese government and Social
Partners for their engagement in the new collaborative process. The bilateral meeting
with the Commission, a few weeks ago, to help prepare the National Action Plan, was
very positive. And this colloquium underlines the strong role Portugal will continue to
play in developing the Union's employment strategy.
I want to start now by bringing you up-to-date on the implementation of the
Union's employment strategy, to take you through its rationale, and to inform you of
our preparations for the Cardiff European Council.
The Union's strategy is based on a recognition that we do not have a basic
problem of competitiveness, as our trading performance shows. We could do better,
of course, by drawing more on the jobs potential of Europe as an economic entity.
And we also need to modernise product and service markets more quickly. We are
not translating innovation into goods and services, or research and development into
market opportunities, as well as our trading partners.
But our two biggest problems lie elsewhere. They lie in our inability to handle macroeconomic shocks. And in our inability to handle the structural changes reshaping our
labour markets.
The key response to our macro-economic problems is the creation of EMU in
order to establish convergence and coordination in economic policies. This will help
us to ride out and manage shocks more effectively. It will enable companies to plan
and to price goods and services on the basis of exchange rate stability, rather than
fluctuations. It should also help smaller companies take a stronger share in the Single
Market
18
The response to the second problem, of managing structural change, is the
European Employment strategy, and the measures agreed at the Jobs Summit last
November. Their aim is to help us to make the restructuring of our labour markets
more of a process, a progression, and less of a stop-start undertaking. That requires
cooperation, not conflict; dialogue, not deregulation.
The Union has taken steps to help Member States and the Social Partners to act on
these two key problems. I want to take you through the main lines of this work,
especially the Jobs Summit commitments of last November.
The Summit put in place a convergence process, based on, quantified, comparable
targets. The Heads of State and Government agreed employment guidelines, built on
four pillars:
• entrepreneurship, to stimulate more jobs, and better jobs;
• employability of job seekers, so they can take job opportunities;
• adaptability of enterprises and the workforce, to respond to changing
conditions; and
• equal opportunities at work, to ensure fair prospects for women and men, not
forgetting the disabled, and to realise the growth capacity of our economies.
I will begin with entrepreneurship and job creation. EMU is crucial because it
represents the Union's response to the job and growth destroying effects of the macroeconomic shocks of the last 25 years, which have lost us jobs almost as fast as we
created them.
But we need more. We need stronger efforts, by Member States, to create a new
entrepreneurial culture by improving the climate for entrepreneurship. This includes
policy support for starting up enterprises, and dismantling unnecessary bureaucratic
obstacles, especially for SMEs. It also means promoting sustainable self-employment.
This may be of special interest to Portugal. You have shown great capacity to
develop new businesses. But they still need to strengthen their technological and
human resource bases.
The Summit also suggested making taxation systems more employment friendly,
by reducing the tax burden on labour.
Our second priority is employability, to bridge the skills gap, so that jobseekers are
equipped to take employment opportunities, and so that companies can find people
with adequate skills.
Probably the most important achievement of the Summit was to put in place a
preventive strategy and make commitments to it. This is important. We have
underestimated the pace of change, and misjudged the nature of unemployment.
Education and training is becoming outdated more quickly than in the past.
That is why, even with our present levels of unemployment, a shortage of
adequately skilled applicants was identified as an important obstacle to growth by over
40% of SMEs, even at an early stage of recovery.
19
It is why 20% of young people leave Europe's education and training systems
without recognised qualifications. It is why, while half of those unemployed have no
recognised skills, less than 10% are receiving any training for the new, more skilled
jobs becoming available.
In Portugal, as in all Member States, specific problems must be addressed in a way
that reflects local conditions. Here, these include:
• a high share of long-term unemployed among jobseekers;
• a disproportionate share of workers with very basic skills, who are especially
vulnerable to technological and economic changes; and
• a high proportion of early-school leavers, despite impressive recent
improvement of levels of participation in vocational training.
The purpose of the National Action Plans is to move from the general
recommendations of the Employment Guidelines into concrete measures to address
specific national problems.
I know that the preparation of the Portuguese National Action Plan has been used
to review your labour market policies. I know that, for this review, you have
mobilised Government Departments and the social partners. This is exactly the
collective approach needed to address the problems we share and I wish you well in
the process.
The Portuguese action plan will also reflect the common strand of the challenge,
structural reforms to meet structural problems. We must all move towards an
employability-oriented and preventive strategy.
People need income support. But they also need a way back, they need
employability support. Our present policies lead to 4 million people, every year,
becoming long term unemployed. To stem this flow, the Summit committed all the
Member States, to increase – to more than 20% – retraining capacity for the
unemployed.
The Heads of State and Government also agreed to offer training and work
experience to young people before being out of work for 6 months. They agreed
similar structured support for adults before becoming long term unemployed. This
package of commitments represents an enormous breakthrough.
It also represents a challenge to all the Member States' active labour market and
training systems. Reaching 20% means doubling the present capacity of training
provision in the Union, doubling the numbers being equipped to rejoin the workforce,
rather than being assisted through passive support.
The third priority is adaptability, to develop new approaches to restructuring, in
order to equip enterprises and the workforce to embrace new technologies and new
market conditions.
The Summit focused on the role and responsibility of the Social Partners in this. It
invited the social partners to negotiate ways to modernize the organization of work –
20
including flexible working arrangements – to make enterprises productive and
competitive.
The Summit conclusions ask Member States to examine the possibility of
incorporating into law more adaptable types of contract, reflecting the need now to
balance flexibility and security. They ask Member States to re-examine obstacles to
investment in human resources, and to look at providing tax or other incentives for
developing in-house training. They are also asked to examine new regulations to
ensure they help reduce barriers to job creation and help the labour market adapt to
structural change.
All of these new demands place a great responsibility, and, I believe opportunity,
on the Social Partners.
The Social Partners also have a strong locus in the fourth priority, of equal
opportunities. Women have accounted for all the growth of the Union's workforce in
the last 10-15 years. But, there is still a gender gap of 25 million jobs, between
employment for men and women. And gender gaps in unemployment levels, working
time and conditions and career development.
The demographic perspective is important too. Europe has a diminishing working
age population. We have had strong growth in the working age population in the last
20. In the next 20 years, the trend is one of slower growth, stabilisation, and then
decline.
Employment growth in the next 20 years will be very dependent on increased
participation of women. Enabling women to participate fully in the labour market will
be basic to sustaining social policy, from schooling and healthcare, to pensions and
training.
The commitments made by the Summit on equal opportunities, to tackle
discrimination, and look at flanking policies, are significant. The agreements on
action to reverse occupational under-representation, raise levels of care provision and
eliminate obstacles to returning to work reflect the need to modernise our societies
and economies for new realities and demands.
I want to turn now to resources. The role of the Structural Funds is to ensure that
the economic and social benefits of integration, and of modernisation of markets and
employment systems, are inclusive. To ensure they generate and spread advantage.
That is the rationale behind the current reform of the Funds which was launched
last Wednesday. It will ensure better targetting and impact. It will simplify
administrative and financial arrangements, and re-model the partnership process
between the Commission and Member States.
The reform has been guided by four principles. First, economic and social
cohesion. The new package maintains the commitment to allocate two thirds of the
Funds to regions lagging behind.
Secondly, the Funds remain focused on promoting growth and sustainable
employment. The three main areas of assistance – infrastructure, human resources
21
development, and support for the productive sector – all have an impact on
employment.
The linkage between the Funds and the Employment Strategy will be crucial. The
Social Fund will provide financial underpinning for the Employment Strategy, while
the strategy's policy impetus will reinforce the impact of the ESF in developing good
practice and innovation.
Thirdly, the new Regulations set new standards in mainstreaming equal
opportunities into operations supported by the Funds. They also require provision for
equality actions within every programme, with strong targets for Member States to
meet.
My fourth point concerns re-focusing the Commission's responsibilities in
implementing structural policies. The system has become complicated, slow and
cumbersome. This will change.
The Member States will in future have more responsibility for implementation and
there will be more decentralised management. The Commission's role will become
more one of guarantor of the strategy agreed with the Member States and the regions.
That will also demand stronger partnerships, including with the Social Partners, in
developing the use of the Structural Funds.
I know that, in the media, here and elsewhere, the focus has been on the loss of
assistance some regions will have to bear as the Funds concentrate their finite
resources where need is greatest.
I know this is a matter of great concern in Portugal, but I can assure you that
appropriate and generous transition arrangements will enable you to navigate this
change, especially since the Cohesion Fund will continue to support our shared
cohesion objectives in Portugal.
Across the Union, the reform will improve the Structural Funds' ability to do their
job, for employment and cohesion, with the force of the new Treaty, and the Jobs
Summit priorities behind them. To meet these commitments, we need to ensure that
human resource development – investment in the whole potential workforce – is
applied to all Funds' activity. The ESF will remain our most important instrument in
our collective efforts.
So, where do we go from here?
Work is well underway in implementing the employment strategy. All the Member
States will submit their National Action Plans – covering all the Jobs Summit
commitments – by 15 April. In cooperation with the Member States, my Services
have taken part in national seminars to help shape the action plans which will provide
the basis of the new process. 13 of the 15 seminars have now taken place.
I have noted a few key messages from the seminars that have already taken place.
The first message is that all Member States have demonstrated real commitment to
the exercise. The process they have launched is broadly based and fully integrated,
involving key ministries and – in those with federal systems – regional authorities too.
22
All are involving the social partners in developing the National Action Plans.
Some have parallel preparatory groups for the social partners, some are consulting
them on drafts.
While Employment Ministries form the core of the process in most cases, the
political importance of the NAPs are enhanced by the fact that they are, in some
countries, supervised by the Prime Minister's Office. In all Member States they are
being submitted to Government for approval. In many, they are being brought to
Parliaments for debate. The NAPs will be public documents, subject to public
scrutiny.
Finally, I am heartened by the value the Member States have explicitly placed on
the Commission contribution to the process. We have been able together to enhance
consistency of interpretation of the content of the guidelines, and the consistency of
the action plans.
A first Commission report on the action plans will be discussed at the Cardiff
European Council in June. We hope to have it ready by mid-May. The task of
progressing this work after Cardiff, and developing the Guidelines for 1999, will then
pass to the Austrian Presidency.
I want to finish by paying tribute to the commitment to the process being
demonstrated by the main actors in Portugal. Like a number of Member States, you
have placed the process at the centre of policy planning and you have brought the
Social Partner contribution clearly to the fore.
I know this is not always easy and I know it is not a smooth path. I can only
encourage you to come together as fully as possible and work towards shared
objectives. I can only stress to you that this is a process, and it is a process which
demands that we look forward, not backwards.
The old arguments about wage costs, the burden of social legislation, and the
expense of continuous reskilling, are being replaced by concerns to ensure a better
educated, motivated, and productive workforce.
This new workforce can offer flexibility and productivity. But only if its skills are
meshed with changes in technology and work organisation, and keep pace with new
patterns of production. This can only happen if there is a balance to the relationship.
This balance demands new forms of dialogue and partnership, new approaches to
economic and social policies, and new models of economic development and
investment.
It will require Member States and regions to invest in people in more creative
ways, based on local assets and conditions, new technologies and skill demands. And
it will require all of us to begin to anticipate change as a process, rather than continue
to encounter it always as a shock.
I believe that doing so can only enhance your ability here in Portugal to address the
specific needs of the Portuguese employment strategy in the context, and the
collective strength, of our common concern.
23
Thank you for your attention.
24
Políticas Activas
de Emprego
25
POLÍTICAS ACTIVAS DE EMPREGO: UMA VISÃO ESTRUTURAL E
INSTITUCIONAL
Professor António Manuel Figueiredo*
Mercado de trabalho e políticas de emprego: uma nova perspectiva sobre as
políticas estruturais
1. O problema
O funcionamento do mercado de trabalho e as diferentes formas de regulação do
mesmo têm sido tradicionalmente pretexto e sede de controvérsia generalizada quanto
ao papel das políticas estruturais na promoção de melhores condições de eficiência
dinâmica, quer essas políticas estruturais assumam o estatuto de políticas nacionais ou
tenham o seu centro de concepção e concretização a nível regional ou mesmo local.
A confiança plena nos mecanismos de mercado sobrepõe-se, por vezes, à
capacidade de reconhecer que o mercado de trabalho nem sempre se apresenta com as
características de entidade homogénea que a teoria lhe atribui, ignorando por isso o
problema da segmentação desse mercado e as consequências daí decorrentes para o
equilíbrio tendencialmente esperado das forças da oferta e da procura de trabalho.
A situação dos países da União Europeia a este respeito e, sobretudo, a diversidade
de situações concretas observadas neste conjunto de países, com particular relevo para
o confronto da experiência portuguesa, primeiro, com a vizinha Espanha e, em geral,
com a média comunitária, constitui um excelente pano de fundo para resituar esta
questão.
A situação no contexto da União Europeia constitui, pois, um excelente campo
para retomar a questão do papel das políticas estruturais na melhoria das condições de
funcionamento do mercado de trabalho, especialmente do ponto de vista das suas
performances de criação/supressão de postos de trabalho. É neste novo contexto de
preocupações que se situa a recente tónica colocada nas políticas activas de emprego
que constituem o quadro inspirador desta primeira sessão do presente Colóquio do
CES.
Do ponto de vista empírico e para lá das incidências mediáticas das últimas
cimeiras europeias1 em que a questão do emprego passou a constituir matéria de facto
das declarações políticas finais da generalidade dos líderes políticos aí representados,
*
Professor Auxiliar Convidado da Faculdade de Economia do Porto.
Administração Quaternaire-Portugal.
1
Vejam-se, sobretudo, as cimeiras de Essen, Dublin e o muito recente Conselho do Luxemburgo.
Veja-se ainda a Resolução do Conselho de 11.12.97 relativa às directrizes para o emprego em 1998.
26
o ano de 1994 constituiu um alerta significativo na tomada de consciência deste
problema.
De facto, em 1994, o desemprego atingiu na Comunidade valores impressionantes,
isto é, cerca de 18 milhões de pessoas, equivalentes a cerca de 11% da população
activa, evidenciando ainda uma composição fortemente heterogénea, incidindo
praticamente em todos os grupos de activos, qualificados e não qualificados e
apresentando em alguns países uma duração bastante considerável.
Os dados mais recentes introduzem algumas nuances nesta situação, embora
confirmem a persistência da dimensão do problema:
• em 1996 criaram-se 600 000 empregos líquidos o que não foi suficiente para
combater decisivamente a taxa de desemprego;
• os empregos em part-time continuaram a responder por quase todos os
empregos líquidos criados;
• a participação das mulheres no mercado de trabalho continuou a intensificarse;
• 5% da população activa continua em situação de desemprego de longa
duração;
• menos de 1/3 dos homens e 1/4 das mulheres que se encontravam em
desemprego de longa duração em 1995 encontraram um emprego em 1996;
• as mulheres são mais vulneráveis à situação de desemprego do que os
homens;
• as perdas de emprego estão sectorialmente concentradas, na medida em que
correspondem a sectores que representam menos de 1/4 do emprego total da
União Europeia.
2. Algumas reflexões de carácter teórico
A crescente incidência do desemprego de longa duração e a progressiva atenção
que a macroeconomia começou a prestar aos factores de oferta na sequência das
transformações que se sucederam após o primeiro choque petrolífero conduziram ao
estabelecimento, numa primeira fase, de uma distinção fundamental entre o conceito
de desemprego keynesiano, fundamentalmente associado à insuficiência da procura
final e o de desemprego clássico, correspondente ao excesso de procura de trabalho
relativamente ao volume máximo de mão-de-obra que as empresas estão em
condições de recrutar, dados a capacidade produtiva disponível e economicamente
utilizável e o custo relativo de factores.
Numa segunda aproximação, o desemprego clássico é conceptualmente
diferenciado em dois conceitos: o de desemprego clássico puro gerado
essencialmente pela situação de turn-over normal no mercado de trabalho e
susceptível de ser reabsorvido, tendo em conta o nível e a evolução salarial, pelo
retorno da capacidade produtiva ao nível atingido na recessão anterior e o de
27
desemprego estrutural, não susceptível de ser reabsorvido mesmo com um cenário
de crescimento retomado e de expansão da capacidade produtiva e sobretudo
associado a problemas de desfuncionamento do mercado de trabalho, designadamente
em termos de formação e de reconversão.
Deve sublinhar-se que a absorção destas diferentes categorias de desemprego é
fortemente diferenciada:
• a retoma absorve a componente cíclica;
• a componente de desemprego clássico puro só pode ser absorvida em
contexto dinâmico de crescimento a curto prazo por um aumento da procura
de trabalho, o que implica aumento sustentado de capacidades e aumento
moderado mas positivo de salários reais;
• a componente estrutural só pode ser absorvida pelo aumento da
empregabilidade de certas categorias de trabalhadores e pelo aumento do
conteúdo em emprego do crescimento.
Várias tentativas têm sido realizadas para estimar esta última componente. A
tentativa mais referenciada corresponde ao conceito de taxa de desemprego
compatível com uma inflação estável, a que corresponde a nomenclatura de NAIRU e
cujo método de estimação se baseia numa curva de Philips com incorporação de
antecipações.
Tal como a própria Comissão Europeia o reconhece2, à utilidade teórica do
conceito de NAIRU não corresponde o mesmo tipo de interesse para efeitos de
política económica dada a imprecisão de medida e a variabilidade dos valores
encontrados nas principais estimações realizadas.
A última estimativa consistente publicada pela Comissão Europeia das diferentes
tipologias de desemprego corresponde ao ano de 1994 (EUR12) e apontava para os
seguintes valores, para um valor total de 16,7 milhões de activos, aproximadamente
10% da população activa da EUR 12:
• desemprego cíclico - +- 3 milhões de activos;
• desemprego clássico puro - + - 7,5 a 6 milhões de activos;
• desemprego estrutural - +- 6 a 7,5 milhões de activos.
Nesta matéria, convém não confundir o conceito de desemprego estrutural com o
de desemprego tecnológico, sendo o primeiro mais vasto do que o segundo e embora
este último possa afectar os desfuncionamentos que estão na base da emergência do
desemprego estrutural. A incidência do desemprego tecnológico significa que tem
sido necessário um valor de investimento cada vez mais elevado para criar o mesmo
montante de empregos, supondo a estabilidade do preço relativo dos equipamentos
relativamente ao outro tipo de bens. O desemprego tecnológico pode então ser visto
como um fenómeno de insuficiência de investimento (L.Soete e
28
C.Freeman,1985:77)3, perspectiva que corresponde à posição defendida pelas
correntes agrupadas em torno do grupo de economistas do SPRU (Sussex) e de outras
universidades associadas (C.Freeman, Luc Soete, Keith Pavit, G.Dosi, etc).
3. Aplicação à situação concreta portuguesa
Tendo em conta o “state of art” recém publicado sobre o mercado de trabalho em
Portugal4, a problemática nacional reveste-se de grande particularidade no contexto
do padrão de referência comunitário. De facto, a situação portuguesa apresenta uma
reduzida incidência do desemprego estrutural, traduzida, por exemplo, na grande
estabilidade da taxa de desemprego compatível com uma taxa de inflação estável
(NAIRU), em torno dos 6%, ressalvando claro está os limites de indefinição deste
cálculo, tal como foi atrás anteriormente referido.
Por outro lado, Luz e Pinheiro (1993) evidenciam que os salários e as
remunerações nominais têm reagido bastante bem às variações do desemprego; os
salários respondem praticamente sem lags ao desemprego e que a influência da
inflação passada no crescimento dos salários se processa mediante um lag de três
trimestres, o que traduz também uma apreciável flexibilidade de variação. Por outras
palavras, as evidências empíricas apontam para a estabilidade da curva de Beveridge
e da equação de tipo Philips.
Por outras palavras, tem-se assistido a uma significativa capacidade de recuperação
dos níveis de emprego em momentos de retoma do clima conjuntural, ou seja à
manifestação da relevância em Portugal do desemprego cíclico. O mercado de
trabalho tem-se revelado como dotado de uma forte flexibilidade, em contraponto e
mesmo em contradição com o discurso patronal dominante da rigidez. Estes dados
sugerem que a sustentação do emprego tem sido claramente preferida à sustentação
do rendimento, compatível, por exemplo, com a atipicidade no contexto comunitário
do problema dos salários em atraso5.
Deve ainda referir-se que a incidência do desemprego de longa duração apresenta
também uma componente cíclica não negligenciável, o que confirma a relevância da
componente cíclica do desemprego em Portugal, o que é equivalente a afirmar a
2
Veja-se sobretudo Économie Européenne, “Composition du chômage dans une perspective
Économique”, n.º 59, 1995.
3
“Uma tal evolução gerará, além disso, a longo prazo uma grave penúria de equipamento produzindo,
como consequência directa, um afrouxamento do investimento dado que a baixa contínua da
produtividade do capital influenciará directamente a rendibilidade a longo prazo, assim como o
aparecimento de um desemprego estrutural devido à insuficiência de equipamento”, in OCDE,
Croissance de l’Emploi et Mutations Structurelles”, Paris, 1985.
4
Quaternaire Portugal e Centro de Estudos de Economia Industrial, do Trabalho e da Empresa, Labour
Market Studies - Portugal, Employment and Social Affairs, European Commission, Dezembro de
1996.
5
Para um aprofundamento mais sistemático desta matéria, mediante tratamento mais alargado de
informação empírica pertinente, ver o estudo referido na nota 3.
29
dependência das performances do mercado de trabalho relativamente ao
comportamento da procura externa e dos mercados comunitários em geral.
Esta reflexão não implica que as políticas activas de emprego em Portugal não
devam estar atentas a manifestações típicas de desemprego estrutural, como o são, por
exemplo, a progressão do desemprego de activos qualificados, designadamente de
jovens licenciados e a crescente incidência do desemprego de longa duração em
categorias específicas de trabalhadores, independentemente do comportamento
dinâmico da procura. Para além disso, há que estar bastante atento às incidências
diversificadas e crescentes de desequilíbrios entre a oferta de qualificações e a
procura de competências que implícita ou explicitamente as empresas têm vindo a
manifestar sobretudo nas suas estratégias de recrutamento de primeiro ou de novos
empregos e à dificuldade que os sistemas educativo e de formação têm manifestado
em contribuir para a generalização de estratégias mais activas de procura de emprego
(“job search”).
No entanto, uma reflexão aprofundada sobre as políticas activas de emprego em
Portugal deve ponderar seriamente o modo como a dinâmica global de funcionamento
do mercado de trabalho é atravessada por processos de segmentação territorializada
do mesmo.
Assim, em estreita correlação com os modelos empresariais e a sua incidência
espacial em Portugal, podemos falar na cristalização de cumplicidades territoriais na
formação das forças da procura e da oferta de emprego.
Por um lado, o fenómeno do desemprego estrutural apresenta incidências
territoriais mais marcantes em certas zonas do território nacional, como acontece, por
exemplo, com o caso da Área Metropolitana do Porto, onde as taxas de desemprego
atingem o escalão dos dois dígitos, em contraponto com o predomínio do dígito único
nos valores em torno da média. A problemática do declínio industrial e a perda de
memória industrial em algumas zonas do país, em coexistência com a debilidade
terciária, constituem outra fonte de incidência espacial diferenciada do desemprego.
Por outro lado, em contraponto com o aspecto anterior, observam-se em algumas
áreas do País claras cumplicidades entre estratégias empresariais de baixa
qualificação e estratégias familiares de desvalorização do capital-instrução. Nestas
situações, evidências recentemente disponibilizadas confirmam a permanência de
estratégias de recrutamento do primeiro emprego que tardam em introduzir nas
empresas uma nova estrutura de qualificações, dificultando por isso um turn-over
virtuoso tendente a uma progressão mais visível e consistente do nível médio de
qualificações dos activos empregados. Assim, em recente estudo realizado pela CESO
I&D para a AIP, cerca de 1/3 dos profissionais considerados como qualificados
tinham o ensino primário como habilitação máxima e que cerca de 41% dos
profissionais altamente qualificados possuía como nível de escolaridade mais elevado
o ensino básico.
30
Na minha perspectiva, é a incidência destas formas de segmentação territorializada
do mercado de emprego em Portugal que explicam eventuais dissonâncias entre o
discurso pautado pela atenção aos indicadores de funcionamento global do mercado
de trabalho e o que resulta do contraponto entre situações focalizadas de pleno
emprego e de taxas de desemprego acima da média global.
Por outro lado, há que referir que o funcionamento do mercado de trabalho em
Portugal não pode deixar de ser influenciado pelas más performances do sistema
educativo nos anos 80, o qual não só não logrou chamar ao sistema uma massa mais
importante de população jovem, como, através do fenómeno do abandono precoce,
acabou por não produzir o conjunto de qualificações e de níveis de instrução
compatíveis com a sua frequência6.
4. Políticas activas de emprego e a nova geração de políticas estruturais baseada
na operacionalização do conceito de externalidades
Neste contexto e embora tendo em conta o interesse crescente das chamadas
políticas de emprego, reforçadas no plano comunitário sobretudo a partir do Conselho
de Essen, é de concluir que as performances da economia portuguesa em matéria
de criação de emprego permanecem ainda em grande medida dependentes das
perspectivas gerais de crescimento e não simplesmente dos padrões trabalhointensivo desse crescimento. Assim, as melhores políticas activas de emprego são as
que permitem melhorar significativamente essas performances de crescimento,
sobretudo no que diz respeito aos investimentos físicos e imateriais geradores de
externalidades significativas. Por isso, entendemos que as políticas de crescimento
não podem ser do tipo demand-driven, cujos factores favoráveis se situam sobretudo
no contexto dos mercados comunitários. É necessária uma outra geração de políticas,
sobretudo orientadas para as condições de oferta e influenciando a componente
institucionalizada dos mercados.
O mesmo referencial deve ainda ser invocado no caso das políticas de emprego,
também elas progressivamente orientadas para uma dimensão microeconómica,
assente na criação de condições de flexibilidade empresarial e propiciadoras da
emergência de novas capacidades empresariais. também neste domínio a aposta em
sistemas de prémios à criação de novos empregos que não sejam completados por
acções dirigidas à credibilização dos ambientes e das organizações empresariais e que
não criem condições para o aparecimento de novas oportunidades de investimento
corre seriamente o risco de ser subvertida.
6
Vejam-se a título indicativo as taxas de escolarização secundária e superior dos anos 80,
contraponham-se tais taxas às de países como a Espanha e a Irlanda e retirem-se daí as devidas
implicações do ponto de vista dos níveis de instrução dos activos hoje empregados.
31
Noutro plano, embora também susceptível de abordagem por via do conceito de
externalidades, há que viabilizar um contributo mais activo e eficaz dos sistemas
educativo e de formação para o reforço da empregabilidade. Assistimos hoje a
uma crescente discrepância entre a estrutura de qualificações de activos no interior
das empresas e as melhorias claras observadas em matéria de taxas de escolarização e
de participação da população jovem.
Ora, esta discrepância tem sido generalizadamente imputável aos mecanismos de
relacionamento entre empregadores e trabalhadores, deixando de fora as instituições
responsáveis pela oferta de qualificações, provenham elas do sistema educativo ou do
sistema de formação profissional. Estas instituições lavam frequentemente as suas
mãos deste problema, resistindo, por um lado, à formulação de estratégias mais
activas em matéria de inserção socioprofissional e no mercado de emprego dos seus
formandos e imputando, por outro, aos empresários o ónus da questão,
culpabilizando-os pela persistência de estratégias de recrutamento pouco ambiciosas
do ponto de vista da procura de novas qualificações e competências.
Na minha perspectiva de políticas activas de emprego de nova geração, é
necessária uma nova engenharia institucional na produção de novas qualificações e
competências, a qual passa, em primeira linha, por uma atitude menos arrogante das
instituições produtoras de qualificações relativamente à debilidade das estratégias
empresariais em matéria de recrutamento, designadamente do primeiro emprego.
Quer isto significar que as políticas activas de emprego necessitam de uma
abordagem mais sistemática e profunda da relação educação-formação-inserção,
devendo ser operacionalizadas e capitalizadas todas as oportunidades de melhoria de
condições institucionais de funcionamento deste processo de formação-inserção. Após
um período de explosão da oferta de qualificações, assente sobretudo na diversidade
curricular, a clarificação do mercado de formação jogar-se-á, a meu ver, neste tipo de
questões, orientadas para a institucionalização de mecanismos favorecedores seja do
processo de inserção visto como processo social, seja de melhores e mais proactivas
estratégias individuais de procura de emprego, as quais exigem novas atitudes perante
o mercado de trabalho.
Mas o conceito de externalidade pode, ainda, ser aplicado de forma mais
abrangente, sugerindo novas pistas para uma intervenção mais proactiva nos
mercados de trabalho e de emprego, sobretudo se nos colocarmos numa perspectiva
de intervenção regional e local.
Assim, pode falar-se, em primeiro lugar, da criação de tecido institucional e
organizativo favorável à criação de emprego.
Parece inquestionável que não cabe às políticas regionais e comunitárias intervir na
vertente de criação de emprego imputável a processos de recuperação conjuntural. Por
outro lado, parece também desaconselhável promover indiscriminadamente os
prémios à criação de postos de trabalho em regiões onde exista já uma tradição de
empreendimento e de capacidade empresarial, sobretudo se essa atribuição não for
32
acompanhada de critérios que privilegiem objectivos de reordenamento de relações
inter-industriais.
Assim, a criação de emprego como objectivo da intervenção das políticas regionais
deve em princípio limitar-se a duas áreas preferenciais:
• o domínio da criação de novas actividades numa perspectiva de alargamento
do campo de oportunidades de investimento;
• a vertente da promoção de capacidade empresarial.
No primeiro caso, temos por exemplo a possibilidade das políticas regionais e
comunitárias prolongarem os efeitos em Portugal da promoção de novas áreas de
desenvolvimento de actividades (ambiente, sociedade da informação e
telecomunicações, por exemplo) que está em curso a nível da União Europeia, na
sequência dos trabalhos do Livro Branco sobre a Competitividade e sobre o Emprego.
Neste domínio, o factor de risco residirá na difícil selecção dos nichos de
competitividade que poderá caber à economia portuguesa em domínios que não
correspondem de modo nenhum ao padrão dominante de vantagens comparativas e à
capacidade empresarial instalada.
No entanto, a um nível mais compatível com o quadro nacional de oportunidades
de investimento, poderemos falar sobretudo das políticas urbanas e, em menor escala,
das políticas de desenvolvimento rural como espaços privilegiados para diversificar
oportunidades de investimento e, consequentemente, estimular a criação de novos
empregos.
Em qualquer um destes domínios, o contributo dos QCA's é pouco relevante. Se no
caso do eventual prolongamento dos trabalhos do Livro Branco a situação é
compreensível, dada a magnitude das respostas empresariais exigidas, já no caso das
políticas urbanas trata-se, a meu ver, de uma tardia percepção do fenómeno
urbanização em Portugal, na sua mistura complexa de custos agravados mas também
de novas oportunidades de criação de emprego.
Já no caso das acções em torno do desenvolvimento rural (vertente de um
programa operacional de promoção do desenvolvimento regional do 2.º QCA), as
perspectivas que se avizinham em matéria de criação de emprego não são animadoras.
Não só o conteúdo possível de emprego desse esforço de dinamização é, por natureza,
diminuto, como a dispersão da estratégia dos centros rurais, sem qualquer espaço de
articulação com as áreas urbanas mais dinâmicas, corre o risco de constituir mais um
processo inglório de disseminação do investimento de pequena escala.
Resta a vertente da promoção de capacidade empresarial.
À sua escala, que é logicamente diminuta, a experiência dos BIC's em Portugal é
francamente animadora. Entende-se a este respeito o apreço que as autoridades
comunitárias votam à experiência portuguesa nesta matéria. Trata-se, por isso, de uma
experiência a disseminar, sobretudo na linha de um correcto aproveitamento de
efeitos de demonstração do projecto e da utilização sistemática de ensinamentos que o
33
funcionamento destas instituições vem proporcionando. A incubação de novos
projectos a partir de capacidade empresarial já instalada e propensa à exploração de
novas oportunidades de investimento constitui uma linha a desenvolver.
De qualquer modo, também a este respeito se pode falar de externalidades
favoráveis à criação de novos empregos, sobretudo onde não existe tradição instalada
de iniciativa industrial. Aqui, a principal externalidade consistirá na criação de tecido
institucional e organizativo que enquadre a actividade empresarial. Estamos perante
territórios onde não existe tecido empresarial, devendo essa ausência ser minorada
pela criação de tecido institucional e organizativo.
Por isso, sobretudo nestes contextos desfavoráveis à emergência de nova
capacidade empresarial endógena, cabe também aos diferentes níveis do sistema
educativo e de formação contribuir para a criação de novas atitudes e desempenhos
em matéria de empreendimento e capacidade de assumir riscos, o que nos levaria a
uma outra longa conversa.
Neste domínio, inviabilizado que foi o prolongamento da discussão aberta pela
negociação do 2.º QCA sobre a criação de Agências de Desenvolvimento Regional,
tem cabido aos sub-programas C dos Programas Operacionais Regionais a tarefa de
apoiar a criação desse tecido. Também nesta matéria a diversidade de situações
impede um juízo crítico uniforme sobre esta experiência.
É, no entanto, possível realizar alguns comentários pontuais, sobretudo na
perspectiva de fornecimento de pistas para uma avaliação mais sistemática desta nova
realidade institucional do desenvolvimento local.
Até ao momento, as intervenções comunitárias neste domínio confrontam-se com
os seguintes problemas:
• riscos de que o financiamento de certos projectos de desenvolvimento local
não sejam mais do que meros balões de oxigénio para aguentar
artificialmente instituições incapazes de criar mercado para os seus próprios
serviços;
• riscos de favorecer uma dinâmica artificial de dispersão de iniciativas,
desproporcionada face ao potencial existente de mobilização de recursos
locais;
• ocorrência demasiado frequente de apoios a iniciativas demasiado pontuais e
efémeras, sobretudo porque não internalizam capacidade de geração de
projecto, conhecimento e organização, não contribuindo por isso para uma
maior maturidade dos promotores;
• ausência frequente de sinergias entre instituições locais, frequentemente
motivada por conflitos de protagonismos locais, pessoais e políticos;
• ausência de escala para viabilizar funções importantes como a promoção ou
o marketing.
34
Neste contexto, duas externalidades emergem como prioridade, as quais remetem
essencialmente para o domínio da formação para o desenvolvimento local:
• generalização da capacidade local de formulação e geração de projectos, aos
mais variados níveis do desenvolvimento local;
• a formação e correspondente apoio à inserção profissional de agentes de
desenvolvimento local, entendidos como elementos de construção de novas
redes e novos padrões de relacionamento inter-institucional.
A outro nível, pode mencionar-se a vertente dos investimentos em iniciativas de
enquadramento e orientação de estratégias empresariais de formação.
Alguns registos merecem relevo, na medida em que permitem situar a reflexão:
• em primeiro lugar, regista-se uma grande dispersão de iniciativas de
formação financiáveis por programas com comparticipação comunitária e a
dispersão dos próprios resultados de avaliação disponíveis não ajuda a
alimentar uma perspectiva clara de conjunto dos impactos verificados;
• em segundo lugar, sabe-se que, no 1.º QCA, não foi possível articular a
formação realizada em empresas com os investimentos de equipamento e
modernização financiados pelo PEDIP 1, incluindo os próprios programas de
formação deste último;
• em terceiro lugar, há elementos que sugerem que as conclusões da avaliação
não serão as mesmas consoante as intervenções se tenham dirigido a jovens à
procura do primeiro emprego ou a activos com posto de trabalho;
• por fim, sabe-se ainda que empresas, sobretudo de capital estrangeiro, com
necessidades bem definidas de formação e com ideias claras acerca do tipo
de formação a realizar conseguiram atingir com êxito os objectivos que se
propunham, mobilizando muitas vezes recursos nacionais, eventualmente
completados com conhecimento externo.
Estas observações sugerem que uma importante externalidade a promover consiste
em investimentos de enquadramento e orientação, do tipo dos seguintes:
• investimentos em metodologias de avaliação de necessidades de formação
empresarial;
• acções de avaliação e operacionalização de condições de transferibilidade de
experiências bem sucedidas de formação em empresas para outras situações;
• planos directores de formação para actividades bem definidas, explorando
por exemplo algumas oportunidades de trabalho abertas pelas reflexões do
Fórum da Competitividade;
• investimento em redes de consultores de Formação;
• investimento em Formação de formadores.
