CONSELHO ECONÓMICO E SOCIAL COLÓQUIO O PLANO NACIONAL DE EMPREGO (Organizado pelo Conselho Económico e Social, no Pequeno Auditório da Caixa Geral de Depósitos, a 23 e 24 de Março de 1998) LISBOA, 1998 1 ÍNDICE Sessão de Abertura Intervenção do Presidente do Conselho Económico e Social Dr. José da Silva Lopes 5 Intervenção Ministro do Trabalho e Solidariedade Dr. Eduardo Ferro Rodrigues 8 Intervenção do Comissário da União Europeia Mr. Padraig Flynn 17 Políticas Activas de Emprego Emprego e Desemprego Prof. António Figueiredo 26 Mercado Social de Emprego Dr. Acácio Catarino 38 Fiscalidade e Emprego Dr. Manuel Freitas Pereira 46 Educação e Formação Profissional (I) O Ensino e o Mercado de Trabalho Prof.ª Teresa Ambrósio 53 O Ensino e a Evolução Económica Prof. António Barreto 62 Educação e Formação Profissional (II) Intervenção do Secretário de Estado do Emprego e Formação Dr. Paulo Pedroso 69 A Transição da Escola para a Vida Activa Dr. Joaquim de Azevedo 74 A Política de Formação Profissional Prof.ª Margarida Chagas Lopes 83 Igualdade de Oportunidades no Mercado de Trabalho Intervenção do Secretário da Inserção Social Dr. Rui Cunha 88 As Mulheres no Mercado de Trabalho Prof.ª Lígia Amâncio 95 Os Deficientes e o Emprego Dr. Luís Capucha 102 2 As Minorias Étnicas e o Emprego Dr. José Leitão 112 Desenvolvimento do Espírito Empresarial e da Capacidade de Adaptação das Empresas Intervenção do Ministro da Economia Dr. Pina Moura 121 Facilidades ao Estabelecimento de Novas Empresas Dr. Paulo Nunes de Almeida 126 Melhoria da Competitividade e da Capacidade de Adaptação das Empresas Prof. Ricardo Bayão Horta 134 Facilidades à Instalação de Empresas Eng.º António Souta Programa 142 148 3 Discurso de Abertura 4 Intervenção do Senhor Presidente do Conselho Económico e Social, Dr. José da Silva Lopes O Colóquio sobre o Plano Nacional de Emprego, que agora estamos a inaugurar, resultou de uma proposta formulada pelo Senhor Ministro do Trabalho e da Solidariedade ao Conselho Económico e Social. Foram dois os objectivos que presidiram à realização do Colóquio. O primeiro desses objectivos foi o de promover a difusão das ideias que o Governo está a considerar para efeitos de elaboração do Plano Nacional de Emprego, que terá de ser apresentado na União Europeia, em Abril próximo, em harmonia com as decisões tomadas pelos Chefes de Estado e de Governo no Conselho Europeu Extraordinário do Luxemburgo sobre o emprego, de Novembro passado. Procurou-se que essas ideias possam ser amplamente conhecidas e debatidas não só por representantes dos parceiros sociais, quer do lado sindical quer do lado patronal, mas também pelos outros membros do Conselho Económico e Social e por vários especialistas particularmente interessados nos problemas de emprego e da formação profissional. O segundo objectivo do presente Colóquio foi o de reunir contribuições dos seus participantes que possam enriquecer os trabalhos, ainda em curso, relativos à preparação do Plano Nacional de Emprego. Tais contribuições virão não só dos oradores indicados no programa que foi estabelecido, mas também das intervenções que terão lugar durante o período de debates em cada sessão. É natural que o essencial dos resultados que o Colóquio virá a produzir resulte das comunicações programadas. Neste contexto, devo começar por agradecer ao Senhor Ministro do Trabalho e da Solidariedade e aos seus colaboradores o apoio que nos deram na organização deste Colóquio. Deverei agradecer, também, ao Senhor Comissário da União Europeia, Pádraig Flynn, o ter-se deslocado expressamente a Portugal, para fazer uma intervenção nesta sessão de abertura do presente Colóquio. As informações que nos vai fornecer e os seus comentários serão, sem dúvida, do maior interesse para todos os presentes. Terei ainda que exprimir o meu reconhecimento ao Senhor Ministro da Educação, ao Senhor Ministro da Economia, ao Senhor Secretário de Estado do Emprego e da Formação e ao Senhor Secretário de Estado da Inserção Social, pelas suas intervenções, com que serão iniciadas as nossas sessões de trabalho. A esta lista de agradecimentos terei de acrescentar os especialistas convidados, autores das comunicações, que serão uma das bases fundamentais para o nosso trabalho. Por último, não posso deixar de exprimir um reconhecimento muito particular à Caixa Geral de Depósitos, e designadamente ao seu presidente Dr. João Salgueiro, por ter posto estas instalações à disposição do Conselho Económico e Social, para a 5 realização do Colóquio. Não é a primeira vez – nem certamente será a última – que a Caixa Geral de Depósitos presta este tipo de apoio de tanto interesse para o trabalho do Conselho Económico e Social. Como está indicado no programa, o Colóquio vai ocupar-se sobretudo das políticas activas de emprego; da educação e formação profissional; da igualdade de oportunidades no mercado de trabalho; e do desenvolvimento do espírito empresarial e da capacidade de adaptação das empresas. Não iremos tratar de outros aspectos da política de emprego. E, no entanto, alguns desses aspectos têm aparentemente ainda mais importância do que aqueles de que nos vamos ocupar. É isso o que sucede, nomeadamente, com as condicionantes macroeconómicas do mercado de emprego e com a flexibilização da legislação laboral. Assim, no que respeita àquelas condicionantes, todos sabemos que o crescimento do PIB é, de longe, o factor que, entre nós, mais influência tem tido na marcha do desemprego. Está demonstrado que, por cada ponto de percentagem no excesso da taxa de crescimento do PIB de um dado ano em relação à tendência do médio prazo, o desemprego tem descido cerca de meio ponto de percentagem. Analogamente, quando o crescimento do PIB é inferior à tendência, tem havido aumento do desemprego na mesma proporção. É assim evidente que o remédio mais importante para combater o desemprego é conseguir maior crescimento económico. Mas, a médio e longo prazo, o ritmo do crescimento económico depende, além do mais, dos factores que vamos analisar neste Colóquio, em particular a educação e formação profissional, e o desenvolvimento do espírito empresarial e da capacidade de adaptação das empresas. Também não podemos esquecer outro dos factores de que nós não trataremos especificamente – o da flexibilidade nos salários reais e no volume de emprego. Essa flexibilidade explica que o desemprego em Portugal, não obstante as suas flutuações cíclicas, tenha permanecido em níveis inferiores à média europeia. Embora a legislação laboral portuguesa seja por muitos considerada como muito rígida em comparação com a de outros países, o facto de boa parte dela não se aplicar com toda a efectividade a uma elevada proporção dos trabalhadores, leva a que, de facto, o mercado de trabalho em Portugal tenha até aqui sido bastante flexível. As condicionantes macroeconómicas e as questões relativas à flexibilidade do mercado de trabalho ganharão ainda mais relevância no futuro próximo, em virtude das mudanças que ocorrerão, se Portugal entrar na União Económica e Monetária, como todos esperamos. Será importante discutir as implicações para a política de emprego que poderão resultar da perda de soberania na política monetária e das limitações na política orçamental impostas pelo Pacto da Estabilidade. E será ainda mais importante estudar até que ponto é que o estreitamento das margens de manobra na política macroeconómica tornará necessária a maior flexibilização do mercado de trabalho, como condição para lutar contra o desemprego em face de choques adversos. 6 Apesar de tudo isso, não foi possível que o programa do presente Colóquio incluísse referências específicas às condicionantes macroeconómicas e à flexibilização do mercado de trabalho. Isso aconteceu por duas razões. Em primeiro lugar, porque, tratando-se de contribuir para a preparação do Plano Nacional de Emprego, houve que dar prioridade aos tópicos apresentados na Resolução do Conselho da União Europeia relativa às directrizes para o emprego em 1998. Daí que o programa do Colóquio siga de perto o esquema traçado naquela Resolução. Em segundo lugar, procurou-se que o Colóquio não se tornasse excessivamente longo e complexo, como inevitavelmente teria de suceder, se além das questões apontadas nas directrizes estabelecidas pelo Conselho da União Europeia, tivéssemos de debater também as questões de natureza macroeconómica ou questões de flexibilização laboral. Essas questões merecerão, sem dúvida, a maior atenção, mas não é pelo facto de elas não estarem incluídas no programa do presente Colóquio que nos vai faltar trabalho. Mesmo com as restrições impostas ao programa definido, teremos amplas possibilidades de identificar sugestões e recomendações que possam vir a revelar-se de significativo interesse para ajudar o Governo na sua tarefa de elaboração do Plano Nacional de Emprego, que dentro em breve terá de ser apresentado em Bruxelas. É por isso que espero que o presente Colóquio se venha a revelar de grande utilidade. 7 Intervenção de Sua Excelência o Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, Dr. Eduardo Ferro Rodrigues A importância da nova abordagem ao emprego na UE Em todos os países da União Europeia estão, neste momento, a ser elaborados os Planos de Acção para o Emprego os quais constituem novas realidades no contexto da União, realidades correspondentes a uma importante viragem que foi operada ainda muito recentemente. De facto foi a cimeira Extraordinária sobre o emprego realizada no Luxemburgo no final do passado ano que veio, na sequência da Cimeira de Essen e da inclusão do capítulo sobre o emprego no Tratado de Amesterdão, dar uma efectiva concretização a uma já velha ambição da generalidade dos países da UE: aprofundar uma estratégia de conjunto para a promoção do emprego e o combate ao desemprego. E esta ambição é, indiscutivelmente, uma ambição partilhada pelo conjunto dos cidadãos da Europa, confrontados com uma persistente e alarmante incapacidade das economias europeias de superar um défice muito significativo da geração de empregos. Esse défice: – faz com que mais de um em cada dez activos na Europa estejam na situação de desempregados; – faz com que a União possua uma taxa de emprego bem mais baixa que a dos grandes espaços económicos com que concorre; – faz com que muitos milhões de jovens defrontem uma angustiante inexistência de oportunidades para a sua plena inserção na vida activa; – faz com que o desemprego seja uma das principais, senão a principal causa de pobreza e exclusão social em muitos países da Europa. Esta nova abordagem da problemática do emprego pelo conjunto da União traz consigo uma importante responsabilidade perante muitos milhões de europeus, a de contribuir para inverter uma situação insustentável que ameaça pôr em causa os próprios fundamentos do modelo social europeu. É, no entanto, necessário considerar que não podemos esperar desta viragem imediatos resultados e drásticas alterações nos mercados de trabalho da Europa. A situação que defrontamos é fruto de uma complexa e prolongada evolução económica e social e a sua superação exige, não só um esforço continuado de todos os agentes relevantes à escala europeia, como, muito principalmente, a confluência de transformações em muitos e complementares planos económicos e sociais. 8 Uma superação séria e sustentada das dificuldades existentes na criação de empregos na Europa exige, como o acordo do Luxemburgo muito bem sublinhou, que se compatibilizem três planos complementares: – os avanços na construção da União Económica e Monetária e a correspondente criação de um quadro macroeconómico estável e que favoreça o crescimento económico e o investimento; – o aprofundamento da coesão económica e social no espaço europeu, factor essencial ao estabelecimento de um quadro estimulante para um crescimento sustentável; – o desenvolvimento de políticas activas de emprego que acelerem a transformação do crescimento económico em crescimento do emprego e que, elas próprias se constituam num dos factores do crescimento e do desenvolvimento económico. A Cimeira Extraordinária sobre o Emprego realizada no Luxemburgo estabilizou um importante consenso que veio mais tarde a traduzir-se nas Directrizes para o emprego para 1998. Esse consenso comporta duas componentes principais: por um lado ele pode identificar quatro pilares de actuação para a promoção do emprego e o combate ao desemprego e o seu desenvolvimento em 19 directrizes com um relevante conteúdo concreto; por outro lado foi estabilizada uma metodologia de trabalho que combina de forma original e inovadora a responsabilidade da União e a responsabilidade nacional na construção de uma estratégia para o emprego. Estes dois planos do consenso alcançado são indissociáveis e da maior importância. Importa que se assuma que o problema do emprego é um problema europeu, e um dos mais importantes problemas da integração europeia, e é um problema com profundas e determinantes especificidades nacionais. Ele exige, portanto, respostas globais e uma estratégia combinada, mas igualmente o respeito pela profunda especificidade das situações e pela necessidade de decisivas adaptações da estratégia europeia às realidades nacionais. O desemprego é uma realidade europeia mas ele atinge de forma distinta os diferentes espaços nacionais e até regionais na Europa: não apenas porque a intensidade do desemprego é distinta, mas também porque as suas consequências no plano social, no plano da qualidade de vida e da coesão social são muito distintas. Os níveis de emprego na União terão de ser elevados de forma global em toda a União, mas a natureza desse processo é muito distinta nos vários contextos existentes: não só porque a sustentabilidade dos sistemas de emprego é muito diversa, mas também porque a capacidade do emprego existente em gerar aceitáveis níveis de bemestar e de coesão social é, ainda, muito desigual. É esta realidade que exige a metodologia combinada de respostas dos planos Europeu e Nacional que foi consagrado no Luxemburgo e na construção da qual Portugal se empenhou de forma activa e profundamente convicta. 9 Os quatro Pilares em que se desenvolveram as directrizes para o emprego correspondem, de facto, a dimensões nucleares para a resposta aos problemas do emprego. Essa resposta exige um importante reforço da empregabilidade dos cidadãos europeus no duplo sentido da melhoria da capacidade de aceder a uma integração ou reintegração profissional e do reforço da capacidade para tornar duradouramente sustentáveis os empregos existentes. A resposta europeia aos problemas de emprego exige um significativo reforço do espírito empresarial, como sinónimo da capacidade de, a todos os níveis da sociedade, gerar iniciativas que de forma eficaz aproveitem, em pleno as oportunidades de gerar emprego e riqueza. Esta capacidade de aproveitar as oportunidades exige, ainda, reforços da adaptabilidade das empresas e dos trabalhadores aos novos contextos competitivos e às novas modalidades de organização do trabalho. Finalmente a resposta aos problemas do emprego exige que se afrontem com decisão as importantes desigualdades que ainda persistem em muitos domínios dos mercados de trabalho, nomeadamente aquelas que discriminam as mulheres, gerando um clima e uma cultura de efectiva e plena igualdade de oportunidades. Portugal é, no quadro da União Europeia um dos países que apresenta mais profundas especificidades no que respeita aos problemas do emprego e do desemprego. É sabido que possuímos uma situação no mercado de trabalho que se caracteriza, do ponto de vista estrutural, por uma elevada capacidade de resposta e por uma enorme sensibilidade aos ciclos económicos. Portugal desenvolveu, ao longo das últimas décadas um modelo económico e social onde compatibilizou uma taxa de emprego comparativamente alta com níveis de produtividade e de remuneração do trabalho relativamente baixas. Por outro lado temos vindo a viver ciclos económicos onde o crescimento económico tem sido alimentado, de forma equilibrada, com os contributos do emprego e da produtividade, o que tem permitido que, em fases de expansão do produto se gerem respostas relativamente rápidas em termos dos níveis de emprego. Os grandes desafios do emprego em Portugal Podemos afirmar que os problemas com que Portugal se defronta no mercado de trabalho são problemas de três tipos, articulados entre si de complexa e exigente resposta. Possuímos um desemprego que, apesar de comparativamente baixo em termos europeus, é estruturalmente grave e de superação complexa. Possuímos um sistema de emprego onde são demasiado abundantes os factores de fragilidade e os défices de sustentabilidade. 10 Possuímos uma estrutura económica e produtiva onde estão, ainda, pouco amadurecidos os processos de reestruturação correspondentes às novas exigências da competitividade externa e interna das nossas empresas. As dificuldades associadas às características do nosso desemprego evidenciam-se em vários factores de enorme importância: O desemprego em Portugal tem uma componente muito pesada de desemprego de longa duração. Este ronda a metade do total dos desempregados e possui uma muito elevada tendência para se transformar em desemprego de muito longa duração. Este desemprego de longa duração afecta particularmente trabalhadores com défices de habilitações e qualificações e, crescentemente, os trabalhadores mais idosos. O desemprego possui uma componente muito representativa de desemprego jovem o qual atinge cerca de um terço do total. Por outro lado esse desemprego é composto por uma significativa percentagem de jovens que demoram a encontrar empregos com alguma sustentabilidade e regressam frequentemente à situação de desemprego. E, ainda, o desemprego jovem começa a incorporar crescentes componentes de jovens com qualificações e habilitações escolares relativamente elevadas mas que se revelam desajustadas face à procura existente. Finalmente, o desemprego em Portugal está, em muitas situações, associado a enormes problemas de pobreza e exclusão, problemas que são ampliados pelo facto de possuirmos, ainda, uma insuficiente rede de protecção social. Apesar dos esforços que estamos a desenvolver no sentido de tornar mais eficaz a protecção social, é sabido que a protecção no desemprego possui ainda uma cobertura longe da ideal o que, associado ao baixo nível de rendimentos salariais que ainda marca a existência de muitas famílias, fragiliza enormemente as famílias atingidas por situações prolongadas de desemprego. Mas será talvez ao nível das características qualitativas do emprego que Portugal defronta os mais sérios e exigentes desafios da actual fase do nosso desenvolvimento. As consequências de longas décadas de insuficiente investimento na formação de base e na qualificação dos portugueses fazem com que tínhamos a população empregada que possui os níveis mais baixos de habilitações de toda a união Europeia. Em meados desta década Portugal possuía um peso trabalhadores de baixas habilitações na sua população empregada da ordem dos 73% valor mais do que duplo da média Europeia e, por exemplo, 12 pontos acima da Espanha, 20 da Grécia e 30 da Irlanda. A influência que este indicador possui na estrutura de qualificações, o seu impacto na capacidade competitiva da economia e a sua influência na sustentabilidade dos rendimentos e dos empregos é, naturalmente de grande dimensão. Se esta situação é fruto de opções estruturais de longo prazo que são de lenta recuperação, ela é também resultado de uma estrutura económica relativamente pobre e pouco exigente a qual se desenvolveu, precisamente, utilizando intensivamente as características da nossa força de trabalho. 11 Mas é também indiscutível que a fragilidade da estrutura de habilitações e qualificações da nossa população activa é, nos nossos dias, um dos maiores obstáculos, senão o maior dos obstáculos, a uma transformação rápida e progressiva do nosso tecido empresarial. Esta situação é tanto mais grave quanto ela atinge, ainda muito extensas áreas da nossa população activa em idade juvenil ou de jovens adultos. O défice do binómio habilitações/qualificações não poderá ser superado pela simples substituição geracional. De facto se possuímos, nos nossos dias, níveis de escolarização da nossa população juvenil bem próximos, pelo menos em termos quantitativos, das médias europeias, essa não é a situação de muitos dos activos que estão ainda na fase inicial da sua carreira profissional e que serão ainda, durante décadas, uma parte insubstituível da nossa força de trabalho. Um terceiro facto crítico da nossa situação em termos de emprego prende-se como atrás referi, com a inevitável aceleração do processo de reestruturação económica que a actual fase da dinâmica competitiva impõe, quer sobre o impulso da integração económica e monetária, quer sob o impulso dos processos de globalização e liberalização das trocas mundiais, quer, ainda pela simples dinâmica de mudança que o mercado nacional e a nossa procura interna impõem. Todas as indicações mais recentes apontam no sentido de que essa aceleração está em marcha: – sectores económicos que foram amplos criadores de emprego em fases ascendentes de anteriores ciclos económicos não estão hoje a apresentar idêntico dinamismo; – o processo de terciarização intensifica-se e com ele, intensos processos de reestruturação sectorial, mesmo dentro do sector terciário; – a fase de recuperação da criação líquida de emprego vive-se, em paralelo, com sinais de crescimento intenso de processos de criação/destruição de empregos. Estes sinais de transformação, ainda que não completamente consolidados, colocam dificuldades adicionais ao nosso mercado de emprego, apesar de, naturalmente, eles serem mais facilmente geridos numa fase de crescimento económico como aquela que estamos a viver. Neste quadro, uma estratégia nacional para a promoção do emprego, da sua sustentabilidade e da sua qualidade corresponde, naturalmente, a toda uma estratégia de desenvolvimento económico e social para o nosso país. Em Portugal o caminho para a construção de um sistema de emprego mais qualificado e que, sustentadamente, garanta níveis elevados de coesão e bem estar social exige que se dêem passos significativos de reforço da nossa capacidade competitiva e de modernização e enriquecimento do nosso modelo social. 