Em resumo, o conceito de externalidade revela-se bastante operativo para
assegurar um efectivo up-grading das políticas estruturais em matéria de criação de
35
emprego, na medida em que permite combinar uma política favorável à intensificação
do crescimento económico, ainda determinante para a resolução dos grandes números
do desemprego em Portugal, com intervenções de natureza mais pontual, não
necessariamente resolúveis por via do mercado “tout court”.
Uma reflexão final sobre as directrizes para o emprego em 1998 à luz das
considerações anteriores
O quadro de directrizes para o emprego em 1998, que acompanha a resolução
datada de 11.12.1997, apresenta do ponto de vista de conteúdo de iniciativas
desejáveis uma grande conformidade com a perspectiva estrutural e institucional
implícita nas notas anteriores. Não podemos estar mais de acordo com a inclusão de
um domínio estratégico de intervenção como o do desenvolvimento do espírito
empresarial em estreita articulação com o da criação de emprego.
Quero deixar, entretanto, a nota de que a concretização destas orientações
dependerá fortemente da dotação inicial que os países apresentarem em matéria de
externalidades favoráveis à criação de emprego e, sobretudo, da elasticidade
institucional e organizativa que é necessário assegurar para pôr em prática algumas
das soluções exigidas pela concepção de políticas activas. Ora é necessário:
• primeiro, assegurar que as políticas activas de emprego não sejam
promovidas exclusivamente em função do modelo institucional dominante
nos países da Europa do Norte, claramente mais elásticos e apetrechados
para alcançar as inovações organizativas que, frequentemente, se pedem a
este tipo de políticas;
• segundo, é necessário investir fortemente nesta engenharia institucional,
pois, insiste-se, as políticas activas de emprego são fortemente exigentes em
matéria de organização institucional (veja-se, por exemplo, as exigências
ditadas pelos Pactos Territoriais para o Emprego).
Finalmente, não pode deixar de sublinhar-se a ideia de que as políticas activas de
criação de emprego requerem um patamar mínimo de integração social. Por vezes,
tem-se a percepção de que se exige demais às políticas activas de emprego e
formação, ignorando que a resposta aos estímulos e às oportunidades abertas por esse
tipo de políticas requerem a ultrapassagem de limiares de integração e de combate à
exclusão. Também aqui, em convergência com o que foi anteriormente explicitado, se
abre um espaço de integração nem sempre fácil de conseguir e organizar entre o
mundo da intervenção social (que não está fora de moda, antes pelo contrário) e o da
criação de emprego e da formação para a inserção.
Referências bibliográficas
M.Burda e C.Wyplosz (1997), Macroeconomics – an European text, Oxford
University Press. Londres.
36
João Cravinho (org.) (1995), Emprego e desemprego em Portugal-horizonte 2000,
IED-Directorate-General Employment and Social Affairs EC, Brussels.
European Commission (1995), “Composition du chômage dans une perspective
Économique”, …Économie Européenne, n.º 59.
European Commission (1997), Employment in Europe 1997, Directorate-General
Employment and Social Affairs, Brussels.
European Commission (1997), Emploi en Europe – un Programme pour l’emploi à
l’horizon 2000, Directorate-General Employment and Social Affairs, Brussels.
Sílvia Luz e Maximiano Pinheiro (1993), “Desemprego, vagas e crescimento
salarial”, Boletim Trimestral do Banco de Portugal, vol. 15, n.º 2.
Sílvia Luz e Maximiano Pinheiro (1994), “Wage rigidity and job mismatch in
Europe: some evidence”, Banco de Portugal, WP 2-94.
OCDE (1985), Croissance de l’Emploi et Mutations Structurelles, Paris
Quaternaire-Portugal e CETE-FEP (1996), Labour Market Study-Portugal,
Directorate-General Employment and Social Affairs, Brussels.
37
PARA “UM MERCADO SOCIAL DE EMPREGO”
ACTIVO E ACTIVADOR
Contributo parcelar
Dr. Acácio Catarino*
I - ASPECTOS CONCEPTUAIS
Na perspectiva dos problemas socioeconómicos, o mercado de emprego no seu
todo poderá desdobrar-se em três vectores fundamentais: o da competitividade à
escala mundial; o da viabilização de empresas e empregos; e o da inserção social.
Impõe-se contar ainda com o esforço permanente de equidade e de coesão a plasmar
estas realidades, como um todo, e a contribuir para a sua adaptação contínua, sem
receio das transformações em profundidade.
O mercado social de emprego (MSE) inscreve-se no terceiro vector – o da
inserção – e não constitui uma realidade marginal em relação ao mercado de
emprego no seu todo; pelo contrário, destina-se a contribuir activamente para a
abertura e dinamização deste, face aos problemas sociais.
Importa aliás assinalar que a inovação tecnológica e organizacional, mesmo a mais
avançada, é um requisito básico não só do vector competitivo do mercado de
emprego, à escala mundial, mas também dos outros dois.
No caso particular do MSE, enfrentam-se nele, diariamente, problemas sociais e
humanos que constituem um desafio constante a todo o tipo de inovação. Embora a
motivação que nele determina a agir não seja predominantemente económica, o
trabalho realizado não deixa de se integrar na esfera da economia, articulando-a com
outros domínios socioculturais.
Esta integração de pleno direito do MSE na economia não é compatível com a
sua redução a um mercado de emprego social (como por exemplo o trabalho
protegido), nem a um mercado de serviços (como os prestados pelas instituições
particulares de solidariedade social – IPSS). A limitação do MSE a estas acepções é
fortemente redutora e, sobretudo, conduz a que não seja qualificado como “social” o
próprio mercado de emprego mas sim o tipo de organização ou as actividades
desenvolvidas.
Arriscando uma noção, dir-se-á que o mercado social de emprego é o conjunto de
dinamismos, actividades e entidades privadas sem fins lucrativos, de direito ou de
facto, que, de maneira empresarial, têm como objectivo determinante a solução de
problemas de emprego e de outros problemas sociais, viabilizando-se pelas vias
*
Presidente da Cáritas Portuguesa. Antigo Dirigente do IEFP. Antigo Técnico e Dirigente da Área do
Emprego.
38
comercial, contratual ou outras e procurando, em maior ou menor grau, influenciar a
sociedade e a economia no seu todo1.
Poderá afirmar-se que o MSE reúne seis características essenciais:
a) implica dinamismos específicos, designadamente a animação local;
b) as actividades desenvolvidas podem ser de qualquer natureza, com realce
para os serviços sociais;
c) os promotores ou empresários sociais são entidades privadas sem fins
lucrativos2;
d) o tipo de organização é empresarial ou afim;
e) os objectivos prosseguidos são, fundamentalmente, dois:
– a prevenção e solução de problemas de emprego e de outros problemas
sociais;
– a inter-influência do MSE em relação à economia e à sociedade no seu
todo;
f) a viabilização económica é assegurada pela via concorrencial, pela contratual
(por exemplo, acordo com um Centro Regional de Segurança Social) ou
outras (por exemplo, o mecenato).
Poderá afirmar-se que o MSE3 é o mercado de emprego específico da economia
social4. E daí, “grosso modo”, ele está para a economia social como o mercado de
emprego em geral está para a economia global.
1
Prevê-se que, do autor desta reflexão, seja publicado um artigo no n.º 2 da revista do Ministério do
Trabalho e Solidariedade, “Trabalho e Sociedade,” sob o título “MSE esboço de introdução
conceptual”. Aí figuram algumas referências bibliográficas.
2
As ILE e as micro e pequenas empresas podem ser consideradas como entidades sem fins lucrativos,
ainda que juridicamente os visem, enquanto não ultrapassarem a fragilidade inicial.
3
Há quem sinta relutância na utilização do conceito de mercado em relação ao emprego e a outras
realidades sociais. Muito embora se justifique procurar um conceito mais adequado, importa ponderar
que:
a)
b)
c)
d)
a expressão “mercado de emprego” é mais humanizante que “mercado de trabalho”
utilizada tradicionalmente nos cursos de economia: enquanto, no mercado de emprego, o
bem “transaccionado” é o emprego, no mercado de trabalho é o trabalhador ou a “força
do trabalho”;
o facto de se considerar o mercado como via de solução de problemas de emprego e de
outros problemas sociais não significa que esses problemas se reduzam a algo de
mercantil nem que a respectiva solução se reduza à acção do mercado. Significa apenas
que este pode dar algum contributo;
esse contributo e o mercado no seu todo podem ser regulados pelo Estado e por outras
instâncias;
a concepção originária de mercado não se confunde com aquilo a que o capitalismo o
reduziu historicamente. Na verdade, a teoria da “concorrência perfeita” encerra a ideia
de procura de cooperação e de optimização social;
39
A Resolução do Conselho de Ministros (RCM) n.º l04/96, de 20 de Junho
(publicada no Diário da República, I Série B, de 9 de Julho) prevê um leque
relativamente amplo de medidas fomentadoras do MSE, admitindo que outras o
possam integrar. Essas medidas repartem-se por quatro grupos (n.os 4.l e 6 da
RCM):
a) fomento do emprego (protegido; de inserção; em equipamentos sociais; em
ILE também sociais; em serviços de proximidade em geral; na reabilitação
do património; na protecção da floresta; em quaisquer actividades
promovidas no âmbito da economia social...);
b) actividades ocupacionais;
c) animação e desenvolvimento rural;
d) educação e formação de índole social (incluindo escolas-oficinas).
O MSE, no entendimento oficial, agrega assim um elevado número de entidades e
actividades que, sem prejuízo da autonomia de cada uma, acabam por se integrar
numa dinâmica, numa filosofia e em objectivos comuns bem como na economia
global. No limite, esbatem-se as fronteiras entre o MSE e o mercado de emprego
em geral, por força de três linhas de tendência recomendáveis:
a) igualdade tendencial de condições de trabalho e emprego em ambos os
mercados;
b) fomento do “social” na economia global, interagindo com a economia social;
c) fomento de actuações ou medidas comuns a ambos os mercados.
Quanto a estas actuações (ou linhas de acção a traduzir em medidas), e
ponderando especialmente o MSE, algumas configuram-se altamente prioritárias no
âmbito do “Plano Nacional de Emprego”5. Podem repartir-se por três grupos: as de
base; as de natureza operacional; e as que são específicas dos serviços sociais.
Entre as actuações de base, são de realçar, aqui, a animação local, o apoio técnicoformativo e a informação pública. Entre as de natureza operacional, há que relevar
as ideias de investimento, o financiamento e a comercialização.
E, no que se refere aos serviços sociais, justifica-se destacar a “carta social”, o
pagamento dos serviços sociais e o atendimento social articulado com a animação
local.
e)
aceite ou não o conceito de mercado, subsistem sempre as realidades “troca”,
“intercâmbio”, “partilha”, “comunhão”...
4
O âmbito da economia social corresponde, “grosso modo”, ao “sector cooperativo e social” previsto
no n.º 4 do art.º 82.º da Constituição.
5
Algumas linhas de acção preconizadas no texto poderão reportar-se não só às “medidas activas” mas
também ao “espírito empresarial”, na óptica da exploração de “oportunidades de criação de novos
40
II - ACTUAÇÕES DE BASE
l. Animação local
A animação local inclui, nomeadamente, a motivação para a iniciativa, a prestação
de informações adequadas, o acompanhamento na elaboração de projectos, quaisquer
que sejam a sua natureza e âmbito, bem como a avaliação iteractiva e interactiva.
Muitos animadores locais e agentes de desenvolvimento local trabalham em
regime de voluntariado, e até por dedicação “espontânea”. No entanto, é igualmente
relevante e necessária a actividade de quem aufere remuneração.
Alguns animadores e agentes de desenvolvimento dispõem de preparação técnica,
outros baseiam-se na inspiração, na experiência e na auto-preparação. Uns tantos
actuam por iniciativa própria, pessoal ou grupal; outros acham-se integrados em
associações de desenvolvimento local, instituições de acção social, colectividades
diversas e outras organizações...
O que parece indispensável, para fomento equitativo e consistente do MSE, é que:
a) se fomente a existência de animadores ou agentes de desenvolvimento em
toda a parte onde se tornem mais necessários, devido à gravidade dos
problemas de emprego ou de outros problemas sociais;
b) se comece por reconhecer o trabalho, voluntário ou não, que já vem sendo
realizado no terreno, mesmo que não se configure ainda como “animação” no
sentido mais exigente do termo;
c) se preste apoio técnico e de formação aos animadores e agentes de
desenvolvimento, bem como às iniciativas a que se encontrem ligados;
d) o apoio técnico abranja também a formação contínua, aberta a outras pessoas
que possam vir a dedicar-se à animação;
e) sejam tidos em conta os diferentes aspectos da animação, incluindo sempre
as dimensões relativas à criação de emprego.
2. Apoio técnico – formativo
O conjunto de variáveis do MSE e, em especial, o facto de as suas iniciativas se
caracterizarem pela síntese entre aspectos sociais e económicos, traduzida em
empregos tendencialmente viáveis, reclamam a prestação de apoio técnico-formativo
regular às entidades promotoras. Reclamam até o contributo da investigação científica
para a clarificação e solução de problemas em aberto.
empregos”, previstas nas “Directrizes para o Emprego em l998” adoptadas pelo Conselho Europeu
Extraordinário do Luxemburgo sobre o Emprego, de 20 e 21 de Novembro de l997.
41
Equipas técnicas interdisciplinares, distribuídas por todo o país, deslocando-se
facilmente às diferentes iniciativas, e articulando permanentemente com os
animadores e agentes de desenvolvimento, poderiam constituir a estrutura e a
dinâmica básica do apoio a prestar. O suporte institucional poderia ser constituído por
associações ou agências de desenvolvimento local, instituições de acção social,
centros de investigação ou estabelecimentos de ensino...
3. Informação pública sobre acção social, emprego e formação
Para além do atendimento social, bem como da informação e orientação
profissional, há que proporcionar a informação pública sobre acção social, emprego e
formação, recorrendo aos meios de comunicação social6. Destinada embora à
população em geral, esta informação visaria prioritariamente as pessoas e grupos que
se debatem com especiais problemas de índole social, em sentido lato, e de empregoformação, em especial.
Tal informação pública daria a conhecer melhor os problemas a resolver, as
respostas disponíveis, as respostas em falta, os dinamismos em marcha, as realizações
bem e mal sucedidas, testemunhos e iniciativas, experiências e orientações de outros
países e de carácter internacional... Os objectivos a alcançar seriam não só os de
informação, no sentido estrito, mas também os de sensibilização e responsabilização,
em ordem a acções consequentes dos diferentes actores sociais.
II - ACTUAÇÕES DE NATUREZA OPERACIONAL
l. Ideias de investimento
Enquanto não existir, pelo menos em cada concelho, um ficheiro de ideias de
investimento ou de negócio ou, simplesmente, de actividades laborais em geral, falta
um instrumento indispensável à criação de trabalho e emprego. Sobretudo se o
eventual promotor ou empresário for alguém que ainda não escolheu o tipo de
actividade a desenvolver ou ainda não se encontra inserido no meio empresarial. Tal é
o caso em geral dos empresários sociais e dos trabalhadores que procuram criar
postos de trabalho, individualmente ou em grupo.
6
Cfr., sobre o assunto, o Decreto-Lei n.º 58/92, de l3 de Abril.
42
2. Financiamento
Os tipos de apoio previstos para as micro e pequenas iniciativas do MSE deixaram
de se adaptar à realidade, devido especialmente à insuficiência de meios financeiros e
ao seu distanciamento do tecido económico local. São agora indispensáveis unidades
de atendimento e tipos de financiamento “capilares” análogos aos do sistema
bancário, capazes de responder localmente às necessidades de financiamento.
Aliás, a cooperação com o sistema bancário, com garantia de respostas específicas
às organizações do MSE, poderia constituir uma via de solução adequada.
3. Comercialização
Sabendo-se que elevado número de empresários sociais e de trabalhadores
interessados em criar os seus postos de trabalho não dispõe de condições, aptidões ou
motivações para a comercialização, há que preencher subsidiariamente essa lacuna. A
existência de cadeias de comercialização, baseadas numa relação contratual entre
empresas do ramo com créditos firmados, as organizações do MSE e o Estado,
poderia vir a assegurar, no todo ou em parte, não só escoamento de produções mas
também o pagamento de uma parte do respectivo preço no acto da entrega.
IV - ACTUAÇÕES RELACIONADAS COM OS SERVIÇOS SOCIAIS
l. “Carta social”
A já prevista “carta social” de serviços e equipamentos sociais do país constitui um
instrumento básico para o fomento do MSE nesta área. Na “carta” figurariam a
distribuição geográfica dos diferentes serviços e equipamentos e das necessidades
ainda não atendidas. A comparação entre uma e outra realidade fornecer-nos-ia a
indicação dos serviços a criar ou a desenvolver, bem como de postos de trabalho a
criar.
Enquanto não se dispuser da “carta” mantém-se, e poderá agravar-se, o risco da
falta de equidade na distribuição de serviços e equipamentos.
2. Pagamento dos serviços sociais
Prosseguindo no futuro a orientação actual, o pagamento dos serviços prestados
pelos “equipamentos” sociais sem fins lucrativos7 será assegurado pelos
utentes/clientes ou suas famílias e pelos orçamentos do Estado ou da Segurança
7
Fundamentalmente “equipamentos de IPSS” (cujo Estatuto foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 119/83,
de 25 de Fevereiro) e públicos.
43
Social. Os utentes/clientes pagarão, na totalidade ou em parte, os serviços recebidos,
conforme os rendimentos pessoais ou familiares, podendo até deles beneficiar
gratuitamente.
Esta orientação acha-se associada, por ora, a algumas injustiças e anomalias:
a) as famílias de menores recursos que, por motivos de distância ou outros, não
têm acesso aos “equipamentos” sociais sem fins lucrativos vêem-se forçadas
a recorrer a empresas privadas (com fins lucrativos), pagando preços mais
altos, ou simplesmente a não beneficiar dos serviços sociais;
b) as famílias de rendimentos médios e superiores, que acedem àqueles
“equipamentos”, beneficiam de preços inferiores aos do mercado, ficando
beneficiadas em relação às famílias mais pobres que não dispõem de acesso;
c) as iniciativas locais de emprego e as micro e pequenas empresas de serviços
sociais, que desejem actuar no mercado, defrontam a “concorrência desleal”
dos “equipamentos” sociais públicos e de Instituições Particulares de
Solidariedade Social (IPSS). Estes, com efeito, praticam normalmente preços
inferiores aos do mercado, inclusive em relação aos utentes/clientes de
médios e altos rendimentos;
d) as IPSS ficam privadas dos meios financeiros que poderiam ser
proporcionados por alguns utentes/clientes;
e) os orçamentos do Estado e da Segurança Social suportam encargos
superiores ao necessários, prejudicando outras aplicações sociais destinadas
a indivíduos e famílias de menores recursos
As injustiças e anomalias acabadas de sintetizar implicam a adopção de, pelo
menos, três medidas propiciadoras do MSE:
– o desenvolvimento da “carta social”, como atrás se referiu;
– a subsidiação das famílias de menores recursos se, e enquanto, não
tiverem acesso a “equipamentos” sociais sem fins lucrativos;
– o alinhamento dos preços de base, praticados por aqueles “equipamentos”
numa base empresarial, mantendo o pagamento total, parcial ou nulo,
pelos utentes/clientes ou suas famílias, de acordo com as respectivas
possibilidades.
3. Atendimento social articulado com a animação local
O atendimento social, traduzido não raro na visita domiciliária ou a outros locais, é
uma prática já secular e largamente difundida. Apesar do seu mérito extraordinário,
acha-se marcado frequentemente por três fortes limitações: a insuficiente
44
qualificação dos seus agentes; o predomínio da acção assistencial; e a reduzida
articulação com a garantia de direitos e com processos de desenvolvimento.
Apesar disso, e no pressuposto de que tais limitações se podem ultrapassar, o MSE
implica o reconhecimento, o reforço e a qualificação do atendimento social, bem
como a sua generalização por todo o país, com prioridade para as zonas (aldeias,
bairros, freguesias...) mais afectadas no domínio do emprego ou de outros problemas.
A partir dessa generalização e dignificação, fomentar-se-ia, de maneira sistemática, o
acesso a direitos vigentes, a consagração de novos direitos e responsabilidades e a
animação local para o desenvolvimento solidário.
BREVES ANOTAÇÕES FINAIS
l. As linhas de actuação aqui expostas inscrevem-se, quase todas, em orientações já
adoptadas oficialmente e traduzidas em diversas medidas de política. Há que inflectir
essas medidas num ou noutro aspecto e promover o seu desenvolvimento, por
forma a que abranjam tendencialmente todas as populações e situações específicas a
que se destinam. Há que reduzir ao mínimo o reforço da discriminação negativa
(marginalização) resultante do uso de poderes discricionários.
2. É altamente desejável que o MSE influencie o mercado de emprego no seu
todo e beneficie das respectivas potencialidades. Tal influência mútua poderia
contribuir para a melhor integração do MSE no mercado de emprego global e para o
incremento, neste, das dimensões sociais. A interligação e convergência da esfera
económica e da social poderia ser o efeito mais significativo daquela influência
mútua.
3. As linhas de actuação apresentadas nesta reflexão formam um conjunto
integrado. A falta de qualquer uma pode afectar significativamente esse conjunto.
45
O PAPEL DA FISCALIDADE NUMA POLÍTICA ACTIVA DE EMPREGO
Professor M. H. de Freitas Pereira*
1. Introdução
As relações entre impostos e emprego são um dos temas clássicos da teoria fiscal,
não havendo ainda, apesar dos cada vez mais numerosos estudos que lhe são
consagrados, uma conclusão unânime sobre as mesmas. Por isso, julga-se que não tem
grande interesse operativo uma revisão da literatura científica neste domínio e, sendo
assim, reduzem-se nesta comunicação os aspectos teóricos ao mínimo indispensável
Num país como Portugal, onde se colocam tantos e tão graves problemas de
equidade fiscal, reflectir sobre o papel da fiscalidade numa política activa de emprego
coloca sobretudo problemas mais gerais de estrutura fiscal. E tentar resolver estas
questões com medidas avulsas, tipo benefícios fiscais ao emprego, não parece ser o
caminho mais indicado. Acresce que mesmo no plano teórico, dado que, nos estudos
até agora realizados, não se consegue detectar qualquer ligação entre nível de
fiscalidade e emprego – o que mostra que a fiscalidade não é factor determinante do
desemprego – mais do que esta variável fiscal importa analisar a evolução da
estrutura fiscal, em especial dos impostos relacionados com o trabalho, para verificar
que tipo de recomendações se podem formular quanto à política fiscal a seguir nesta
área. É isso que faremos em primeiro lugar.
Analisar-se-ão seguidamente alguns aspectos do debate que, perante o aumento
verificado nos últimos anos da tributação sobre o factor trabalho relativamente a
outros factores, se verifica sobre a transferência da tributação para outras áreas com,
pelo menos aparente, menor impacto sobre o trabalho, ou seja os rendimentos de
capitais, a energia e o consumo. E procurar-se-á desenhar os parâmetros que devem
enquadrar estas questões num país como o nosso.
Finalmente, apresentar-se-á a experiência portuguesa recente quanto a medidas
activas de política fiscal visando o emprego e a evolução que podem ter no futuro, o
que é tarefa dificultada pela profusão de medidas avulsas que têm sido tomadas ou
foram anunciadas neste domínio nos últimos tempos.
2. Estrutura fiscal e impostos sobre o factor trabalho
A estrutura fiscal portuguesa continua a ser caracterizada pelo predomínio dos
impostos sobre bens e serviços, pois estes impostos representam ainda 43,5% das
*
Juiz Conselheiro do Tribunal de Contas. Coordenador da Cadeira de Fiscalidade no Instituto Superior
de Economia e Gestão - ISEG e no Instituto de Estudos Superiores Financeiros e Fiscais.
46
receitas fiscais totais (contra cerca de 31% na média dos países da União Europeia), o
que se deve sobretudo aos impostos especiais de consumo cujo peso em Portugal
excede 8 pontos o representado em média por esses tributos nos países da União
Europeia. Os impostos sobre o rendimento que, na média dos países da União
Europeia, representam cerca de 34% das receitas fiscais totais, em Portugal rondam os
26%. Em termos de contribuições para a segurança social, Portugal está também
aquém da média comunitária: 27% contra 29,4%, cabendo 10,1% aos trabalhadores
(10,4% na UE) e 15,4% aos empregadores (16,3% na UE). Verifica-se, assim, que,
comparativamente com a média comunitária, o que falta em termos de impostos sobre
o rendimento é o que, grosso modo, é representado pelo excesso de peso dos impostos
sobre o consumo, desequilíbrio que se reflecte apenas no imposto sobre o rendimento
das pessoas singulares (IRS) dado que quanto ao imposto sobre o rendimento das
pessoas colectivas (IRC) atingiu-se já a média comunitária.
Evolução da estrutura fiscal
(em % do PIB)
Imp. Rendimento
Cont. Seg. Social
Imp. Património
Imp.Geral Consumo
Imp. Esp. Consumo
1965
P
UE
4,0
8,9
3,5
6,4
0,8
1,8
3,9
6,7
6,1
1975
P
3,8
7,5
0,5
2,4
5,9
UE
12,3
9,4
1,6
5,3
4,7
1985
P
UE
7,2
14,1
7,2
11,4
0,5
1,5
3,5
6,7
8,0
5,1
1995
P
8,9
9,1
0,8
7,9
6,6
UE
14,4
12,3
1,7
7,3
4,8
Fonte: OCDE, Revenue Statistics, 1997
Sendo de prever que o nível de fiscalidade em Portugal tenderá a aumentar – o
nosso nível de fiscalidade era, em 1995, de 33,8% contra 41,8% na Europa dos quinze
– não se vislumbra que possa haver uma descida em termos globais dos impostos
sobre o rendimento ou das contribuições para a segurança social.
Importa, no entanto, verificar de que modo se distribui o imposto sobre o
rendimento pessoal entre as suas várias categorias e, a esse respeito, a estrutura fiscal
portuguesa coloca óbvios desafios de política fiscal em termos de repartição da carga
fiscal pois a parte relativa no total das receitas representada pelas categorias do
trabalho dependente e pensões é manifestamente exagerada. Terá de ser
reequacionado o papel das taxas liberatórias aplicáveis quer a rendimentos de capitais
quer a mais-valias (e a própria extensão dos rendimentos tributáveis) e eficazmente
controlado o rendimento declarado por empresários em nome individual e
trabalhadores independentes. O combate à evasão e fraude fiscais e a melhoria da
coercibilidade do sistema são, aliás, a primeira medida a encarar numa política fiscal
visando o emprego. Além disso, os benefícios fiscais têm de ser revistos e assumidos
de uma forma mais equitativa, o que implica o uso da técnica de deduções à colecta e
o termo de vantagens dirigidas predominantemente ao sector financeiro. Estas
47
medidas – que estão aliás há muito enunciadas e que urge pôr em prática1 – são um
factor decisivo para que a tributação sobre o trabalho seja menos pesada e, por isso,
que uma política de emprego seja assumida no plano fiscal.
Por outro lado, se as contribuições para a segurança social, que nos últimos 10
anos viram subir o seu peso, em consonância, aliás, com a evolução verificada no
conjunto dos países da União Europeia, não podem descer em termos globais, a sua
base de incidência tem suscitado reparos generalizados. Certos estudos têm, aliás,
demonstrado que as contribuições patronais para a segurança social têm um maior
impacto sobre uma política de emprego que os outros encargos fiscais que recaem
sobre o factor trabalho e são, por isso, um factor de desemprego. Neste âmbito, o
alargamento da base de incidência das contribuições para a segurança social,
designadamente aos rendimentos de capitais, pode justificar-se, em especial quando a
segurança social é chamada a funcionar de acordo com um sistema em que não exista
uma ligação directa entre contribuições e prestações.
3. O agravamento da tributação do factor trabalho – alternativas
É sabido que nos anos oitenta e princípios dos anos 90 foram levadas a cabo na
maioria dos países reformas fiscais que se traduziram, em geral, num alargamento da
base tributável e numa diminuição das taxas marginais de tributação. Tem sido,
porém, questionado o efeito dessas reformas em termos de emprego, em especial pelo
facto de para os trabalhadores de menores rendimentos não se ter verificado qualquer
descida de taxas, tendo-se verificado, pelo contrário, em muitos casos uma subida2.
Dessas reformas resultou, em termos médios, um agravamento da tributação do
factor trabalho comparativamente aos outros factores de produção. Através do método
das taxas de imposto implícitas (quociente entre as receitas fiscais e os rendimentos
tributáveis) de acordo com as funções económicas (factores de produção e consumo),
a Comissão das Comunidades Europeias concluiu que, entre 1980 e 1994, a média
europeia da taxa de imposto implícita sobre o trabalho por conta de outrem aumentou
regularmente, passando de 34,7% para 40,5%, enquanto que a mesma taxa para outros
factores de produção (capital, trabalhadores por conta própria, energia e recursos
naturais) diminuiu de 44,1% para 35,2%3.
1
Para maiores desenvolvimentos veja-se Relatório da Comissão de Desenvolvimento da Reforma
Fiscal, Lisboa, 1996.
2
Cf. L’étude de l’OCDE sur l’emploi - Fiscalité, emploi et chômage, Paris, OCDE, 1995, págs. 26 e
segs.
3
União Europeia - Relatório sobre a evolução dos sistemas fiscais, apresentado pela Comissão das
Comunidades Europeias [COM(96)546 final], Bruxelas, 22 de Outubro de 1996, in Ciência e Técnica
Fiscal, Lisboa, n.º 386, Abril-Junho de 1997, págs. 153-171.
48
Fonte: Comissão das Comunidades Europeias - Relatório sobre a evolução dos sistemas fiscais
Perante este quadro, justifica-se uma análise sobre a possibilidade de transferir os
encargos fiscais que recaem sobre o factor trabalho para outros factores de produção.
Quanto a uma maior tributação dos rendimentos de capitais, existe, em nossa
opinião, no sistema fiscal português, possibilidade de melhorar a equidade
trabalho/capital sem prejudicar a competitividade internacional das empresas
portuguesas num quadro de crescente mobilidade internacional dos capitais. As
medidas atrás indicadas justificam-se neste contexto plenamente. Para além de certo
limite, porém, só um esforço de coordenação internacional pode permitir um
reequilíbrio da tributação, sendo encorajadoras a esse respeito as recentes decisões
tomadas no quadro da União Europeia no sentido da aprovação de um “Código de
conduta no domínio da fiscalidade das empresas” assim como dos princípios a que
deve obedecer a proposta de directiva a apresentar em 1998 sobre fiscalidade da
poupança.4 Portugal não pode deixar de tirar ilações destes documentos no plano
interno, em especial quanto a certos regimes de benefícios fiscais, e deverá insistir
pela urgente aprovação da directiva que assegure uma efectiva tributação dos
rendimentos de capitais, designadamente através de uma taxa de retenção na fonte a
favor do Estado da fonte. Idêntica posição deve ser tomada com firmeza no quadro
dos trabalhos da OCDE sobre concorrência fiscal de modo a que estes não se
restrinjam a aspectos isolados da questão mais geral da tributação dos rendimentos de
capitais.
Outra eventualidade é a do aumento da tributação sobre a energia, mas esta
transferência não reduz necessariamente de maneira sensível a tributação sobre o
trabalho, em especial se tal imposto for repercutido numa alta de preços dos bens e
4
Jornal Oficial das Comunidades Europeias, C 2, de 6.1.98, págs. 1 e segs.
49
serviços. É evidente que há que contrapor os efeitos positivos desta transferência em
termos de política de ambiente. No entanto, embora Portugal não possa deixar de estar
aberto a essas preocupações, em especial quanto ao uso da fiscalidade para encorajar
uma exploração mais moderada dos recursos naturais limitados e como forma de
expressar os custos externos desta exploração, a posição portuguesa deve continuar a
pautar-se pela defesa de uma abordagem gradualista desta questão, que atenda aos
estádios de desenvolvimento de cada país e respectivos níveis de poluição per capita.
Por outro lado, atendendo à sua especificidade no nosso país, terá de se reclamar uma
isenção para a energia eléctrica de origem hídrica, não só porque se trata de uma
energia renovável “limpa” como também para minorar os custos económicos da
tributação dos produtos energéticos.
Uma outra solução que tem sido estudada é a de financiar uma redução da
tributação sobre o trabalho (em especial as contribuições patronais para a segurança
social) por um aumento dos impostos sobre o consumo. Estas possibilidades são,
porém, no actual estado das coisas, muito limitadas dadas as incidências sociais de
uma tal política, que faria recair sobre vastos sectores da população desfavorecida,
tais como desempregados e pensionistas, uma tal transferência, com custos políticos e
sociais muito pronunciados. No caso português, acresce o peso já elevado em termos
de estrutura fiscal dos impostos sobre bens e serviços, em especial dos impostos
específicos sobre o consumo, o que reduz a margem de iniciativa do decisor de
política fiscal. Parece contraditória com esta transferência, aliás, a medida prevista na
Resolução do Conselho relativa às directrizes para o emprego em 1998, que não deixa
de ser interessante e merece ponderação, apesar de não se visualizar de interesse para
o caso português, de redução da taxa do IVA sobre os serviços com elevada
componente de mão-de-obra e não expostos à concorrência transfronteiriça.
4. Medidas fiscais activas visando a promoção do emprego – experiência
portuguesa
Em Portugal têm vigorado nos últimos anos benefícios fiscais direccionados à
criação de empregos – uns concedendo isenção de contribuições patronais para a
segurança social durante 36 meses para as empresas que, aumentando o número dos
seus trabalhadores com referência ao ano anterior, criem postos de trabalho sem termo
para jovens à procura de primeiro emprego e para desempregados de longa duração
ou a redução a 50% dessas contribuições para a criação de postos de trabalho a termo,
nas mesmas condições (Decreto-Lei n.º 89/95, de 6/5, alterado pelo Decreto-Lei n.º
34/96, de 18/4); outros, reconhecendo o papel essencial das pequenas empresas em
termos de criação de emprego, destinados a criar um clima favorável à empresa e ao
espírito empresarial através da instituição de deduções em IRC e isenções de
emolumentos e encargos legais (Decreto-Lei n.º 160/95, de 6/7, Decreto-Lei n.º
200/96, de 18/10 e Decreto-Lei n.º 42/98, de 3/3) assim como a facilitar a
50
transformação de empresas individuais em sociedades (art. 36.º-A do Código do IRS e
art. 68.º-A do Código do IRC, aditados pelo Decreto-Lei n.º 280/95, de 26 de
Outubro).
Trata-se de medidas em geral tecnicamente bem desenhadas, mas cuja eficácia em
face dos objectivos prosseguidos se desconhece, não sendo, por isso, possível um
juízo sobre a justeza da despesa fiscal envolvida pelas mesmas5. Algumas delas
necessitariam mesmo de um controlo a posteriori – que parece não existir – de modo
a verificar que os pressupostos da sua concessão se verificaram de modo efectivo.
Anunciam-se novas medidas neste domínio (art. 29.º e art. 32.º da Lei n.º 127B/97, de 20/12 – Lei do OE/98, quanto, respectivamente, a benefícios em matéria de
taxa social única e em matéria de IRC e outros impostos), o que, dado o carácter
recente das que estão em vigor, denota uma grande instabilidade legislativa, e o
mínimo que se poderá desejar é que haja primeiro uma avaliação das já existentes –
que parecem ser suficientemente amplas em termos de política activa de emprego (a
falta de medidas de incentivo fiscal especificamente dirigidas à formação profissional
parece justificar-se pela forma como esta é financiada em Portugal) – de modo a que
das novas medidas não resultem duplicações nem um sistema descoordenado e
incoerente e, por isso, ineficiente.
Acresce que mais do que benefícios do que se carece na envolvente fiscal é de
reformas que melhorem a equidade do sistema, promovendo um melhor equilíbrio da
tributação trabalho/capital.
5
As medidas referidas quanto a contribuições para a segurança social em conjunto com o apoio
financeiro não reembolsável igual a 12 vezes o salário mínimo mensal fixado para o tipo de actividade
em causa por cada trabalhador admitido, envolveram, em 1995, cerca de 50000 pessoas acarretando
um encargo da ordem dos 16 milhões de contos. Cf. Livro Branco da Segurança Social, Dez. 1997,
págs. 95 e segs.
51
Educação e Formação
Profissional (I)
52
RELAÇÕES ENTRE ENSINO E MERCADO DE EMPREGO
Professora Teresa Ambrósio*
É-me muito grato estar aqui por convite amável do Senhor Presidente do Conselho
Económico e Social, para tentar, na perspectiva da Educação/Formação, dar um
contributo para equacionarmos as relações entre o ensino e o mercado de trabalho no
contexto da preparação do Plano Nacional de Emprego.