12 A superação dos défices e insuficiências que possuímos no plano do emprego não pode prescindir da consolidação de dimensões estratégicas de modernização. Essa superação passa, nomeadamente: – pela afirmação de uma importante componente empresarial de elevada capacidade competitiva externa em segmentos dinâmicos da procura internacional, com relevante participação do investimento estrangeiro e tecnologicamente desenvolvida; – por uma continuação, ainda relativamente prolongada, de um esforço de investimento infra-estrutural, decisivo para a manutenção nos níveis de emprego e de crescimento, mas igualmente decisivo para reforçar as condições de sustentabilidade do desenvolvimento económico de longo prazo; – por um esforço de expansão do mercado interno, naturalmente compatível com os equilíbrios macroeconómicos e com a estabilidade, mas igualmente essencial para assegurar níveis de resposta a necessidades sociais ainda amplamente insatisfeitas; – pela priorização do esforço de investimento nos recursos humanos, não só numa lógica de longo prazo, mas igualmente numa perspectiva de actuação no curto prazo na promoção dos níveis culturais e profissionais da nossa população activa. Naturalmente que esta ambição de superação das nossas actuais insuficiências é uma ambição de grande fôlego, uma ambição que combina dimensões de curto e médio prazo com ambições que poderíamos chamar de geracionais. Mas é uma ambição indispensável para enfrentarmos com confiança as exigências que o futuro nos está, já hoje, a colocar. É uma ambição que exige um compromisso muito intenso de uma parte substancial da nossa sociedade, do Estado até à sociedade civil. O plano Nacional de Emprego – os seus objectivos e prioridades É neste quadro de compromisso estratégico que o nosso Plano de Emprego tem de ser construído, numa lógica de resposta às questões do curto prazo, mas igualmente numa lógica de integração de uma estratégia que irá ultrapassar a viragem do século e projectar-se na próxima década. O grande desafio a que o PNE procura dar resposta situa-se, pois, na necessidade de desenvolver a política de emprego de forma integrada, favorecendo um crescimento económico rico em emprego, defendendo a sustentabilidade dos nossos níveis de emprego e promovendo uma intensa requalificação do mesmo. 13 O quadro da situação portuguesa impôs que a adaptação à nossa especificidade das orientações globais saídas da Cimeira do Luxemburgo conduzisse à identificação de quatro grandes objectivos para o Plano: a) promover uma transição adequada dos jovens para a vida activa; b) promover a inserção socioprofissional e combater o desemprego de longa duração e a exclusão; c) melhorar a qualificação de base e profissional da população activa, numa perspectiva de formação ao longo da vida, nomeadamente como forma de prevenção dos fenómenos de desemprego; d) gerir de forma preventiva e acompanhar os processos de reestruturação sectorial. Atingir estes objectivos, num quadro temporal que se projecta em cinco anos, mas que inclui uma dimensão de curto prazo, exige uma identificação rigorosa dos caminhos estratégicos para os atingir. Irei salientar alguns dos caminhos estratégicos que o PNE irá desenvolver. Como primeira e fundamental opção de trabalho podemos identificar a promoção da articulação entre os domínios da educação, formação e emprego. Esta articulação é fundamental para a correcção das nossas insuficiências estratégicas e muito já foi feito e está a ser feito nesse particular. Mas haverá que produzir, nos próximos anos um poderoso impulso para uma mais eficaz interligação entre estes domínios, especialmente na prioridade de requalificação dos activos. Uma segunda opção estratégica que salientarei prende-se com a valorização de abordagens temáticas, regionais e locais assentes na resolução de problemas em domínios como as respostas aos problemas sociais e ambientais. Estas são áreas onde é possível combinar as necessidades sociais com a criação de emprego, favorecendo ainda os equilíbrios regionais que constituem outra das preocupações portuguesas neste domínio. Uma terceira linha de orientação exige a promoção do diálogo social, o reforço da concertação e da criação de parcerias a vários níveis, no sentido de concretizar acordos e iniciativas que promovam a competitividade e o emprego. Esta é uma das componentes fundamentais do espírito de abordagem dos problemas de emprego que a União Europeia está a desenvolver e este é um campo onde em Portugal muito há a inovar. A articulação entre a política de protecção social e as políticas de emprego e formação, é outra das linhas de trabalho que considero prioritárias, não só porque a fragilidade combinada dos nossos sistemas de emprego e de protecção social é significativa, mas também porque estamos a desenvolver uma nova lógica de políticas sociais onde a inserção social é uma das prioridades. 14 Uma outra opção de orientação estratégica do nosso Plano passará por privilegiar uma promoção transversal de acções positivas visando corrigir as desigualdades entre homens e mulheres na inserção profissional e no trabalho. Uma linha de operacionalização do PNE que assume uma prioridade maior diz respeito à necessidade de reforçar a especialização e acrescer a eficácia dos Serviços Públicos de Emprego. Esta opção concretiza-se através da concentração das actividades dos serviços públicos de emprego no acompanhamento individual e personalizado e na dinamização de redes de parcerias alargadas. O acompanhamento individual dos cidadãos que recorrem aos serviços de emprego, especialmente quando eles defrontam uma situação de desemprego, é o caminho decisivo para a elevação da qualidade das políticas de emprego. Finalmente uma outra orientação estratégica que irá formatar o nosso Plano Nacional de Emprego consiste no desenvolvimento de programas e projectos piloto, numa lógica de experimentação, com vista à valorização e demonstração de boas práticas em áreas ou grupos considerados prioritários e o seu posterior alargamento. A concretização destas orientações estratégicas, destas linhas de abordagem dos problemas do emprego e do desemprego em Portugal, dará origem a um conjunto de objectivos específicos que, já a partir de 1998, e com o horizonte de 5 anos que está fixado nas directrizes do Luxemburgo, começarão a ser concretizados. Esses objectivos específicos, que serão oportunamente divulgados e debatidos a vários níveis, deverão possibilitar melhorias das nossas políticas de emprego em áreas como: – o reforço da formação qualificante para a inserção e a reinserção profissional, bem como do conjunto das medidas activas de emprego; – a simplificação e racionalização das inúmeras medidas que hoje possuímos em termos de apoio ao emprego e à formação; – a orientação dos Serviços Públicos de Emprego para a construção de percursos de inserção para todos os desempregados por forma a atingir, em três anos, o objectivo europeu de oferecer a todos os jovens antes de seis meses e a todos os desempregados antes de 12 meses de desemprego uma nova oportunidade para a sua inserção; – o aprofundamento da lógica de parceria na resposta ao problema do emprego, seja entre áreas governativas seja com os parceiros sociais e demais instituições da sociedade civil. De facto a política de emprego que necessitamos é exigente em termos de mobilização de parcerias para a criação de condições para o seu sucesso. Em primeiro lugar existe uma parceria europeia que tem de ser devidamente enquadrada e valorizada. 15 A parceria europeia indispensável ao desenvolvimento da nova abordagem aos problemas do emprego possui, naturalmente, um quadro complexo que é o quadro de construção da União Europeia. Esta parceria tem neste momento três vértices nucleares para a construção de uma abordagem combinada aos problemas do emprego. Esses vértices são a construção da UEM, o reforço da Coesão Económica e Social e, naturalmente, a coordenação das políticas para o emprego. Não me parece possível isolá-las nem hierarquizá-las. No entanto, julgo essencial que se compreenda que não é possível uma política europeia para o emprego que não seja tributária dos grandes objectivos da estabilidade e da coesão económica e social. A comparabilidade das variáveis associadas ao emprego ao nível europeu é ainda limitada, não só por problemas de natureza técnica e estatística, mas também porque os desempenhos nacionais nos domínios económico e social só podem ser compreendidos numa lógica integrada que não escamoteie as relações (ora de conflitualidade ora de complementaridade) que existem entre as variáveis económicas e sociais. E essa lógica de abordagem é a lógica da combinação entre a estabilidade e o desenvolvimento da coesão. Uma outra dimensão de parceria fundamental nesta abordagem ao emprego situase no seu carácter inter-sectorial. Se esta era já uma realidade conhecida, o contributo dos Planos de Acção para o Emprego para esta assunção é indiscutível. O programa deste Colóquio, nas suas várias sessões é uma prova viva desta realidade. Finalmente uma dimensão de parceria que estes Planos vieram valorizar tem a ver com o domínio das relações sociais e laborais. Os Planos Nacionais que estão a ser elaborados não são planos dos Governos mas planos para os países. Algumas das directrizes europeias destinam-se, em exclusivo aos parceiros sociais. Fizemos já apelo a que os parceiros sociais em Portugal assumam, como está a acontecer noutros países, compromissos de trabalho conjunto para a concretização dessas directrizes. Estou certo que ao fazê-lo estarão a contribuir de forma importante para esta ambição de dar novas respostas aos problemas do emprego. Terminarei fazendo votos para que este Colóquio corresponda inteiramente aos seus objectivos e agradecendo ao Conselho Económico e Social e ao seu Presidente esta oportunidade de alimentar, de forma tão rica, uma reflexão que queremos que acompanhe, em permanência a acção que estamos a desenvolver. 16 Intervenção do Senhor Comissário da União Europeia, com a responsabilidade para o Emprego, Relações Industriais e Assuntos Sociais, Mr. Padraig Flynn Lisbon Colloquium: Summary This colloquium underlines the strong role Portugal is playing in the Union's employment strategy. Our problems lie in our inability to handle macro-economic shocks, or to modernise labour markets. Our response to the former is convergence and coordination in economic policies and EMU. Our response to our labour market problems is the Employment Strategy, and the Jobs Summit commitments. Our first priority is entrepreneurship, to stimulate more and better jobs, by promoting a stronger entrepreneurial environment and supporting job creation, including in the social economy. Our second priority is employability, so that jobseekers can take new employment opportunities. Thirdly, adaptability, to equip enterprises and the workforce to embrace new technologies and conditions. Our fourth priority is equal opportunities, to modernise societies so men and women can work on equal terms, to develop the full capacity of our economies. The role of the Social Partners is important to all these policy priorities. In Portugal, as in all Member States, the NAPs will enable elaboration of concrete measures to address specific national problems. The preparation of the Portuguese NAP has been used to review labour market policies, and mobilise government services and the social partners. This is exactly the collective strength needed to address the problems we share. The Portuguese action plan will also reflect the common strand of the challenge, structural reforms to meet structural problems. We must all move towards an employability-oriented and preventive strategy. The