Dada a vastidão do tema, e tendo em conta o tempo limitado, vou tentar focalizar a
vossa atenção apenas nalguns problemas que julgo serem actualmente pertinentes.
Conhecemos todos, as inúmeras abordagens que é possível fazer da relação ensino
e mercado de trabalho, ou melhor, da relação entre educação e formação e o mercado
de trabalho. Uma forma, muito clássica de análise dessas relações, é partir das
estatísticas e das leituras que essas estatísticas nos permitem. A abordagem estatística
pode dar-nos uma primeira dimensão dos problemas que tentaremos estudar, mas
tentarei explicar, através também de alguns quadros, que o nosso problema principal
não é essencialmente um problema geral de carência de qualificações escolares e
profissionais mas de regulação entre a oferta e a procura actual dessas qualificações.
Porém, é preciso afirmar desde o início, que as questões que o Plano Nacional de
Emprego levanta na vertente da educação e da formação não podem ser vistos apenas
no contexto português, mas sim, no momento presente no âmbito das políticas de
emprego e de formação profissional a nível europeu, no âmbito dos acordos de
concertação estratégica que já estão a ser negociados entre nós, e ainda na perspectiva
da Agenda 2000, que vai entrar em fase de negociação. Não poderemos deixar de
apelar também a dados precisos decorrentes das estratégias políticas nacionais quer da
Educação/Formação, quer dos sectores produtivos.
O Quadro I permitiu que, na Cimeira do Luxemburgo sobre o Emprego em
Novembro, a posição portuguesa defendesse com vigor o conceito de
empregabilidade. Neste quadro de comparação da população empregada nos países da
União Europeia por níveis de qualificação, é bem visível que Portugal tem a maior
percentagem de população empregada com o mais baixo nível de educação e as
menores percentagens com o nível médio e com nível superior, em relação a todos os
outros países. Podemos dizer que ocupamos a posição mais “negra” de níveis de
escolarização da população empregada. Sem aprofundar muito o valor de
comparabilidade que estes dados estatísticos permitem e, se o nível escolar da
educação está relacionado de algum modo com a questão da empregabilidade, então
podemos afirmar que há um problema dessa ordem para o caso da população
portuguesa empregada.
*
Presidente do Conselho Nacional de Educação - CNE.
53
Quadro I – População empregada nos países da UE, por níveis de educação
O Quadro estatístico II parece também bastante sugestivo para levantar algumas
questões sobre a formação profissional dessa população. Nele vemos que a
distribuição da população activa por profissões e referente a 1996, que os quadros
dirigentes ocupam uma percentagem extremamente pequena seguida do pessoal
qualificado e semi-qualificado e da grande percentagem, cerca de 73.5%, relativa ao
pessoal não-qualificado. Temos, portanto, uma verificação da grande desqualificação
da população activa relativamente à população total e, se quiséssemos ainda cruzar
estes dados com outros, nomeadamente com os dados dos quadros seguintes (III e IV)
tal permitir-nos-ía levantar muitas outras questões sobre a qualificação por grupos
profissionais e grupos etários. Por exemplo, os quadros estatísticos permitem-nos
observar que os dirigentes se situam em determinados grupos etários, sobretudo dos
45-54 anos, o pessoal qualificado e semi-qualificado atinge quase todos os grupos
etários, o pessoal não-qualificado abrange um grupo etário, que não seria previsível e
que é o grupo etário dos 14-24 anos, etc.
54
Quadro II – População activa por “tipo de profissão” no ano 1996
A distribuição percentual da população activa apresentava-se do
seguinte modo:
a) População Total
Quadros dirigentes
Quadros superiores
Quadros médios
Pessoal qualificado e semi-qualificado*
Pessoal não qualificado
Forças Armadas
8.4%
6.7%
10.2%
63.5%
10.4%
0.8%
* Inclui uma amálgama de trabalhadores administrativos, de
segurança, de produção agrícola, industrial e piscícola, artesãos,
operadores, de serviço pessoal e domésticos.
Quadro III – Qualificação percentual da população activa portuguesa
A distribuição percentual da população activa, num total de 4.786.500
de pessoas, segundo o grau de instrução, apresentava-se do seguinte
modo em 1996*
a) População Total
Nenhum Grau de Instrução
9.8%
Ensino Básico
1.º Ciclo
2.º Ciclo
3.º Ciclo
35.9%
16.9%
14.5%
Ensino Secundário
Ensino Médio e Politécnico
10.2%
Ensino Superior
Graduação
Pós-Graduação
7.4%
0.7%
* Fonte: INE – Inquérito ao Emprego, 1996
55
Quadro IV – População Activa por “tipo de Profissão” no ano 1996
A distribuição da população activa apresentava-se do seguinte modo:
b) Por grupos etários
Quadros dirigentes
Quadros superiores
Quadros médios
Pessoal qualificado e semiqualificado
Pessoal não qualificado
Forças Armadas
Grupo
14-24
Grupo
25-44
Grupo
45-54
Grupo
≥65
1.3%
2.1%
7.0%
74.8%
7.3%
9.2%
11.9%
60.8%
12.2%
5.5%
10.1%
60.8%
10.6%
3.6%
3.3%
76.7%
13.5%
1.2%
9.7%
1.0%
9.7%
0.4%
5.8%
0.0%
Apresento estes quadros apenas para dizer que, uma das formas possíveis de tentar
traçar estratégias de Educação/Formação profissional em relação com as necessidades
do mercado de trabalho, é retirar destes dados estatísticos variadas ilações. Por
exemplo, se é necessário formar quadros dirigentes então teremos de actuar na
formação profissional e na formação escolar especializada desses quadros dirigentes
os quais se situam no grupo etário dos 40-50 anos; se queremos orientar acções para
um grupo de jovens que será prioritário, o grupo etário dos 14-24 anos, então teremos
de pensar em acções de formação inicial, aprendizagem, etc.
Estas estatísticas permitem-nos assim definir grupos-alvo de determinados tipos de
programas de educação e formação profissional tendo em vista um plano de emprego.
É já uma primeira abordagem da definição estratégica de programas prioritários de
intervenção.
Creio, no entanto, que esta não é a única leitura que podemos fazer do nosso
problema, mas é uma das leituras possíveis que tem as suas potencialidades mas
também as suas dificuldades. Isto porquê? Porque no contexto actual de evolução da
organização económica, da organização do trabalho, as relações entre o ensino e o
mercado de trabalho não podem ser vistas exclusivamente nesta perspectiva linear e
mecanicista entre a oferta ou a existência de qualificações escolares e profissionais
que correspondem, em princípio, ao perfil de determinados grupos de profissões, tais
como se pode deduzir a partir da leitura deste género de dados estatísticos. Direi
mesmo que, na perspectiva dos novos equilíbrios entre a oferta e a procura de
qualificações escolares e profissionais, tais leituras podem ser enganosas e perigosas.
Nos últimos anos tem vindo a ser feito um grande esforço para equacionar as novas
relações entre políticas de formação e políticas de emprego. Recordo que, no tempo
do Prof. Marçal Grilo, como Presidente do Conselho Nacional de Educação, se
realizou com a colaboração do Conselho Económico e Social, um estudo a que se
chamou “Convergência Dinâmica entre a Oferta e a Procura de Qualificações
Escolares”. Nele se patenteia uma nova abordagem da regulação entre a oferta e a
procura de qualificações de recursos humanos. A evolução recente relativamente ao
56
equacionamento destas questões permite-nos concluir que, aquilo que se procura, não
são as regulações lineares ou estatísticas, mas as convergências dinâmicas. Isto é,
procura-se um equilíbrio dinâmico e interactivo em que, por um lado a oferta pode
provocar a procura de novas necessidades e por outro, as necessidades não têm que
ser imediatamente colmatadas por uma oferta directa através do sistema escolar ou de
um sistema de formação profissional.
Também não podemos hoje falar, quando se trata de oferta de qualificações,
apenas e exclusivamente de ensino. Numa abordagem de convergência dinâmica
entre qualificações escolares e profissionais, e as qualificações que são necessárias
para o mercado de trabalho, temos que ter em consideração, a existência na sociedade
de hoje, de um vasto sistema escolar que está sob controlo e orientação do Ministério
da Educação (que tem também um sistema de formação profissional inicial – as
escolas profissionais e os cursos tecnológicos) e os sistemas de formação do
Ministério do Emprego e da Solidariedade (que é responsável pelo sistema de
aprendizagem, pelos programas de iniciação profissional, aperfeiçoamento,
reconversão, especialização, formação contínua formal) a qualificação profissional
inserida no mercado de trabalho cujo conhecimento ultrapassa o próprio Ministério e
ainda, um conjunto de actividades ligadas ao Ministério da Economia, ao Ministério
do Ambiente e ao Ministério da Ciência e Tecnologia, etc. Em Portugal como por
todo o lado, seguimos a tendência universal de alargamento do espaço de formação
formal e não formal de educação e formação, espaço que já não é possível gerir
sistemicamente mas apenas, talvez, orientá-lo pilotando sinergias que permitem
constituir uma matriz vital para o processo de desenvolvimento do País e que é a da
educação e formação inicial e contínua, isto é, ao longo da vida.
Creio que na preparação do Plano Nacional de Emprego no nosso País, deveremos
adoptar esta perspectiva dinâmica concretizada no conceito de educação e formação
ao longo da vida, que é a perspectiva que se adequa, afinal, aos outros conceitos que
estão implícitos na preparação deste Plano de Emprego: o da empregabilidade, da
adaptabilidade, da flexibilidade e o da orientação do emprego e formação para
programas europeus explícitos. Por outro lado, do ponto de vista do mercado de
trabalho e emprego também os conceitos referenciais evoluíram. Do equilíbrio
desejado do mercado de emprego provavelmente teremos também que evoluir para
uma nova visão que é a da regulação dinâmica e social da gestão dos recursos
humanos, quer a nível nacional, quer a nível das empresas, quer a nível regional.
A análise da realidade de hoje aponta para situações novas em que a formação
pode gerar emprego e o emprego pode gerar novas formas de qualificação. Haverá
pois, que introduzir esta visão inovadora de convergência dinâmica que é sobretudo
importante quando, em vez de “recursos humanos” consideramos antes os “actores
participantes e responsáveis” na evolução económica e na organização do trabalho.
É neste contexto que tem sentido falar em políticas activas de emprego e de formação
profissional e, não apenas, das políticas passivas de adequação da oferta e da procura.
57
Nesta perspectiva, é muito importante também verificar a necessidade de Sistemas de
Mediação entre oferta e procura e que exercem um papel fundamental na interface de
cooperação entre vários Ministérios. Que sistemas de mediação são esses? Deixo-vos
alguns deles sistematizados no Quadro V e referirei apenas alguns em particular
observatórios.
Quadro V – Sistemas de Mediação
- Observatórios
- Previsão de Perfis Profissionais e necessidades de qualificação
- Certificações de saberes e competências
- Certificação de Formadores e instâncias de formação
- Orientação educativa e profissional
- Mobilidade Formativa de Emprego
- Concertação de iniciativas a níveis: sectorial, local e regional
- Avaliação da oferta
Investigação e Inovação dos conteúdos e processos
– Observatórios – de emprego, de inserção na vida activa, observatórios de vária
índole, são hoje extremamente importantes, sobretudo quando não são apenas
bancos de dados, mas são bancos de indicadores que permitem leituras de
evolução, de processos de adaptação, de mobilidade.
– Previsão de perfis profissionais – eis uma área extremamente importante que se
relaciona com a evolução dos sectores e das funções e qualificações necessárias
aos recursos humanos para esses sectores, numa perspectiva de futuro. Os
últimos estudos feitos pelo Inofor baseados no estudo da evolução das
profissões e dos perfis profissionais permitem, por exemplo, aos responsáveis
da formação profissional terem dados de previsão, acerca dos saberes e
competências que serão necessários desenvolver através da acção de formação
profissional. Esta previsão de perfis é também indispensável para permitir uma
avaliação dos diplomas que certificam cursos clássicos de formação profissional
e que, sabemos hoje, são cada vez mais substituídos por certificados de
competências, de saberes adquiridos formalmente e pela experiência.
– Sistemas de certificação – não são apenas os saberes e competências que se vão
adquirindo através da própria experiência profissional e que são hoje dados
importantes sobre as qualificações básicas da população em geral e de cada um
dos indivíduos em particular, mas também a certificação das instituições de
formação e de formadores (que não são apenas as escolas nem apenas os
professores), instituições e formadores a quem se exige um novo tipo de
58
práticas e de estratégias formativas, muito longe da escolarização habitual e
adaptadas aos objectivos e às pessoas concretas em formação.
– Sistemas de orientação educativa e profissional – é urgente promovê-los para
permitirem sustentar, não só as carreiras profissionais tradicionais, mas
sobretudo o novo conceito de percursos profissionais de formação e de
trabalho.
– Sistemas de mobilidade e de emprego – sobretudo os sistemas que ajudam à
procura, em diferentes áreas geográficas de emprego mas que permitem também
uma mobilidade que, por vezes, é uma mobilidade com uma dimensão
extremamente formativa, sobretudo quando considerada nos trajectos de
inserção profissional de jovens.
– A concertação através de pactos regionais de emprego, de redes regionais de
emprego e de múltiplas iniciativas de concertação a nível sectorial, local e
regional. Pergunto-me se não poderiam ser inseridos, por exemplo, pactos de
formação profissional e de educação básica a nível regional nas iniciativas de
redes regionais de emprego e de pactos regionais de emprego.
– Investigação e inovação quer dos conteúdos, quer dos processos de qualificação
– hoje a formação não está centrada nos diplomas, nas escolas nem nos
processos organizativos. Se algo caracteriza uma nova filosofia da formação
profissional é a sua centralidade na pessoa e esta mudança exige muitíssima
investigação e inovação. Não é por acaso que o 5.º Programa Quadro
Comunitário de Investigação para a Europa, dedica uma percentagem já visível
à investigação no campo da educação e da formação e sabemos como são
importantes os projectos que estão em curso a nível europeu.
Em resumo, a nova filosofia de educação e formação e, os novos paradigmas na
formação ao longo da vida e do emprego activo, que emergem também como
resultado da evolução económica e da transformação social e política rápida, não
poderão deixar de impregnar as orientações políticas actuais sobre o equilíbrio ou a
convergência dinâmica entre a educação, a formação e emprego.
Tanto mais quanto existem já um conjunto de directrizes e orientações que vão
condicionando as próprias políticas e práticas dos países europeus. É, por exemplo, o
que podemos retirar do Livro Branco da Educação e da Formação da União Europeia
(que introduziu o novo conceito de educação e formação ao longo da vida, não como
uma modalidade de formação mas como um processo de formação diferente, quer seja
inicial, quer seja de formação contínua), é o relatório da Task-Force que serviu para
preparar a Agenda 2000 no campo da Educação e da Formação (e que dá uma
orientação para a coerência entre as políticas educativas a nível europeu), são ainda os
Acordos Estratégicos, nomeadamente a nível nacional. Também poderemos referir a
59
Carta Magna apresentada na Assembleia da República como resultado da discussão
do Livro Branco a nível nacional, bem como Recomendações várias, entre as quais a
do Conselho Nacional de Educação sobre este mesmo problema.
O que gostaria de acentuar é que, existe hoje um novo quadro de referência, quer
teórico, quer prático e até uma explicitação de boas práticas já experimentadas a
vários níveis, nacional e sectorial, que não poderão deixar de impregnar o Plano
Nacional de Emprego que estamos a preparar.
Este novo quadro de referência creio que é essencial, para elaborar e executar, os
planos de formação que vierem a ser considerados no Plano Nacional de Emprego
orientados para grupos-alvo, tais como, os desempregados de longa duração, dos
jovens com habilitações, do desenvolvimento educativo e profissional de activos
adultos e a sua inserção em zonas desfavorecidas e também grupos minoritários.
Um dos pontos importantes deste Plano Nacional de Emprego, que julgo dever
acentuar também, é a elaboração de programas de formação e educação que deverão
ser convergentes com o tipo de objectivos que se pretendem alcançar através de
programas específicos, para além daqueles que dizem respeito a uma política mais
global. Isto é, julgo que é necessário detalhar o Plano Nacional de Emprego a nível de
programas concretos, quer respeitantes a grupos-alvo a nível nacional, quer
respeitantes a programas inseridos a nível local ou regional. Para essa formação não
poderemos apenas contar com as modalidades tradicionais de oferta de formação, isto
é, o sistema escolar ou o sistema de formação profissional reconhecido pelo
Ministério do Emprego. Teremos que recorrer a todas as modalidades e espaços de
oferta de educação e de formação, orientar as capacidades e potencialidades existentes
de formação básica da população, e ter uma perspectiva não apenas de curto prazo,
mas uma visão de médio e longo prazo. Se não o fizermos, aliás, poderemos correr o
risco de acumulação de problemas ou desencadear outras situações não desejáveis.
Neste sentido, sistematizo no Quadro VI algumas das prioridades para os Programas
de Educação/Formação.
Quadro VI – Prioridades de Educação/Formação
9 Educação de base/formação para o trabalho qualificado de adultos integrada em programa
de emprego específico
9 Integração e mobilidade formativa de jovens
9 Formação contínua em múltiplas modalidades inserida em percursos profissionais,
estratégias empresariais, situação de trabalho
9 Dimensão educativa adequada e integrada nos planos de rendimento mínimo. Escolarização
versus parcerias, comunidades educativas, etc.
60
A elaboração de programas de formação e educação orientados para grupos-alvo
deverão pois estar bem localizados e sustentados por objectivos de emprego, e devem
também, por outro lado, ser inovadoras nos conteúdos, nos métodos ou nas estratégias
adoptadas, de acordo com as características próprias de cada um dos formandos.
Provavelmente só se poderá ter a noção desta exigência durante a própria execução
dos programas, bem como da inserção destes programas nos contextos locais,
culturais e profissionais. Temos todos consciência de que, não se formam nas mesmas
escolas, com os mesmos métodos, desempregados de longa duração ou
desempregados com qualificações básicas muito baixas ou jovens qualificados que
procuram emprego ou então grupos minoritários que vivem em determinadas zonas
desfavorecidas económica ou socialmente. Esta perspectiva de adaptação de
conteúdos, métodos, estratégias formativas, não só às pessoas em concreto como às
características dos grupos-alvo e aos objectivos dos programas de emprego, creio ser
um ponto extremamente importante a considerar para o bom sucesso do Plano
Nacional de Emprego que estamos a preparar.
Temos experiências ricas neste campo que representam inovações, as quais
deveremos explorar procurando os resultados positivos que obtivemos e, difundir as
boas práticas.
Não quero deixar de acentuar que, mais uma vez, estas experiências e boas
práticas, porque são localizadas numa escala não visível, não são detectadas nos
quadros estatísticos, nem nos bancos de dados, nem muitas vezes são consideradas
nas medidas programáticas. É, portanto, necessário descer do nível nacional e das
medidas globais de política para uma escala regional, local, perto das pessoas que são
os sujeitos da formação profissional e a quem se destinam os Planos de Emprego.
Para promover as potencialidades de qualificação existentes na sociedade, nas
empresas, em todos os espaços formativos onde as pessoas-alvo da formação
profissional estão inseridas, é fundamental promover e desenvolver as parcerias
educativas, que podem ter o apoio nas escolas e centros de formação mas que não
devem corresponder apenas à resposta clássica que estas instituições oferecem.
Por isso julgo que, simultaneamente, se devem desenvolver como contributo para o
Plano Nacional de Emprego, programas de inovação no campo da formação apoiando
agências de inovação onde se possa produzir investigação e inovação neste campo.
Creio que a partir de problemas concretos e de zonas concretas apelando para o
conhecimento já existente e para as boas práticas, poderemos introduzir nesta relação
educação-emprego uma evolução significativa e desejável.
Em conclusão, a elaboração de um Plano Nacional de Emprego é uma excelente
oportunidade para rever conceitos, quadros de actuação e promover a coordenação
entre políticas a vários níveis e de vários sectores. É também e, no que diz respeito à
educação e formação, uma excelente ocasião para definir linhas fundadoras para
novas estratégias políticas.
61
O ENSINO E A EVOLUÇÃO ECONÓMICA
Professor António Barreto*
As relações entre desenvolvimento económico e educação são complexas e
controversas. São várias as teorias. Cientistas e políticos exprimem-se frequentemente
sobre o tema. Muitos são os estudos, diversas são as conclusões. Vou limitar-me,
neste breve painel, a referir duas “verdades” consensuais, ou duas teses comuns, que
pretendo contrariar. São estas:
Tese 1: A educação é causa de desenvolvimento económico. Ou, dito de outra
maneira (não equivalente), as insuficiências na educação são causa do atraso
económico.
Tese 2: As autoridades devem ajustar o crescimento da educação às necessidades
da economia. Nomeadamente às necessidades técnicas e profissionais. Não se deve
educar ou formar profissionais “para o desemprego”.
Começo pela primeira, a que estabelece a educação como causa de
desenvolvimento económico. Nas últimas décadas, vários foram os estudos que se
ocuparam da questão do atraso económico e suas causas (vejam-se, por exemplo,
entre nós, os trabalhos de Jaime Reis e Pedro Lains). Entre estas, a educação ocupou
um lugar de relevo. Alguns autores trouxeram evidência empírica no sentido de
mostrar que os progressos da educação não eram seguidos necessária e
automaticamente de progressos económicos. Enquanto outros, recorrendo igualmente
a estudos empíricos e comparativos, tentaram reforçar a ideia de que o atraso
educativo é uma das causas essenciais do atraso económico. Na verdade, estamos
perante duas interpretações opostas: o “atraso educativo” é ora a causa ora a
consequência do atraso económico.
Não tenho o atrevimento de ter respostas ou de ter desvendado o mistério. Não
estou plenamente convencido por nenhuma das interpretações. Mas inclino-me mais
para pensar que o desenvolvimento económico provoca o desenvolvimento da
educação mais do que a inversa; e que o atraso económico condiciona o atraso
educativo, mesmo sabendo que outros factores, como a religião, a organização do
Estado e a composição nacional de um Estado, podem ter influência determinante
para os níveis educativos.
Poderão o analfabetismo, a insuficiência de educação, a débil formação técnica e
profissional funcionar como estrangulamentos ao progresso económico ou como
obstáculos à competitividade. Mas não creio que daí se possa concluir que uma acção
conseguida de fomento da educação e de desenvolvimento da formação provoque o
desenvolvimento económico.
*
Investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.
62
Uma boa parte da actualidade do problema reside no facto de os dirigentes
políticos ocidentais terem adoptado a educação como principal prioridade das suas
políticas sociais e económicas. Se o fazem com sinceridade ou não, é um assunto que
me não ocupa aqui, mas a verdade é que o fazem. No caso das políticas comunitárias,
por exemplo, não seria difícil demonstrar que a retórica se sobrepõe à sinceridade: na
verdade, menos de 1% do orçamento tem incidência directa em programas
comunitários educativos. Mas este é outro problema.
Convém, todavia, sublinhar que a preocupação política com a educação não
decorre de uma declarada assunção de que tal prioridade poderá trazer mais
crescimento económico, mas sim que poderá lutar contra o desemprego. Mesmo
admitindo que um menor desemprego significa mais crescimento económico (o que
não é seguro), a preocupação com a educação tem esse objectivo. É possível que, no
curto prazo, um elevado número de pessoas empenhadas em programas de formação
signifique uma menor taxa de desocupação ou de desemprego. Não creio, todavia, que
essa seja uma situação durável.
Retomando o argumento inicial. Aceito a ideia de que a educação é um factor de
desenvolvimento económico e social, na medida em que a sua ausência pode ser
obstáculo. Mas estou muito mais tentado a acreditar em que é o desenvolvimento
económico que provoca o desenvolvimento da educação. Também sei, evidentemente,
que as relações entre os dois processos podem ser “dialécticas”, isto é, agirem,
reciprocamente, uma sobre a outra. Mas a implicação essencial parece ser esta última.
Uma observação, mesmo superficial, dos indicadores sociais e económicos de
Portugal das décadas de cinquenta e sessenta parece sugerir o que afirmei. O
crescimento económico, muitíssimo vigoroso na década de sessenta (com taxas da
ordem dos 7% a 11%), precede o desenvolvimento educativo. A universalização da
escolaridade obrigatória; o aumento desta para 4, depois 6, finalmente 9 anos; e a
verdadeira explosão demográfica no ensino secundário e no ensino superior, surgem,
na história recente do país, como consequências do crescimento económico e do
desenvolvimento das classes médias, não como as suas causas ou pré-condições. Por
outro lado, parece ser verdade que, tanto na década de sessenta (até 1974), como no
período após a adesão à União Europeia (1985 a 1997), alguns dos principais trunfos
da economia portuguesa, com incidência directa no investimento externo, na
competitividade internacional e no desenvolvimento das exportações, foram a baixa
remuneração do trabalho, a reduzida qualificação da mão-de-obra e a flexibilidade
dos salários reais, o que, para todos os efeitos, quer também dizer reduzidos níveis de
educação da população.
Finalmente, os dois momentos em que, na história recente, foi maior o
investimento público na educação, coincidem, ou antes, sucedem a períodos em que
se tinha verificado um real crescimento da economia: finais da década de sessenta,
princípio da de setenta; e finais da década de oitenta, princípios da de noventa. Sem
este investimento público, o sistema educativo não teria capacidade de responder à
63
procura por parte das novas classes médias cujos rendimentos se tinham alargado
durante as fases de crescimento económico.
Saindo um pouco de Portugal e olhando para outras experiências, é possível
observar alguns países que fizeram um enorme esforço de educação e instrução das
suas populações, mas onde, por razões diversas, não se assistiu a um desenvolvimento
económico comparável. A maior parte dos países comunistas, com excepção de
algumas chamadas democracias populares da Europa central e oriental, são exemplo
do que pode ser a limitação da educação como factor de desenvolvimento. A Russia e
outras repúblicas asiáticas da União Soviética, assim como Cuba, realizaram um
enorme esforço de alfabetização, tanto da população jovem, como da população
adulta. A médio e longo prazo, não se pode dizer que tal esforço tenha sido seguido
de um desenvolvimento económico comparável.
Não esqueçamos, para terminar, que o desenvolvimento económico, ou o
crescimento, como se quiser, pode, em certas circunstâncias, significar a dispensa de
numerosos trabalhadores e técnicos qualificados.
Recordo a segunda verdade “indiscutível”: As autoridades devem ajustar o
crescimento da educação às necessidades da economia. Nomeadamente as
necessidades técnicas e profissionais. Não se deve educar ou formar profissionais
“para o desemprego”.
São estas expressões correntes, ouvidas no discurso político ou no chamado “senso
comum”. Estas expressões, que denotam alguma ansiedade, resultam de vários
fenómenos. Primeiro, o crescimento do desemprego jovem, designadamente com
alguma formação técnica. Segundo, o aumento do número de desempregados
licenciados e titulares de outros diplomas superiores. Terceiro, a explosão das
despesas públicas com a educação, que leva muitos responsáveis a reflectir sobre a
retorno e o eventual desperdício de tais despesas. Quarto, o desequilíbrio entre
sectores com falta de mão-de-obra qualificada e sectores com excesso de oferta.
Quinto, uma espécie de frustração: as expectativas eram as de que, com altos níveis
de educação e até com uma formação superior, seria muito mais fácil encontrar
emprego.
Contesto as verdades correntes acima expressas. Em primeiro lugar, não creio que
o sistema educativo se deva limitar a prever ou responder às necessidades da
economia. Não acredito que esta espécie de “darwinismo educativo” seja
aconselhável ou sequer possível. Todas as tentativas feitas para planificar a educação
segundo as necessidades futuras da economia não resultaram. A começar pelo facto
de não ser possível prever, a prazos razoáveis de dez a vinte anos, as reais
necessidades técnicas e profissionais da economia.
Em segundo lugar, a procura de educação ganhou autonomia própria. A
escolaridade obrigatória, que os Estados criaram por razões nacionais, políticas,
militares e económicas, transformou-se num direito social. O que começou por ser
uma obrigação, imposta pelo Estado aos pais, transformou-se num direito por todos
64
reivindicado. A educação, a formação e a cultura transformaram-se em direitos e as
expectativas sociais e culturais desenvolveram-se sem proporção com as capacidades
económicas. A educação em Portugal, a partir da década de setenta, desenvolveu-se
mais depressa do que a economia.
Podem eventualmente as políticas educativas limitar, até por escassez de recursos,
a oferta de educação e formação. Mas, nestes casos, pode a sociedade civil aumentar a
oferta. Como aconteceu em Portugal, nos últimos dez anos, com o ensino superior
privado: perante a insuficiência da oferta pública e a escassez de recursos públicos, a
oferta privada cresceu de modo muito acelerado (mais de 100.000 estudantes em dez
anos).
Finalmente, não creio que o “retorno” do investimento público feito na educação
seja mensurável pelo emprego criado e pela adequação da formação profissional à
economia produtiva. Os muito elevados investimentos públicos criaram essa ilusão: a
de que é necessário obter resultados directos. Até porque será essa a expectativa dos
contribuintes. Mas, na verdade, o investimento na educação tem sobretudo um retorno
social global. O nível cultural de uma população tem um valor em si, com
implicações sociais, políticas e ontológicas, não deve ou não pode ser submetido à
racionalidade económica estreita. Poderão as políticas educativas tentar ajustar
investimentos, canalizar alguns recursos, orientar certos desenvolvimentos e até
privilegiar certas áreas. Mas os resultados ficarão sempre aquém dos desejos de
planificação. O desenvolvimento da cultura, dos conhecimentos e da ciência cria, por
si próprio, dinâmica de crescimento, sem relação directa com as necessidades da
economia produtiva.
Os Estados poderão, em regime democrático, estabelecer “numerus clausus” em
todos ou vários sectores educativos, na esperança de que tal medida administrativa
possa orientar a formação profissional de acordo com previsões de desenvolvimento
económico. Mas, não só as previsões são absolutamente falíveis, como não me parece
fácil que a população aceite tais regras de acesso à formação profissional e superior.
Vários instrumentos de acção estão ao alcance das populações, seja o voto, seja a
criação de escolas alternativas. Na verdade, o “numerus clausus” acabou por
funcionar como uma medida de poupança pública, de reconhecimento das
insuficiências de acolhimento ou de promoção indirecta do ensino particular.
Um problema muito especial é o do emprego. Da relação entre emprego e
educação, ou entre emprego e qualificações ou formação profissional. É frequente
pensar-se que um grande esforço na educação e na formação aumentará as
possibilidades de criação de emprego. Existem, aliás, estudos, que tentam demonstrar
que um titular de diplomas superiores tem mais oportunidades de encontrar ou criar o
seu próprio emprego do que alguém com qualificações médias; e este último, mais
oportunidades do que alguém sem qualificações. É possível que, no plano individual,
em determinadas circunstâncias, tal seja verdade ou se possa verificar. Mas não há
65
evidência empírica de que tal seja verdade no plano global da sociedade e da
economia.
Uma observação sumária do desemprego em Portugal, ao longo dos últimos doze
anos, sugere conclusões interessantes. Nos momentos de mais forte recessão ou de
mais acentuada retoma económica, é nos níveis inferiores de formação técnica e
profissional que se detectam os mais fortes movimentos de ocupação e de
desocupação. Todavia, a tendência mais permanente, e independentemente das
oscilações económicas, é a de aumento das taxas de desemprego das pessoas com
formações médias, politécnicas e universitárias.
Não quero com isto dizer que não seja útil desenvolver a educação e a formação
profissional e superior. Longe de mim tal ideia. Quero apenas sublinhar que não
acredito que o esforço educativo seja suficiente para melhor assegurar ou garantir o
emprego ou o desenvolvimento económico.
Ainda penso que é melhor um licenciado em química no desemprego ou a fazer de
porteiro de hotel, do que um analfabeto em qualquer das duas situações. Mas penso-o
por razões sociais, culturais, humanas e políticas, não por razões exclusivamente
económicas.
Observações finais
Não pretendo, de modo algum, desprezar o desenvolvimento educativo, nem o
esforço de formação técnica e profissional. Apenas pretendo contrariar ilusões
correntes nas sociedades e na política actuais.
Se não considero, nem para tal existe evidência empírica, que o desenvolvimento
da educação conduza necessariamente ao desenvolvimento económico e à criação de
emprego, não concluo que a educação não mereça um forte investimento público e
privado, não deva ser objecto de uma forte prioridade por parte do Estado e das
políticas sociais. Mantenho tais pontos de vista, da necessidade de esforço e da
prioridade política, só que com qualificações. Primeiro: sem ilusões quanto aos seus
efeitos. Segundo: as minhas razões não são económicas, mas sim globais,
designadamente sociais e culturais. Terceiro: outros esforços são necessários e talvez
mais importantes para o desenvolvimento económico, a começar por factores
independentes das políticas, e a acabar nas regulações do mercado, nas condições de
investimento e nas políticas macroeconómicas.
Tal como não existe demonstração suficiente da capacidade da educação para
alterar aspectos essenciais da estrutura social, nomeadamente atenuar as
desigualdades, também não existe prova satisfatória do contributo positivo da
educação para o desenvolvimento económico e a criação de emprego.
Creio, todavia, que a ausência de educação e de formação técnica e profissional
pode constituir um obstáculo ao desenvolvimento económico. Se outras
circunstâncias são favoráveis ao crescimento, mas os níveis de formação se revelam
66
insuficientes, então sim, pode a educação desempenhar um papel decisivo. De
obstáculo, neste caso. Em certo sentido, a preocupação essencial, em termos
económicos e de emprego, das políticas educativas será mesmo essa: a de remover
eventuais obstáculos. O que não é a mesma coisa que desempenhar o papel de motor
ou factor essencial de desenvolvimento e de criação de emprego.
67
Educação e Formação
Profissional (II)
68
Intervenção de Sua Excelência o Secretário de Estado do Emprego e Formação*
Dr. Paulo Pedroso
O contexto em que me foi pedido que preparasse esta intervenção é o de um
trabalho preparatório dum Plano Nacional de Emprego que, como sabem, tem origem
no acordo resultante da Cimeira Extraordinária do Luxemburgo.
Este acordo, é uma demonstração clara, ao nível europeu, da disponibilidade para
repensar, quer ao nível comunitário, quer ao nível dos Estados-Membros, a relação
entre as políticas de educação, de formação profissional e de promoção do emprego.
A minha intervenção não se centrará naquilo que chamaria de pano de fundo desta
reflexão – já tivemos no primeiro painel diferentes contributos nesta óptica. Gostaria
antes, de acrescentar algumas contribuições a um nível mais próximo dos problemas
que se vão colocar em termos políticos.
Começaria por dizer que, quer ao nível comunitário, quer, e indissociavelmente, ao
nível nacional, existe uma vontade expressa de mudar o quadro em que se processa a
relação entre educação, formação e promoção do emprego. Esta vontade de mudança,
de que as directrizes para o emprego resultantes da Cimeira do Luxemburgo e os
consequentes Planos Nacionais para o Emprego são um primeiro exemplo, obriga-nos
a partir de algumas velhas constatações, bem como de algumas novas constatações
sobre as especificidades do caso português no que toca a esta relação.
A primeira velha constatação – que julgo ser conhecida de todos – é que temos um
nível de qualificação profissional muito baixo não só dos activos, como da população
em geral.
A segunda constatação, que penso que é estruturante desta reflexão, é que temos
uma procura da formação de carácter profissional em geral, seja no contexto do
sistema educativo, seja no contexto da formação profissional inicial, seja ainda no
contexto da vida activa, que é insuficiente face quer ao voluntarismo público, quer à
percepção que se tem do que seria desejável para a sociedade. Apesar de, ao longo
dos últimos anos, a União e o país terem convergido num esforço muito significativo
de expansão da oferta de formação de carácter profissional, designadamente através
da dotação de recursos financeiros bastante significativos, este nível é ainda,
claramente insuficiente.
Em terceiro lugar, outra velha constatação: temos em Portugal, embora hoje de
forma menos violenta do que há alguns anos, uma forte competição entre trabalho,
educação e formação. Uma competição em que o dinamismo do mercado de trabalho
é concorrencial no sentido perverso em relação à educação e à formação. Porventura,
ter-se-á desenvolvido em alguns segmentos da população, designadamente naqueles
em que a propensão a situações de trabalho infantil é maior, a noção de que o direito
*
Transcrição da comunicação oral.
69
social à educação e à formação não têm um carácter decisivo. Aliás, e sobretudo na
regulação de carreiras profissionais, existe mesmo a percepção relativamente
generalizada de que a formação corresponde, de algum modo, a um compasso de
espera, a uma boa alternativa ocupacional e não a um momento de valorização num
percurso profissional.
Mas se, de algum modo, os três níveis que referi remetem para velhas constatações
que têm sido determinantes para as respostas que temos presentes, seja no
desenvolvimento dos segmentos de carácter profissional no sistema educativo e no
ensino secundário, seja na formação vocacional contínua, seja, sobretudo, no esforço
público de investimento e formação, há, também, algumas novas constatações que
devem, igualmente, ser decisivas para o futuro quer do sistema de emprego português,
quer, de forma indissociável, para o sistema de formação e de educação.
A primeira das novas constatações que gostaria de referir é de que, hoje, quando
analisamos com a frieza dos números, os níveis de habilitação escolar da população
jovem portuguesa, estamos na média da União Europeia. Contudo, ao mesmo tempo,
temos a imagem de um país estruturalmente diferente em que uma franja, ainda muito
significativa, da população se encontra numa situação de grande desfavorecimento,
sendo que este dado corresponde a uma verdadeira fractura geracional, em termos de
habilitações. Temos no entanto, um sistema educativo que, do ponto de vista
quantitativo e considerando os indicadores em relação aos jovens, apresenta uma
situação completamente diferente, um quadro muito mais optimista.
Segunda nova constatação: temos uma tendência para absorver melhor os jovens
desempregados de baixas qualificações escolares do que aqueles que têm
qualificações intermédias e qualificações superiores. No entanto, é evidente que se
trata de uma tendência que não deve servir para ocultar que, ainda hoje, a incidência
do desemprego é mais alta nos grupos menos escolarizados. Aliás, quando se
analisam os dados mais recentes verifica-se que, no último ano, a estrutura de
qualificações dos empregados é mais desfavorável que a estrutura de qualificações
dos desempregados.
Este conjunto de constatações obriga-nos a pensar a relação entre política de
emprego, política de educação e política de formação em novos moldes. Obriga-nos a
encontrar respostas adequadas ao conjunto de velhas e novas constatações.
Em primeiro lugar, as questões que se prendem com o conteúdo e a qualidade da
educação. Sem querer desenvolver esta questão, gostaria apenas de dizer que se do
ponto de vista quantitativo já atingimos, os padrões de convergência com a União
Europeia, penso contudo, que ainda se coloca o problema da qualidade do ensino
básico e devemos continuar a discutir o tipo de ensino secundário e superior que se
considera desejável para o país.
Em segundo lugar, ao nível da formação profissional, e colocando de lado a
discussão inacabada sobre a relação entre a formação profissional e a profissão, entre
a formação profissional e o emprego, a formação profissional e a empregabilidade,
70
parece claro que há, em Portugal, do ponto de vista da procura social da formação um
domínio em que temos ainda muito caminho a percorrer: o da valorização das
componentes profissionalizantes. Isto é verdade quer ao nível da formação
profissional, inserida no sistema de emprego, quer ao nível do ensino secundário, quer
ao nível do ensino superior, designadamente nas áreas tecnológicas. Este dado, antes
do mais, implica um esforço de toda a sociedade, porque a desvalorização das vias
profissionalizantes não é independente da imagem das profissões que, por seu turno,
não é independente do conteúdo dos postos de trabalho e da organização das relações
industriais. Trata-se de um desafio cuja resposta assenta não apenas no
desenvolvimento do marketing da oferta mas, também, e de forma decisiva na
valorização da imagem de certas profissões.
Sabemos hoje, que a valorização da imagem das profissões não se encontra
directamente ligada à escala de remunerações. Na verdade, existem profissões que
embora sejam caracterizadas por níveis remuneratórios comparativamente elevados,
são do ponto de vista simbólico e social fortemente desvalorizadas. Por exemplo, e
recorrendo às estatísticas do desemprego juvenil, é possível ver que há uma forte
procura de empregos administrativos que, muitas das vezes, correspondem a ofertas
que são pouco qualificadas em termos de conteúdo do trabalho e, simultaneamente,
pouco remuneradas.
No domínio da valorização de certas profissões há uma dimensão que tem de ser
assumida pela política pública: o reforço dos mecanismos de transição entre a
educação e formação e o trabalho. Reforço este que implica que se promovam, ao
nível dos currículos de formação, formas de contacto com o mundo do trabalho,
nomeadamente, o desenvolvimento de formação em alternância e de estágios
profissionais. Reforço este que será, do ponto de vista da formação inicial e do
contacto dos jovens com experiências de trabalho, um dos grandes desafios dos
próximos tempos. Assim, à medida que os nossos níveis de formação forem
progredindo e consoante a ligação entre os jovens e as oportunidades for
desenvolvida, nomeadamente através do que chamaria de socialização antecipatória,
ocorrerá uma reconstrução das aspirações, de modo a que estas sejam,
progressivamente, mais adaptadas ao mercado de trabalho.
Um outro nível de desafios que Portugal enfrenta resulta da fractura geracional que
caracteriza a sociedade portuguesa em termos de qualificações: de um lado, os jovens
com um nível de qualificações semelhante ao dos nossos parceiros europeus, do
outro, uma população ainda em idade activa mas com um baixo nível de
qualificações. Considero que a principal resposta a este desafio é o desenvolvimento
da educação ao longo da vida e da formação permanente.
Temos que estar conscientes que este desafio enfrenta diversos obstáculos, sendo
que o obstáculo financeiro não é decisivo. Aliás, aquando da análise dos resultados do
primeiro QCA, verificou-se que havia um conjunto de recursos financeiros alocados à
formação contínua e, em particular, à formação contínua dos trabalhadores pouco
71
qualificados, que foram na prática de gestão transferidos destes para os trabalhadores
mais qualificados e dos activos em geral para os jovens. Este dado revela
precisamente que, em Portugal, o principal obstáculo ao desenvolvimento da
formação contínua não é financeiro, mas sim, resultante da dinâmica intrínseca ao
mercado de formação.
É certo que têm sido feitos vários esforços no sentido de resolver este problema.
Estamos actualmente a estudar, e na sequência de compromissos já assumidos,
legislação sobre a rotação, ou seja, sobre a possibilidade de criar condições que
favoreçam nas empresas a dispensa de trabalho por parte dos trabalhadores activos
com recrutamento de desempregados, enquanto estes trabalhadores activos estão em
formação. Por outro lado, há que registar a evolução, ainda que tímida, no âmbito da
contratação colectiva, de forma a valorizar a formação profissional contínua nas
carreiras profissionais. Contudo, e a este nível, enfrentamos um outro dado: a
formação contínua não se desenvolverá de uma forma consequente se os próprios
actores não lhe reconhecerem validade e se não participarem, activamente, na criação
de condições para que ela possa ser valorizada. É uma matéria em que tem que haver
voluntarismo político. Da parte do Governo, neste momento, esse voluntarismo existe
mas, tem que ser potencializado pela disponibilidade para um diálogo social que
valorize a formação contínua. Trata-se na verdade, de extrair as consequências
práticas dos discursos que todos nós, empresários, sindicalistas, políticos, vimos
fazendo no que toca à fragilidade estrutural do emprego em Portugal, motivada pelos
baixos níveis de qualificação profissional e escolar da população.
Quando somos unânimes em defender que tem de haver um investimento e uma
preocupação prioritária quer com a educação, quer com a formação profissional,
temos, consequentemente, de ter a percepção de que devemos todos, na medida das
nossas responsabilidades, contribuir para a organização das condições de frequência
dessa formação e para a sua valorização.
Do lado do Ministério do Trabalho e da Solidariedade, este compromisso implica
por um lado, que continuemos a desenvolver uma profunda reflexão em torno dos
motivos de insucesso das políticas do passado, por outro, que iniciemos, desde já,
uma intervenção prioritária na formação contínua, junto dos desempregados.
Intervenção que contudo, não deve resultar do facto de se tratarem de desempregados
e por isso estarem disponíveis para serem ocupados mas, sim, porque a leitura que
fazemos sobre os factores de vulnerabilidade ao desemprego leva-nos a procurar as
metodologias que melhor permitam fazer com que estes trabalhadores regressem ao
mundo do trabalho, e sobretudo, regressem a empregos mais sustentáveis
estruturalmente.
A percepção que todos temos é que a relação desemprego/exclusão, de que se fala
em todo o contexto europeu, tem entre nós uma série de especificidades. Em primeiro
lugar, temos um peso muito significativo do desemprego de longa duração e do
desemprego de muito longa duração no total do desemprego, sendo que este ocorre
72
num contexto em que, muitas das vezes, existem poucos mecanismos compensatórios
de protecção social. Em segundo lugar, uma boa parte destes desempregados tem um
nível de habilitações escolares muito baixo, pelo que representam um problema muito
sério, na medida em que o seu regresso ao contacto com o mundo do trabalho é
particularmente complexo.
Estes dados implicam, necessariamente, que o serviço público de emprego
desenvolva um esforço no sentido de apresentar respostas consentâneas com as
necessidades. Implicam, designadamente que os serviços públicos potencializem a sua
capacidade para conceberem percursos de inserção social em que a formação não é
apenas a estrita reciclagem profissional é também, uma formação necessariamente
mais ampla e que, sem prejuízo de conceder aos indivíduos o tipo de qualificações
mais adaptado ao mercado de trabalho actual, vise o exercício dos direitos de
cidadania.
Foi a partir deste diagnóstico que, na preparação do PNE e em conformidade com
os quatro pilares e as dezanove directrizes acordadas na Cimeira do Luxemburgo, o
Governo português definiu um conjunto de metas relativas à transição profissional
dos jovens, à intensificação da formação de desempregados e à prevenção da exclusão
social e à formação de activos em contexto de trabalho. Trata-se de um esforço
colectivo que é a tradução prática e a consequência lógica do nosso discurso de
diagnóstico sobre a empregabilidade e sobre os problemas de qualificação dos activos
que se encontram no mercado de trabalho.
É neste sentido que propomos como metas para os próximos 5 anos o crescimento
em 10% anual da formação profissional inicial de jovens, no conjunto das
modalidades, designadamente, a formação em alternância. Por outro lado, assumimos
o compromisso de, no âmbito das políticas de transição para a vida activa, intensificar
significativamente o número de estágios profissionais para jovens, passando de 8 mil
para 13 mil por ano. Em termos de formação para desempregados aumentaremos
entre 20 a 25% ano a oferta de formação efectivamente desenvolvida. Finalmente, e
de forma a recuperarmos o tempo perdido em matéria de qualificação dos activos,
assumimos que daqui a cinco anos, no fim do prazo de vigência deste PNE, teremos o
dobro da média comunitária em termos do número de activos em formação.
Contudo, julgo que o cumprimento destas metas não é exclusivamente dependente
do voluntarismo público, nem dos recursos financeiros disponíveis. Por isso, gostaria
de terminar a minha intervenção com um desafio: é necessário que o trabalho que nos
propomos realizar assente numa dinâmica de parceria entre o Governo e os parceiros
sociais e, em particular, é necessário que todos facilitem o acesso real à formação
contínua por parte dos trabalhadores com menos habilitações escolares e qualificações
profissionais. Será esta a resposta mais consequente ao desafio que a realidade
portuguesa nos deixa em termos de emprego, de educação e de formação.
73
AS TRANSIÇÕES ENTRE O SISTEMA DE EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO E A
INTEGRAÇÃO SOCIOPROFISSIONAL
Dr. Joaquim Azevedo*
1 - Introdução
Começo por propor uma alteração ao tema que o Senhor Presidente do CES me
convidou a tratar, convite que muito agradeço. Não se trata de uma questão de
palavras, mas de conteúdos. Na realidade, não existe “transição entre escola e vida
activa”. Existem transições entre as várias saídas de um complexo sistema de ensino e
de formação inicial e a integração socioprofissional, também ela uma larga árvore de
muitos ramos, onde as desigualdades sociais estão bem evidentes.
Nos breves minutos que me concederam pouco mais poderei fazer do que colocar o
problema de outra maneira. O que, a meu ver, já é suficientemente importante para o
debate, mas pode defraudar quem porventura esperasse de mim uma exposição
centrada em soluções. Como costumo referir, falamos demasiado das soluções e por
vezes não nos damos conta de que os problemas de que tínhamos partido já não são os
mesmos e que, por vezes até já nem existem. Assim sucede com a problemática das
transições. Várias e profundas mutações alteraram a circunstância de que se partiu, o
que requer uma análise histórica e culturalmente situada.
Não deixarei de enunciar, mas apenas enunciar, algumas medidas de política que
me parecem prioritárias face ao novo quadro que vou descrever e analisar muito
brevemente.
Vejamos por partes.
2. Vários modos e níveis de saída
Falar de transições é desde logo falar de saídas do sistema de ensino e de formação
profissional inicial. Elas verificam-se a vários níveis e apresentam-se de modos
substancialmente diferentes (Gráfico 1).
Quanto aos modos, eles dividem-se entre qualificados e desqualificados e
subdividem-se em escolar e profissionalmente qualificados. Esta divisão tem como
grande vantagem separar de imediato dois grandes universos problemáticos de saídas
do sistema de ensino e de formação inicial: os que jogam a sua inserção
socioprofissional detentores de uma qualificação e os que a enfrentam
desqualificadamente. Por outro lado, entre os portadores de uma qualificação impõese também a distinção entre os que possuem uma qualificação escolar, uma
*
Director do Instituto Empresarial Portuense (Associação Industrial Portuense).
74
qualificação profissional e uma qualificação escolar e profissional. Entre os
desqualificados importa também distinguir entre quem o faz desqualificadamente em
termos escolares, profissionais e escolares e profissionais. Além disso, há ainda
múltiplos níveis de saída, com diferentes graus de ensino, completos e incompletos
(assinalam-se dez).
Ou seja: a primeira parte da problemática das transições, as saídas do sistema de
ensino e da formação profissional inicial, é bastante complexa. Compreende uma
realidade multifacetada que não permite leituras reducionistas, sob pena de se
construir uma retórica sobre algo que efectivamente não existe.
MO DOS
NÍVEIS
Desqualificado
Qualificado
Escolar
Profissional
X
X
1. Saídas antes do 9º ano ou sem diploma da
escolaridade obrigatória
2. Saída com Curso de Aprendizagem ou
Profissional (nível II).
Escolar
Profissional
X
X
3. Saídas com 9º ano/ ou ensino secundário incompleto.
X
X
4. Saída com 12º ano completo
X
X
4A - Curso Geral
4B - Curso Tecnológico
4C - Curso E. Profissional
4D - Curso de Aprendizagem
5. Saída com ensino superior incompleto/sem diploma
X
X
X
X
X
X
X
6. Saída com ensino superior/curso completo
6A - Bacharelato
6B - Licenciatura
Entre esta realidade multifacetada afloram alguns problemas nucleares que não
cabem na mera descrição dos vários modos e níveis de saída mas que, no entanto, são
imprescindíveis para a sua compreensão. Sublinho, por ora, dois.
O primeiro refere-se à “moratória educacional”1 ou seja, ao facto de se adiar a
entrada no mercado de emprego através da ampliação e diversificação das
modalidades de ensino e de formação e do prolongamento da permanência no sistema
de ensino e de formação (Gráfico 2). Enquanto que, nos anos 70, a passagem da
escola ao trabalho, à família e a outras instituições sociais e a um quadro de
autonomia, se processava para a maioria dos adolescentes aos 11 anos, nos anos 90
essa passagem ocorre, também para a maioria, aos 15 e 16 anos. Este movimento
1
Lynne Chisholm - Youth transitions in the european union. In Bash, Leslie e Green, Andy - Youth,
education and work. London: Kogan Page, 1995.
75
compreende uma das mais vastas e profundas mutações sociais e culturais ocorridas
nos últimos trinta anos no nosso país, que aqui apenas podemos registar.
É evidente que este prolongamento da formação de base e de permanência no
sistema de ensino e de formação de um número cada vez maior de portugueses,
representa um inestimável bem cultural geral, que há-de inclusivamente ter
repercussões positivas no desenvolvimento social do país e, necessariamente, também
nas pequenas e médias empresas.
Considero, entretanto, que é necessário perceber melhor e muito mais seriamente o
que é que se está a adiar ao adiar-se o acesso ao trabalho, a uma maior autonomia e à
assunção mais precoce de certas responsabilidades pessoais e sociais, passando de
uma socialização centrada na família e no trabalho para uma socialização centrada na
educação e na formação, nos meios de comunicação social e no consumo.
Idade
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
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22
12
13
14
15
16
17
Ano de escolaridade
1
2
3
EDUCAÇÃO
4
5
6
7
8
9
10
11
FAMÍLIA - TRABALHO
Formação
Ensino
Actividades
EDUCAÇÃO
"FAMÍLIA" - TRABALHO
Ao prolongar-se o período de ensino e de formação, prolonga-se o afastamento
entre educação e trabalho e recentra-se a socialização em torno de novos
comportamentos, valores e aspirações, num período em que entre os adolescentes
cresce a ideia de que estudar cada vez mais serve para pouco mas que é isso mesmo
que é preciso fazer. Se a permanência no sistema de ensino e de formação constitui
uma escolha pessoal ou familiar, também representa uma obrigação ou uma via única
socialmente imposta.
Não creio que se possa remeter a análise da problemática que aqui levanto para
uma justificação do tipo “a sociedade do futuro é a sociedade do lazer e do saber e
não a do trabalho, para quê então preparar para o trabalho e pelo trabalho?”
76
O segundo e grave problema refere-se à desqualificação à saída do sistema de
ensino e de formação. Embora ninguém se entenda sobre a real dimensão deste
fenómeno2 ele apresenta uma enorme gravidade social. Como vimos, impõe-se que
sejamos claros e explicitemos de que estamos a falar. Se englobarmos todo o tipo de
desqualificados, incluindo os que deixam o sistema de ensino e de formação
profissional inicial sem os dois tipos de qualificação – escolar e profissional,
referimo-nos a muitos milhares de adolescentes que, desse modo, anualmente,
empreendem a sua integração social (30% dos portugueses?).
Ora, como entre os processos de escolarização e os processos de integração há um
continuum e não o início de algo inteiramente novo, é previsível que a marca de
desqualificação escolar e profissional com que se sai, rapidamente se transforme num
estigma de desqualificação social com que se entra. Ou seja, estes muitos milhares de
adolescentes vão fazer parte de um grupo socioprofissional de indiferenciados, com
empregos muito precários, com baixos salários, com dificuldades várias de integração
sociocultural – comunicação, expressão, percepção, ... – real e potencialmente
excluídos do acesso a inúmeros benefícios sociais e, no fim de contas, a uma vida
digna.
São os novos pobres que um sistema escolar e de formação cada vez mais rico, está
a ajudar a reproduzir, já dentro do Séc. XXI. Como costumo dizer, deste cais não
partiremos para as novas aventuras que se abrem ao mundo, ao reproduzirmos cada
ano que passa, o atraso, a sociedade dual, as sementes da violência social. Não era
com este cenário que tínhamos sonhado, desde o após-Guerra e, mais recentemente,
desde a Nova República implantada em 1974.
Eu disse que o sistema de ensino e de formação está a ajudar a reproduzir os
novos pobres e as minhas cautelas prendem-se com a necessidade de vermos mais
amplamente e em continuum este problema. Na verdade, há segmentos do mercado
de trabalho profundamente co-responsáveis por esta reprodução, seus autênticos
patrocinadores. É o que veremos melhor de seguida, nas breves considerações acerca
dos processos de integração socioprofissional.
2
Isto deve-se sobretudo à falta de lucidez e de empenhamento na definição e na medida do problema,
eventualmente por receio de exposição de uma chaga social que assim continuará, por falta de
informação credível, mais ou menos adormecida. É um caso típico de opção política pela não-decisão
(Benadusi, 1989).
77
3. Múltiplos percursos de integração
Falar de transições, por outro lado, é falar dos processos de integração
socioprofissional, vasto terreno onde afloram variadíssimos percursos de inserção.
A relação que estabelecemos tão frequentemente entre “escola – vida activa”
torna-nos prisioneiros de uma ideia nefasta, a saber, a de que a integração
socioprofissional é uma questão de diploma escolar. É certo que o diploma constitui
um valioso instrumento de acesso ao emprego e é também certo que as mais altas
credenciais facultam o acesso aos melhores empregos, mais bem remunerados, mais
estáveis e mais qualificados. Mas no processo de integração socioprofissional
intervêm outras variáveis muito importantes, nomeadamente no que se refere ao
acesso ao emprego.
Entre elas podemos referir rapidamente: o ambiente cultural familiar, o tipo de
relações, conhecimentos e influências locais em que o adolescente se situa
familiarmente, o nível socioeconómico do agregado familiar, o funcionamento do
mercado local e regional de emprego, o acesso ao aconselhamento e à orientação
profissional, o tipo de escolarização e de percurso escolar previamente realizado, o
tipo de dinâmicas de desenvolvimento social local predominantes.
Os processos de integração socioprofissional são, assim, função de uma série de
factores que se interpenetram e que fomentam quadros sociais de desvalorização ou
de valorização pessoal. Seria, por isto, interessante que a análise das “transições” não
isolasse um ou outro factor, mas complexificasse a análise. Antes de mais, porque os
problemas são complexos e a isso recomendam. Depois, porque, assim, se poderiam
evitar soluções profundamente ingénuas e extremamente frustrantes como aquelas que
partem continuamente do terreno escolar e nele se enredam, como se a educação
escolar sozinha fosse capaz de “branquear” uma realidade carregada de contradições,
de tensões e até de graves problemas sociais.
Para estimular a reflexão deste segundo elemento da equação de que partimos,
destaco também dois pontos.
O primeiro refere-se à segmentação do mercado de trabalho. Todos o sabemos.
Existe um sector empresarial moderno, conhecimento-intensivo, onde há mais
participação e mais autonomia no exercício profissional, pós-fordista, pautado pela
flexibilidade e pela qualidade. São os mercados de trabalho primários, aqueles em que
laboram o que R. Reich3 chama os “analistas-simbólicos”.
A retórica técnico-económica acerca deste segmento tende a preencher a totalidade
do discurso político4. Quando se enunciam as “novas políticas” de ensino e de
formação é este o discurso (não-político) que se reproduz.
3
Robert Reich - o Trabalho das nações. Lisboa: Quetzal, 1993.
Neste colóquio houve, inclusivamente, um representante de um parceiro social que anunciou como
pressuposto da sua análise o já adquirido “abandono do taylorismo”.
4
78
Todos o sabemos. Estes sectores e empresas mais dinâmicos e competitivos
constituem apenas uma parte da realidade. Eles próprios alimentam uma outra e essa,
na qual vivo, é a de muitas dezenas de milhar de empresas (e a quase da maioria das
empresas de alguns sectores de actividade) que ainda se mantêm ancoradas no modelo
de baixas qualificações – baixos salários – empregos precários – baixa inovação.
Este segmento do mercado de trabalho, que convive com áreas geográficas onde
habitam populações com baixos níveis socioeconómicos, é profundamente coresponsável pelo abandono escolar precoce, pelas saídas desqualificadas do sistema
de ensino e de formação. São ambientes sociais e não ambientes escolares que é
preciso pensar e que, se assim o quisermos, é preciso alterar. Passar das políticas
“reactivas” (p. ex. agir isoladamente sobre o sistema escolar) às políticas integradas e
activas, é também dar prioridade à recomposição destes ambientes sociais, intervindo
de modo participado e local (isto é desenvolvimento social).
O segundo ponto relaciona-se com a situação geral do mercado de emprego e com
o modo como aí se desenham as trajectórias profissionais dos indivíduos. O
desemprego juvenil, a precariedade dos vínculos laborais que se estabelecem nas
variadíssimas actividades e nos reduzidos empregos, a incerteza que marca as
trajectórias profissionais, que tenho vindo a comparar a imprevisíveis voos de
borboleta5 a fragmentação a que se conduzem as pessoas e as qualificações, agora
remetidas para o terreno das “competências pessoais”, a enorme incerteza sobre a
evolução dos mercados de trabalho locais na nova era da globalização económica,
configuram um quadro social novo, profundamente órfão de um futuro que já não será
o que era para ser.
Ainda lidamos muito mal – pedagogos, orientadores profissionais, empresários,
políticos e políticas – com o facto de já não haver trajectórias profissionais estáveis e
previsíveis. Um dos reflexos incide exactamente sobre as políticas de integração
socioprofissional; os seus mecanismos e dispositivos são mais típicos do mundo que
era para ser e que nos marcou até à geração que cresceu nos anos 60 e 70, do que a
realidade que hoje temos e da que se abre diante dos nossos olhos.
Deveria ser dada especial atenção aos novos modos de funcionamento do mercado
do primeiro emprego. Aí imperam as actividades e não os empregos; predomina um
tempo de instabilidade, ziguezagueante, um tempo de desorientação e de inquietação
e de forte competição.
Nem mesmo para os diplomados pelo ensino superior a integração social se
processa de modo previsível e relativamente articulado. Aliás o elevado número de
jovens à procura do primeiro emprego e desempregados, habilitados com um diploma
de um curso superior, já é, entre nós, motivo de escândalo para muitos. Custa a
compreender e a aceitar como é que coexistem tantas necessidades de pessoas muito
qualificadas e tantos diplomados deste nível desempregados. Ou então, na verdade,
5
cfr. Joaquim Azevedo, Jovens, (des)empregos e voos de borboleta, Jornal “Público”, 06.01.97 e
Joaquim Azevedo, Metáforas para a (des)orientação profissional, Coimbra: 1997 (policopiado).
79
talvez não seja assim tão difícil compreender e aceitar: afinal, nem o mercado de
trabalho, na maioria das empresas que o compõem, espera recrutar este nível de
diplomados, nem o mercado de emprego está em expansão, apto a absorver, em
empregos e em carreiras predeterminadas, estes novos diplomados.
Este dado da realidade portuguesa mostra bem o enorme desajustamento que existe
entre os sistemas de ensino e de formação e o mercado de trabalho e de emprego,
desajustamento este que faz apelo para a necessidade de equacionarmos a relação
entre estes subsistemas sociais num quadro mais vasto e mais complexo, de interacção
social. É que não basta dar resposta no campo educativo a uma procura social
crescente, sem equacionar os problemas sociais, mormente de emprego, que advirão.
É que não basta qualificar mais as pessoas para que haja aumento linear do ritmo de
admissões de pessoas mais qualificadas nas empresas que compõem o nosso tecido
empresarial.
É que o desenvolvimento social de um país não se opera por “magia” escolar, as
qualificações não criam empregos e os empregos disponíveis as mais das vezes estão
a desqualificar qualificações e a defraudar expectativas sociais longa e profundamente
amadurecidas.
4. Para pensar politicamente as transições
Aqui chegados, um tanto apressadamente, e diante de um problema tão multipolar,
cuja complexidade aqui apenas quisemos desvendar, temos a obrigação de “fechar” a
problemática em torno de algumas perspectivas de actuação política. Alinho sete.
Faço-o com a convicção de que temos de re-politizar o discurso e a acção política,
tão subordinada anda esta às finanças e à economia, chame-se euro ou outra coisa
qualquer o novo “grande desígnio nacional”.
1. É preciso pensarmos o que e para que é que estamos a educar nas novas
gerações ao prolongarmos o período de afastamento destas da realidade
social do mundo do trabalho e do emprego, sendo certo que, embora mais
tarde, aí acabarão por chegar. A formação básica, agora prolongada, está
demasiado afastada do meio envolvente, regra geral. A educação para o
trabalho no ensino básico continua a ser um problema por resolver, que se
procura escamotear.
A educação tecnológica, as experiências de contacto com o mundo do
trabalho e a formação experimental e laboratorial deveriam ganhar novo
alento na educação básica, contando com o apoio dos Ministérios da
Educação, do Emprego e de Ciência e Tecnologia e de empresas
patrocinadoras, escola a escola.
2. O enorme caudal de desqualificados que é constantemente drenado do
sistema educativo para a sociedade, apesar de sucessivas tentativas
governamentais e locais, continua a constituir uma ferida aberta no nosso
80
tecido social. Não fomos ainda capazes de erguer uma educação
suficientemente respeitadora das diferenças nem um sistema articulado de
educação de segunda oportunidade, prisioneiros que estamos das nossas
ideologias igualitaristas. Com medo de transformar a segunda oportunidade
na oportunidade de segunda deixamos, hipócrita mas bem-pensantemente,
que a ferida continue aberta e quase nada fazemos. Temos medo dos
compromissos, duvidamos de nós mesmos para controlarmos a deriva das
nossas próprias acções.
O ensino recorrente/o ensino pós-laboral também poderão exercer aqui uma
função social muito relevante, agora que o Governo promete encarar esta
área com a necessária determinação política6. Este é um imperativo ético e
uma necessidade nacional, em que todos são chamados a cooperar, desde a
concepção à execução e à avaliação das políticas. Mas será de se constituir
como um desígnio do Ministério da Educação ou dos departamentos do
Estado. Se se persistir neste erro, creio que será mais uma vez um
empreendimento falhado. Precisamos de um novo compromisso social,
cansados que estamos dos voláteis compromissos governamentais e até
estatais.
3. A qualificação e o apoio à inserção socioprofissional dos jovens e dos
adultos é um problema que requer reflexão global e acção local. É
fundamental garantir a territorialização das intervenções baseando-as nos
actores sociais locais, nas suas parcerias e na integração interdepartamental
da intervenção da administração pública.
Se foi possível articular departamentos para constituir “centros de
formalidades” para apoiar a criação de empresas, será impossível ou assim
tão difícil de perceber que a qualificação de pessoas nos seus territórios, este
sim um grande desígnio nacional, requer respostas integradas, locais,
participadas, respostas essas viáveis, algumas delas já em curso, com bons
resultados, mas sem força política e sem efectivos poderes de acção (ainda
que delegados)?
A qualificação das pessoas joga-se sobretudo na qualificação dos espaços –
das empresas, dos serviços públicos, do atendimento, onde quer que ocorra,
de prestação de serviços, das crianças e dos idosos, das ruas, dos jardins, das
escolas, da natureza, da paisagem, dos centros de formação, ... e estes tipos
de qualificação assentam na mobilização social local, numa nova geração de
instituições de suporte ao desenvolvimento social.
4. As escolas do ensino básico e secundário, as escolas profissionais e os
centros de formação profissional são chamados a desenvolver uma cultura do
6
Haverá cerca de 300.000 portugueses entre os 15 e os 24 anos e cerca de 500.000 entre os 25 e os 39
anos que não possuem escolaridade básica obrigatória correspondente ao seu grupo etário.
81
empreendimento e da iniciativa, mais do que a cultura da passividade e da
repetição. Esta deveria ser outra das preocupações centrais do sistema de
ensino e da formação profissional inicial. Não se trata de qualificar activos
para uma profissão, mas cidadãos activos, aptos a exercer uma
multiplicidade de papéis sociais, entre eles o de trabalhador, autênticos
criadores.
Este objectivo carece ainda da sua transformação em conteúdos, métodos,
acções-modelo, instrumentos de acção pedagógica.
5. As escolas do ensino básico e secundário, as escolas profissionais e os
centros de formação profissional inicial deveriam evoluir de entidades cuja
missão está centrada na formação e certificação, para organizações sociais
também ocupadas no apoio aos processos de integração socioprofissional dos
adolescentes e dos jovens, entidades especializadas em orientar escolhas,
apoiar necessidades de reconversão profissional, por vezes imediatas à saída
do ensino e de formação inicial, conscientes de que deste modo se avaliariam
mais a si mesmas do que em qualquer outro processo de avaliação.
Entre as novas funções sociais da poderosa rede de organizações de ensino e
de formação, salienta-se a orientação escolar e profissional e o
aconselhamento especializado nas fases instáveis de integração
socioprofissional.
6. Finalmente, é imprescindível que os poderes públicos e os principais
parceiros sociais dignifiquem os percursos técnicos e profissionais dos
jovens. Persiste uma barreira ideológica e uma prisão ao passado que têm
fomentado hesitações e até desistências por parte de muitos portugueses que
acreditaram que tinha chegado a hora de dotar o país de um renovado caudal
de jovens profissionalmente qualificados, criativos e empreendedores. A este
nível é fundamental estabelecer-se um compromisso social concreto, manter
os governos ancorados nas suas linhas essenciais e colocar a monitorização e
a avaliação nas mãos de agências independentes.
82
A POLÍTICA DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL
Professora Margarida Chagas Lopes*
0. Sendo o contexto o de preparação da elaboração do Plano Nacional de Emprego,
considera-se útil – e assim nos é solicitado – que esta reflexão sobre a política de
formação profissional tenha um carácter tanto quanto possível pragmático. É isso que
tentaremos ao alinhar as propostas que seguem.
1. O diagnóstico das necessidades de formação profissional parece dever
constituir o ponto de partida. Deverá envolver os vários agentes económicos, os
parceiros sociais e o sistema estatístico nacional e intervir em múltiplos planos:
–
–
–
–
o dos jovens em fase de inserção;
o dos adultos desempregados ou em reconversão;
o das empresas com necessidades de programas de formação;
o dos sindicatos, dinamizadores, certificadores parte na formação.
Tem-se por certo que a realização de inquéritos longitudinais de carácter
sistemático e lançamento periódico, através v.g. dos Centros de Emprego, poderá ser
de grande utilidade, a vários níveis:
–
–
–
determinar, junto dos jovens, mas também dos adultos empregados e
desempregados, os factores sucessivos de bloqueio da empregabilidade ou
de lançamento no desemprego, ao longo das suas histórias profissionais;
fazer, junto das empresas, a auditoria das principais razões de insucesso
dos programas de formação profissional, por profissões e perfis de
actividade;
detectar, junto dos sindicatos, as condições de promoção e dinamização
das acções de formação e, especialmente, as possibilidades de
consagração dos resultados das mesmas nos IRCT's, por áreas
profissionais e grupos de trabalhadores, o que funcionará como uma das
vertentes da validação social da formação profissional.
É indispensável que o diagnóstico se articule com a avaliação dos programas e
acções de formação profissional entretanto realizados, fornecendo estes em
permanência a alimentação parcial de que o inventário se constituirá. E que tenha
também expressão ao nível dos mercados locais de trabalho, através nomeadamente
das redes regionais de emprego.
Daqui resultarão, assim, matrizes de escassez de qualificações/necessidades de
formação, por grupos de trabalhadores, tipos de empresas, áreas funcionais, mercados
locais de trabalho, agentes institucionais, eventualmente. As quais deverão ser
*
Instituto Superior de Economia e Gestão - ISEG.
83
confrontadas com os grandes objectivos de política macroeconómica e de
desenvolvimento local.
2. A prática de desenvolvimento de estratégias empresariais de formação
profissional deverá ser a todos os títulos promovida e incentivada. Como ponto de
partida, disporão as empresas do diagnóstico já referido e no qual se revejam; na
ausência deste, não se abalançarão facilmente a uma qualquer política de
desenvolvimento dos recursos humanos, dada a incerteza que se lhe associa.
Os incentivos, fiscais ou outros, dos quais esperam as “Directrizes para o
Emprego” venha a resultar um estímulo à modernização organizacional e à
adaptabilidade das empresas, são também particularmente pertinentes como
facilitadores das políticas de formação; e da mesma forma o são as bolsas de
formação, a que as empresas se deveriam poder candidatar em condições de utilidade
social devidamente comprovada pelos parceiros sociais e pelos diferentes agentes
económicos interessados.
E isto porque em situações como a do nosso País, de relativa inércia das estruturas
produtivas, a redução do tempo de trabalho deve ser particularmente bem enquadrada
com políticas de formação visando o aumento efectivo da produtividade: se aquela
redução se fizer sem compensação salarial, corre-se o risco de deprimir criticamente a
procura global e, com ela, o mercado interno; não havendo, paralelamente,
reorganização do trabalho, a diminuição dos horários com procura estável conduzirá
quase inevitavelmente a uma intensificação dos ritmos de laboração, sem que ocorram
necessariamente ganhos de produtividade.
É preciso, portanto, que as directrizes de modernização e adaptabilidade
consagrem a endogeneização do desenvolvimento dos recursos humanos ao serviço,
sem o que a melhoria da produtividade e competitividade globais não estarão
adquiridas.