Structural Funds ensure the benefits of integration, and modernisation of markets and systems, are inclusive. The reform will focus on combatting unemployment and exclusion. It will ensure better targetting and impact; simplify administrative and financial arrangements, and re-model the partnership process between the Commission and Member States. It has been guided by four principles: economic and social cohesion; promoting growth and employment; mainstreaming equal opportunities; and re-focusing the Commission role in implementation. Much focus has been on the loss of assistance some regions will bear. Transition arrangements will enable Portugal to navigate this change. Reform will improve the Funds' ability to do their job, for employment and cohesion, with the force of the new Treaty, and the Summit priorities. The ESF will remain our most important weapon. The Member States submit their NAPs soon. 13 of the 15 national seminars, to help shape the NAPs, have now taken place. The Member States have demonstrated real 17 commitment to the exercise. The process they have launched is broadly based and fully integrated. All are involving the social partners in developing the NAPs. In all Member States, they are being submitted to the Government for approval. The Member States have welcomed the Commission contribution to the process. Like many Member States, Portugal has placed this process at the centre of policy planning, and emphasised the Social Partners' role. This is not a smooth path. It is the best one. I encourage the government and Social Partners to come together as fully as possible. The new economic and technological conditions within which the Single Market is developing demand investment in people. They demand that we begin to anticipate change, as a process, in Portugal and across the Union. Doing so can help address the specific needs of the Portuguese employment strategy in the context, and with the collective strength, of common concern. Mr. President, Minister, ladies and gentlemen, I am very pleased to be back in Lisbon today and I am honoured to be able to join in these proceedings. This event is a good example of the added value of bringing European cooperation to bear on common European concerns. The subject, improving employment performance, could not be more important for all our citizens. At the outset, I want to congratulate the Portuguese government and Social Partners for their engagement in the new collaborative process. The bilateral meeting with the Commission, a few weeks ago, to help prepare the National Action Plan, was very positive. And this colloquium underlines the strong role Portugal will continue to play in developing the Union's employment strategy. I want to start now by bringing you up-to-date on the implementation of the Union's employment strategy, to take you through its rationale, and to inform you of our preparations for the Cardiff European Council. The Union's strategy is based on a recognition that we do not have a basic problem of competitiveness, as our trading performance shows. We could do better, of course, by drawing more on the jobs potential of Europe as an economic entity. And we also need to modernise product and service markets more quickly. We are not translating innovation into goods and services, or research and development into market opportunities, as well as our trading partners. But our two biggest problems lie elsewhere. They lie in our inability to handle macroeconomic shocks. And in our inability to handle the structural changes reshaping our labour markets. The key response to our macro-economic problems is the creation of EMU in order to establish convergence and coordination in economic policies. This will help us to ride out and manage shocks more effectively. It will enable companies to plan and to price goods and services on the basis of exchange rate stability, rather than fluctuations. It should also help smaller companies take a stronger share in the Single Market 18 The response to the second problem, of managing structural change, is the European Employment strategy, and the measures agreed at the Jobs Summit last November. Their aim is to help us to make the restructuring of our labour markets more of a process, a progression, and less of a stop-start undertaking. That requires cooperation, not conflict; dialogue, not deregulation. The Union has taken steps to help Member States and the Social Partners to act on these two key problems. I want to take you through the main lines of this work, especially the Jobs Summit commitments of last November. The Summit put in place a convergence process, based on, quantified, comparable targets. The Heads of State and Government agreed employment guidelines, built on four pillars: • entrepreneurship, to stimulate more jobs, and better jobs; • employability of job seekers, so they can take job opportunities; • adaptability of enterprises and the workforce, to respond to changing conditions; and • equal opportunities at work, to ensure fair prospects for women and men, not forgetting the disabled, and to realise the growth capacity of our economies. I will begin with entrepreneurship and job creation. EMU is crucial because it represents the Union's response to the job and growth destroying effects of the macroeconomic shocks of the last 25 years, which have lost us jobs almost as fast as we created them. But we need more. We need stronger efforts, by Member States, to create a new entrepreneurial culture by improving the climate for entrepreneurship. This includes policy support for starting up enterprises, and dismantling unnecessary bureaucratic obstacles, especially for SMEs. It also means promoting sustainable self-employment. This may be of special interest to Portugal. You have shown great capacity to develop new businesses. But they still need to strengthen their technological and human resource bases. The Summit also suggested making taxation systems more employment friendly, by reducing the tax burden on labour. Our second priority is employability, to bridge the skills gap, so that jobseekers are equipped to take employment opportunities, and so that companies can find people with adequate skills. Probably the most important achievement of the Summit was to put in place a preventive strategy and make commitments to it. This is important. We have underestimated the pace of change, and misjudged the nature of unemployment. Education and training is becoming outdated more quickly than in the past. That is why, even with our present levels of unemployment, a shortage of adequately skilled applicants was identified as an important obstacle to growth by over 40% of SMEs, even at an early stage of recovery. 19 It is why 20% of young people leave Europe's education and training systems without recognised qualifications. It is why, while half of those unemployed have no recognised skills, less than 10% are receiving any training for the new, more skilled jobs becoming available. In Portugal, as in all Member States, specific problems must be addressed in a way that reflects local conditions. Here, these include: • a high share of long-term unemployed among jobseekers; • a disproportionate share of workers with very basic skills, who are especially vulnerable to technological and economic changes; and • a high proportion of early-school leavers, despite impressive recent improvement of levels of participation in vocational training. The purpose of the National Action Plans is to move from the general recommendations of the Employment Guidelines into concrete measures to address specific national problems. I know that the preparation of the Portuguese National Action Plan has been used to review your labour market policies. I know that, for this review, you have mobilised Government Departments and the social partners. This is exactly the collective approach needed to address the problems we share and I wish you well in the process. The Portuguese action plan will also reflect the common strand of the challenge, structural reforms to meet structural problems. We must all move towards an employability-oriented and preventive strategy. People need income support. But they also need a way back, they need employability support. Our present policies lead to 4 million people, every year, becoming long term unemployed. To stem this flow, the Summit committed all the Member States, to increase – to more than 20% – retraining capacity for the unemployed. The Heads of State and Government also agreed to offer training and work experience to young people before being out of work for 6 months. They agreed similar structured support for adults before becoming long term unemployed. This package of commitments represents an enormous breakthrough. It also represents a challenge to all the Member States' active labour market and training systems. Reaching 20% means doubling the present capacity of training provision in the Union, doubling the numbers being equipped to rejoin the workforce, rather than being assisted through passive support. The third priority is adaptability, to develop new approaches to restructuring, in order to equip enterprises and the workforce to embrace new technologies and new market conditions. The Summit focused on the role and responsibility of the Social Partners in this. It invited the social partners to negotiate ways to modernize the organization of work – 20 including flexible working arrangements – to make enterprises productive and competitive. The Summit conclusions ask Member States to examine the possibility of incorporating into law more adaptable types of contract, reflecting the need now to balance flexibility and security. They ask Member States to re-examine obstacles to investment in human resources, and to look at providing tax or other incentives for developing in-house training. They are also asked to examine new regulations to ensure they help reduce barriers to job creation and help the labour market adapt to structural change. All of these new demands place a great responsibility, and, I believe opportunity, on the Social Partners. The Social Partners also have a strong locus in the fourth priority, of equal opportunities. Women have accounted for all the growth of the Union's workforce in the last 10-15 years. But, there is still a gender gap of 25 million jobs, between employment for men and women. And gender gaps in unemployment levels, working time and conditions and career development. The demographic perspective is important too. Europe has a diminishing working age population. We have had strong growth in the working age population in the last 20. In the next 20 years, the trend is one of slower growth, stabilisation, and then decline. Employment growth in the next 20 years will be very dependent on increased participation of women. Enabling women to participate fully in the labour market will be basic to sustaining social policy, from schooling and healthcare, to pensions and training. The commitments made by the Summit on equal opportunities, to tackle discrimination, and look at flanking policies, are significant. The agreements on action to reverse occupational under-representation, raise levels of care provision and eliminate obstacles to returning to work reflect the need to modernise our