Uma boa forma de endogeneizar as políticas e programas de formação profissional
de molde a que de acções estratégicas se possa falar é via sistema de incentivos, que
reconheçam directamente os resultados efectivos que daqueles programas
sucessivamente vão resultando. O que pode revestir a forma de promoções, melhorias
salariais ou ainda a associação a soluções inovadoras como os planos de poupança das
empresas. Estes últimos, muito aplicados em grandes empresas francesas, como o
grupo Lafarge, associam os colaboradores a estratégias de aforro – v.g., compra de
acções da empresa – com taxas preferenciais e encargos de reembolso acrescidos, no
caso de despedimentos prévios à data de vencimento (Galtier,B., 1996).
No actual contexto, em que a globalização desafia permanentemente à
diversificação das actividades e da prestação de serviços, considera-se cada vez mais
sensato que o plano de formação da empresa não assente em conhecimentos
demasiado específicos, porque rapidamente ultrapassáveis e mais difíceis de
actualizar (F. Stankiewicz, 1995), mas antes em módulos de conhecimentos
facilmente transversalizáveis e, naturalmente, estruturáveis segundo os níveis de
84
qualificação. Pressupõe-se, assim, que a formação para a flexibilidade funcional e a
mudança organizacional, apoiada em qualificações flexíveis e suficientemente
adaptáveis, garantirá simultaneamente:
–
para a empresa, aumento de competências em qualidade, minimizando os
custos de ajustamento inevitáveis;
–
para o trabalhador, aumento da estabilidade do emprego em curso.
3. Como nas “Directrizes para o Emprego” se refere, haverá todo o interesse em
deslocar o eixo de importância relativa para as medidas activas e, de entre elas, para a
prevenção do desemprego.
Ora a formação profissional deve ser vista também como uma das componentes
mais importantes da prevenção: quando em presença de populações trabalhadoras
potencialmente excedentárias, os programas de formação deverão intervir, no próprio
local de trabalho, promovendo a reconversão de competências com vista às situações
alternativas de escassez que o diagnóstico tiver previamente detectado. Tal é a prática
do sistema dinamarquês, nomeadamente nos sectores e empresas em vias de
reconversão.
Também a promoção sistematizada de formações ditas de “banda larga”, para
jovens à procura de emprego, empregados e desempregados, em geral, constituirá um
meio eficaz de promover empregabilidade e, portanto, de lutar contra o desemprego.
Mais especificamente, haverá que considerar a formação profissional para o
mercado social de emprego. Aqui, pretende-se simultaneamente satisfazer novas
necessidades sociais e criar emprego; mas se às funções a exercer forem afectados
indivíduos desqualificados, não se garantirá o funcionamento adequado de um tal
mercado e, o que é pior, não se estará a prevenir o risco, só adiado, de exclusão social
dos prestadores de tais serviços.
4. A validação social da formação profissional tem-se como domínio prioritário.
Reveste várias formas, de entre as quais a necessária avaliação dos programas de
formação profissional; aqui, haverá que identificar sempre os efeitos líquidos dos
programas, separando-os de eventuais efeitos perversos e de sobreposição (Chagas
Lopes, M., 1995). Mas também é indispensável que se faça o controle da
implementação on-going, tentando descortinar eventuais bloqueios de percurso; como
estes são frequentemente de natureza institucional, os parceiros sociais deverão ter
aqui um importante papel de auditores.
O confronto com os diagnósticos, macroeconómico e local, prévios, constituirá,
já de si, um primeiro elemento de validação.
Um outro, será desempenhado pela certificação de competências, domínio de
envolvimento directo dos parceiros sociais e, de entre elas, das respeitantes aos
saberes informais constituídos ao longo da vida. Com efeito, não haverá incentivo
social para a defesa da aprendizagem permanente se se desprezar este capital de saber
informal e, com ele, largas franjas da população trabalhadora que se pretende sempre
85
adaptável e actualizada. Embora a isso se assista frequentemente, não se deverá
esperar que o único reconhecimento social daqueles saberes, a fazer-se, ocorra
subrepticiamente no seio das empresas, quando nisso vêem fonte de redução potencial
de custos…
De uma maneira geral, a consagração nos IRCT's dos resultados da formação
profissional e da sua articulação com as políticas de carreiras e sistemas de incentivos,
constituirá um veículo potente de validação social, até por se situar na confluência de
interesses dos vários parceiros sociais e dos agentes económicos em presença.
Ressalvando diferenças culturais, de consideração sempre indispensável, também aqui
os ensinamentos do sistema dinamarquês, por exemplo, poderão afigurar-se muito
pertinentes.
Referências bibliográficas
•
Chagas Lopes, M.(1995), Estratégias de Qualificação e Metodologias de Avaliação,
Celta, Oeiras.
•
the Danish Ministry of Labour, (1991), The Danish Public Employment Service,
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o Emprego em 1998, 13200/97, Bruxelas.
86
Igualdade de Oportunidades no
Mercado de Trabalho
87
Intervenção de Sua Excelência o Secretário de Estado da Inserção Social
Dr. Rui Cunha
Senhor Presidente do Conselho Económico e Social
Senhores Conferencistas
Minhas Senhoras e Meus Senhores
As minhas primeiras palavras, nesta importante iniciativa do Conselho Económico
e Social, destinada a contribuir para a discussão sobre o Plano Nacional de Emprego,
são de reconhecimento pela oportunidade que o Conselho me oferece de expor,
perante uma audiência tão qualificada, as principais linhas de orientação política
sobre a importante questão da igualdade de oportunidades.
Esta possibilidade é tanto mais importante quanto surge num momento em que as
discussões em torno de questões como a flexibilidade e globalização, agora eleitas à
condição de quase-ideologia e de pensamento-único, tendem a deslocar a discussão e
a análise sobre questões sociais fundamentais para quadrantes em que aspectos
determinantes da nossa vida colectiva e da nossa civilização são minimizados.
E é crucial sublinhar a importância de uma política humanística, orientada para as
pessoas e baseada em valores solidários fortes, que reforcem a nossa coesão social e
nacional.
Enquanto responsável político, a minha obrigação é a de trazer a este forum, que se
destina a contribuir com as suas ideias e as suas discussões para a resolução de um
dos mais importantes desafios modernos que se colocam à nossa sociedade: o do
emprego, uma mensagem positiva e de confiança. Confiança na nossa capacidade em
desenvolver instrumentos de política e concretizar acções que não percam de vista
que a dimensão humana é a nossa prioridade e que nada valerá a pena se se destinar a
criar uma sociedade em que reine a miséria, a desqualificação e a desigualdade.
Nas épocas extraordinárias, quando acontecimentos históricos puseram à prova o
valor do povo, ou lhe abriram perspectivas novas, que o encheram de esperança,
então brotaram por si, naturalmente, as melhores obras do seu génio.
Estas palavras, escritas pelo Professor Jorge Dias, no seu magnífico ensaio, “Os
Elementos fundamentais da Cultura Portuguesa” são a luz de que precisamos hoje,
quando enfrentamos um período da nossa história em que ou nos superamos a nós
próprios ou corremos o risco de ver a História passar ao nosso lado.
O contexto em que nos encontramos para debater esta e outras importantes
questões é marcado por um grande pessimismo: um derrotismo quase geral sobre a
nossa capacidade para influenciar a evolução dos acontecimentos económicos e
sociais que nos atingem.
88
No entanto, nada está provado sobre o efeito que alguns fenómenos, tidos como
hegemónicos, terão sobre o nosso futuro.
Aliás, aquilo que podemos observar dá-nos ideia de uma tão grande diversidade de
reacções perante o que é chamado de o fenómeno global e da sua inevitabilidade que,
mais do que certezas, temos razões para duvidar de que tudo esteja já previsto e
definido.
Minhas Senhoras e Meus Senhores
O próximo século será, com toda a certeza, o século das novas igualdades e da
reaprendizagem. E, na medida em que prosseguirmos o actual ritmo de inovação,
estaremos, com toda a probabilidade perante um novo paradigma social.
Que repercussões terá esse novo paradigma sobre a nossa vivência social,
económica e política é qualquer coisa que não estamos ainda em condições de prever.
Mas, significará este facto que a nossa capacidade de reagir por antecipação
perante essas mudanças potenciais é nula? Penso que não!
O nosso grande desafio, enquanto geração que enfrenta a mudança, sem a controlar, é
o de sermos capazes de acreditar que temos condições para iniciar já hoje o caminho
da renovação que nos permitirá transmitir às gerações vindouras uma sociedade
ordenada e organizada, plena de vitalidade e onde os valores da solidariedade sejam
mais uma vez e ainda, o pilar que sustenta a nossa humanidade e o nosso sentido
gregário.
Muitas vezes, vezes de mais, e vozes de mais, falam da mudança que vivemos e da
que há-de vir, como se estivéssemos a caminhar para um não-Mundo. Para um
abismo. Uma espécie de “mundo de água”, brutal, sem princípios, regido por
interesses egoístas e pela lógica fria do dinheiro, sem pátria.
É preciso que nos levantemos e digamos que não será assim. Todas as épocas de
mudança criam instabilidade, incerteza, inquietação. E deixam o seu cortejo de
desiludidos. Mas também criam os seus vencedores, os seus campeões e vêem nascer
novos heróis.
A nossa época, como escreveu Fukuyama é uma era de “instituições intermédias”,
através da qual é exercida a cidadania. A nossa capacidade de reinventar a sociedade,
estará na razão directa do nosso poder em sermos capazes de continuar a criar
instituições intermédias: partidos políticos, empresas privadas, sindicatos, associações
cívicas, organizações profissionais, igrejas, associações de pais, conselhos escolares,
tertúlias, etc.
Na medida em que esta malha social for forte ou mais forte, assim a
imprevisibilidade das mudanças que hoje vivemos será menos imprevisível.
Nenhuma época, como a nossa, aproximou tanto os cidadãos uns dos outros: nos
direitos e nas responsabilidades. Nunca a condição humana: no trabalho, no lazer, em
comunidade, foi tão respeitada e protegida, pela própria sociedade como agora. Daí a
89
minha referência às novas igualdades que poderiam ser traduzidas, igualmente, por
novas oportunidades as quais, serão, de certo, a marca do século que aí se avizinha.
Mas, para isso muito teremos de reaprender, incluindo uma nova visão da
cidadania e um novo sentido do colectivo.
A aplicação do conceito de “igualdade de oportunidades”, tem, em termos práticos
duas opções possíveis: a do tipo americano e a do tipo europeu.
No modelo americano de “igualdade de oportunidades”, a Lei prescreve, de forma
rigorosa, quais os deveres das organizações de trabalho para com os grupos
vulneráveis e estabelece uma relação directa das organizações económicas com o
Estado enquanto factor discriminante da obrigatoriedade das chamadas “políticas de
acção afirmativa” ou seja acções concretas que as organizações estão obrigadas a
apresentar no sentido de contribuir para a melhoria das condições de vida de pessoas
fragilizadas em termos profissionais.
No Modelo europeu, tal como este é definido no “Livro Verde sobre a política
social europeia – Opções para a União” e no “Livro Branco: Política Social Europeia,
como avançar na União”, a opção é orientada para o lançamento de iniciativas
concretas, do tipo programas, com os quais se procura de forma activa melhorar as
qualificações e as oportunidades dos grupos vulneráveis. O modelo europeu está
apresentado de forma clara na Comunicação da Comissão Europeia sobre “A
dimensão Social e Laboral da Sociedade da Informação – Prioridade à dimensão
humana”.
O modelo seguido em Portugal ao longo das últimas décadas pode considerar-se
como um modelo intermédio entre o tipo americano (contra o tratamento
discriminatório das mulheres e dos deficientes, em posto de trabalho) e europeu (de
forma extensiva através da aplicação dos diferentes programas europeus no domínio
da formação, qualificação profissional e investigação aplicada destinada a criar
melhores condições de acessibilidade à informação).
A criação de condições favoráveis à eliminação dos entraves à igualdade de
oportunidades é um dos principais vectores da política social inscrita no programa do
Governo.
De acordo com a orientação política a nossa principal preocupação deve ser a de,
através da criação de uma cultura de corresponsabilidade e solidariedade, apoiar as
iniciativas mobilizadoras, que nos permitam combater a pobreza e a exclusão social,
ao mesmo tempo que são lançadas as bases para uma autêntica acção afirmativa neste
domínio.
No âmbito das iniciativas lideradas, divulgadas ou promovidas pelo próprio
Governo não quero deixar de realçar algumas delas, das quais destaco:
• o Programa Fundo de Apoio à Inserção em Novas Actividades, com o
objectivo de apoiar planos para a criação de uma actividade própria por
parte dos beneficiários do rendimento Mínimo Garantido;
90
• as iniciativas desenvolvidas no âmbito dos Projectos de Luta contra a
Pobreza;
• a medida da política activa de emprego que constitui o Mercado Social de
Emprego;
• os projectos desenvolvidos no âmbito do Programa Integrar.
Minhas Senhoras e Meus Senhores
Ainda não há muito tempo, as sociedades podiam esconder o que lhes não
agradava. Havia, se assim se pode dizer, uma discriminação neutra, que apartava do
viver colectivo, os que, de um modo ou de outro, se afastavam do padrão cultural
dominante.
A conquista pela mulher do mercado de trabalho e o reconhecimento do direito à
cidadania plena das pessoas “diferentes”, fosse qual fosse a sua condição, mostra que
a nossa sociedade evoluiu no sentido do crescente reconhecimento da igualdade,
como um valor essencial.
Um Colóquio recente, patrocinado pela Secretaria de Estado de que sou
responsável e onde se discutiu o papel das instituições não lucrativas e a acção social
em Portugal, demonstrou, através das experiências e das iniciativas apresentadas
vividas neste domínio, a vitalidade e a acção preponderante da sociedade civil na
concretização de direitos fundamentais de cidadania, incluindo o direito ao trabalho e
à dignidade pessoal.
A nossa preparação para lidarmos com os fenómenos que marcaram as duas últimas
décadas é limitada. Para isso contribui a natureza dos próprios fenómenos, mas
também a amplitude das mudanças verificadas; o seu efeito generalizado aos mais
diversos continentes e países; a forma como anteriores esquemas de organização,
social e do trabalho, foram alterados; a perda de valores de referência e o surgimento
de outros, ainda não consolidados.
Todos estes factores contribuem para gerar uma crescente angústia colectiva,
principalmente nos cidadãos pertencentes a grupos sociais vulneráveis que
encontravam a sua segurança precisamente nos sistemas que hoje são afectados pela
mudança.
A evolução tecnológica, que possibilitou saltos incríveis ao nível da produtividade;
as modernas formas de trabalho e de organização, que recolocaram em novas bases as
relações entre o Estado, as organizações de empregadores e as sindicais exigem uma
nova contratação social; o aumento da competitividade ao nível da produção de
massa, que criou uma nova hierarquia no contexto económico mundial e relançou a
corrida às novas actividades económicas de elevado valor acrescentado; a melhoria
dos níveis educacionais, que, devido a um aumento generalizado das qualificações,
nos permite pensar que num futuro próximo poderemos atingir níveis de mobilidade,
nunca antes alcançados; as alterações nos mercados de trabalho, que contribuem para
91
a melhoria da qualidade de vida, são tudo fenómenos que expõem com crescente
rapidez aqueles que, por razões de ordem social ou física menos preparados estão para
esta avalanche de mudanças.
Sobre a organização do mercado de trabalho confrontam-se na actualidade duas
grandes teses: a primeira, é a tese da liberalização e a segunda, a tese da
regulamentação.
Os adeptos da liberalização estigmatizam toda e qualquer intervenção disciplinadora e
consideram que a existência de reguladores neste mercado prejudica a
competitividade das empresas e o desenvolvimento económico do país.
Em defesa da sua tese, os partidários da liberalização do mercado de trabalho,
apontam o sucesso das economias emergentes e de alguns países europeus, onde o
quadro de relações laborais, menos regulamentado, principalmente no domínio da
acção sindical, teria constituído a principal razão do seu sucesso económico.
Por outro lado, os defensores da regulamentação, argumentam com o peso da
tradição ocidental e com a necessidade de existência de mecanismos reguladores que
assegurem a coesão social.
Este não é o espaço para discutir os efeitos que a crise financeira recente teve sobre
a competitividade das economias emergentes. Mas, deve ficar um alerta para que
meditemos sobre o que eram as vantagens competitivas efectivas de que esses países
dispunham e a pura especulação.
Essa crise levará, de certo, muitos analistas e muitos responsáveis a reanalisar as
suas opiniões e as suas certezas.
Na minha opinião, o mercado de trabalho deverá continuar a ser um mercado
regulado nos próximos anos. Mas regulado, não significa inerte. A nossa perspectiva
política é a de que se o Estado investe, recursos públicos, enquanto “cliente” e
enquanto “mecenas”, esse facto cria por si só, uma dívida social por parte de todas as
organizações de trabalho que não devem recusar participar numa obrigação colectiva
quando parte do seu próprio processo de geração de riqueza é fruto da aplicação de
recursos colectivos.
Lembrar este facto, parece-me fundamental. Sobretudo porque é neste fórum que
os parceiros sociais contribuem de forma tão activa e participada para a discussão das
grandes opções colectivas que marcarão o nosso próximo futuro.
A evolução económica, social e tecnológica verificada nas últimas décadas deixa
atrás de si um rasto de grupos vulneráveis, cuja existência é mal conformada com as
novas doutrinas, onde o discurso da eficácia, dos elevados padrões de desempenho e
da flexibilidade constituem a nota dominante.
A igualdade de oportunidades, que possibilita a todos os cidadãos ter uma
actividade conforme com as suas capacidades e as suas necessidades, não deve ser
vista como uma imposição legal, mas antes como uma responsabilidade social e
comunitária. No entanto, as coisas não se passam assim e sabemos que na maioria dos
países ocidentais o Estado desempenha um importante papel nesta matéria.
92
Na medida em que os grupos vulneráveis venham a estar mais expostos a situações
que os fragilizem o Governo não ficará indiferente a uma evolução eventualmente
negativa.
No domínio da igualdade de oportunidades, sem afectar a nossa capacidade
competitiva e o direito das organizações e empresas a estabelecer os seus próprios
padrões organizativos, muito está ainda por fazer. A sociedade portuguesa, como um
todo, fechou-se sobre si própria e são poucas as manifestações de verdadeiro pendor
solidário a que assistimos por parte dos actores sociais.
Ao contrário do que acontece noutros países, a nossa comunidade é ainda muito
refractária à ideia de que a responsabilidade social é um conceito activo.
Esta questão é particularmente evidente no domínio da oportunidade de emprego
para certos grupos vulneráveis, como o das pessoas portadoras de deficiência.
Existem hoje em dia condições técnicas e ambientais que permitem, no quadro da
sofisticação crescente do trabalho, a criação de postos de trabalho para deficientes
com capacidade laboral.
Sabemos como isso é difícil em Portugal. E nem sempre por razões de ordem
económica.
Muitas vezes tal é devido a uma discriminação cultural incompreensível. A nossa
sociedade ainda tem insuficiência de solidariedade colectiva.
A igualdade de oportunidades é um direito constitucionalmente garantido aos
portugueses. Por isso, o Governo tem a obrigação e não a enjeita, de pôr de pé todas
as iniciativas que materializem esse princípio e tem o dever de combater todas as
acções que o desrespeitem enquanto valor societário.
Não podemos, enquanto comunidade, aceitar que interesses de curto prazo, muitos
até desligados do próprio interesse social, se substituam aos nossos valores mais
nobres.
O Governo tem afirmado repetidamente o seu empenho em que a sociedade civil e
os cidadãos tenham um papel mais activo e interventor na definição do que é o
interesse público.
A igualdade de oportunidades é, para o Governo, um valor, que está na primeira
linha das nossas preocupações. O nosso país, por razões históricas e sociais tem uma
tradição de discriminação, em relação a grupos vulneráveis que, apesar de todo o
esforço legislativo, não foi ainda corrigido.
De acordo com a nossa concepção política, o processo de correcção e
ultrapassagem das desigualdades deve ser, sobretudo um acto da Comunidade. No
qual as organizações de trabalho se envolvam mais por sua própria responsabilidade
do que por exigência legal.
As organizações de trabalho, incluindo algumas empresas, que, no nosso país, se
alheiam ainda por vezes dos problemas sociais, devem, na nossa opinião, olhar de
forma diferente a sua responsabilidade social.
93
O Governo entende que deverá legislar o mínimo neste domínio em matéria de
facto (como as quotas de emprego, por exemplo, para determinados grupos) e que a
sua acção deve incidir na criação de programas integrados, que articulem os
subsistemas públicos educativo e profissional com as iniciativas da sociedade civil de
forma a criar um dispositivo eficaz e orientado para as necessidades concretas no
domínio das qualificações.
Minhas Senhoras e Meus Senhores
A responsabilidade do Governo é a de criar condições para que todos os cidadãos,
todos os grupos, tenham direito à cidadania plena. E esse direito não será realizado,
sem a concretização do direito fundamental que é o direito ao trabalho.
As organizações de trabalho, com as empresas na primeira linha, têm aqui um
papel fundamental se querem cumprir com as suas responsabilidade social e merecer
o respeito e a admiração dos seus concidadãos.
Senhor Presidente do Conselho Económico e Social
Minhas Senhoras e Meus Senhores
Quis deixar aqui, para reflexão, algumas questões de ordem conceptual sobre o
princípio e a prática da igualdade de oportunidades. A minha primeira obrigação,
enquanto político, é a de deixar claras as escolhas que guiam a minha acção (neste
caso os princípios e as opções previstas no programa do Governo a que pertenço).
O princípio essencial da Democracia, escreveu António Sérgio, em Relanços de
Doutrina Democrática, é o respeito pela dignidade da pessoa humana.
Ora, existirá dignidade humana quando uma parte importante dos nossos
concidadãos não tem igualdade de oportunidades em relação a um direito
fundamental, como é o trabalho? E, cumprir-se-á, assim, a Democracia, quando tantos
dos nossos concidadãos são privados de direitos fundamentais?
Pensamos que não. E recusamo-nos a ficar indiferentes. A nossa consciência de
seres livres e solidários impõe-nos a adopção de soluções progressitas no domínio da
igualdade de oportunidades entre os portugueses.
Soluções que dêem um novo sentido à palavra justiça.
Obrigado pela vossa atenção.
94
IGUALDADE DE OPORTUNIDADES ENTRE HOMENS E MULHERES NO
MERCADO DE TRABALHO – DIAGNÓSTICO E PROPOSTAS DE ACÇÃO
Professora Lígia Amâncio*
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer o convite que me foi dirigido para
participar neste Colóquio, na pessoa do Senhor Presidente do Conselho Económico e
Social, e felicitar o Conselho por esta iniciativa. Tendo-me sido pedido que
concentrasse a minha intervenção sobre “propostas de acção que correspondam às
directrizes para o emprego estabelecidas pela Conselho da União Europeia” não
deixarei de o fazer, na parte final da minha comunicação. Antes, porém, julgo
oportuno apresentar um breve enquadramento da actual política europeia, no que diz
respeito à igualdade de oportunidades entre homens e mulheres e ilustrar, em seguida,
o âmbito das medidas definidas pelo Conselho com alguns elementos de diagnóstico
da situação portuguesa.
1. Enquadramento
Com efeito, o consenso obtido no Conselho Europeu Extraordinário sobre o
Emprego, que decorreu no Luxemburgo nos dias 20 e 21 de Novembro passado,
constitui um marco decisivo na integração das políticas relativas à igualdade entre
homens e mulheres no âmbito das políticas de emprego.
Vale a pena lembrar que no Tratado de Roma, que institui as CE, em 1957, (Título
III A Política Social, Capítulo I Disposições Sociais), a igualdade se aplicava apenas
ao domínio salarial, de acordo com a anterior redacção do artigo 119.º relativo à
“aplicação do princípio da igualdade de remunerações entre trabalhadores masculinos
e femininos, por trabalho igual”. Mas foi necessário esperar quase 20 anos para que
surgisse, em 1975, a primeira Directiva destinada a harmonizar as legislações dos
Estados-Membros, quanto à aplicação daquele princípio, e uma outra, em 1976, que
estendia o princípio da igualdade ao tratamento no acesso ao emprego, à formação e
promoção profissional.
Quando, em 1995, o Conselho e a Comissão elaboraram um relatório conjunto
sobre o emprego, para avaliar a implementação das recomendações do Conselho de
Essen (1994), que havia definido um conjunto de medidas para melhorar a sua
situação, verificaram que numa “primeira ronda de programas, a problemática da
igualdade de oportunidades entre mulheres e homens não fora desenvolvida enquanto
elemento de referência” e que só um pequeno grupo de 4 países (Irlanda, Portugal,
Áustria e Suécia) “atendera à problemática da igualdade de oportunidades nas
*
Presidente da Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres.
95
propostas que apresentara”1. Neste resultado reflectia-se a preocupação, expressa nas
prioridades definidas no Conselho de Essen, de combater o desemprego e eleger os
jovens como grupo alvo preferencial de medidas específicas, ignorando outros grupos
socialmente vulneráveis e as diferenças entre os sexos na categoria dos jovens.
O texto do Tratado da União, adoptado no Conselho de Amesterdão do ano
passado vem, finalmente, colocar a igualdade entre homens e mulheres numa posição
central da política europeia, já que este objectivo passa a constituir uma das “missões”
da União (artigo 2.º) e que a “Comunidade deverá ter em vista a eliminação das
desigualdades, e a promoção da igualdade, entre homens e mulheres (artigo 3.º). Além
disso, no texto do Acordo Social, agora integrado no Tratado, “... a Comunidade
apoiará e completará a acção dos Estados Membros... no domínio da igualdade entre
homens e mulheres no que se refere a oportunidades no mercado de trabalho e ao
tratamento no trabalho”, entre outros domínios (artigo 118.º), enquanto que no
anterior artigo 119.º a igualdade de remuneração passou a aplicar-se ao “...trabalho
igual ou de valor igual” e incluiu-se a possibilidade dos Estados-Membros manterem
ou adoptarem medidas que prevejam “regalias específicas destinadas a facilitar o
exercício de uma actividade profissional pelas pessoas do sexo sub-representado, ou a
prevenir ou compensar desvantagens na sua carreira profissional” (parágrafo 4)2,
abrindo assim o caminho para as medidas de acção positiva.
2. As directrizes para os planos nacionais de emprego
O consenso obtido na Cimeira do Luxemburgo inscreve-se, portanto, num longo, e
lento, processo de mudança, relativamente à orientação das políticas europeias para a
igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, que se caracterizou pela timidez
e fragmentação: a igualdade salarial precedeu a igualdade de tratamento nas
condições de trabalho e nos regimes de segurança social, (a Directiva sobre esta
matéria data de 1978) o que a tornou praticamente irrealizável3 (sem esquecer que a
igualdade nos regimes de segurança social está ainda por realizar em muitos países da
União...), e só no texto mais recente do Tratado da União se ultrapassou a definição
estrita de igualdade nas relações de trabalho, que ignorava as determinantes socioculturais que agem sobre a sua realização, e retirava legitimidade a todas as medidas
destinadas a atingir os factores a montante da desigualdade no mercado de trabalho.
De acordo com a Resolução do Conselho, os planos nacionais de emprego deverão
contemplar medidas específicas em torno de 4 pilares: melhorar a integração
1
Igualdade de oportunidades entre mulheres e homens na União Europeia, Relatório Anual 1996,
Comissão Europeia, D.G. do Emprego, Relações Laborais e Assuntos Sociais, Unidade V/D/5, p. 45.
2
O parágrafo 3 deste mesmo artigo prevê ainda: “medidas destinadas a garantir a aplicação do
princípio da igualdade de oportunidades e da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em
matéria de emprego e de trabalho, incluindo o princípio da igualdade de remuneração...”
3
Vogel-Polsky, E. (1995) Les législations d’égalité entre les hommes et les femmes: un
inaboutissement programmé. Les Cahiers du Mage, 3-4, 95-103.
96
profissional (empregabilidade), desenvolver o espírito empresarial, incentivar a
capacidade de adaptação das empresas e dos seus trabalhadores (adaptabilidade) e
reforçar as políticas de igualdade de oportunidades. A minha contribuição neste
debate centra-se obviamente nesta última área. No entanto, é necessário salientar que
as políticas de igualdade de oportunidades (entre homens e mulheres) não podem ser
desenvolvidas em paralelo, ou lateralmente às outras, mas sim de forma transversal a
todas elas, argumento que ilustrarei mais adiante, na parte relativa às propostas de
acção. O reforço das políticas de igualdade de oportunidades centra-se, por sua vez,
em 3 domínios: a) combater a discriminação entre homens e mulheres, b) conciliar a
vida profissional e familiar e c) facilitar a reintegração na vida activa. Vejamos, então,
os problemas que se colocam em cada uma destas áreas, com base nos indicadores
existentes.
a) No que diz respeito à discriminação entre homens e mulheres, o primeiro
problema reside, desde logo, na difícil caracterização do emprego feminino,
como refere o Relatório sobre a Igualdade de Oportunidades entre Homens e
Mulheres na União Europeia de 1996, uma vez que as mulheres apresentam
“uma mobilidade entre as categorias de emprego, desemprego e inactividade
declarada muito superior à dos homens... O emprego não declarado e o
desemprego, a inactividade involuntária, o subemprego, o emprego irregular
e precário, constituem características correntes da actividade económica das
mulheres...” (p.32). Quanto à situação na profissão, a esmagadora maioria
das mulheres portuguesas, tal como as suas parceiras europeias, trabalha por
conta de outrem (>75%), e embora Portugal apresente uma percentagem de
trabalhadoras por conta própria superior à média europeia4, sabemos que
esses números não resultam de uma maior participação nas profissões
liberais, nem do aumento de iniciativas empresariais (embora não se possa
ignorar o número de pequenas empresas de comércio e outros serviços que
têm surgido nos centros urbanos), mas sim do aumento, nos últimos anos, de
formas precárias de contratação no sector dos serviços.
Apesar do peso ainda significativo do trabalho feminino na agricultura
(50.7%5 ) o sector terciário, cujo crescimento tem acompanhado o aumento
da taxa de actividade feminina, absorve >65% do emprego feminino que, no
entanto, se concentra no ensino, na saúde e serviços sociais e outras
actividades de serviços, incluindo serviços pessoais e domésticos (75.7%,
72.2% e 77.3% respectivamente)6. Este padrão de segregação profissional,
que é uma outra característica do emprego feminino nos países da União,
mas na qual Portugal se destaca claramente pela elevada percentagem de
4
Igualdade de oportunidades entre homens e mulheres na União Europeia, Relatório Anual 1996,
Comissão Europeia, D.G. do Emprego, Relações Laborais e Assuntos Sociais, Unidade V/D/5, p. 39.
5
Portugal - Situação das Mulheres 1995, CIDM, 1996, p. 115.
6
ibid., p. 115.
97
mulheres no ensino7, aliada à segregação vertical que impede o acesso das
mulheres aos postos de gestão e administração da riqueza que produzem8,
contribui para a persistente diferenciação salarial entre homens e mulheres,
que em vez de se reduzir com o aumento das qualificações das mulheres, nos
últimos anos, aumentou até entre 1988 e 19949.
b) Esta descrição da situação do emprego feminino revela a persistência de
formas de pensamento e organização social que assentam na concepção do
trabalho feminino como uma actividade marginal para a economia,
temporária nos projectos de vida das mulheres e secundária para o
rendimento familiar. Aliás, a reacção comum face à questão da conciliação
da vida familiar e profissional, tendendo a remetê-la para as mulheres
exclusivamente, já que delas se espera a fusão do projecto de vida com o
projecto de família, inscreve-se nesta mesma forma de pensamento
tradicional. As práticas sociais no domínio das soluções socio-educativas e
de guarda das crianças permanecem profundamente tradicionais, embora
coexistam com discursos “igualitários” quanto à distribuição das tarefas
domésticas e de cuidados com os filhos, como mostrou uma investigação
recente, na área metropolitana de Lisboa, levada a cabo por uma equipa de
sociólogos do ISCTE10. A realidade que este estudo revela, porém, é a total
ausência dos pais nas soluções para a guarda das crianças, cuja
responsabilidade é distribuída entre as mães, as avós e as amas, nas famílias
de mais baixos rendimentos, ou entre as mães e os serviços de guarda, nas
famílias de mais elevados rendimentos.
c) As medidas de facilitação da reintegração na vida activa após um período de
ausência, referidas na Resolução do Conselho, não se aplicam, em Portugal,
com a mesma acuidade à população qualificada, ao contrário do que acontece
noutros países da União. Com efeito, a disponibilidade de um sector da
população feminina que se caracteriza pela subqualificação, ausência de
habilitações – basta lembrar que o último relatório da UNESCO situava a
taxa de analfabetismo em Portugal nos 10.7%, mas 66% da população
analfabeta é do sexo feminino11 – e grandes carências económicas tem
assegurado uma cobertura de serviços domésticos, permitindo às mulheres
mais qualificadas acumular o papel tradicional com o desenvolvimento de
carreiras profissionais. No entanto, é aquele mesmo sector da população
7
Igualdade de oportunidades entre homens e mulheres na União Europeia, Relatório Anual 1996, p.
39.
8
Perista, H. e Perista, P. (1997) A mulher e a riqueza: o poder de a gerar, a impossibilidade de a
gerir, CESIS e Departamento Nacional das Mulheres do PS.
9
Tendências e perspectivas para o emprego feminino nos anos 90, CISEP, 1996, p. 57.
10
Torres, A.C., Castro, J.L., Vieira da Silva, F., Aboim Inglez, S. Vasconcelos, P. (1997) Políticas
sociais, soluções socio-educativas e de guarda das crianças, CIES, ISCTE.
11
Relatório Mundial sobre a Educação 1995, UNESCO, 1996.
98
feminina que quando trabalha na indústria, por exemplo, é particularmente
vulnerável ao desemprego resultante da introdução de inovações
tecnológicas e não possui quaisquer capitais que facilitem a sua reintegração
na vida activa.
3. Propostas de acção
A breve caracterização, necessariamente rápida, apresentada até aqui, destinou-se a
salientar a importância dos efeitos do género na actividade económica, sem esquecer
os efeitos geracionais que são particularmente importantes em Portugal, atendendo ao
muito recente progresso da população na educação, e das mulheres em particular. As
políticas de emprego não podem ignorar estes determinantes de inserção social que
orientam as trajectórias individuais e afectam o desenvolvimento sustentável de toda a
sociedade. A contribuição das mulheres para a actividade económica não é
meramente conjuntural, pois o emprego feminino veio para ficar. Como refere o mais
recente relatório europeu sobre esta matéria, o peso das mulheres no crescimento
futuro da força de trabalho será cada vez mais importante12. Mas o relatório também
nos alerta para a vulnerabilidade da situação das mulheres às políticas de
desregulamentação do mercado de trabalho e para os sistemas de protecção social
baseados numa organização familiar que considera o homem o principal suporte da
família. O que está em causa no novo olhar da União sobre a promoção de emprego e
o combate ao desemprego é o reconhecimento da necessidade de uma integração
plena das mulheres no mercado de trabalho, a fim de assegurar a consolidação
sustentável dos sistemas de protecção social, garantir a competitividade europeia face
aos outros mercados e, no plano dos direitos, promover o acesso das mulheres a uma
cidadania autónoma e responsável.
Neste sentido, as medidas de combate à discriminação entre homens e mulheres
terão que apoiar activamente um aumento do emprego das mulheres, não tanto em
números absolutos, mas sobretudo no combate às formas de emprego precário, não
declarado e de subemprego, enquanto que a promoção da representação equilibrada
de homens e mulheres em certos sectores e profissões exigem a adopção de medidas
de acção positiva. Algumas destas medidas de promoção da igualdade de
oportunidades no emprego e nas relações de trabalho estão já previstas no objectivo 3
do Plano Global para a Igualdade de Oportunidades (Resolução n.º49/97, de 24 de
Março), tais como o reforço do controlo do cumprimento das normas legais
existentes, no que diz respeito à discriminação no trabalho, através dos organismos
que detêm essas atribuições, nomeadamente a CITE e a Inspecção-Geral do Trabalho,
e as medidas de acção positiva destinadas a mulheres desempregadas de longa
duração com mais de 40 anos, à integração de mulheres em áreas profissionais novas
12
Rubery, J., Smith, ., Fagan, C. (orgs.) Tendances et perspectives dans l’emploi des femmes dans les
années 1990, Comissão Europeia V/D/5.
99
ou onde estejam sub-representadas, ou o acesso das jovens a formação prática e a
estágios que facilitem a sua inserção profissional (medidas 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 9). Mas
estas medidas têm que ser complementadas com a promoção de opções não
estereotipadas dos cursos e das carreiras profissionais por parte dos/das jovens,
através do reforço da orientação e da informação, como o Plano também prevê, na
medida 6 do seu objectivo 7.
Esta seria uma forma de combater a orientação das raparigas para profissões que
lhes permitem negociar uma actividade profissional com a acumulação com o papel
tradicional, e que tem contribuído para a sua forte concentração no ensino, por
exemplo. As medidas de conciliação, como refere o Plano Global envolvem o
Governo (medida 1, 4 e 5), nomeadamente ao nível da implementação da rede do préescolar, mas também requerem o envolvimento responsável das empresas e
organizações (medida 2) e dos cidadãos/cidadãs. A maternidade e a paternidade têm
que ser partilhadas de facto, e de direito, a todos os níveis, nomeadamente através da
redefinição legal dos períodos de dispensa para as mães e também para os pais, para
que os cuidados às crianças sejam assegurados na sua plenitude, permitindo uma
alternância orientada para o enriquecimento da vida familiar.
A reinserção na vida activa das mulheres menos qualificadas exige medidas que
potenciem e valorizem os seus saberes tradicionais, através nomeadamente da
credenciação desses saberes. Estas medidas podem, e devem, articular-se com
medidas de apoio e promoção da actividade independente das mulheres e de
desenvolvimento da sua iniciativa empresarial, através da criação de centros
vocacionados para esse fim. É neste sentido que as medidas para a promoção da
igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, correspondendo à orientação
actual da política europeia neste domínio (“mainstreaming”), se articulam com outros
pilares, como o do desenvolvimento do espírito empresarial13 . Com efeito, 1/3 das
novas empresas criadas nos países da União, actualmente, são criadas por mulheres, e
muito embora tais iniciativas constituam estratégias activas na procura de alternativas
ao desemprego, e sejam elas próprias geradoras de emprego, estas novas empresas
confrontam-se com grandes dificuldades de inserção e expansão, em particular devido
à “desconfiança” de que são alvo por parte das instituições financeiras.
A necessidade de articulação das políticas para a igualdade de oportunidades com
todas as outras políticas sectoriais resulta, portanto, da constante confrontação e
bloqueio da eficácia destas últimas pelos condicionalismos associados aos
mecanismos subjectivos de diferenciação entre os sexos que marcaram
historicamente, e estão ainda presentes, nos sistemas de emprego, família e protecção
social. Aqui reside o carácter estrutural, nas sociedades modernas, da discriminação
13
Para falar apenas nesta articulação, já que ao nível da empregabilidade, em particular no que se
refere à relação entre educação/formação e emprego verificam-se diferenças significativas entre os
sexos, bem como ao nível da adaptabilidade, no que diz respeito aos diferentes efeitos das formas de
organização do trabalho e dos tempos de trabalho. Tais articulações exigiriam, só por si, uma outra
comunicação.
100
baseada no sexo, diversamente do que acontece com as discriminações baseadas
noutras pertenças sociais, como as minorias e os deficientes. Foi o reconhecimento
deste facto social que conduziu, sem dúvida, às recentes alterações no texto da
Constituição da República Portuguesa, que passou a incluir a promoção da igualdade
entre homens e mulheres entre as tarefas fundamentais do Estado (artigo 9.º), e no
texto do Tratado da União, onde a mesma passou a figurar entre as missões da União
(artigo 2.º).
101
EMPREGO, DEFICIÊNCIA E REABILITAÇÃO
Dr. Luís Capucha*
Segundo dados do Inquérito Nacional à Deficiência e à Reabilitação da
responsabilidade do Secretariado Nacional de Reabilitação e do Instituto Nacional de
Estatística, numa população de 9.887.561 residentes em 1994 no país, 905.488
pessoas tinham alguma incapacidade ou deficiência. Apresentando estes números
importantes variações em função de factores como a distribuição regional e os grupos
etários – crescendo acentuadamente a incidência do fenómeno com a idade – o
fenómeno da deficiência, ao contrário do que muitas vezes se imagina, não se
distribui aleatoriamente pelos diferentes grupos sociais, penalizando mais fortemente
as categorias mais desfavorecidas, nem constitui um destino dos que nascem sem
bafejo de sorte, dada a componente social da sua génese, a qual virtualmente coloca
todas as pessoas em posição de vulnerabilidade.
Estando longe de constituir um indicador suficiente de exclusão da população com
deficiência, a sua posição no mercado de trabalho constitui porém um bom exemplo
de como ela é penalizada.
Pessoas com deficiência entre 16 e 64 anos empregadas, segundo a atribuição da
deficiência
Deficiências
Empregados
Psíquicas
23476
Sensoriais
56729
Físicas
137492
Mistas
3159
Nenhuma Especial
6629
Fonte: QUANTI, SNR/INE, 1994.
Taxa de Emprego
27,4
58,8
45,8
27,8
41,8
Como indica o quadro anterior, varia entre cerca de setenta e quarenta por cento a
proporção das pessoas com diferentes tipos de deficiência que se encontram fora do
mercado de trabalho, embora estejam em idade para aceder a uma ocupação. Muitas
vezes, aliás, essa situação verifica-se mesmo em áreas, actividades ou sectores em que
a deficiência poderia constituir não uma desvantagem, mas uma vantagem
profissional.1 Quer dizer, está-se muito longe de uma situação em que o desemprego,
camuflado, desencorajado ou manifesto, não se associa à incapacidade para o
trabalho. Trata-se, antes, de uma incapacidade do mercado de trabalho para dar
resposta às necessidades e utilizar as capacidades das pessoas com deficiência e da
sociedade para ocupar aquelas que não podem, devido à deficiência, exercer uma
*
Docente do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa - ISCTE.
Um exemplo clássico é o da aptidão dos surdos para desempenhar trabalhos em ambientes com
elevado ruído, ou dos cegos em profissões muito exigentes do ponto de vista da utilização de sentidos
que não a visão.
1
102
actividade económica. Estamos, pois, perante uma situação de evidente injustiça
social e, diga-se também, de irracional desperdício de recursos económicos.
Segundo as definições internacionalmente aceites nos nossos dias, a deficiência
representa qualquer perda ou alteração de uma estrutura ou de uma função
psicológica, fisiológica ou anatómica, geradora de uma incapacidade, isto é, uma
restrição ou falta da capacidade para realizar uma actividade, a qual se torna uma
desvantagem ou prejuízo social, sofrida por um dado indivíduo, que limita ou impede
o desempenho de uma actividade considerada normal para esse indivíduo, tendo em
atenção a idade, o sexo e os factores socio-culturais.
Naturalmente, como pretendemos sugerir na figura seguinte, a reabilitação
corresponde ao processo inverso:
Deficiência
Compensação
Incapacidade
Desvantagem
Reabilitação
Inserção
(Sentido Amplo)
Qualquer ideia de reabilitação das pessoas com deficiência não pode deixar de
obedecer aos princípios da igualdade de oportunidades e da universalidade de
direitos.
De acordo com estes princípios, a desvantagem deve ser compensada através de
um processo de reabilitação que permite superar a desvantagem ou, dito de outra
forma, obter a inserção social. Há algumas décadas atrás, a reabilitação era
tendencialmente concebida como um processo médico, ligado à correcção das
desvantagens físicas, fisiológicas e sensoriais. Mais tarde, porém, este conceito foi
alargado às dimensões cognitivas e culturais resultantes da deficiência, razão pela
qual a educação e o treino de competências passou a ser um complemento necessário
da reabilitação médica.
Hoje em dia, não apenas a reabilitação constitui um conceito amplo e abrangente,
abarcando a dimensão médica, cultural, pessoal e familiar, em diversos domínios da
vida, como a das condições de habitação, protecção social, lazer, consumos culturais,
exercício de uma profissão ou ocupação, entre outros, mas também passa a envolver a
organização da sociedade. Segundo este sentido amplo do processo de reabilitação e
inserção social, as desvantagens não resultam apenas da deficiência, mas também de
estruturas e instituições sociais que não se revelam capazes de acolher as pessoas com
alguma incapacidade, pelo que não basta compensar as pessoas e as famílias, sendo
também necessário transformar a sociedade.
A dimensão socioprofissional da reabilitação assume uma relevância estratégica,
dado que o desempenho de uma actividade económica ou ocupacional (no caso das
103
situações de deficiência mais profunda) constitui um direito de cidadania e possui,
além disso, efeitos estruturantes sobre outros aspectos decisivos da vida das pessoas,
como a formação das identidades e estatutos sociais, o rendimento, o acesso à
protecção social, o alargamento das redes de relacionamento social, a realização
pessoal, entre outros.
Os números que referimos acima a respeito da situação das pessoas com
deficiência face ao emprego representam, assim, um indicador inequívoco de extensa
e intolerável exclusão. Que factores estão por detrás destes indicadores?
Os problemas de exclusão das pessoas com deficiência nos mercados de trabalho
têm na base factores de ordem geral e de ordem especificamente socioprofissional.
Esses problemas colocam-se ao nível do sistema social, do sistema institucional de
reabilitação e, também, ao nível das famílias e das próprias pessoas com deficiência.
Entre os factores de ordem geral, ou extra-profissional, ligados ao sistema social
no seu conjunto encontram-se, por exemplo, as imagens e representações existentes
na opinião pública em geral e, nomeadamente, nos empregadores, geradoras de
preconceitos sobre as capacidades das pessoas com deficiência. Outro factor decisivo
é constituído pelas diversas inacessibilidades, resultantes de barreiras arquitectónicas,
do funcionamento dos transportes, dos suportes físicos dos bens culturais e da
concepção do desenho de uma infinidade de objectos de utilização corrente,
inutilizáveis por pessoas com certo tipo de incapacidades.
No plano específico do acesso ao trabalho, o sistema social, ou seja, o mercado de
trabalho, apresenta igualmente um conjunto de obstáculos, que começam desde logo
com o contexto global de desemprego estrutural, de que resulta uma muito escassa
oferta de postos de trabalho para pessoas com deficiência, mesmo em postos para os
quais estão mais adaptadas. Por outro lado, essas pessoas, quando alcançam um
emprego, este possui geralmente níveis mais baixos de qualidade do que o das outras
pessoas com a mesma qualificação e desempenho. Também o nível crescente das
exigências de qualificações escolares e profissionais, associado à crescente
competitividade pelo acesso ao emprego, constitui factor penalizador dos deficientes.
Nenhum destes factores poderá melhorar enquanto continuar a verificar-se uma muito
baixa participação dos parceiros sociais na problemática da reabilitação.
Se o sistema social e o mercado de trabalho estão recheados de factores
bloqueadores do acesso dos deficientes ao emprego, o sistema institucional de
reabilitação apresenta igualmente algumas deficiências que importa considerar.
A nível geral, são de considerar a insuficiente articulação entre sectores
institucionais (saúde, ensino, formação, acção social) para a detecção da deficiência, a
prevenção precoce e o planeamento de percurso de reabilitação, a nem sempre boa
qualidade dos diagnósticos e terapias, o custo acrescido da educação e formação
104
especiais por relação às congéneres normais2 e, principalmente, a insuficiência das
estruturas de oferta de serviços educativos especiais.
Ao nível específico da reabilitação socioprofissional, refira-se um amplo conjunto
de factores, de que se destaca a inexistência de um sistema nacional de certificação da
formação3 a debilidade da oferta de serviços sociais de apoio à formação (residências,
apoio psico-social, etc.), a insuficiência dos mecanismos de apoio ao emprego e autoemprego, a existência de medidas de protecção social que inibem a iniciativa de
procura activa de ocupação,4 a grande debilidade de respostas ocupacionais para
grupos não passíveis de obter emprego económico, o escasso desenvolvimento das
metodologias de avaliação, orientação, colocação e acompanhamento, o pequeno
número de técnicos com a devida qualificação (apesar do respectivo empenhamento e
competência profissional), a insuficiente utilização das novas tecnologias, os efeitos
perversos da “institucionalização” que muitas vezes constitui a única via disponível, a
incipiência dos serviços de “marketing” dos produtos fabricados em emprego
protegido, a escassa investigação científica e tecnológica com vista a melhorar as
ajudas técnicas (apesar do mercado que as pessoas com deficiência constituem) e, por
fim, a ainda insuficiente participação das ONG’s na definição e aplicação das
políticas de reabilitação.
Ao nível das famílias e dos indivíduos também os factores de ordem geral são
muito relevantes. Refira-se, a título de exemplo, a fragilidade da auto-estima e da
crença nas capacidades próprias, a situação muito frequente de à deficiência se
associar um meio familiar e residencial muitas vezes desfavorecido (ao nível do
rendimento, da habitação, das infra-estruturas, do acesso a serviços e equipamentos,
da vizinhança, etc.)5 e a insuficiente participação das pessoas com deficiência e suas
famílias no processo de reabilitação.
São finalmente de referir problemas de ordem especificamente socio-profissional
ao nível pessoal e familiar. Referimo-nos a factores como as dificuldades específicas
ligadas à deficiência (geradoras por vezes de menor produtividade de certas pessoas
com certas deficiências e em certas tarefas), o mais difícil acesso à informação
resultante de barreiras de toda a ordem, o nível globalmente baixo de habilitações
escolares e de qualificação profissional, a escassez da iniciativa individual e da
cultura de risco6 e os custos acrescidos do posto de trabalho.
2
Apesar desses custos, a eficiência das medidas de reabilitação socioprofissional é inquestionável. Os
custos de educação e formação especiais são largamente compensados pelas poupanças em termos de
protecção social, saúde e equipamentos e pelo contributo económico das pessoas beneficiadas.
3
Que só muito recentemente começou a ser criado.
4
Nomeadamente a dificuldade de reacesso aos subsídios de invalidez uma vez que uma pessoa se lança
numa experiência de trabalho que pode ser mal sucedida, o que inibe fortemente quer as pessoas com
deficiência quer as suas famílias.
5
Tal como outros desfavorecimentos, a deficiência, podendo atingir qualquer pessoa ou família, não
atinge com igual extensão e intensidade os diferentes meios sociais, sendo geralmente os mais
desfavorecidos mais vulneráveis, por um conjunto de razões que não importa trazer agora aqui.
6
Factor reforçado pela desconfiança das entidades financiadoras nas capacidades destas pessoas.
105
É justo afirmar que o sistema institucional de reabilitação socioprofissional em
Portugal, sendo de origem recente e relativamente pouco desenvolvido, apresenta
contudo um dinamismo assinalável, fruto do empenhamento e capacidade de técnicos
e dirigentes. Por isso esse sistema pode ser modelar, no sentido de que pode constituir
referência para outros campos de actuação vizinhos (por exemplo, para a promoção da
inserção socioprofissional de outros grupos desfavorecidos). Mas ainda estamos longe
de uma situação desejável.
Face à multiplicidade das facetas da desvantagem das pessoas com deficiência no
acesso a uma actividade profissional digna, a actuação institucional deve ser ela
também complexa, indo muito para além das áreas tradicionais da orientação,
formação profissional e criação de emprego.7 Não podemos, naturalmente, referir aqui
todos os domínios em que as medidas correctoras devem ser produzidas.
Relembremos porém o facto de elas implicarem intervenções sobre o mercado de
trabalho e o seu contexto, o sistema institucional de reabilitação e as próprias pessoas
com deficiência. Trata-se de criar condições favoráveis à inserção, melhorar a
empregabilidade das pessoas com deficiência, criar oportunidades e empregos
acessíveis a estas pessoas e, depois, apoiá-las na conservação e na melhoria da
qualidade desses empregos.
Neste campo, como em qualquer outro, não existem medidas milagrosas e, em boa
verdade, a invenção de medidas absolutamente novas é menos necessária – embora
também seja indispensável nalguns aspectos – do que o aprofundamento ou
desenvolvimento de medidas já testadas e experimentadas.
O sistema de reabilitação socioprofissional é constituído por uma rede de
entidades, principalmente APPACDM’s, CERCI’s8 e outras associações que,
enquadradas pelo IEFP, são responsáveis por cerca de 23 Centros de Reabilitação e
50 núcleos de formação profissional,9 existindo entre eles um Centro de Reabilitação
Profissional de Gestão Directa (Alcoitão/Ranholas) e um Centro de Educação e
Formação Profissional Integrada de Gestão Participada (CEFPI).
Tendo vindo a trabalhar, principalmente, com fundos provenientes de programas
com duração limitada, o estabelecimento de medidas de política regular que garantam
estabilidade organizativa e assegurem continuidade às acções e aos planos é uma
necessidade actual do sistema.
7
No seu conjunto, os processos de reabilitação poderão ganhar com a criação de um plano de conjunto
a médio prazo, que se encontra em fase de elaboração.
8
Associação Portuguesa de Pais e Amigos da Criança com Deficiência Mental e Centros de
Educação e Reabilitação de Crianças Inadaptadas.
9
Acerca deste sistema e do seu funcionamento ver o manuscrito Balanço da Actuação no Âmbito da
Reabilitação Profissional (1985-1993) da Direcção de Serviços de Reabilitação do IEFP, 10 de
Março de 1994 e o Diagnóstico e Modelização em Centros de Formação Profissional e Emprego
de Pessoas com Deficiência, Relatório Final, Federação Portuguesa de Centros de Formação
Profissional e Emprego de Pessoas com Deficiência, 1996. Ambos os documentos constituem as
principais referências disponíveis sobre a realidade portuguesa.
106
Por outro lado, será necessário começar a seleccionar uma rede de centros de
recursos de elevada qualidade, regularmente disseminados pelo território, nos quais se
possam concentrar investimentos e recursos. Esses centros deverão abrir-se a outros
destinatários pertencentes a outros grupos desfavorecidos, tornando-se, assim, mais
polivalentes.
O sistema de reabilitação contempla, ainda, uma medida de acção social que prevê
a criação e funcionamento de Centros Ocupacionais para deficientes cuja
desvantagem não permita o acesso a uma actividade económica. Esses centros
existem ainda em quantidade muito insuficiente, sendo o seu alargamento uma outra
necessidade do sistema.
Tanto os Centros Ocupacionais como os núcleos e Centros de Reabilitação
Profissional debatem-se com a escassez de recursos humanos com a devida formação,
que o empenhamento dos quadros existentes não consegue superar. A criação de
novas licenciaturas, cursos técnicos e acções de formação de pessoal auxiliar são mais
uma área de intervenção prioritária.
Os principais instrumentos para a criação de emprego são o Regime de Emprego
Protegido e o Regime de Apoios ao Emprego em Mercado Aberto.
O primeiro divide-se em Centros de Emprego Protegido, dos quais tinham sido
criados em Portugal dezassete entre 1987 e 1993, e enclaves de pessoas com
deficiência em meio normal de trabalho, dos quais tinham sido criados treze no
mesmo período. Em conjunto, no referido período, tinham criado emprego para 1133
pessoas. Dificuldades ligadas à gestão destas estruturas, à sua inserção nas
organizações de trabalho e de valorização e comercialização dos seus produtos
explicam o alcance relativamente pequeno destas medidas, em termos de pessoas
abrangidas. O apoio à modernização tecnológica dos CEP e dos enclaves pode ajudar
a equilibrar economicamente e a expandir estas soluções, indispensáveis no actual
contexto e com as actuais dinâmicas de funcionamento do mercado de trabalho, que
por um lado limita o acesso às inserções economicamente atractivas e por outro deixa
a descoberto áreas com utilidade social e sem rentabilidade económica que podem ser
ocupadas pelo emprego protegido. No caso dos CEP, será ainda necessário fixar-lhes
um estatuto jurídico autónomo que lhes garanta estabilidade e autonomia. Tal regime
deverá criar um equilíbrio mais favorável aos deficientes entre a vocação inicial
desses centros, destinados a preparar e formar em situação real de trabalho
trabalhadores que depois deverão ser lançados no mercado aberto, e a propensão para
os postos de trabalho/formação se prolongarem no tempo tendendo para situações
definitivas, por inexistência de oportunidades alternativas de inserção.
O Regime de Apoios ao Emprego em Mercado de Emprego Aberto engloba um
conjunto diversificado de medidas, como o Subsídio de Compensação às empresas, o
Subsídio para Eliminação de Barreiras Arquitectónicas, o Subsídio para Adaptação de
Postos de Trabalho, o Subsídio de Acolhimento Personalizado para compensar
utilização de pessoal técnico para acompanhamento durante fase de adaptação da
107
pessoa com deficiência ao posto de trabalho, o Prémio de Mérito a entidades que se
destaquem na inserção de pessoas com deficiência, o Prémio de Integração pago em
função de cada contrato sem termo assinado e, por fim, os Apoios à Instalação por
Conta Própria, subsídios a fundo perdido para instalações, equipamento, matériaprima, que pode ser complementado por empréstimo sem juros reembolsável a 10
anos, particularmente bem adaptado ao Emprego ao Domicílio, uma das soluções com
maiores potencialidades para o crescimento das oportunidades de inserção. Entre
1983 e 1993 foram apoiados 797 postos de trabalho pelo Prémio de Integração e 2245
pessoas receberam apoios para instalação por conta própria até 1994.
Para além das medidas cuja introdução poderia beneficiar o sistema de apoio à
criação de emprego acessível às pessoas com deficiência que foram sendo referidas,
outras existem que poderiam beneficiar largamente a intervenção nesta área.
Referimo-nos, por exemplo, às seguintes medidas:
–
–
–
–
–
–
–
–
–
desenvolvimento ou criação em todas as entidades prestadoras de serviços de
apoio ao emprego ou de formação profissional de sistemas de auscultação
permanente das necessidades e dinâmicas dos mercados de trabalho;
utilização plena das potencialidades das novas tecnologias e das novas formas de
trabalho, não apenas em domínios como o trabalho domiciliário, mas também na
adaptação de outros postos de trabalho;
reforçar e divulgar os subsídios para adaptação de postos de trabalho e alargar
apoios às empresas para o acolhimento/integração/formação das pessoas com
deficiência e para a transformação de postos temporários em postos permanentes
de trabalho;
reduzir de forma eficiente os custos não salariais do trabalho de pessoas com
deficiência;
divulgar programas existentes de apoio ao emprego e desburocratizar processos
de acesso;
desenvolvimento dos mecanismos de certificação profissional de modo que
simultaneamente se reconheça a qualidade da formação em reabilitação e se
evitem preconceitos falaciosos sobre as capacidades possuídas pelos formandos
do sistema de reabilitação;
desenvolvimento de mecanismos de controlo e fiscalização da qualidade do
emprego e envolvimento dos parceiros sociais nas estruturas formais de aplicação
desses mecanismos;
alargamento dos apoios, nomeadamente técnicos e financeiros, à criação do
próprio emprego;
excluir a exigência de certificado de robustez física nos processos de admissão de
trabalhadores para a função pública e desenvolvimento de orientações para a
abertura dos quadros do funcionalismo a cidadãos com deficiência (no limite, no
caso da administração central e autárquica, instituir o sistema de quotas);
108
–
levantamento de profissões/contextos de trabalho em que pessoas com deficiência
apresentem vantagens e estudo sistemático das condições ergonómicas de postos
de trabalho típicos.
Uma vez que aos trabalhadores com deficiência se coloca de forma particularmente
grave o problema da manutenção do emprego – quer em caso de recém deficientados,
quer em casos de pessoas cuja estabilidade emocional e capacidade de adaptação
poderá ser menor, é necessário pensar, para além da criação de oportunidades de
inserção, na conservação dos postos conquistados, pelo que se tornam pertinentes
medidas como as seguintes:
– criação de um programa de acompanhamento psico-social prolongado de
trabalhadores com deficiência e de apoio/formação a colegas;
– criação de programa de apoio à formação permanente e actualização no emprego;
– prestação de apoio especial a trabalhadores com deficiência afectados por
processos de reconversão tecnológica ou organizacional, nomeadamente no âmbito
da criação de seguros de desemprego voltados para a formação qualificante de
reconversão;
– revisão da legislação sobre reabilitação e reconversão de trabalhadores recémdeficientados;
– desenvolvimento de incentivos às empresas para a adaptação ao posto de trabalho e
respectiva reorganização com vista à integração do trabalhador recémdeficientado;
– aplicação e melhoria dos regimes específicos quanto às condições de trabalho das
pessoas com deficiência, nomeadamente no que respeita ao trabalho a tempo
parcial, extraordinário, flexibilidade de horário e regulamentação das faltas por
doença prolongada, doença profissional, por acidente em serviço e para
reabilitação profissional.
Outros instrumentos actualmente à disposição do sistema situam-se na área da
orientação, da formação e dos apoios complementares. Falamos de medidas como o
Programa de Preparação Pré-Profissional, com participação do Ministério da
Educação, que abrange cerca de mil pessoas por ano. Falamos igualmente do
Programa de Avaliação e Orientação Profissional, que tem conhecido um crescimento
acentuado, atingindo mais de meio milhar de pessoas por ano. Um crescimento de
beneficiários tem igualmente conhecido o Programa de Formação Profissional, que
envolve perto de cinco milhares de deficientes por ano. Além destes programas
devem ser referidos os “projectos inovadores” enquadrados pelo IEFP, envolvendo
perto de 900 pessoas ano, bem como programas comunitários de que foi possível
beneficiar, como o Helios, o Handynet e o Horizon.
Os programas e projectos referidos constituem os principais instrumentos ao dispor
do sistema para reforçar a empregabilidade das pessoas com deficiência. Face aos
problemas que se verificam na sua utilização, pode referir-se um conjunto de
109
inovações e mudanças a introduzir, no sentido de melhorar a respectiva eficácia e
eficiência, como as seguintes:
– garantia de regularidade dos apoios, independentemente da existência de
programas com horizonte temporal limitado;
– reforço dos processos educativos com componentes pedagógicos especificamente
dirigidos à elevação da auto-estima e da confiança das famílias;
– negociação precoce com as famílias das crianças com deficiência do futuro
processo de inserção profissional, no quadro da introdução da figura do “dossier
individual” que melhore as articulações entre as diferentes fases da vida e da
respectiva dominante institucional;
– modificação do quadro legal que define as condições de acesso ao subsídio de
invalidez, no sentido de facilitar o reacesso em caso de envolvimento numa
experiência profissional não totalmente bem sucedida;
– incorporação da metodologia do desenvolvimento comunitário e de serviços de
apoio à família no conjunto das medidas complementares em relação à reabilitação
profissional;
– desenvolvimento dos sistemas e canais de acesso à informação sobre programas de
formação e emprego, com plena utilização das associações e das famílias;
– desenvolvimento e aprofundamento das metodologias de orientação profissional,
de formação, de articulação entre formação e emprego e de apoio à inserção
profissional;
– formatação modular de toda a formação profissional com vista a construir
respostas segundo a lógica da procura;
– actualização permanente dos conteúdos dos currículos e matérias dos cursos de
formação, de modo a mantê-los permanentemente actualizados em relação aos
perfis profissionais exigidos nos mercados de trabalho;
– desenvolvimento de serviços complementares de apoio à formação e ao emprego
(por exemplo, residências, apoio médico e psico-social, apoio à família, etc.);
– utilização sistemática das novas tecnologias na formação profissional;
– estimulação da prática da formação em posto de trabalho, em Centros de Emprego
Protegido e em empresas de mercado aberto, criando estímulos à criação de
estágios profissionais e de requalificação;
– desenvolvimento dos mecanismos de cooperação, debate e difusão da informação
entre instituições que trabalham na área da reabilitação profissional;
– aumento dos valores dos subsídios para aquisição e modernização de ajudas
técnicas;
– comparticipação nas despesas de deslocação para o posto de trabalho e/ou maior
participação na aquisição de veículo próprio.
Não cremos ser possível resolver o problema da reabilitação e da exclusão das
pessoas com deficiência face ao trabalho num contexto macro-estrutural desfavorável
ao crescimento do emprego. Não será tão pouco crível que as melhoras sejam
110
sensíveis na ausência de intervenções por parte dos parceiros sociais e do Estado
tendentes a sustentar políticas de equilíbrio entre as necessidades da competição
económica e as necessidades de qualidade dos padrões sociais, nas quais se inserem
as medidas activas de emprego, o desenvolvimento de políticas de protecção social
favoráveis à criação de postos de trabalho e à qualificação da mão-de-obra e a
reorganização global do trabalho. Delas beneficiarão todos os grupos desfavorecidos,
que aliás se alargam a cada vez mais amplas camadas da população colocadas em
situações de relativa fragilidade.
Deve relembrar-se, porém, que ainda que se criasse uma situação – actualmente
mirífica – em que a oferta de emprego superasse a procura, muitas pessoas com
deficiência continuariam afastadas do direito ao trabalho. Na verdade, as
transformações a operar na sociedade são profundas. Passam, paradoxalmente, por
medidas simples cujo impacto julgamos de enorme alcance.
Por exemplo, passam pelo desenvolvimento de campanhas sistemáticas de
informação e sensibilização da opinião pública, pelo estímulo às inovações
tecnológicas e aos produtos de consumo corrente concebidos segundo a lógica do
“design for all” (através de prémios à criação inventiva e de benefícios fiscais para
esses produtos), pelo cuidado posto pelos planeadores urbanos e pelos autarcas na
escolha do desenho e implantação do equipamento e mobiliário urbano e pelo
desenvolvimento de acessibilidades arquitectónicas (ao nível do planeamento e do
licenciamento urbano, para além do que já se faz nos edifícios públicos e da
implementação de transportes adaptados), e físicas a bens e serviços como livros,
museus, notícias, anúncios de emprego em jornais, entre outros.
Também não será particularmente oneroso e complicado, havendo vontade,
estimular e diversificar as áreas temáticas da investigação científica e tecnológica
com vista à inovação, adaptação e difusão de ajudas técnicas e de mecanismos de
integração social, bem como promover a sensibilização de técnicos como os editores,
arquitectos, engenheiros e designers para os problemas da deficiência. A reabilitação
poderia mesmo ser incluída nos currículos de formação académica de muitos cursos
superiores.
Por fim, a maior abertura das instâncias de decisão e de condução das políticas às
organizações não governamentais, com particular destaque para aquelas que
representam directamente as pessoas com deficiência, não deixaria de ser entendida
como um passo importante na direcção da maior abertura de toda a sociedade, isto é,
da correcção de algumas das deficiências da coesão social.
111
IGUALDADE DE OPORTUNIDADES NO MERCADO DE TRABALHO
As Minorias Étnicas e o Emprego
Dr. José Leitão*
Melhorar a integração profissional bem como uma maior igualdade de
oportunidades afiguram-se ser as directrizes do Conselho da UE a ter em conta para
analisar a questão “as minorias étnicas” e o emprego.
A reflexão sobre a forma de concretizar uma maior igualdade de oportunidades das
“minorias étnicas” em matéria de emprego, implica, contudo, que se não ignorem
alguns dados de base, bem como o quadro legal existente.
O primeiro dado de base a ter em conta é que, a expressão minoria étnica que
utilizo entre aspas é um conceito polissémico que no mundo anglo-saxónico designa,
em geral, todas as comunidades étnicas, incluindo os imigrantes. Tal facto não sucede
na Europa Continental.1
Presumo que uma abordagem produtiva do tema as minorias étnicas e o emprego,
quis neste caso, abranger também os imigrantes legalmente autorizados a residir e a
trabalhar e não apenas as minorias étnicas nacionais. Utilizarei portanto, neste caso,
minorias étnicas no sentido da literatura científica anglo-saxónica por uma questão
meramente pragmática. A distinção não é, contudo, inútil como teremos oportunidade
de explicitar.
Também teremos de ter em conta nesta iniciativa do Conselho Económico Social,
o Acordo de Concertação Estratégica 1996/99.
Vale a pena ter presente que o Capítulo V – Produtividade, Condições de
Trabalho e Participação contém linhas fundamentais para assegurar a igualdade de
oportunidades em termos que se não podem ignorar.
No ponto 5 – Combate ao Racismo e a Xenofobia refere-se:
O Governo e os Parceiros Sociais reafirmam a grande importância que
atribuem à realização de uma sociedade democrática e pluralista
caracterizada pela solidariedade e pelo respeito da dignidade de todos os
seres humanos. A eliminação de todas as formas de discriminação racial e a
promoção da igualdade de oportunidades constituem valores fundamentais da
nossa sociedade.
O Governo e os Parceiros Sociais comprometem-se a promover esforços para
dar conteúdo aos dispositivos constitucionais e legais e, em especial,
combater este fenómeno nas suas origens. Em particular, os Parceiros Sociais
comprometem-se a promover o combate ao racismo e à xenofobia nos locais
*
Alto Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas.
Maria Beatriz Rocha-Trindade, Minorias Políssemia do Conceito e Diversidade de Manifestações,
Emigração e Imigração em Portugal. Ed. Fragmentos, 1993.
1
112
de trabalho, tendo em atenção a Declaração Comum sobre a Prevenção da
Discriminação Racial e da Xenofobia e a Promoção da Igualdade de
Tratamento no Local de Trabalho adoptada pela Cimeira do Diálogo Social
Europeu em 21 de Outubro de 1995.
O Governo e os Parceiros Sociais terão ainda em particular atenção a
erradicação do trabalho ilegal de estrangeiros e o desenvolvimento de uma
política integrada de imigração, principalmente de oriundos de países
lusófonos”2
Temos de reconhecer os passos significativos dados nesta direcção, sendo o mais
significativo a nova lei do trabalho de estrangeiros já aprovada na especialidade e
que elimina discriminações, assegura maior igualdade de oportunidades e combate o
trabalho clandestino de estrangeiros.
Se utilizo o conceito “minoria étnica” em sentido pragmático e alargado, não posso
deixar de referir que se me afigura não só correcta, mas, também, operativa a
distinção entre minoria étnica e imigrante.
Considero, com efeito, tal como afirma Maria Beatriz Rocha - Trindade que, “a
designação de minoria está por seu lado, necessariamente associada a uma situação
prolongada, geração após geração, de endogamia, está associada, quase
necessariamente, à conservação das normas e referências a uma cultura específica. Tal
é o caso da etnia cigana, constituindo uma minoria étnica bem individualizável, mas
raramente designada como tal”3.
Um trabalho pioneiro, realizado em 1991, sob a coordenação de Alfredo Bruto da
Costa e Manuel Pimenta, intitulado “Minorias Étnicas Pobres em Lisboa” pelo
Departamento de Pesquisa Social do Centro de Reflexão Cristã tinha adoptado o
conceito alargado de minoria, incluindo nele comunidades em grande parte imigrantes
como, por exemplo, a cabo-verdiana, a angolana, a moçambicana, a são tomense e a
guineense.
Ora, como refere justamente M.ª Beatriz Rocha -Trindade, “o inconveniente
pragmático da confusão ou adopção indiferente do conceito de minoria e do conceito
(plural) de imigrantes é o facto de se perder de vista a diferente natureza dos direitos
que a cada um devem ser conferidos”. A que acrescentaria a diferença dos direitos
que lhe são reconhecidos.
Para ser claro, um cidadão cigano tem a cidadania portuguesa e a cidadania
europeia, um imigrante não as tem, pese embora considerar que em matéria de
emprego nada justifica uma desigualdade de tratamento entre todos os residentes
legais, sejam ou não cidadãos nacionais.
A situação dos cidadãos portugueses ciganos tem sido analisada, inclusive na linha
de assegurar maior integração profissional.
2
Acordo de Concertação Estratégica 1996/ 99, Capítulo V - Produtividade, Condições de Trabalho e
Participação, p. 105.
3
Maria Beatriz Rocha-Trindade, op. cit., p. 428.
113
O Relatório do Grupo de Trabalho para a Igualdade e Inserção dos Ciganos, criado
pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 157/96, de 19 de Outubro, com o
objectivo de contribuir, de forma continuada, para combater a exclusão social desta
comunidade, propôs diversas medidas específicas dirigidas à sua formação
profissional e inserção profissional que mereceram a aprovação do Governo:
Considerou-se necessária “a criação de estruturas de formação profissional
que permitam desenvolver acções de formação profissional especial
adaptadas às especificidades socio-culturais de jovens ciganos.
A formação profissional desta população maioritariamente jovem deve ser
encarada como imprescindível ao seu acesso ao mercado normal de emprego
em alternativa à venda ambulante, sector manifestamente insuficiente para
todos os ciganos.
Necessidade de articulação de formação profissional com entidades de acção
social com intervenção directa no terreno, quando estas não têm condições
próprias para as promover indirectamente.
Valorizar os cursos de formação de mediadores ciganos, os quais podem ter
um papel de ponte essencial a desempenhar no diálogo das comunidades
ciganas, com as entidades públicas e privadas, procurando assegurar um
adequado nível de formação através de uma cuidada selecção dos candidatos,
organização dos currículos e definição das entidades formadoras e
divulgando a acção que podem desempenhar junto dos potenciais
empregadores (escolas, autarquias, instituições de solidariedade social,
outras);
Definir o estatuto de mediador e sua integração e regularização.