societies and economies for new realities and demands. I want to turn now to resources. The role of the Structural Funds is to ensure that the economic and social benefits of integration, and of modernisation of markets and employment systems, are inclusive. To ensure they generate and spread advantage. That is the rationale behind the current reform of the Funds which was launched last Wednesday. It will ensure better targetting and impact. It will simplify administrative and financial arrangements, and re-model the partnership process between the Commission and Member States. The reform has been guided by four principles. First, economic and social cohesion. The new package maintains the commitment to allocate two thirds of the Funds to regions lagging behind. Secondly, the Funds remain focused on promoting growth and sustainable employment. The three main areas of assistance – infrastructure, human resources 21 development, and support for the productive sector – all have an impact on employment. The linkage between the Funds and the Employment Strategy will be crucial. The Social Fund will provide financial underpinning for the Employment Strategy, while the strategy's policy impetus will reinforce the impact of the ESF in developing good practice and innovation. Thirdly, the new Regulations set new standards in mainstreaming equal opportunities into operations supported by the Funds. They also require provision for equality actions within every programme, with strong targets for Member States to meet. My fourth point concerns re-focusing the Commission's responsibilities in implementing structural policies. The system has become complicated, slow and cumbersome. This will change. The Member States will in future have more responsibility for implementation and there will be more decentralised management. The Commission's role will become more one of guarantor of the strategy agreed with the Member States and the regions. That will also demand stronger partnerships, including with the Social Partners, in developing the use of the Structural Funds. I know that, in the media, here and elsewhere, the focus has been on the loss of assistance some regions will have to bear as the Funds concentrate their finite resources where need is greatest. I know this is a matter of great concern in Portugal, but I can assure you that appropriate and generous transition arrangements will enable you to navigate this change, especially since the Cohesion Fund will continue to support our shared cohesion objectives in Portugal. Across the Union, the reform will improve the Structural Funds' ability to do their job, for employment and cohesion, with the force of the new Treaty, and the Jobs Summit priorities behind them. To meet these commitments, we need to ensure that human resource development – investment in the whole potential workforce – is applied to all Funds' activity. The ESF will remain our most important instrument in our collective efforts. So, where do we go from here? Work is well underway in implementing the employment strategy. All the Member States will submit their National Action Plans – covering all the Jobs Summit commitments – by 15 April. In cooperation with the Member States, my Services have taken part in national seminars to help shape the action plans which will provide the basis of the new process. 13 of the 15 seminars have now taken place. I have noted a few key messages from the seminars that have already taken place. The first message is that all Member States have demonstrated real commitment to the exercise. The process they have launched is broadly based and fully integrated, involving key ministries and – in those with federal systems – regional authorities too. 22 All are involving the social partners in developing the National Action Plans. Some have parallel preparatory groups for the social partners, some are consulting them on drafts. While Employment Ministries form the core of the process in most cases, the political importance of the NAPs are enhanced by the fact that they are, in some countries, supervised by the Prime Minister's Office. In all Member States they are being submitted to Government for approval. In many, they are being brought to Parliaments for debate. The NAPs will be public documents, subject to public scrutiny. Finally, I am heartened by the value the Member States have explicitly placed on the Commission contribution to the process. We have been able together to enhance consistency of interpretation of the content of the guidelines, and the consistency of the action plans. A first Commission report on the action plans will be discussed at the Cardiff European Council in June. We hope to have it ready by mid-May. The task of progressing this work after Cardiff, and developing the Guidelines for 1999, will then pass to the Austrian Presidency. I want to finish by paying tribute to the commitment to the process being demonstrated by the main actors in Portugal. Like a number of Member States, you have placed the process at the centre of policy planning and you have brought the Social Partner contribution clearly to the fore. I know this is not always easy and I know it is not a smooth path. I can only encourage you to come together as fully as possible and work towards shared objectives. I can only stress to you that this is a process, and it is a process which demands that we look forward, not backwards. The old arguments about wage costs, the burden of social legislation, and the expense of continuous reskilling, are being replaced by concerns to ensure a better educated, motivated, and productive workforce. This new workforce can offer flexibility and productivity. But only if its skills are meshed with changes in technology and work organisation, and keep pace with new patterns of production. This can only happen if there is a balance to the relationship. This balance demands new forms of dialogue and partnership, new approaches to economic and social policies, and new models of economic development and investment. It will require Member States and regions to invest in people in more creative ways, based on local assets and conditions, new technologies and skill demands. And it will require all of us to begin to anticipate change as a process, rather than continue to encounter it always as a shock. I believe that doing so can only enhance your ability here in Portugal to address the specific needs of the Portuguese employment strategy in the context, and the collective strength, of our common concern. 23 Thank you for your attention. 24 Políticas Activas de Emprego 25 POLÍTICAS ACTIVAS DE EMPREGO: UMA VISÃO ESTRUTURAL E INSTITUCIONAL Professor António Manuel Figueiredo* Mercado de trabalho e políticas de emprego: uma nova perspectiva sobre as políticas estruturais 1. O problema O funcionamento do mercado de trabalho e as diferentes formas de regulação do mesmo têm sido tradicionalmente pretexto e sede de controvérsia generalizada quanto ao papel das políticas estruturais na promoção de melhores condições de eficiência dinâmica, quer essas políticas estruturais assumam o estatuto de políticas nacionais ou tenham o seu centro de concepção e concretização a nível regional ou mesmo local. A confiança plena nos mecanismos de mercado sobrepõe-se, por vezes, à capacidade de reconhecer que o mercado de trabalho nem sempre se apresenta com as características de entidade homogénea que a teoria lhe atribui, ignorando por isso o problema da segmentação desse mercado e as consequências daí decorrentes para o equilíbrio tendencialmente esperado das forças da oferta e da procura de trabalho. A situação dos países da União Europeia a este respeito e, sobretudo, a diversidade de situações concretas observadas neste conjunto de países, com particular relevo para o confronto da experiência portuguesa, primeiro, com a vizinha Espanha e, em geral, com a média comunitária, constitui um excelente pano de fundo para resituar esta questão. A situação no contexto da União Europeia constitui, pois, um excelente campo para retomar a questão do papel das políticas estruturais na melhoria das condições de funcionamento do mercado de trabalho, especialmente do ponto de vista das suas performances de criação/supressão de postos de trabalho. É neste novo contexto de preocupações que se situa a recente tónica colocada nas políticas activas de emprego que constituem o quadro inspirador desta primeira sessão do presente Colóquio do CES. Do ponto de vista empírico e para lá das incidências mediáticas das últimas cimeiras europeias1 em que a questão do emprego passou a constituir matéria de facto das declarações políticas finais da generalidade dos líderes políticos aí representados, * Professor Auxiliar Convidado da Faculdade de Economia do Porto. Administração Quaternaire-Portugal. 1 Vejam-se, sobretudo, as cimeiras de Essen, Dublin e o muito recente Conselho do Luxemburgo. Veja-se ainda a Resolução do Conselho de 11.12.97 relativa às directrizes para o emprego em 1998. 26 o ano de 1994 constituiu um alerta significativo na tomada de consciência deste problema. De facto, em 1994, o desemprego atingiu na Comunidade valores impressionantes, isto é, cerca de 18 milhões de pessoas, equivalentes a cerca de 11% da população activa, evidenciando ainda uma composição fortemente heterogénea, incidindo praticamente em todos os grupos de activos, qualificados e não qualificados e apresentando em alguns países uma duração bastante considerável. Os dados mais recentes introduzem algumas nuances nesta situação, embora confirmem a persistência da dimensão do problema: • em 1996 criaram-se 600 000 empregos líquidos o que não foi suficiente para combater decisivamente a taxa de desemprego; • os empregos em part-time continuaram a responder por quase todos os empregos líquidos criados; • a participação das mulheres no mercado de trabalho continuou a intensificarse; • 5% da população activa continua em situação de desemprego de longa duração; • menos de 1/3 dos homens e 1/4 das mulheres que se encontravam em desemprego de longa duração em 1995 encontraram um emprego em 1996; • as mulheres são mais vulneráveis à situação de desemprego do que os homens; • as perdas de emprego estão sectorialmente concentradas, na medida em que correspondem a sectores que representam menos de 1/4 do emprego total da União Europeia. 