1. As acções a propor pelo Ministério para a Qualificação e Emprego através
do IEFP, com vista a contribuir para a eliminação de situações de exclusão
social, passam pelo apoio às acções no âmbito de integração
socioprofissional deste grupo.
Podem neste contexto ser apoiadas as seguintes acções:
1.1 Pode ser previsto um atendimento personalizado a este grupo ao nível dos
Centros de Emprego e o IEFP, aos quais compete:
– proceder à informação, orientação e encaminhamento, desde que reunidas
as condições mínimas exigidas, para as acções de formação profissional e
desenvolver nos centros de formação profissional e outras estruturas de
formação.
– desenvolver os processos de colocação e de apoio no âmbito dos programas
de emprego e inserção socioprofissional.
– acompanhamento pós-inserção.
114
1.2 O IEFP pode ainda financiar, mediante a celebração de Acordos de
Cooperação específicos com entidades sem fins lucrativos que desenvolvam
trabalho de reconhecido mérito com esta população, o apoio às acções de
facilitação de inserção socioprofissional através designadamente de
mediação entre a comunidade cigana e os diferentes mecanismos de
integração existente.
As acções de facilitação integram:
– formação de mediadores;
– mediação para o emprego;
– acompanhamento da inserção.
1.3 No âmbito dos apoios em vigor no IEFP podem ser apoiadas acções
promovidas por Organizações não Governamentais incluindo IPSS,
Paróquias e Associações sem fins Lucrativos, no âmbito da Formação
Profissional Especial, ao abrigo do DL 140//93, de 6 de Julho, regulamentado
através da CN 23/94, destinadas ao desenvolvimento de acções de formação
profissional especial de grupos específicos.
A Formação Especial distingue-se da Formação Profissional Geral pelo facto
de abranger não apenas aspectos de formação mas também de inserção
socioprofissional e de se dirigir a segmentos da população com maiores
dificuldades formativas e de resolução de problemas de integração.
Esta formação define-se ainda pela existência conjugada de diferentes
características, das quais se salienta o desenvolvimento de um processo
formativo integrado, com recurso a modalidades de formação complementar
que incluem áreas de intervenção tais como:
a) informação e orientação profissional e acompanhamento psicopedagógico;
b) formação socio-educativa;
c) acompanhamento no processo de inserção na vida activa;
d) articulação com iniciativas de acção social.
Vários projectos especificamente pensados para a comunidade cigana estão em
curso. Verificam-se, por exemplo, acções de formação profissional consonantes com
o carácter cigano (nas áreas da marcenaria e fabrico de guitarras, e corte e costura,
fornecendo simultaneamente formação escolar, apoio à integração profissional e
fomento do conhecimento e desenvolvimento da cultura cigana e a sua relação com
outras culturas.
Outro projecto visa a formação de mediadores dinamizadores comunitários ciganos
e a criação de uma Agência de Desenvolvimento Local.
115
No âmbito do mercado social de emprego encontra-se em fase de apreciação final a
proposta apresentada pelo Ministério da Educação da criação da figura de Mediadores
Culturais para a Educação.
Esta proposta foi elaborada na sequência das acções de formação ministradas pelo
Departamento de Educação Básica a jovens ciganos para desempenharem funções de
mediador em escolas com grande número de alunos desta etnia.
Isto não significa que os cidadãos ciganos não devam ser incluídos também nos
programas gerais que visam assegurar a integração no mercado de trabalho. As acções
específicas devem ser a excepção necessária e não a regra.
Já no que se refere aos imigrantes, considero que todos os que são legalmente
residentes, devem ser abrangidos sem discriminações negativas ou positivas, pelas
políticas que visam melhorar a integração profissional.
Devemos agir nesta matéria na linha da Declaração Comum sobre a Prevenção da
Discriminação Racial e da Xenofobia e a Promoção da Igualdade de Tratamento no
Local de Trabalho, adoptada pela Cimeira do Diálogo Social Europeu, em 21 de
Outubro de 1995.
Nem outro é legítimo que seja o sentido da evolução quando nos tratados da União
Europeia, revistos depois de Amesterdão se consagrou uma cláusula de não
discriminação fundada no sexo, raça, origem étnica, religião, crença, deficiência,
idade ou orientação sexual (novo 13.º do Tratado que instituiu a Comunidade
Europeia).
Não podemos esquecer que a Convenção para a Eliminação da Discriminação
Racial das Nações Unidas, ratificada por Portugal e pela generalidade dos EstadosMembros da União Europeia considera que “a discriminação racial visa qualquer
distinção, exclusão, restrição ou preferência fundada na raça, cor, ascendência na
origem nacional ou étnica que tenha como objectivo ou como efeito destruir ou
comprometer o reconhecimento, o gozo ou o exercício, em condições de igualdade,
dos direitos do homem e das liberdades fundamentais nos domínios político,
económico, social e cultural ou em qualquer outro domínio da vida pública”.
Não podemos fingir ignorar ao falar de políticas de emprego que a situação do
mercado de trabalho na União Europeia é marcada pela existência de grande volume
de trabalho informal, pelo recurso em muitos países a um recrutamento em larga
escala de imigrantes ilegais.
Como se afirmava no Relatório da Assembleia Nacional Francesa sobre imigração
clandestina de 1996, “A imigração irregular é suscitada e alimentada pelos empregos
oferecidos, muitas vezes através de redes especializadas, a uma mão-de-obra
clandestina que a precariedade da sua situação obriga a aceitar condições muitas
vezes indignas. Para além disso, o emprego de estrangeiros em situação irregular
116
falseia e, em alguns sectores, gravemente o jogo da concorrência em detrimento dos
empregadores que exercem legalmente a sua actividade”4.
Verificam-se, também, em geral, uma maior taxa de desemprego de certas
populações imigrantes ou de determinadas minorias étnicas nacionais, o que levou
inclusive na Holanda à adopção de uma lei que permite o tratamento preferencial dos
candidatos pertencentes a minorias, em caso de qualificações suficientes ou iguais
para um posto, o que John Wrench qualifica de “acção afirmativa”.
No já citado estudo de 1991 intitulado “As Minorias Étnicas Pobres” refere-se que
“há uma presença maciça de minorias étnicas em certos ramos de actividades (os de
mais baixa produtividade) e certas categorias profissionais (as menos qualificadas),
precisamente os menos atractivos e valorizados pelos trabalhadores portugueses. Esta
tendência para os imigrantes ocuparem, na divisão do trabalho, os empregos com
piores condições e menores remunerações é, de resto, comum a todos os países que
acolhem imigrantes (basta recordar a situação dos portugueses nos países mais ricos
da Europa”.
João Ferreira de Almeida num estudo de 1993 acrescenta que “o nosso país
caracteriza-se por uma vasta heterogeneidade das suas situações de exclusão social, já
que os grupos sociais mais afectados são mais diversos e abrangem outros para além
das minorias étnicas e imigrantes. É necessário fazer um esforço para encontrar
padrões, configurações mais gerais para se poder melhor resolver o carácter
multidimensional e específico da exclusão social”5.
A resposta a esta diversidade de situações, passa pela inovação em matéria de
emprego.
Como se refere na Resolução do Conselho relativa às directrizes para o emprego
em 1998 “se a União Europeia pretende conseguir dar resposta ao desafio do
emprego, devem ser efectivamente exploradas todas as potenciais fontes de
emprego, bem como as novas tecnologias e as inovações”.
Vale a pena ter presente a este respeito a reflexão prospectiva de Ricardo Petrella,
em que este refere: “o Estado e as forças sociais organizadas (empresas
nomeadamente) podem ter um papel decisivo, não só para estimular o investimento
produtivo, mas também para promover a emergência e o desenvolvimento de um
tecido social colectivo denso “humus” indispensável para assegurar ao país gerações
aptas a inovar, investir, gerir, dar de novo o gosto pela criação e pela mobilidade será
decisivo”.6
Uma das inovações a introduzir poderá consistir na criação de empresas de
inserção com o objectivo e vocação prioritária, do combate à pobreza e à exclusão
4
Jean-Pierre Philibert et Suzanne Sauvaigo, Immigration Clandestine et Sejour Irregulier d’étrangers
en France, Tome I, Rapport n.º 2699, 1996: 106.
5
In Integração Social e Exclusão Social: Algumas Questões, Análise Social, Vol. XXVIII, 123/1993,
p. 829-834.
6
In Reflexões Sobre o Futuro de Portugal (e da Europa), Vol. VII, Fundação Calouste Gulbenkian,
Maio 1990, p.68.
117
social, através da reintegração ou inserção de pessoas com particulares problemas e
dificuldade no acesso ao mercado de emprego, proporcionando-lhes uma
oportunidade para desenvolverem uma experiência de trabalho em contexto
organizacional, de adquirirem qualificações básicas e profissionais para efeitos de
emprego.
Estas empresas devem naturalmente destinar-se a todos os residentes legais,
incluindo as minorias étnicas nacionais e os imigrantes.
É manifesto que a Resolução do Conselho relativa às directrizes para o emprego
em 1998, não procurou manter medidas especiais para as minorias étnicas como o fez,
por exemplo, para as mulheres ou para os deficientes.
Julgo, contudo, que a regra terá de ser, abranger em geral todos os residentes
legais, por tudo o que já ficou dito, independentemente da nacionalidade ou origem
étnica, em todas as medidas destinadas a assegurar uma melhor integração
profissional ou igualdade de oportunidades.
Quando, por exemplo, se refere a necessidade de “proporcionar uma nova
possibilidade a todos os jovens”, não podem deixar de se abranger todos os jovens
legalmente residentes nos Estados-membros da União Europeia. Exige-o inclusive a
coerência da actuação política da União Europeia.
No encerramento do Ano Europeu Contra o Racismo em 19 de Dezembro de 1997,
o Presidente Jacques Santer, face à necessidade de combater o racismo a nível
europeu, afirmou solenemente:
As instituições europeias, por seu lado, conduzirão este combate sobre duas
frentes: – a frente jurídica primeiro que tudo (...) a Comissão havia proposto no seu
parecer sobre a Conferência intergovernamental, a introdução no novo tratado de uma
cláusula geral condenando o racismo e proibindo a discriminação. O texto concluído
em Amesterdão permitirá considerar após a ratificação do tratado, a elaboração de
uma legislação europeia (...)”.
E mais adiante refere que “a União opor-se-á ao racismo sobre uma segunda frente.
Opondo-lhe uma outra perspectiva, a da unidade na diversidade, a da riqueza pela
diversidade. Agindo sobre os factores que favorecem a tolerância e a solidariedade.
Nesta perspectiva, a luta contra o racismo deve ser uma preocupação comum às
diversas políticas comunitárias. Todas as políticas comunitárias podem ser
mobilizadas para este efeito, em particular, as que dizem respeito ao emprego, à
livre circulação de pessoas, à integração dos imigrantes, à educação, à juventude, às
que impliquem a intervenção de fundos estruturais”.
O problema do emprego das “minorias étnicas”, incluindo o dos imigrantes está
indissoluvelmente ligado a uma acção relativa ao modelo de sociedade que
pretendemos construir em Portugal e na Europa.
118
Temos que escolher, tal como refere John Wrench no relatório “Preventing Racism
at the Workplace”, ”entre uma sociedade dualista e uma sociedade activa”.7
Uma sociedade “dualista”, em que a riqueza é criada por uma mão-de-obra
altamente qualificada, utilizando equipamento baseado em tecnologia avançada,
sendo depois o rendimento transferido para os não activos, através de pagamentos da
segurança social, como base de alguma medida de justiça social.
Uma sociedade “activa”, em que existe uma distribuição mais alargada do
rendimento, obtido através de meios que não transferências da segurança social e em
que todas as pessoas sintam que podem contribuir, não só para a produção,
juntamente com todos aqueles que pretendem trabalhar e têm uma oportunidade
razoável de acesso ao emprego, mas também de uma participação na vida e no
desenvolvimento da sociedade”.
Consideramos como John Wrench que “só ela poderá ser socialmente coesa e
permite, na verdade, dar significado ao termo: uma sociedade cujo objectivo consiste
em reduzir as desigualdades geradas pelos desequilíbrios económicos e sociais, não só
através de prestações de natureza social, mas oferecendo a todos a oportunidade de
participarem. Quando as características étnicas ou a cor se tornam um dos símbolos
desta dualidade, as implicações sociais de uma “sociedade dualista” são ainda mais
graves”.
A superioridade do modelo social europeu, exige um compromisso inequívoco no
sentido de assegurar a igualdade ou oportunidades das “minorias étnicas” em matéria
de emprego.
7
Preventing Racism at the Work Place, A Report on 16 European Countries, European Foundation for
the Improvement of Living and Working Conditions, Luxembourg: Office for Official Publications of
the European Communities, 1996, p. 170.
119
Desenvolvimento do Espírito
Empresarial e da Capacidade de
Adaptação das Empresas
120
Intervenção de Sua Excelência o Ministro da Economia
Dr. Pina Moura
O desenvolvimento do espírito empresarial e o incentivo à capacidade de
adaptação das empresas e dos seus trabalhadores constituem duas das quatro
directrizes do Conselho Europeu para a elaboração dos planos nacionais de emprego
dos diferentes Estados-Membros.
De facto com a entrada na terceira fase da União Económica e Monetária, eliminase aquela que ainda é a última barreira existente no mercado interno europeu. Não
obstante todos os progressos feitos na livre circulação de mercadorias, na eliminação
de barreiras fiscais e alfandegárias, nos esforços de harmonização das políticas e dos
sistemas públicos, nomeadamente do sistema fiscal, a verdade é que a existência de
moedas nacionais no espaço da União Europeia, tem continuado a constituir uma
efectiva barreira a uma real implantação de um mercado único, de um mercado
interno em toda a sua dimensão.
Com a eliminação dessa última barreira nós entramos de facto numa nova situação
de mercado, o que significa para as empresas portuguesas um acréscimo muito grande
de riscos e de concorrência, mas significa também um grande número de
oportunidades para actuarem, intervirem e colocarem os seus produtos num mercado
muito maior.
Basta lembrarmo-nos do efeito de integração do nosso mercado vizinho, o mercado
espanhol – que é aquele que nos está mais próximo e com o qual as relações
económicas bilaterais são, na dimensão de clientes e fornecedores, mais intensas e
onde a circulação de mercadorias, de pessoas e de bens é mais fácil – e da enorme
alteração que se vai produzir com a eliminação do escudo e da peseta, já que, em
certo sentido, passamos a actuar num mercado que actualmente tem dez milhões de
pessoas, para um mercado que terá cinquenta milhões de pessoas.
Esta visão dá-nos bem a dimensão do factor multiplicador do mercado que a
criação da União Económica e Monetária vai ter ao envolver onze dos quinze países
da União Europeia. Este é o ponto de partida e é o ponto condicionante de toda a
política do Ministério da Economia e de toda a política económica do Governo a
partir do dia 4 de Maio. Vamos de facto entrar numa nova fase da nossa vida política,
económica, social e monetária.
Devo sublinhar que esta nova fase se caracteriza também por uma grande alteração
das políticas económicas, que se traduz por perda de eficácia e, tendencialmente, pelo
desaparecimento total das políticas macroeconómicas de base nacional como factor de
relacionamento dos poderes públicos com os agentes económicos.
As políticas monetária e cambial de base nacional desaparecerão efectivamente e a
política orçamental, não obstante prosseguir, ficará muito limitada na sua eficácia
121
com o esforço necessário de coordenação das políticas orçamentais a nível de todos
os países membros da União Económica e Monetária, e que é consubstanciada no
pacto de estabilidade que o Governo Português proporcionou, apoiou e assinou num
dos Conselhos Europeus do ano passado.
É muito importante compreendermos que os instrumentos de regulação
macroeconómica vão perder significado, passando os instrumentos de política
microeconómica, ou seja, os instrumentos direccionados para as empresas e para as
suas condições de competitividade, na multiplicidade de factores que as condicionam
e as influenciam, a serem o eixo fundamental de intervenção das políticas públicas.
É muito importante que essa alteração seja assimilada por todos nós, na medida em
que, mais do que nunca até agora, vai ser válida a tese defendida há muito tempo por
vários economistas de que a condição sine qua non para termos uma boa economia é
termos cada vez mais uma melhor microeconomia. Ou seja, a saúde do conjunto
agregado da nossa economia vai depender muito mais da saúde económica e
financeira de cada uma das pequenas, médias e grandes unidades que são as empresas.
Este elemento vai significar uma reorientação das políticas públicas, por forma a
estimular e incentivar a melhoria rápida das condições e dos factores dinâmicos de
competitividade das empresas.
Se tivermos em conta o universo das nossas empresas, em que 95% são PME,
assume particular relevo as políticas públicas de superação de algumas das suas
maiores debilidades e reforço da sua competitividade traduzidas no apoio ao
investimento, financiamento e garantia mútua, assistência técnica, formação
profissional, informação e cooperação. Outro vector importante constitui o estímulo
do associativismo empresarial sectorial e regional.
Trata-se da implementação de políticas que visem a emergência de empresas mais
competitivas, criando assim condições de reestruturação de empresas e melhoria
do ambiente empresarial.
Neste quadro acaba de ser promulgado um conjunto de legislação o SIRME –
Sistema de Incentivos à Reestruturação e Modernização Empresarial que visa
desenvolver uma política de revitalização e modernização do tecido empresarial.
O objectivo é estimular os empresários portugueses a mobilizarem a sua iniciativa
e a sua capacidade de risco para movimentos de revitalização e reestruturação
empresariais que permitam a numerosas boas empresas aumentarem a sua massa
crítica; terem mais solidez e capacidade negocial face ao sistema financeiro; lançarem
estratégias de médio e longo prazo que lhes garantam condições de competitividade
no quadro da UEM e que vão desenvolver a sua actividade depois da efectiva criação
e circulação do euro.
Nos processos de reestruturação importa aliar a necessidade de flexibilidade,
com a segurança e estabilidade social, elas também indispensáveis ao
desenvolvimento empresarial.
122
Pode dar-se como exemplo o caso Lisnave-Gestnave em que muitos consideravam
a criação da Gestnave como a de um armazém de quadros e trabalhadores à espera da
pré-reforma e hoje esses mesmos trabalhadores não são suficientes para as tarefas que
desenvolviam e para novas áreas de actividade onde a sua experiência e qualificação
se tornaram uma clara vantagem competitiva.
Também no apoio às estratégias integradas de modernização empresarial acaba
de ser relançada e renovada a medida 3.3 do PEDIP.
Serão incentivados de forma selectiva os melhores projectos de desenvolvimento
empresarial para a indústria, prevendo-se, nos dois anos, atingir um investimento
superior a 200 milhões de contos.
Ainda que se constate, que a estabilização do quadro macroeconómico do país tem
vindo a assegurar um clima favorável ao investimento nas empresas, nomeadamente
através da redução sustentada das taxas de juro e da inflação, o Ministério da
Economia reconhece a necessidade de se estimular a aceleração do processo de
convergência real das estruturas empresariais portuguesas relativamente aos
desempenhos das suas congéneres europeias, através de um quadro de incentivos
fiscais e financeiros coerente com o objectivo a alcançar e os recursos orçamentais
disponíveis.
O regime de apoio à realização de estratégias empresariais integradas procura
agora de forma mais articulada aliar as necessidades de competitividade das empresas
com as exigências do desenvolvimento económico sustentado e com a política social
e ambiental do Governo.
Na articulação da política industrial com a de desenvolvimento regional irá ser
criada no PEDIP uma experiência inovadora apoiando a deslocalização de indústrias
do litoral para concelhos do interior (ex: calçado).
Incentiva-se assim a expansão e o desenvolvimento de empresas situadas em
regiões com carência de mão-de-obra para zonas do interior, onde se poderão
localizar para já, partes menos exigentes do ciclo produtivo, cuja relocalização deverá
ser acompanhada de um esforço de formação no sentido de consolidar esta orientação.
Na definição desta política de incentivos importa sempre ter presente que:
• as empresas estão no centro do processo de desenvolvimento tecnológico;
• os recursos humanos constituem o catalisador indispensável para converter o
progresso tecnológico em crescimento económico e bem-estar social;
• a tecnologia e a permanente inovação tecnológica e organizativa tornaram-se
variáveis fundamentais na competitividade das economias nacionais e nas
estratégias das empresas;
• a actividade científica e tecnológica não pode ser considerada como exógena em
relação ao meio socioeconómico em que é praticada.
123
Neste enquadramento, o PEDIP II dá especial ênfase a factores qualitativos do
desenvolvimento empresarial, desde os diagnósticos e planos empresariais
estratégicos, até à dinamização de serviços de apoio à indústria, passando, entre
outros, pelos estudos de marketing e pela transferência de tecnologias. Outros factores
importantes, a que o PEDIP II confere, também, especial atenção e que fazem parte da
envolvente propícia à inovação são chamados os factores dinâmicos de
competitividade: a capacidade de projecto e concepção de produtos, a preservação do
ambiente, a melhoria das condições de trabalho, os requisitos de qualidade.
Os objectivos estritos de inovação tecnológica são prosseguidos através do
desenvolvimento de um conjunto de acções que visam fundamentalmente:
• melhorar o desempenho das infra-estruturas tecnológicas;
• criar um ambiente adequado ao aparecimento ou crescimento de PME de grande
conteúdo tecnológico nomeadamente através do apoio à consolidação de Pólos
Tecnológicos e de Centros de Incubação;
• mobilizar a comunidade científica para projectos de I&DT industrialmente
orientados;
• incentivar a mobilidade de técnicos especialistas entre as empresas industriais e
as infra-estruturas tecnológicas;
• apoiar projectos de I&DT de iniciativa empresarial, visando o desenvolvimento
de novos produtos e processos;
• apoiar a protecção legal dos direitos de propriedade industrial;
• promover a inovação junto das empresas industriais em complemento da
sensibilização da opinião pública e consequente habituação da apetência por
produtos com conteúdo inovador;
• apoiar a mediação entre a oferta de tecnologia e as necessidades das empresas
industriais;
• apoiar o financiamento de projectos inovadores de elevado potencial
tecnológico e risco elevado.
Outros factores de melhoria do ambiente empresarial que constituem objectivo das
políticas públicas no sentido de induzir competitividade nas nossas empresas são a
redução dos custos energéticos, o apoio regulamentar à implementação de regras
transparentes de concorrência (ex. vendas com prejuízo, IGAE), a
desburocratização e uma maior e mais eficaz interface da administração com as
empresas (ex. Centros de Formalidades, disponibilização de bases de dados) e o apoio
à internacionalização.
Porém, além das políticas públicas, a necessidade de novas condições de
competitividade das empresas exige do meio empresarial, dos trabalhadores, da
sociedade em geral uma postura e actuação ajustadas aos actuais processos de
mudança.
124
Os vectores desta mudança passam essencialmente pelo capital humano, e desde
logo pela necessidade de um significativo aumento das qualificações profissionais.
A entrada nas nossas empresas de gestores e empresários mais qualificados, a
admissão, pelas empresas, de jovens qualificados em novas áreas, a formação
contínua dos trabalhadores elevando a sua qualificação e apoiando a sua adaptação a
novas funções são de importância vital para a redução de uma clara desvantagem
competitiva da nossa actividade económica.
A articulação entre a educação e a formação profissional e uma maior interface das
instituições de educação/formação com as empresas são alterações para as quais todos
temos de contribuir.
O Ministério da Economia dará particular atenção a intervenções que contribuam
para a inserção de jovens técnicos nas empresas, para a promoção, junto dos jovens,
das formações e profissões qualificantes sobretudo em áreas tecnológicas, para o
reforço da formação contínua.
A formação contínua terá que continuar a ser uma prioridade para conseguirmos
desenvolver as qualificações dos activos das empresas criando condições para o
aparecimento de empregos crescentemente qualificados, potenciando as políticas de
desenvolvimento empresarial.
Os factores chave da competitividade, a capacidade de resposta às rápidas
mutações tecnológicas e de mercado, a modernização dos processos de produção de
bens, o incentivo ao aparecimento e expansão dos serviços de qualidade, decorrentes
quer de actividades externalizadas quer da resposta a novas necessidades das
empresas, a diversificação e a internacionalização das empresas só podem
desenvolver-se com trabalhadores e quadros mais qualificados.
A nível do Ministério da Economia será incentivada, em coordenação com os
restantes ministérios, particularmente o da Educação e do Trabalho e Solidariedade
toda a intervenção na área da qualificação dos recursos humanos das empresas como
eixo determinante do êxito das estratégias de modernização.
125
FACILIDADES AO ESTABELECIMENTO DE NOVAS EMPRESAS
Dr. Paulo Nunes de Almeida*
A. INTRODUÇÃO
Vivemos a transição para uma nova civilização. Da sociedade tecnológica para
uma sociedade assente na cultura, na pessoa humana, na criatividade, na polivalência.
Vivemos numa civilização baseada nos valores da economia de mercado e da livre
iniciativa. Assistimos ao crescendo da competitividade entre nações, projectos,
empresas, produtos, pessoas. Num contexto onde só os mais audazes, os mais
capazes, os mais persistentes e os mais conhecedores terão oportunidade de liderar,
sempre com os olhos postos na inovação e no futuro.
No último ano, de 1997, e segundo dados oficiais, a economia portuguesa cresceu
acima da média comunitária, a taxa de inflação manteve uma trajectória descendente,
a dívida pública e o deficit orçamental reduziram-se, tudo isto acompanhado da
descida das taxas de juro.
Pese estes factos, profundamente animadores, continuam a subsistir problemas
graves de emprego na sociedade portuguesa:
a) reduzido aumento do emprego global e redução da taxa de desemprego
inferior ao previsto;
b) aumento da precariedade e instabilidade do emprego;
c) subsistência de dificuldades de inserção profissional ao nível do 1.º emprego
jovem;
d) dificuldades de reinserção de ex-activos especialmente de mulheres;
e) baixos níveis de formação e flexibilidade laboral.
B. A INTERVENÇÃO ASSOCIATIVA DOS JOVENS EMPRESÁRIOS
Sem muitas delongas, a UJEP - União de Jovens Empresários Portugueses tem
defendido que o emprego líquido só se cria com o aparecimento de novas empresas. E
como representantes dos Jovens Empresários entendemos que, neste processo, o
jovem é o elemento mais determinante. Mas para que tal aconteça importa que se
criem condições e estímulos. Importa que se abra caminho ao jovem empreendedor.
Neste contexto, a UJEP afirma-se já conhecedora e dinamizadora daquelas que são
as novas directrizes para o emprego, estabelecidas pelo Conselho da União Europeia,
*
Presidente da UJEP - União de Jovens Empresários Portugueses.
126
que não podem deixar de ser entendidas como contributos essenciais para um Plano
Nacional de Emprego, a adoptar pelo Governo.
Assim:
1. Intervimos através das Associações que constituem a UJEP ao nível da melhoria
da integração profissional, visando combater o desemprego dos jovens e
prevenindo o desemprego de longa duração.
Desenvolvemos Planos de Formação, no âmbito do Programa Pessoa, que têm
como destinatários os jovens à procura do 1º emprego, licenciados ou bacharéis,
outros jovens com menor qualificação e desempregados, para além dos activos
das empresas participadas por jovens empresários.
A aposta na qualidade de formação é sinónimo de melhores profissionais, pessoas
melhor preparadas para desenvolver o espírito empresarial.
2. Promovemos medidas activas para a empregabilidade.
A constituição de uma bolsa de estágios/empregos, assente no conjunto de
formandos é um objectivo permanente da nossa intervenção associativa,
actuando como promotores da aproximação entre a qualificação dos jovens
quadros e as necessidades sentidas pelas empresas que nos estão associadas.
3. Desenvolvemos inúmeras parcerias com entidades públicas e privadas no
âmbito da formação, da sensibilização e informação, do apoio à criação e
instalação de empresas, do acesso dos jovens à função empresarial.
4. Promovemos mecanismos facilitadores da transição da Escola para a vida
activa.
Sabemos que existe um fosso significativo entre o ensino ministrado na maioria
das escolas e a competência requerida no mercado de trabalho. O Sistema de
Ensino Formal está nesta altura preparado para formar (des)empregados e não
empreendedores; não se preocupa com a formação comportamental e com o
estímulo a uma atitude mais autónoma, mais activa e mais empreendedora dos
jovens portugueses.
• Estamos conscientes da necessidade de apostar em cursos que permitam aos
recém-formados adquirir a capacidade de polivalência tão importante hoje
em dia;
• a globalização da economia conduziu-nos a uma dinâmica acelerada
relativamente às exigências para o desempenho da actividade profissional;
• torna-se, pois, vital identificar novas saídas e novas áreas que criem
oportunidades de emprego (e de auto-emprego) tais como as relacionadas
com o ambiente, novas formas de trabalho, estimuladas pelo
desenvolvimento de novas tecnologias, como por exemplo, o tele-trabalho;
• adoptámos programas inovadores que visam o estímulo à criação de
emprego.
127
Neste particular, é com grande satisfação e resultado que temos estabelecido
contactos, parcerias e envolvimentos diversos com várias instituições de ensino,
superior e outras, permitindo que os jovens viajem ao mundo real das empresas e do
empreendedorismo, sensibilizando-os para a necessidade de desenvolvimento de uma
atitude mais empreendedora.
Assumem relevo as iniciativas seguintes:
ROAD-SHOW ESCOLAS, com exposições, shows de informação, seminários
sobre criação de empresas, apoios e financiamentos, utilização de quiosques
multimédia, divulgação de instrumentos de apoio à iniciativa empresarial jovem.
Outra iniciativa é o “CONCURSO DE IDEIAS”, destinado a premiar a
criatividade, seleccionando as melhores ideias de negócio, sempre em parceria com a
Universidade e outras escolas. Os premiados beneficiarão de apoio técnicoempresarial, visando a conversão das ideias em planos de negócio utilizando, para o
efeito, o encaminhamento para entidades responsáveis dos instrumentos de apoio ao
investimento e instalação de empresas por jovens, como são os casos do SAJE e dos
programas ninhos de empresas e centros de incubação.
Também o PRÉMIO DO JOVEM EMPREENDEDOR é uma faceta inovadora que
corporiza as directrizes apontadas. É um prémio de cariz pecuniário e instrumental de
apoio ao desenvolvimento e implementação de projectos empresariais, através da
avaliação de planos de negócios apresentados por jovens empresários ou
empreendedores.
Às anteriores iniciativas se associa a ESCOLA DOS EMPREENDEDORES,
concebida para promotores de ideias e negócios empresariais inovadores,
estabelecendo uma ponte entre o mundo dos negócios e actividades lúdico-culturais,
fomentando a cooperação e o trabalho em equipa. Funciona em regime intensivo de
internato, prevendo um período de acções de formação dirigidas às diferentes áreas
inerentes à implementação dos projectos empresariais.
Todas estas iniciativas, e ainda a FEIRA DO EMPREENDEDOR, aparecem no
âmbito da Academia dos Empreendedores que é uma iniciativa de vocação nacional
promovida com o apoio da área governativa do emprego e formação profissional.
São, neste contexto, objectivos da Academia dos Empreendedores:
–
–
–
–
–
–
–
–
forte e novo impulso à capacidade empreendedora da juventude;
maior e melhor capacidade de iniciativa;
mais acentuada autonomia do jovem;
concretização e preparação do seu ingresso na vida profissional;
encontrar novas vias para o combate ao desemprego;
apostar na criação do próprio emprego/empresa;
dotar os jovens de formação consistente e prática;
identificá-los com os instrumentos de apoio e fontes de informação.
128
Esta Academia é o primeiro exemplo vivo de uma ligação quase umbilical ao
sistema educativo português. Ninguém, como nós, está tão próximo da escola e do
empreendedorismo jovem.
Acreditamos que a ligação ao sistema universitário, por exemplo, produza
resultados surpreendentes.
5. Contribuímos, através do SAJE, para a aposta na resolução dos problemas do
investimento produtivo e de criação de emprego. Salienta-se a importância da
existência de um instrumento que apoia os jovens no início de uma carreira
empresarial, sendo certo que nunca os jovens, em Portugal, dispuseram de
instrumento tão completo para apoiar o arranque das suas iniciativas
empresariais. E a criação de uma empresa por um jovem não só resolve o
problema de emprego desse jovem, como gera novas oportunidades de emprego
no seio da nova empresa.
6. No esforço contínuo para encontrar novas e melhores formas de apoio aos
jovens empresários preparamo-nos para lançar uma nova marca: a Agência dos
Empresários, materializada num conjunto de balcões distribuídos, pelo país,
apoiando a constituição de empresas, e as restantes fases de desenvolvimento
empresarial. Tem como objectivo prioritário o combate à burocracia, o acesso
ao financiamento, a criação de parcerias, a aposta na internacionalização e no
conhecimento de novos mercados, o contacto com outros factores dinâmicos de
competitividade como o design, o marketing e a comunicação.
Será também um instrumento poderoso, versátil e completo, que possibilitará o
arranque de novos projectos.
C. CONCLUSÕES
Por tudo o que vimos dizendo se pode, desde já, e fazendo um ponto de situação,
concluir que:
– Apesar da boa envolvente macroeconómica a actual situação do desemprego em
Portugal e na Europa tem profundas consequências sociais e económicas que
nos parece assumirem carácter estrutural, com tendência para um ainda mais
preocupante agravamento, em face do desenvolvimento tecnológico e da
racionalização empresarial que se antevê para as próximas décadas. As grandes
empresas continuarão, neste contexto, a ser geradoras de desemprego e só o
estímulo à criação de uma nova consciência empreendedora entre os jovens e de
condições propícias ao desenvolvimento de projectos empresariais poderá
permitir que se atinja um efeito de compensação desta tendência,
rejuvenescedor do tecido empresarial e reestruturador do “ mercado” de
emprego.
129
– Os Jovens Empresários têm ao longo dos últimos anos desenvolvido um papel
que nos parece fundamental no estímulo do espírito empresarial entre os jovens,
como meio de compensar as insuficiências registadas, a este nível, no sistema
de ensino formal e contrariar a própria cultura europeia mais dirigida para
formas de conhecimento e de emprego que não existirão nas sociedades do
futuro.
– De igual forma têm desenvolvido um conjunto de acções de formação e
qualificação profissional nas áreas da criação e desenvolvimento empresarial,
destinadas a dotar os jovens de competências suficientes para o acesso à função
empresarial ou, simplesmente, para uma mais facilitada integração na vida
activa.
– Têm ainda concebido e desenvolvido um conjunto de instrumentos de apoio ao
investimento e à instalação de empresas por jovens empresários, como são os
casos do SAJE, dos Ninhos de Empresas e dos Centros de Incubação, bem
assim como dos instrumentos de apoio ao desenvolvimento de projectos
empresariais participados por jovens.
– Esta intervenção associativa justifica, no contexto referido do desemprego
qualificado com que a juventude portuguesa se confronta, um mais profundo
envolvimento das áreas governativas da Educação e do Emprego por forma a
que, uma vez considerada no âmbito do Plano Nacional de Emprego como
estratégica a aposta no empreendedorismo e na criação de empresas, se
aprofundem e sistematizem os meios e instrumentos que permitam a sua
efectiva concretização. Nesse sentido se justificam também as propostas que
passamos a enunciar no ponto seguinte.
D. PROPOSTAS
1. Na área do estímulo a uma nova atitude e consciência empreendedoras:
• Apoiar e desenvolver a aposta na Academia dos Empreendedores, reforçando a
sua cobertura geográfica, alargando a sua base de destinatários, enriquecendo os
seus conteúdos temáticos, dinamizando as relações com entidades parceiras ao
nível da formação e da animação.
• Sensibilizar as instituições de ensino técnico-profissional e superior para a
necessidade e vantagem de inclusão da Gestão do Empreendedorismo e da
Introdução ao Empresariado nos seus planos curriculares, como sendo uma área
de interesse transversal e potenciadora ou facilitadora do acesso ao mundo do
1.º emprego.
130
• Criar novos conceitos de formação no âmbito do empreendedorismo,
associando parceiros internacionais com experiências enriquecedoras e
inovadoras.
2. Na área da formação e qualificação profissionais:
• Internacionalização da Formação Empresarial
Programa de cooperação transnacional, em países de língua portuguesa,
nomeadamente com o Brasil. Recepção de equipas internacionais de formadores,
como factor de modernização das empresas, pela via das experiências formativas
inter-culturais.
• Acompanhamento e reciclagem de ex-formandos
Programa de complementaridade e de actualização
• Criação de um manual de estilo e procedimentos da formação, quer financiado,
quer não financiado. Adopção de uma postura de mercado assente na qualidade
e na obtenção de objectivos satisfatórios.