2. Algumas reflexões de carácter teórico A crescente incidência do desemprego de longa duração e a progressiva atenção que a macroeconomia começou a prestar aos factores de oferta na sequência das transformações que se sucederam após o primeiro choque petrolífero conduziram ao estabelecimento, numa primeira fase, de uma distinção fundamental entre o conceito de desemprego keynesiano, fundamentalmente associado à insuficiência da procura final e o de desemprego clássico, correspondente ao excesso de procura de trabalho relativamente ao volume máximo de mão-de-obra que as empresas estão em condições de recrutar, dados a capacidade produtiva disponível e economicamente utilizável e o custo relativo de factores. Numa segunda aproximação, o desemprego clássico é conceptualmente diferenciado em dois conceitos: o de desemprego clássico puro gerado essencialmente pela situação de turn-over normal no mercado de trabalho e susceptível de ser reabsorvido, tendo em conta o nível e a evolução salarial, pelo retorno da capacidade produtiva ao nível atingido na recessão anterior e o de 27 desemprego estrutural, não susceptível de ser reabsorvido mesmo com um cenário de crescimento retomado e de expansão da capacidade produtiva e sobretudo associado a problemas de desfuncionamento do mercado de trabalho, designadamente em termos de formação e de reconversão. Deve sublinhar-se que a absorção destas diferentes categorias de desemprego é fortemente diferenciada: • a retoma absorve a componente cíclica; • a componente de desemprego clássico puro só pode ser absorvida em contexto dinâmico de crescimento a curto prazo por um aumento da procura de trabalho, o que implica aumento sustentado de capacidades e aumento moderado mas positivo de salários reais; • a componente estrutural só pode ser absorvida pelo aumento da empregabilidade de certas categorias de trabalhadores e pelo aumento do conteúdo em emprego do crescimento. Várias tentativas têm sido realizadas para estimar esta última componente. A tentativa mais referenciada corresponde ao conceito de taxa de desemprego compatível com uma inflação estável, a que corresponde a nomenclatura de NAIRU e cujo método de estimação se baseia numa curva de Philips com incorporação de antecipações. Tal como a própria Comissão Europeia o reconhece2, à utilidade teórica do conceito de NAIRU não corresponde o mesmo tipo de interesse para efeitos de política económica dada a imprecisão de medida e a variabilidade dos valores encontrados nas principais estimações realizadas. A última estimativa consistente publicada pela Comissão Europeia das diferentes tipologias de desemprego corresponde ao ano de 1994 (EUR12) e apontava para os seguintes valores, para um valor total de 16,7 milhões de activos, aproximadamente 10% da população activa da EUR 12: • desemprego cíclico - +- 3 milhões de activos; • desemprego clássico puro - + - 7,5 a 6 milhões de activos; • desemprego estrutural - +- 6 a 7,5 milhões de activos. Nesta matéria, convém não confundir o conceito de desemprego estrutural com o de desemprego tecnológico, sendo o primeiro mais vasto do que o segundo e embora este último possa afectar os desfuncionamentos que estão na base da emergência do desemprego estrutural. A incidência do desemprego tecnológico significa que tem sido necessário um valor de investimento cada vez mais elevado para criar o mesmo montante de empregos, supondo a estabilidade do preço relativo dos equipamentos relativamente ao outro tipo de bens. O desemprego tecnológico pode então ser visto como um fenómeno de insuficiência de investimento (L.Soete e 28 C.Freeman,1985:77)3, perspectiva que corresponde à posição defendida pelas correntes agrupadas em torno do grupo de economistas do SPRU (Sussex) e de outras universidades associadas (C.Freeman, Luc Soete, Keith Pavit, G.Dosi, etc). 3. Aplicação à situação concreta portuguesa Tendo em conta o “state of art” recém publicado sobre o mercado de trabalho em Portugal4, a problemática nacional reveste-se de grande particularidade no contexto do padrão de referência comunitário. De facto, a situação portuguesa apresenta uma reduzida incidência do desemprego estrutural, traduzida, por exemplo, na grande estabilidade da taxa de desemprego compatível com uma taxa de inflação estável (NAIRU), em torno dos 6%, ressalvando claro está os limites de indefinição deste cálculo, tal como foi atrás anteriormente referido. Por outro lado, Luz e Pinheiro (1993) evidenciam que os salários e as remunerações nominais têm reagido bastante bem às variações do desemprego; os salários respondem praticamente sem lags ao desemprego e que a influência da inflação passada no crescimento dos salários se processa mediante um lag de três trimestres, o que traduz também uma apreciável flexibilidade de variação. Por outras palavras, as evidências empíricas apontam para a estabilidade da curva de Beveridge e da equação de tipo Philips. Por outras palavras, tem-se assistido a uma significativa capacidade de recuperação dos níveis de emprego em momentos de retoma do clima conjuntural, ou seja à manifestação da relevância em Portugal do desemprego cíclico. O mercado de trabalho tem-se revelado como dotado de uma forte flexibilidade, em contraponto e mesmo em contradição com o discurso patronal dominante da rigidez. Estes dados sugerem que a sustentação do emprego tem sido claramente preferida à sustentação do rendimento, compatível, por exemplo, com a atipicidade no contexto comunitário do problema dos salários em atraso5. Deve ainda referir-se que a incidência do desemprego de longa duração apresenta também uma componente cíclica não negligenciável, o que confirma a relevância da componente cíclica do desemprego em Portugal, o que é equivalente a afirmar a 2 Veja-se sobretudo Économie Européenne, “Composition du chômage dans une perspective Économique”, n.º 59, 1995. 3 “Uma tal evolução gerará, além disso, a longo prazo uma grave penúria de equipamento produzindo, como consequência directa, um afrouxamento do investimento dado que a baixa contínua da produtividade do capital influenciará directamente a rendibilidade a longo prazo, assim como o aparecimento de um desemprego estrutural devido à insuficiência de equipamento”, in OCDE, Croissance de l’Emploi et Mutations Structurelles”, Paris, 1985. 4 Quaternaire Portugal e Centro de Estudos de Economia Industrial, do Trabalho e da Empresa, Labour Market Studies - Portugal, Employment and Social Affairs, European Commission, Dezembro de 1996. 5 Para um aprofundamento mais sistemático desta matéria, mediante tratamento mais alargado de informação empírica pertinente, ver o estudo referido na nota 3. 29 dependência das performances do mercado de trabalho relativamente ao comportamento da procura externa e dos mercados comunitários em geral. Esta reflexão não implica que as políticas activas de emprego em Portugal não devam estar atentas a manifestações típicas de desemprego estrutural, como o são, por exemplo, a progressão do desemprego de activos qualificados, designadamente de jovens licenciados e a crescente incidência do desemprego de longa duração em categorias específicas de trabalhadores, independentemente do comportamento dinâmico da procura. Para além disso, há que estar bastante atento às incidências diversificadas e crescentes de desequilíbrios entre a oferta de qualificações e a procura de competências que implícita ou explicitamente as empresas têm vindo a manifestar sobretudo nas suas estratégias de recrutamento de primeiro ou de novos empregos e à dificuldade que os sistemas educativo e de formação têm manifestado em contribuir para a generalização de estratégias mais activas de procura de emprego (“job search”). No entanto, uma reflexão aprofundada sobre as políticas activas de emprego em Portugal deve ponderar seriamente o modo como a dinâmica global de funcionamento do mercado de trabalho é atravessada por processos de segmentação territorializada do mesmo. Assim, em estreita correlação com os modelos empresariais e a sua incidência espacial em Portugal, podemos falar na cristalização de cumplicidades territoriais na formação das forças da procura e da oferta de emprego. Por um lado, o fenómeno do desemprego estrutural apresenta incidências territoriais mais marcantes em certas zonas do território nacional, como acontece, por exemplo, com o caso da Área Metropolitana do Porto, onde as taxas de desemprego atingem o escalão dos dois dígitos, em contraponto com o predomínio do dígito único nos valores em torno da média. A problemática do declínio industrial e a perda de memória industrial em algumas zonas do país, em coexistência com a debilidade terciária, constituem outra fonte de incidência espacial diferenciada do desemprego. Por outro lado, em contraponto com o aspecto anterior, observam-se em algumas áreas do País claras cumplicidades entre estratégias empresariais de baixa qualificação e estratégias familiares de desvalorização do capital-instrução. Nestas situações, evidências recentemente disponibilizadas confirmam a permanência de estratégias de recrutamento do primeiro emprego que tardam em introduzir nas empresas uma nova estrutura de qualificações, dificultando por isso um turn-over virtuoso tendente a uma progressão mais visível e consistente do nível médio de qualificações dos activos empregados. Assim, em recente estudo realizado pela CESO I&D para a AIP, cerca de 1/3 dos profissionais considerados como qualificados tinham o ensino primário como habilitação máxima e que cerca de 41% dos profissionais altamente qualificados possuía como nível de escolaridade mais elevado o ensino básico. 30 Na minha perspectiva, é a incidência destas formas de segmentação territorializada do mercado de emprego em Portugal que explicam eventuais dissonâncias entre o discurso pautado pela atenção aos indicadores de funcionamento global do mercado de trabalho e o que resulta do contraponto entre situações focalizadas de pleno emprego e de taxas de desemprego acima da média global. Por outro lado, há que referir que o funcionamento do mercado de trabalho em Portugal não pode deixar de ser influenciado pelas más performances do sistema educativo nos anos 80, o qual não só não logrou chamar ao sistema uma massa mais importante de população jovem, como, através do fenómeno do abandono precoce, acabou por não produzir o conjunto de qualificações e de níveis de instrução compatíveis com a sua frequência6. 4. Políticas activas de emprego e a nova geração de políticas estruturais baseada na operacionalização do conceito de externalidades Neste contexto e embora tendo em conta o interesse crescente das chamadas políticas de emprego, reforçadas no plano comunitário sobretudo a partir do Conselho de Essen, é de concluir que as performances da economia portuguesa em matéria de criação de emprego permanecem ainda em grande medida dependentes das perspectivas gerais de crescimento e não simplesmente dos padrões trabalhointensivo desse crescimento. Assim, as melhores políticas activas de emprego são as que permitem melhorar significativamente essas performances de crescimento, sobretudo no que diz respeito aos investimentos físicos e imateriais geradores de externalidades significativas. Por isso, entendemos que as políticas de crescimento não podem ser do tipo demand-driven, cujos factores favoráveis se situam sobretudo no contexto dos mercados comunitários. É necessária uma outra geração de políticas, sobretudo orientadas para as condições de oferta e influenciando a componente institucionalizada dos mercados. O mesmo referencial deve ainda ser invocado no caso das políticas de emprego, também elas progressivamente orientadas para uma dimensão microeconómica, assente na criação de condições de flexibilidade empresarial e propiciadoras da emergência de novas capacidades empresariais. também neste domínio a aposta em sistemas de prémios à criação de novos empregos que não sejam completados por acções dirigidas à credibilização dos ambientes e das organizações empresariais e que não criem condições para o aparecimento de novas oportunidades de investimento corre seriamente o risco de ser subvertida. 6 Vejam-se a título indicativo as taxas de escolarização secundária e superior dos anos 80, contraponham-se tais taxas às de países como a Espanha e a Irlanda e retirem-se daí as devidas implicações do ponto de vista dos níveis de instrução dos activos hoje empregados. 