• Definição do “Perfil de formador”. A certificação dos formadores não passa de
um requisito formal. Importa-nos que os mesmos o sejam, sobretudo pelas
inatas, desenvolvidas e reconhecidas capacidades técnico-profissionais, de
experiência nas diferentes áreas de formação, pela sua evolução na carreira, pela
efectiva capacidade de relacionamento, motivação e dinâmica.
• A aposta nos destinatários recém-formados nas escolas tecnológicas e/ou
Profissionais e nas instituições de ensino superior, no sentido de lhes
proporcionar, dentro e fora da formação financiada, programas de valorização
pessoal, promovendo o primeiro contacto com realidades empresariais.
• Formação de Empresariado Jovem/Jovem Empreendedor mediante o
estabelecimento de parcerias e protocolos a efectivar com reconhecidas
empresas, na área de formação para activos, e com entidades tecnicamente
habilitadas nas diversas áreas de actividade.
• Criação de Escolas Sazonais que, para além da Escola de Verão, dinamizem o
espírito de empreender e, simultaneamente desenvolvam as capacidades de
gerar ideias, projectos e negócios aos participantes jovens. A gestação de cursos
de Outono, Primavera ou Inverno podem ser alternativa à ocupação de tempos
livres, com enriquecimento curricular, aproximação à vida empresarial e
lançamento de projectos inovadores.
• Formação / Animação (Dinâmica Associativa)
Esta é a versão global do nosso entendimento de formação – “Todo o Homem e
o Homem Todo”. A aposta na vertente socio-cultural na formação de jovens
131
empresários e empreendedores, em acções especialmente desenvolvidas para o
efeito ou em módulos integrados nos cursos de formação avançada ou em
regime residencial.
3. Na área de apoio à criação e instalação de empresas como forma de promoção
do auto-emprego:
• Prosseguir no apoio e aperfeiçoamento dos Sistemas de Incentivos a Jovens
Empresários, existentes no País desde 1986, prevendo desde já a manutenção do
SAJE - Sistema de Apoio a Jovens Empresários, no quadro Comunitário de
Apoio no período 2000-2006.
A existência de um Sistema que como o SAJE seja autónomo, tenha suficiente
dimensão financeira e atenda às especiais características do acesso à função
empresarial por jovens, parece-nos determinante para o rejuvenescimento
permanente do tecido empresarial com efeitos estruturantes no “mercado” de
emprego.
• Alargar o apoio à instalação de empresas por jovens através de uma melhor
integração e articulação dos meios públicos e privados existentes a este nível (
Naces, BIC´S, Ninhos de Empresas, Centros de Incubação Industrial, Centros e
Pólos Tecnológicos), por forma a estabelecer uma verdadeira rede nacional de
apoio à instalação de empresas nas diversas áreas da actividade económica. O
estímulo a que iniciativas deste género pudessem ter uma fase de pré-incubação
nas próprias escolas, nomeadamente por acção da Academia dos
Empreendedores e das diversas acções que preconiza, seria igualmente
potenciador de novas vocações e projectos empresariais, pré-desenvolvidos com
o apoio das próprias Escolas.
• Alargar a rede CFE - Centros de Formalidades de Empresas, recentemente
instituídos, com excelentes resultados, em Lisboa e no Porto, a todas as Capitais
de Distrito do País, através da sua ligação aos balcões da Agência dos
Empresários, no sentido de diminuir o “efeito predador” que a burocracia
associada à criação de empresa, normalmente suscita.
• Criar novos esquemas de capitalização das Pequenas e Médias Empresas (PME)
portuguesas. Muitos projectos com elevadíssimo potencial ficam pelo caminho
alimentando-se, por outro lado, o desenvolvimento de uma cultura de subsídiodependência, que pode ser perigosa no médio prazo.
A situação seria diferente se o mercado de capitais estivesse aberto a PME de
elevado crescimento e potencial. É necessário desenvolver em Portugal um mercado
pensado para responder especificamente às necessidades deste tipo de empresas.
Abrir o mercado de capitais às PME trará inegáveis benefícios à economia
portuguesa e criará novos postos de trabalho, ao aumentar a autonomia financeira das
empresas facilitará o acesso ao crédito bancário em melhores condições, permitirá a
132
realização de investimentos de I&D e a expansão das empresas; incentivará a criação
de uma indústria de verdadeiro “venture capital”.
Estas iniciativas são necessárias, mas não resolveriam só por si o problema
enunciado.
Torna-se necessário criar em Portugal uma nova cultura em relação ao risco, que
encare este não como factor fortemente inibidor, mas como importante oportunidade
para o desenvolvimento de novos projectos empresariais de sucesso.
Uma oferta global de capital de risco fornece uma vasta gama de soluções, em
resposta a necessidades diferentes.
A União de Jovens Empresários Portugueses acredita que só uma acção
determinada das instituições públicas e privadas que inicie uma revolução cultural
propiciadora de uma nova atitude empreendedora na juventude portuguesa e que
prossiga na detecção e construção de meios e instrumentos de apoio ao acesso e
desenvolvimento da actividade empresarial, permitirá melhor responder aos desafios
do futuro, nomeadamente ao nível do que serão os novos “mercados” de trabalho e de
emprego, nas economias do século XXI.
Para tanto, disponibiliza-se, desde já, junto do Conselho Económico e Social e do
Governo para, no âmbito do Plano Nacional de Emprego e na devida atenção que nos
merecem as directrizes para o emprego estabelecidas pelo Conselho da União
Europeia, assumir um papel activo de dinamização e concretização das acções que, no
contexto das propostas que aqui apresentamos, puderem ser entendidas como úteis na
construção de um novo espírito empresarial propiciador de mais e melhores empresas
e empregos em Portugal.
133
MELHORIA DA COMPETITIVIDADE E DA CAPACIDADE DE
ADAPTAÇÃO DAS EMPRESAS
Professor Ricardo Bayão Horta*
1. INTRODUÇÃO
Quero agradecer ao Conselho Económico e Social, na pessoa do seu Presidente,
Dr. Silva Lopes, a oportunidade de poder participar neste Colóquio e dar a minha
contribuição para a elaboração do Plano Nacional de Emprego.
Vou procurar cumprir em termos do convite: não exceder 15 minutos e concentrarme em propostas de acções susceptíveis de inserção no Plano Nacional de Emprego.
Vou considerar que num contexto de elaboração do Plano Nacional de Emprego o
que se pretende com o sub-tema que me foi distribuído – desenvolvimento do espírito
empresarial, aumento da capacidade de adaptação e melhoria da competitividade
das empresas – é abordar formas de compatibilizar a permanente melhoria da
capacidade competitiva das empresas com um nível de emprego socialmente salutar,
em volume e em qualidade.
Farei assim primeiro umas breves reflexões de natureza conceptual sobre a
competitividade, em seguida uma breve caracterização de alguns aspectos relevantes
da nossa estrutura de emprego e do nível educativo geral da nossa população e
finalmente avançarei com propostas de acções coerentes com as ideias e situações
expostas.
2. BREVES REFLEXÕES SOBRE A COMPETITIVIDADE
A competitividade é a capacidade para produzir bens e serviços, em concorrência
internacional, de forma a que resulte um aumento, sustentado no tempo, do nível e
qualidade de vida das pessoas. A competitividade não é portanto um fim último a
atingir, mas uma capacidade individual e colectiva a desenvolver como meio de
conseguir o bem-estar económico e social, de modo equilibrado.
Nesta óptica, um país que persiga o aumento da sua eficácia económica sem ter na
devida conta o desemprego e a exclusão social dos seus cidadãos, ou a degradação
ambiental, não é, em meu entender, competitivo, pois não alia o seu crescimento
económico ao seu desenvolvimento social e humano, sendo certo que é este que
confere sentido àquele.
Competitividade não é então sinónimo de desemprego; pelo contrário, se entendida
e pensada em toda a amplitude do conceito, representa a capacidade para
*
Professor do Instituto Superior Técnico.
134
compatibilizar o crescimento económico com o respeito pela preservação do ambiente
e por um equilibrado desenvolvimento social e humano.
A competitividade é naturalmente um conceito complexo e global, resultante da
convergência de uma grande variedade de factores, uns independentes, outros
interligados com centros de decisão de natureza muito diferente; é um conceito
relativo e a sua comparação, face aos nossos competidores, representa um desafio
individual e colectivo para todos, sem excepção.
Naturalmente que as empresas, sendo grupos organizados de pessoas criadoras de
riqueza por excelência, têm que ser competitivas, mas também os sindicatos o têm de
ser, assim como o Governo e a Administração Pública em geral, todos contribuindo,
sem prejuízo da saudável confrontação de pontos de vista, para criar um
enquadramento favorável para a actividade empresarial competitiva e para o aumento
do nível e da qualidade de vida das pessoas.
Em última análise e simplificando um pouco, Portugal será competitivo se a
generalidade dos portugueses o for, pois uma Nação é, antes de tudo, uma população
cujas estruturas etária e educativa definem um potencial cultural, económico e social.
Vivemos hoje uma época de rápidas alterações conceptuais na forma de criar
riqueza e nos valores e critérios do que significa riqueza na nossa sociedade. Os
espectaculares avanços científicos das últimas décadas invadiram a nossa vida
quotidiana, adquiriram formidável expressão económica através de tecnologias
constantemente novas e estão, mais recentemente, a fazer sentir a sua influência
social, por exemplo:
– o avanço científico da medicina conseguiu adicionar anos à vida, alterando
profundamente a estrutura etária da população e criando o desafio de como
adicionar vida aos anos;
– a enorme velocidade com que as empresas têm de se adaptar para sobreviver
e competir cria o desafio de como adaptar com velocidade compatível outras
áreas da sociedade naturalmente menos ágeis (Administração Pública,
Sistemas Educativos, Segurança Social, etc...), sendo certo que, em muitos
casos, estamos a falar de profundas adaptações conceptuais.
Um dos grandes paradoxos do nosso tempo é assim a coexistência de um
espectacular desenvolvimento científico e tecnológico com um desemprego e
exclusão social em boa parte estruturais, motivados por um lado, pela diferença da
cinética entre as transformações científicas, tecnológicas, económicas e sociais, e por
outro, pelo constante, rápido e fortíssimo aumento do nível e diversidade das
capacidades que habilitam o indivíduo a participar validamente na vida da sociedade.
Acresce que a generalização da educação a nível primário (alfabetização) representa
uma força motriz igualitária na sociedade enquanto que a nível secundário e superior
se geram desigualdades.
Só as pessoas têm capacidade inovadora, e assim, embora o investimento em
capital físico seja evidentemente importante, é o nível médio dos recursos humanos, e
135
em especial, as suas capacidades globais habilitantes que determinam a resposta a dar
a estes desafios.
A qualidade e a quantidade dos recursos humanos disponíveis representa então um
factor competitivo decisivo, sendo o único que permite inovar não só na forma e
eficácia de criação de riqueza como na minimização das fracturas sociais
eventualmente decorrentes.
3. ALGUMAS CARACTERÍSTICAS RELEVANTES DA ESTRUTURA DE
EMPREGO E DO NÍVEL EDUCATIVO EM PORTUGAL
Cada país tem as suas características próprias e, sem prejuízo de certas tendências
gerais, as soluções a desafios como o da minimização do desemprego e exclusão
social têm de ser encontradas por cada um deles. Não há soluções universais nem
directamente transferíveis, mas somente suportadas pela experiência resultante das
diversas abordagens específicas já ensaiadas.
A situação específica de Portugal nesta matéria é bem conhecida e está
diagnosticada, pelo que me limitarei a seleccionar somente uns tantos elementos que
têm relevância para fundamentar as propostas de acções que proponho e justificar a
sua adesão à realidade nacional.1
a) População residente – (INE – 1991)
< 15 anos
15/64 anos
>65 anos
20%
66.4%
13.6%
1
(29.1% em 1960)
(62.9% em 1960)
(8% em 1960)
~
Total 9.862 Milhões
Veja-se nomeadamente: “Transição da Formação Inicial para a Vida Activa” Relatório Nacional do
Exame Temático no âmbito da OCDE - Novembro 1997.
“A Situação Social em Portugal 1960-1995” Organização de António Barreto.
“XIII Recenseamento Geral da População” . INE 1991.
136
b) Níveis de escolaridade da população residente com 15 e mais anos – (INE – 1991)
Níveis escolares
Não sabe ler nem escrever
Sabe ler e escrever sem diploma
Ensino básico primário (ou 1º ciclo)
Ensino básico preparatório (ou 2º ciclo)
Ensino secundário unificado (ou 9º ano)
Ensino secundário complementar (ou 12º ano)
Curso médio
Curso superior (bacharelato ou licenciatura)
1991
12,1%2
13,9%
36, 4%
15,0%
10,2%
7,6%
1,6%
3,6%
C) Taxa de analfabetismo da população activa, por grupos etários – (INE – 1991)
%
Grupos etários
15-19
0,66%
20-24
0.96%
25-29
1,19%
30-34
1,49%
35-39
1,79%
40-44
2,24%
45-49
4,66%
50-54
15,11%
55-59
21,34%
60-64
26,25%
Taxa da população
6,55%
dos 15 aos 64 anos
• Há cerca de 250 000 jovens (15/24 anos) em actividade e sem a escolaridade
obrigatória (potenciais analfabetos funcionais).
d) Emprego (INE – 1991 e Exame da OCDE)
Taxa de actividade: 44,7%
Distribuição do emprego sectorial:
2
6.55% considerando a população activa.
137
Primário:
Secundário:
Terciário:
10.14%
35.56%
48.18%
Distribuição do emprego por
escalão de dimensão das
empresas (1994)
Dimensão das empresas
< 19 Trabalhadores
20 a 99 Trabalhadores
100 e mais Trabalhadores
Emprego %
44%
25%
31%
Variação 1990-94
+ 65 000
+ 50 000
− 100 000
• 66% dos trabalhadores de PME’s têm menos de 9 anos de escolaridade e 27.5%
não têm qualquer qualificação.
• Praticamente não há formação nas PME’s.
e) Desemprego (INE - 1996)
Taxa média global: 7.3%
~
50% à procura 1º emprego
~
50% à procura de novo emprego
Desemprego jovem (15/24 anos): 16.6%
Há cerca de 100 000 jovens com ensino superior e desempregados.
Muitos mais elementos se poderiam seleccionar mas para o que se pretende estes
são suficientes.
4. PROPOSTAS DE ACÇÕES
Penso ter deixado claro que, em meu entender, quer o desemprego quer a
competitividade são assuntos globais da sociedade em cujo cerne estão as capacidades
e comportamentos das pessoas quer individual quer colectivamente. É de facto uma
abstração separar os níveis cultural, social e económico.
Assim, qualquer tentiva do seu tratamento terá, não só de ter o mesmo grau de
globalidade mas também de ter um horizonte temporal que tenha em conta a cinética
própria com que as pessoas podem ou conseguem mudar e adaptar-se. De contrário os
resultados poderão ser pontualmente animadores mas não serão estruturalmente
relevantes.
Neste contexto, três condições de base me parecem essenciais para o êxito de um
plano nacional de emprego:
a)
Compatibilizar a unidade de comando do plano com o seu carácter
interministerial, sendo que ambos são indispensáveis. Tem de se conseguir uma
acção conjunta de estruturas de, pelo menos, três ministérios – Emprego,
Educação e Economia – como se de um só se tratasse.
138
b)
Garantir o empenhamento e co-responsabilização da sociedade civil,
nomeadamente das empresas, das escolas, autarquias, etc...
O Governo, em vez da posição tradicional de decidir e assumir toda a iniciativa
e responsabilidade, tem de criar as condições de enquadramento incentivadoras
da acção e da co-responsabilização da sociedade civil. Trata-se efectivamente
de problemas de todos e não só de alguns, mesmo que no Governo.
c)
Incentivar a criação de uma rede nacional de núcleos de acção local em parceria
com as estruturas empresariais, autárquicas, educativas, de emprego e formação
profissional, com efeitos demonstrativo e arrastador a nível global. Estes
núcleos deverão ter autonomia de acção dentro da unidade conceptual do plano.
Penso ter terminado o tempo dos planos nacionais de natureza técnicoadministrativa dirigista e monolítica e muito especialmente em matérias como a
que estamos a tratar.
Embora sem querer entrar em detalhes deslocados numa contribuição como a que
me foi solicitada, considero útil especificar um pouco mais algumas ideias que
poderão contribuir para concretizar os princípios que enunciei:
4.1
Mobilizar para a acção no plano nacional de emprego as instituições
públicas relevantes, independentemente do ministério a que pertencem
administrativamente.
Para lá das óbvias participações das estruturas dos ministérios do
Emprego e da Educação, parece-me indispensável mobilizar pelo menos o
IAPMEI e os centros ou outras infra-estruturas tecnológicas do Ministério
da Economia. Sendo 44% do emprego criado em PME’s, e sendo o
IAPMEI uma instituição profundamente conhecedora dessa realidade
parece-me esta uma necessidade incontornável.
4.2
Definir os núcleos locais de acção em parceria obedecendo a algumas
características, nomeadamente:
• Ter uma área geográfica alvo.
• Incluir nas autarquias da área geográfica alvo no mínimo uma ou duas
empresas de dimensão média/grande, várias PME’s de sectores de
actividade diversa, uma ou duas escolas secundárias com prioridade
para as tecnológicas e profissionais, um centro tecnológico
eventualmente existente na área.
Poderiam aderir ao núcleo outras estruturas da sociedade civil desde
que sem prejuízo da sua operacionalidade e eficácia.
• Cada núcleo teria de ser oficialmente reconhecido pela entidade
governamental responsável pela coordenação da execução do Plano
Nacional de Emprego e teria sempre um projecto susceptível de
avaliação dos resultados conseguidos.
139
4.3
Definir as linhas de acção dos núcleos, conferindo autonomia na sua
execução e na escolha da importância relativa de cada linha de acção.
Pelo menos três linhas de acção alvo me parecem necessárias:
4.3.1
Melhoria das capacidades habilitantes dos jovens e apoio à
obtenção do 1.º emprego (jovens no sistema educativo)
• Apoio à definição dos curricula escolares da educação
secundária com aspectro largo habilitante no sentido de
conferir aos jovens uma alfabetização funcional superior, que
lhes permita, ao longo da vida, consolidar, desenvolver e
diversificar a sua formação inicial.
• Gabinete misto (empresas/escolas) para orientação e apoio ao
primeiro emprego. ~ 50% dos jovens com cursos profissionais
conseguem emprego através da escola.
• Oferta de formação para criação de actividade própria como
complemento da sua educação inicial.
• Facilidades para a formação permanente de professores. (anos
sabáticos, formação em áreas empresariais específicas como
Contabilidade, Ambiente, Segurança, Manutenção, etc...).
• Aulas por quadros das empresas e aulas dadas nas empresas.
• Estágios intermédios ou de fim de curso.
• Estágios cruzados entre núcleos geograficamente separados.
A mobilidade geográfica é um elemento estrutural social
importante para estabelecer a relação entre a fluidez familiar e
a flexibilidade económica.
• Colocação subsidiada de jovens em PME’s com o objectivo
duplo do “up-grading” destas e da aquisição de experiência
por parte daqueles. (Aprofundamento dos “Jovens Técnicos
para a Indústria”)
• Informação mútua e permanente de todas as entidades
envolvidas no núcleo e entre núcleos sobre as realidades
escolar, empresarial e de emprego nas áreas geográficas alvo.
4.3.2
Melhoria da sustentabilidade da empregabilidade dos adultos que
estão a trabalhar (diminuição do risco de desemprego futuro)
Em adição a algumas das acções anteriores:
• Informação sobre os esquemas de ensino recorrente existentes
quer para incremento do nível de alfabetização quer de
conhecimentos profissionais.
• As empresas devem incentivar os seus trabalhadores a recorrer
aos referidos esquemas.
140
4.3.3
Melhoria das hipóteses de 2.ªs e 3.ªs oportunidades para os
desempregados (reinserção na vida activa)
Em adição a algumas das acções anteriores:
• Tipificação de situações predominantes na área geográfica do
núcleo. Penso ser possível construir uma base de dados
detalhada e de grande importância operacional.
• Apoio a soluções que permitam o auto-emprego, seja em
actividades de natureza económica ou social.
• Facilitar a mobilidade entre núcleos.
4.4
Criar um enquadramento incentivador à mobilização das empresas para
participar no Plano Nacional de Emprego
• Voluntariado prestigiante (logotipo no papel, menção em publicações
oficiais, etc...).
• Mecenato educativo incentivando investimento físico mas
especialmente acções de apoio enquadradas em programas como o
PNE e outros.
• Discriminação positiva nas contribuições para a segurança social,
sendo estas reduções supridas a nível do orçamento da segurança social
pelos apoios da UE ou do Orçamento de Estado. Esta forma de
incentivo facilita a burocracia e retira a este tipo de acção a carga
psicológica negativa ligada ao subsídio.
4.5
Similarmente para as escolas
• Prestígio como aderente.
• Majorações orçamentais específicas.
• Benefícios profissionais para docentes.
É evidente que muitas mais ideias se podem apresentar, coerentes com os
conceitos e com os princípios de acção que explicitei. O meu objectivo foi
somente apontar concretamente o caminho que me parece necessário e possível
seguir para a abordagem de um Plano Nacional de Emprego que possa, em
prazo útil, desencadear uma real alteração estrutural do potencial cultural,
económico e social do nosso país.
141
FACILIDADES À INSTALAÇÃO DE EMPRESAS
Eng.º António Souta*
A segunda Directriz para o Emprego adoptada na Resolução do Conselho da União
Europeia, sob o tema “Desenvolver o Espírito Empresarial”, refere explicitamente a
facilitação do arranque e da gestão das empresas, sobretudo das Pequenas e Médias
Empresas bem como a necessidade de os Estados-Membros desenvolverem esforços
visando o incentivo ao desenvolvimento da actividade independente.
São as empresas que geram o emprego. Todas as acções tendentes a melhorar a
competitividade das empresas e consequentemente a provocar um crescimento da
economia conduzirão, também, a um aumento do emprego.
O aparecimento de novos empregos está, em grande parte, ligado ou pelo menos é
potenciado pelo aparecimento de novas empresas. Porém, o apoio à criação e
arranque de novas empresas deve ser considerado desde o seu início e não apenas
após o seu estabelecimento.
É de todos conhecida a tarefa quase desumana que representa a constituição de
uma sociedade em Portugal. E isto é verdadeiro quer se trate de uma sociedade
anónima, de uma sociedade por quotas, ou mesmo de uma sociedade unipessoal.
O caminho que o empresário tem de percorrer até obter o registo comercial e os
eventuais licenciamentos e alvarás é longo, exige recursos económicos,
disponibilidade temporal e sobretudo muita paciência. É tradicionalmente um
processo demorado que tem desincentivado muitos potenciais criadores: se não
desistiram logo ao tomarem conhecimento do que os esperava ficaram-se pelo
caminho vencidos pelo peso da burocracia, e quantas vezes pela ineficácia cruel de
alguns serviços que o remetem hoje de Pilatos para Caifás e amanhã de Caifás para
Pilatos.
O processo administrativo completo de constituição de uma sociedade leva três,
quatro, nalguns casos seis meses a completar-se.
É neste panorama que, há cerca de um ano é publicado o Decreto-Lei 55/97, de 8
de Março que cria os CFE – Centros de Formalidades das Empresas. Tendo
iniciado a sua actividade nos últimos dias de Outubro do ano transacto, estes Centros
consistem na instalação física, num único local, de delegações ou extensões dos
serviços ou organismos da Administração Pública mais directamente envolvidos nos
processos de criação de empresas, alterações aos Pactos Sociais, extinção e actos
afins.
Pretendeu-se assim, de uma forma mais simples, eficaz e sobretudo mais
compatível com a realidade económica, facilitar a vida empresarial no que concerne
*
Encarregado de Missão dos Centros de Formalidades das Empresas - CFE.
142
ao conjunto de formalidades obrigatórias que os empresários deverão respeitar
aquando da elaboração dos actos e processos atrás referidos.
A coordenação dos CFE incumbe a um encarregado de missão, que desempenha as
suas funções junto do Ministro da Economia, ao qual compete, para além de
definição, aplicação e supervisão dos procedimentos operacionais dos CFE e da
elaboração de relatórios de avaliação e desempenho, a coordenação de um Grupo de
Trabalho integrando representantes dos Ministros das Finanças, da Justiça, da
Economia, do Trabalho e da Solidariedade e Adjunto.
Este Grupo de Trabalho é responsável pela instalação e organização dos CFE, pela
proposta de medidas que viabilizam a sua actuação eficaz e pela elaboração de um
“Manual de Procedimentos”.
Aquele diploma determinou, também, que os dois primeiros CFE seriam instalados
no IAPMEI, denominado entidade hospedeira, em Lisboa e no Porto.
Cada entidade interveniente nos CFE dispõe de uma área própria para a prática
dos actos da sua responsabilidade encontrando-se apoiada por uma rede informática e
ou por ligações às respectivas bases de dados.
São entidades intervenientes nos dois CFE o Gabinete de Estudos e Planeamento
do Ministério da Justiça que ali possui Gabinetes do Registo Nacional de Pessoas
Colectivas, a Direcção-Geral dos Registos e do Notariado que superintende aos
Notários privativos e demais oficiais bem como ao Gabinete de Apoio ao Registo
Comercial, a Direcção-Geral dos Impostos e os Centros Regionais de Segurança
Social de Lisboa e Vale do Tejo e do Norte.
Subjacente ao funcionamento das diferentes entidades, tentou desenvolver-se uma
interculturalidade à volta da noção de CFE. Este foi o grande desafio de gestão:
incutir em cada colaborador o espírito do Centro de Formalidades, de um projecto
piloto que visa, finalmente, desmistificar o processo de constituição de uma sociedade
e reduzir drasticamente o tempo para tal.
Em paralelo implementou-se uma mudança de atitude: passou-se para uma postura
activa – não se espera que o cliente contacte o Centro mas são os técnicos do Centro
que contactam o cliente e o informam que o documento que esperava já está
disponível.
Na sua intervenção, o IAPMEI como entidade hospedeira dos Centros, ultrapassou
uma mera postura de acolhimento e de disponibilização de logística. Assim, para além
da execução de obras dando corpo a um projecto moderno e adequado a um serviço
com menor carga burocrática, da definição e aquisição de linhas de telecomunicações,
redes informáticas, mobiliário e outro equipamento específico, edição de brochuras e
folhetos explicativos, o IAPMEI seleccionou dez técnicos de front-office (sete dos
quais licenciados) a quem proporcionou com a intervenção directa de todas as
entidades intervenientes, um curso de formação especialmente concebido para o
efeito, englobando matérias relativas ao direito de sociedades, licenciamentos e
alvarás, informática, comportamental e marketing, etc.
143
O objectivo foi criar um corpo técnico que para além da gestão dos dossiers dos
clientes, tivesse capacidade, não para efectuar consultoria jurídica, mas antes
informação técnica adequada, alertando o criador de empresa para outros actos que
eventualmente terá de praticar junto de outras entidades como a obtenção de
determinadas licenças ou alvarás, candidatura a sistemas de incentivos, etc.
Os resultados não se fizeram esperar:
Em cerca de quatro meses de actividade, nos CFE de Lisboa e Porto iniciaram-se
cerca de 4400 processos encontrando-se concluídos mais de 1300.
Os prazos, esses reduziram-se dos 4 a 6 meses, que atrás referi, para 17 dias úteis
(tempo “moda”) ou 22 dias úteis (média ponderada).
Como curiosidade referirei que o “record” nacional relativo a um processo de
constituição de sociedade integralmente efectuado no CFE foi de 6 dias úteis.
A experiência da integração de entidades num único espaço articulado, para além
de um nítido aumento de produtividade, tem a vantagem acrescida de fazer ressaltar
determinados assincronismos que a legislação vigente apresenta.
Apenas dois exemplos:
A constituição de uma sociedade inicia-se com um pedido de Certificado de
Admissibilidade no qual ficará licenciada a denominação da firma ou designação.
Este certificado tem a validade de 180 dias, devendo a escritura pública ser celebrada
neste período. Em geral, com o pedido do certificado, solicita-se também a emissão
do Cartão Provisório de Pessoa Colectiva. Este último tem a validade de um ano.
Após a realização da escritura os outorgantes apresentam-se junto da Repartição de
Finanças da área da sede da sociedade ou, no caso do CFE, junto do Gabinete da
Direcção-Geral dos Impostos. Diz o Art.º 95 do Código do IRC que para este acto o
Cartão Provisório é exigível. Diz ainda, este artigo que a declaração de início de
actividade deverá ser feita num prazo de 90 dias após a emissão do Cartão.
Atente-se na diferença de prazos relativos ao mesmo documento. Pode acontecer e
acontece que a alguém que realizou a escritura ao 91.º dia da emissão do cartão
provisório, lhe seja cobrada uma coima por, embora o referido cartão seja válido, não
o ter feito no citado prazo de 90 dias.
Um segundo exemplo:
Refere o n.º1 do Art. 11.º do Código das Sociedades que “a indicação do objecto
da sociedade deve ser correctamente redigido em língua portuguesa”.
Se à primeira vista tal artigo parece não só inócuo mas até revelador de grande
preocupação pela preservação e emprego da nossa língua naquele domínio, o mesmo
pode, na prática, transformar-se ou constituir uma disposição legal ambígua.
Vejamos:
Se o objecto da minha sociedade for a actividade de “cash-and-carry” e assim for
escrito nos respectivos impressos e na escritura notarial, uma conservatória poderá ter
144
o entendimento que, em vez de tais termos deveria ter sido usada a correspondente
explicação em língua portuguesa.
Essa Conservatória poderá efectuar um “Registo provisório por dúvidas”. Tal
decisão implicará a solicitação por parte do utente de um novo Certificado de
Admissibilidade, ou de uma escritura de rectificação seguida de nova declaração junto
das finanças e de nova requisição de registo comercial. Tudo isto acompanhado dos
consequentes encargos emolumentares, e percas de tempo inerentes ao início de um
processo de constituição desde o seu começo.
Questionamo-nos sobre a resolução desta questão. Como exprimir em lingua
portuguesa termos como “Holding”, “Factoring”, “Catering” “Hardware” “Software”
“Snack bar” ou até “Marketing”.
E mesmo que o consigamos com algum sucesso, não será o texto sempre redutor
do sentido global do termo?
O paradoxo é que algumas daquelas designações aparecem já mencionadas em
língua inglesa na Classificação Portuguesa das Actividades Económicas de 1992.
A transmissão até ao mais alto nível destes e doutros “assincronismos” como atrás
lhes chamei, pode, a prazo, traduzir-se em adequadas correcções ou esclarecimentos
às leis correspondentes com reais benefícios e facilitação de processos a favor do
utente.
Consideramos que a abertura dos CFE correspondeu a um esforço sério da
Administração na modernização de métodos e no processo de desburocratização.
Sem terem sido empreendidas grandes reformas de fundo, necessariamente
demoradas, mas antes encontrando processos expeditos e criativos de redução de
ruído e contando com o empenhamento real das entidades que neste domínio são
chamadas a intervir.
Defendemos que a experiência teve sucesso. Muito sucesso. Há que
institucionalizá-la e multiplicá-la a outras áreas do território nacional, mantendo ou,
se possível, melhorando a qualidade do serviço prestado.
Irei finalizar com três propostas concretas:
1 - A facilitação dos processos de constituição de sociedades passa pela criação de
novos Centros de Formalidades das Empresas, estrategicamente localizados de forma
a poderem responder eficazmente à procura local, descongestionando em simultâneo a
pressão junto dos dois actuais Centros.
O Senhor Ministro da Economia anunciou recentemente a aprovação em Conselho
de Ministros de um novo diploma que permite um melhor enquadramento dos CFE e
a possibilidade de alargamento da iniciativa.
Naturalmente que se aplaude com entusiasmo esta decisão.
Sugere-se que, em paralelo, seja incentivada a revisão, ou sucessivas revisões,
ainda que parciais, dos códigos ou leis que regem estas áreas, expurgando-os de
procedimentos anacrónicos ou de exigências processuais sem fundamento válido que
não fazem sentido face à utilização das modernas tecnologias que permitem o uso
145
múltiplo de diferentes bases de dados e correspondente partilha de informação.
Porquê ter de continuar a preencher impressos em triplicado por mais simples que seja
a declaração?
De igual forma, julga-se oportuna a implantação junto dos CFE que venham a ser
criados, de gabinetes de outras entidades ainda ali não representadas mas que poderão
dar um contributo válido à facilitação dos processos de criação. Refiro-me a entidades
licenciadoras de actividades bem determinadas. Tal deverá ser implementado após a
consolidação dos procedimentos de cada Centro e sempre em consonância com a
realidade da procura local.
2 - Como segunda proposta retomaria aqui duas recomendações do trabalho
desenvolvido pela Comissão Europeia para a “Melhoria da Envolvente Empresarial”
no âmbito da Acção Concertada n.º 1 do “Programa Integrado a Favor das PME e do
Artesanato”.
Porque razão para o mesmo conjunto de actos associados a processos de
constituição, o criador de empresas tem de repetir três, quatro, cinco vezes o nome,
morada, número de contribuinte, etc., etc., nos sucessivos balcões que tem de
percorrer?
Também nesta área é necessário um esforço de simplificação e de articulação,
caminhando-se para a implementação do “formulário único”. Sabemos que não é
fácil, como também não o será a criação de um número único para a identificação de
uma empresa junto das diferentes entidades. Sugere-se a aplicação da experiência
francesa que parece apresentar resultados positivos.
3 - Finalmente, propõe-se que, à semelhança do que foi feito nos CFE, seja
incrementada a realização de cursos de formação integrada e polivalente para os
técnicos que nos mais diversos serviços públicos exercem a função de atendimento.
A ideia de “Guichet único” e de “Postos de Atendimento Integrado” é hoje mais
que nunca, uma necessidade premente.
Pela qualidade, eficácia e economia dos serviços.
Pelo desenvolvimento da actividade económica e da competitividade empresarial.
Pelo emprego.
146
Programa
147
COLÓQUIO
O PLANO NACIONAL DE EMPREGO
23 e 24 de Março de 1998
Pequeno Auditório, Edifício Sede da Caixa Geral de Depósitos
23 de Março
15H00-16H00
Discursos de abertura:
Presidente do CES
Ministro do Trabalho e da Solidariedade
Comissário da União Europeia, Pádraig Flynn
16H00-16H15
Intervalo para café
16H15-18H30
Políticas Activas de Emprego
Moderador
Vice-Presidente do CES, Conselheiro João Proença
Intervenção inicial
Ministro do Trabalho e da Solidariedade
•
Emprego e Desemprego
Dr. António de Figueiredo
•
Mercado Social de Emprego
Dr. Acácio Catarino
•
Fiscalidade e Emprego
Dr. Manuel Freitas Pereira
148
24 de Março
9H30-11H00
Educação e Formação Profissional (I)
Moderador
Vice-Presidente do CES, Conselheiro R. Nogueira Simões
Intervenção inicial
Ministro da Educação
•
O ensino e o mercado de trabalho
Profª. Teresa Ambrósio
•
O ensino e a evolução económica
Prof. António Barreto
11H00-11H15
Intervalo para café
11H15-12H45
Educação e Formação Profissional (II)
Moderador
Vice-Presidente do CES, Conselheiro M. Carvalho da Silva
Intervenção inicial
Secretário de Estado do Emprego e Formação
•
A transição da escola para a vida activa
Dr. Joaquim de Azevedo
•
A política de formação profissional
Profª Margarida Chagas Lopes
13H00-15H00
Intervalo para almoço
15H00-17H00
Igualdade de oportunidades no mercado de trabalho
Moderador
Conselheiro J. Almeida Serra
Intervenção inicial
Secretário de Estado da Inserção Social
•
As mulheres no mercado de trabalho
Profª Lígia Amâncio
•
Os deficientes e o emprego
Dr. Luís Capucha
•
As minorias étnicas e o emprego
Dr. José Leitão
17H00-17H15
Intervalo para café
17H15-19H15
Desenvolvimento do espírito empresarial e da capacidade
de adaptação das empresas
Moderador
Presidente do CES, Dr. J. da Silva Lopes
Intervenção inicial
Ministro da Economia
•
Facilidades ao estabelecimento de novas empresas
Dr. Paulo Nunes de Almeida
149
•
Melhoria da competitividade e da capacidade de adaptação das empresas
Prof. Ricardo Bayão Horta
•
Facilidades à instalação de empresas
Engº António Souta
150
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