31 Noutro plano, embora também susceptível de abordagem por via do conceito de externalidades, há que viabilizar um contributo mais activo e eficaz dos sistemas educativo e de formação para o reforço da empregabilidade. Assistimos hoje a uma crescente discrepância entre a estrutura de qualificações de activos no interior das empresas e as melhorias claras observadas em matéria de taxas de escolarização e de participação da população jovem. Ora, esta discrepância tem sido generalizadamente imputável aos mecanismos de relacionamento entre empregadores e trabalhadores, deixando de fora as instituições responsáveis pela oferta de qualificações, provenham elas do sistema educativo ou do sistema de formação profissional. Estas instituições lavam frequentemente as suas mãos deste problema, resistindo, por um lado, à formulação de estratégias mais activas em matéria de inserção socioprofissional e no mercado de emprego dos seus formandos e imputando, por outro, aos empresários o ónus da questão, culpabilizando-os pela persistência de estratégias de recrutamento pouco ambiciosas do ponto de vista da procura de novas qualificações e competências. Na minha perspectiva de políticas activas de emprego de nova geração, é necessária uma nova engenharia institucional na produção de novas qualificações e competências, a qual passa, em primeira linha, por uma atitude menos arrogante das instituições produtoras de qualificações relativamente à debilidade das estratégias empresariais em matéria de recrutamento, designadamente do primeiro emprego. Quer isto significar que as políticas activas de emprego necessitam de uma abordagem mais sistemática e profunda da relação educação-formação-inserção, devendo ser operacionalizadas e capitalizadas todas as oportunidades de melhoria de condições institucionais de funcionamento deste processo de formação-inserção. Após um período de explosão da oferta de qualificações, assente sobretudo na diversidade curricular, a clarificação do mercado de formação jogar-se-á, a meu ver, neste tipo de questões, orientadas para a institucionalização de mecanismos favorecedores seja do processo de inserção visto como processo social, seja de melhores e mais proactivas estratégias individuais de procura de emprego, as quais exigem novas atitudes perante o mercado de trabalho. Mas o conceito de externalidade pode, ainda, ser aplicado de forma mais abrangente, sugerindo novas pistas para uma intervenção mais proactiva nos mercados de trabalho e de emprego, sobretudo se nos colocarmos numa perspectiva de intervenção regional e local. Assim, pode falar-se, em primeiro lugar, da criação de tecido institucional e organizativo favorável à criação de emprego. Parece inquestionável que não cabe às políticas regionais e comunitárias intervir na vertente de criação de emprego imputável a processos de recuperação conjuntural. Por outro lado, parece também desaconselhável promover indiscriminadamente os prémios à criação de postos de trabalho em regiões onde exista já uma tradição de empreendimento e de capacidade empresarial, sobretudo se essa atribuição não for 32 acompanhada de critérios que privilegiem objectivos de reordenamento de relações inter-industriais. Assim, a criação de emprego como objectivo da intervenção das políticas regionais deve em princípio limitar-se a duas áreas preferenciais: • o domínio da criação de novas actividades numa perspectiva de alargamento do campo de oportunidades de investimento; • a vertente da promoção de capacidade empresarial. No primeiro caso, temos por exemplo a possibilidade das políticas regionais e comunitárias prolongarem os efeitos em Portugal da promoção de novas áreas de desenvolvimento de actividades (ambiente, sociedade da informação e telecomunicações, por exemplo) que está em curso a nível da União Europeia, na sequência dos trabalhos do Livro Branco sobre a Competitividade e sobre o Emprego. Neste domínio, o factor de risco residirá na difícil selecção dos nichos de competitividade que poderá caber à economia portuguesa em domínios que não correspondem de modo nenhum ao padrão dominante de vantagens comparativas e à capacidade empresarial instalada. No entanto, a um nível mais compatível com o quadro nacional de oportunidades de investimento, poderemos falar sobretudo das políticas urbanas e, em menor escala, das políticas de desenvolvimento rural como espaços privilegiados para diversificar oportunidades de investimento e, consequentemente, estimular a criação de novos empregos. Em qualquer um destes domínios, o contributo dos QCA's é pouco relevante. Se no caso do eventual prolongamento dos trabalhos do Livro Branco a situação é compreensível, dada a magnitude das respostas empresariais exigidas, já no caso das políticas urbanas trata-se, a meu ver, de uma tardia percepção do fenómeno urbanização em Portugal, na sua mistura complexa de custos agravados mas também de novas oportunidades de criação de emprego. Já no caso das acções em torno do desenvolvimento rural (vertente de um programa operacional de promoção do desenvolvimento regional do 2.º QCA), as perspectivas que se avizinham em matéria de criação de emprego não são animadoras. Não só o conteúdo possível de emprego desse esforço de dinamização é, por natureza, diminuto, como a dispersão da estratégia dos centros rurais, sem qualquer espaço de articulação com as áreas urbanas mais dinâmicas, corre o risco de constituir mais um processo inglório de disseminação do investimento de pequena escala. Resta a vertente da promoção de capacidade empresarial. À sua escala, que é logicamente diminuta, a experiência dos BIC's em Portugal é francamente animadora. Entende-se a este respeito o apreço que as autoridades comunitárias votam à experiência portuguesa nesta matéria. Trata-se, por isso, de uma experiência a disseminar, sobretudo na linha de um correcto aproveitamento de efeitos de demonstração do projecto e da utilização sistemática de ensinamentos que o 33 funcionamento destas instituições vem proporcionando. A incubação de novos projectos a partir de capacidade empresarial já instalada e propensa à exploração de novas oportunidades de investimento constitui uma linha a desenvolver. De qualquer modo, também a este respeito se pode falar de externalidades favoráveis à criação de novos empregos, sobretudo onde não existe tradição instalada de iniciativa industrial. Aqui, a principal externalidade consistirá na criação de tecido institucional e organizativo que enquadre a actividade empresarial. Estamos perante territórios onde não existe tecido empresarial, devendo essa ausência ser minorada pela criação de tecido institucional e organizativo. Por isso, sobretudo nestes contextos desfavoráveis à emergência de nova capacidade empresarial endógena, cabe também aos diferentes níveis do sistema educativo e de formação contribuir para a criação de novas atitudes e desempenhos em matéria de empreendimento e capacidade de assumir riscos, o que nos levaria a uma outra longa conversa. Neste domínio, inviabilizado que foi o prolongamento da discussão aberta pela negociação do 2.º QCA sobre a criação de Agências de Desenvolvimento Regional, tem cabido aos sub-programas C dos Programas Operacionais Regionais a tarefa de apoiar a criação desse tecido. Também nesta matéria a diversidade de situações impede um juízo crítico uniforme sobre esta experiência. É, no entanto, possível realizar alguns comentários pontuais, sobretudo na perspectiva de fornecimento de pistas para uma avaliação mais sistemática desta nova realidade institucional do desenvolvimento local. Até ao momento, as intervenções comunitárias neste domínio confrontam-se com os seguintes problemas: • riscos de que o financiamento de certos projectos de desenvolvimento local não sejam mais do que meros balões de oxigénio para aguentar artificialmente instituições incapazes de criar mercado para os seus próprios serviços; • riscos de favorecer uma dinâmica artificial de dispersão de iniciativas, desproporcionada face ao potencial existente de mobilização de recursos locais; • ocorrência demasiado frequente de apoios a iniciativas demasiado pontuais e efémeras, sobretudo porque não internalizam capacidade de geração de projecto, conhecimento e organização, não contribuindo por isso para uma maior maturidade dos promotores; • ausência frequente de sinergias entre instituições locais, frequentemente motivada por conflitos de protagonismos locais, pessoais e políticos; • ausência de escala para viabilizar funções importantes como a promoção ou o marketing. 34 Neste contexto, duas externalidades emergem como prioridade, as quais remetem essencialmente para o domínio da formação para o desenvolvimento local: • generalização da capacidade local de formulação e geração de projectos, aos mais variados níveis do desenvolvimento local; • a formação e correspondente apoio à inserção profissional de agentes de desenvolvimento local, entendidos como elementos de construção de novas redes e novos padrões de relacionamento inter-institucional. A outro nível, pode mencionar-se a vertente dos investimentos em iniciativas de enquadramento e orientação de estratégias empresariais de formação. Alguns registos merecem relevo, na medida em que permitem situar a reflexão: • em primeiro lugar, regista-se uma grande dispersão de iniciativas de formação financiáveis por programas com comparticipação comunitária e a dispersão dos próprios resultados de avaliação disponíveis não ajuda a alimentar uma perspectiva clara de conjunto dos impactos verificados; • em segundo lugar, sabe-se que, no 1.º QCA, não foi possível articular a formação realizada em empresas com os investimentos de equipamento e modernização financiados pelo PEDIP 1, incluindo os próprios programas de formação deste último; • em terceiro lugar, há elementos que sugerem que as conclusões da avaliação não serão as mesmas consoante as intervenções se tenham dirigido a jovens à procura do primeiro emprego ou a activos com posto de trabalho; • por fim, sabe-se ainda que empresas, sobretudo de capital estrangeiro, com necessidades bem definidas de formação e com ideias claras acerca do tipo de formação a realizar conseguiram atingir com êxito os objectivos que se propunham, mobilizando muitas vezes recursos nacionais, eventualmente completados com conhecimento externo. Estas observações sugerem que uma importante externalidade a promover consiste em investimentos de enquadramento e orientação, do tipo dos seguintes: • investimentos em metodologias de avaliação de necessidades de formação empresarial; • acções de avaliação e operacionalização de condições de transferibilidade de experiências bem sucedidas de formação em empresas para outras situações; • planos directores de formação para actividades bem definidas, explorando por exemplo algumas oportunidades de trabalho abertas pelas reflexões do Fórum da Competitividade; • investimento em redes de consultores de Formação; • investimento em Formação de formadores. Em resumo, o conceito de externalidade revela-se bastante operativo para assegurar um efectivo up-grading das políticas estruturais em matéria de criação de 35 emprego, na medida em que permite combinar uma política favorável à intensificação do crescimento económico, ainda determinante para a resolução dos grandes números do desemprego em Portugal, com intervenções de natureza mais pontual, não necessariamente resolúveis por via do mercado “tout court”. Uma reflexão final sobre as directrizes para o emprego em 1998 à luz das considerações anteriores O quadro de directrizes para o emprego em 1998, que acompanha a resolução datada de 11.12.1997, apresenta do ponto de vista de conteúdo de iniciativas desejáveis uma grande conformidade com a perspectiva estrutural e institucional implícita nas notas anteriores. Não podemos estar mais de acordo com a inclusão de um domínio estratégico de intervenção como o do desenvolvimento do espírito empresarial em estreita articulação com o da criação de emprego. Quero deixar, entretanto, a nota de que a concretização destas orientações dependerá fortemente da dotação inicial que os países apresentarem em matéria de externalidades favoráveis à criação de emprego e, sobretudo, da elasticidade institucional e organizativa que é necessário assegurar para pôr em prática algumas das soluções exigidas pela concepção de políticas activas. Ora é necessário: • primeiro, assegurar que as políticas activas de emprego não sejam promovidas exclusivamente em função do modelo institucional dominante nos países da Europa do Norte, claramente mais elásticos e apetrechados para alcançar as inovações organizativas que, frequentemente, se pedem a este tipo de políticas; • segundo, é necessário investir fortemente nesta engenharia institucional, pois, insiste-se, as políticas activas de emprego são fortemente exigentes em matéria de organização institucional (veja-se, por exemplo, as exigências ditadas pelos Pactos Territoriais para o Emprego). Finalmente, não pode deixar de sublinhar-se a ideia de que as políticas activas de criação de emprego requerem um patamar mínimo de integração social. Por vezes, tem-se a percepção de que se exige demais às políticas activas de emprego e formação, ignorando que a resposta aos estímulos e às oportunidades abertas por esse tipo de políticas requerem a ultrapassagem de limiares de integração e de combate à exclusão. Também aqui, em convergência com o que foi anteriormente explicitado, se abre um espaço de integração nem sempre fácil de conseguir e organizar entre o mundo da intervenção social (que não está fora de moda, antes pelo contrário) e o da criação de emprego e da formação para a inserção. Referências bibliográficas M.Burda e C.Wyplosz (1997), Macroeconomics – an European text, Oxford University Press. Londres. 36 João Cravinho (org.) (1995), Emprego e desemprego em Portugal-horizonte 2000, IED-Directorate-General Employment and Social Affairs EC, Brussels. European Commission (1995), “Composition du chômage dans une perspective Économique”, …Économie Européenne, n.º 59. European Commission (1997), Employment in Europe 1997, Directorate-General Employment and Social Affairs, Brussels. European Commission (1997), Emploi en Europe – un Programme pour l’emploi à l’horizon 2000, Directorate-General Employment and Social Affairs, Brussels. Sílvia Luz e Maximiano Pinheiro (1993), “Desemprego, vagas e crescimento salarial”, Boletim Trimestral do Banco de Portugal, vol. 15, n.º 2. Sílvia Luz e Maximiano Pinheiro (1994), “Wage rigidity and job mismatch in Europe: some evidence”, Banco de Portugal, WP 2-94. OCDE (1985), Croissance de l’Emploi et Mutations Structurelles, Paris Quaternaire-Portugal e CETE-FEP (1996), Labour Market Study-Portugal, Directorate-General Employment and Social Affairs, Brussels. 37 PARA “UM MERCADO SOCIAL DE EMPREGO” ACTIVO E ACTIVADOR Contributo parcelar Dr. Acácio Catarino* I - ASPECTOS CONCEPTUAIS Na perspectiva dos problemas socioeconómicos, o mercado de emprego no seu todo poderá desdobrar-se em três vectores fundamentais: o da competitividade à escala mundial; o da viabilização de empresas e empregos; e o da inserção social. Impõe-se contar ainda com o esforço permanente de equidade e de coesão a plasmar estas realidades, como um todo, e a contribuir para a sua adaptação contínua, sem receio das transformações em profundidade. O mercado social de emprego (MSE) inscreve-se no terceiro vector – o da inserção – e não constitui uma realidade marginal em relação ao mercado de emprego no seu todo; pelo contrário, destina-se a contribuir activamente para a abertura e dinamização deste, face aos problemas sociais. Importa aliás assinalar que a inovação tecnológica e organizacional, mesmo a mais avançada, é um requisito básico não só do vector competitivo do mercado de emprego, à escala mundial, mas também dos outros dois. No caso particular do MSE, enfrentam-se nele, diariamente, problemas sociais e humanos que constituem um desafio constante a todo o tipo de inovação. Embora a motivação que nele determina a agir não seja predominantemente económica, o trabalho realizado não deixa de se integrar na esfera da economia, articulando-a com outros domínios socioculturais. Esta integração de pleno direito do MSE na economia não é compatível com a sua redução a um mercado de emprego social (como por exemplo o trabalho protegido), nem a um mercado de serviços (como os prestados pelas instituições particulares de solidariedade social – IPSS). A limitação do MSE a estas acepções é fortemente redutora e, sobretudo, conduz a que não seja qualificado como “social” o próprio mercado de emprego mas sim o tipo de organização ou as actividades desenvolvidas. Arriscando uma noção, dir-se-á que o mercado social de emprego é o conjunto de dinamismos, actividades e entidades privadas sem fins lucrativos, de direito ou de facto, que, de maneira empresarial, têm como objectivo determinante a solução de problemas de emprego e de outros problemas sociais, viabilizando-se pelas vias * Presidente da Cáritas Portuguesa. Antigo Dirigente do IEFP. Antigo Técnico e Dirigente da Área do Emprego. 38 comercial, contratual ou outras e procurando, em maior ou menor grau, influenciar a sociedade e a economia no seu todo1. Poderá afirmar-se que o MSE reúne seis características essenciais: a) implica dinamismos específicos, designadamente a animação local; b) as actividades desenvolvidas podem ser de qualquer natureza, com realce para os serviços sociais; c) os promotores ou empresários sociais são entidades privadas sem fins lucrativos2; d) o tipo de organização é empresarial ou afim; e) os objectivos prosseguidos são, fundamentalmente, dois: – a prevenção e solução de problemas de emprego e de outros problemas sociais; – a inter-influência do MSE em relação à economia e à sociedade no seu todo; f) a viabilização económica é assegurada pela via concorrencial, pela contratual (por exemplo, acordo com um Centro Regional de Segurança Social) ou outras (por exemplo, o mecenato). Poderá afirmar-se que o MSE3 é o mercado de emprego específico da economia social4. E daí, “grosso modo”, ele está para a economia social como o mercado de emprego em geral está para a economia global. 1 Prevê-se que, do autor desta reflexão, seja publicado um artigo no n.º 2 da revista do Ministério do Trabalho e Solidariedade, “Trabalho e Sociedade,” sob o título “MSE esboço de introdução conceptual”. Aí figuram algumas referências bibliográficas. 2 As ILE e as micro e pequenas empresas podem ser consideradas como entidades sem fins lucrativos, ainda que juridicamente os visem, enquanto não ultrapassarem a fragilidade inicial. 3 Há quem sinta relutância na utilização do conceito de mercado em relação ao emprego e a outras realidades sociais. Muito embora se justifique procurar um conceito mais adequado, importa ponderar que: a) b) c) d) a expressão “mercado de emprego” é mais humanizante que “mercado de trabalho” utilizada tradicionalmente nos cursos de economia: enquanto, no mercado de emprego, o bem “transaccionado” é o emprego, no mercado de trabalho é o trabalhador ou a “força do trabalho”; o facto de se considerar o mercado como via de solução de problemas de emprego e de outros problemas sociais não significa que esses problemas se reduzam a algo de mercantil nem que a respectiva solução se reduza à acção do mercado. Significa apenas que este pode dar algum contributo; esse contributo e o mercado no seu todo podem ser regulados pelo Estado e por outras instâncias; a concepção originária de mercado não se confunde com aquilo a que o capitalismo o reduziu historicamente. Na verdade, a teoria da “concorrência perfeita” encerra a ideia de procura de cooperação e de optimização social; 39 A Resolução do Conselho de Ministros (RCM) n.º l04/96, de 20 de Junho (publicada no Diário da República, I Série B, de 9 de Julho) prevê um leque relativamente amplo de medidas fomentadoras do MSE, admitindo que outras o possam integrar. Essas medidas repartem-se por quatro grupos (n.os 4.l e 6 da RCM): a) fomento do emprego (protegido; de inserção; em equipamentos sociais; em ILE também sociais; em serviços de proximidade em geral; na reabilitação do património; na protecção da floresta; em quaisquer actividades promovidas no âmbito da economia social...); b) actividades ocupacionais; c) animação e desenvolvimento rural; d) educação e formação de índole social (incluindo escolas-oficinas). O MSE, no entendimento oficial, agrega assim um elevado número de entidades e actividades que, sem prejuízo da autonomia de cada uma, acabam por se integrar numa dinâmica, numa filosofia e em objectivos comuns bem como na economia global. No limite, esbatem-se as fronteiras entre o MSE e o mercado de emprego em geral, por força de três linhas de tendência recomendáveis: a) igualdade tendencial de condições de trabalho e emprego em ambos os mercados; b) fomento do “social” na economia global, interagindo com a economia social; c) fomento de actuações ou medidas comuns a ambos os mercados. Quanto a estas actuações (ou linhas de acção a traduzir em medidas), e ponderando especialmente o MSE, algumas configuram-se altamente prioritárias no âmbito do “Plano Nacional de Emprego”5. Podem repartir-se por três grupos: as de base; as de natureza operacional; e as que são específicas dos serviços sociais. Entre as actuações de base, são de realçar, aqui, a animação local, o apoio técnicoformativo e a informação pública. Entre as de natureza operacional, há que relevar as ideias de investimento, o financiamento e a comercialização. E, no que se refere aos serviços sociais, justifica-se destacar a “carta social”, o pagamento dos serviços sociais e o atendimento social articulado com a animação local. e) aceite ou não o conceito de mercado, subsistem sempre as realidades “troca”, “intercâmbio”, “partilha”, “comunhão”... 4 O âmbito da economia social corresponde, “grosso modo”, ao “sector cooperativo e social” previsto no n.º 4 do art.º 82.º da Constituição. 5 Algumas linhas de acção preconizadas no texto poderão reportar-se não só às “medidas activas” mas também ao “espírito empresarial”, na óptica da exploração de “oportunidades de criação de novos 40 II - ACTUAÇÕES DE BASE l. Animação local A animação local inclui, nomeadamente, a motivação para a iniciativa, a prestação de informações adequadas, o acompanhamento na elaboração de projectos, quaisquer que sejam a sua natureza e âmbito, bem como a avaliação iteractiva e interactiva. Muitos animadores locais e agentes de desenvolvimento local trabalham em regime de voluntariado, e até por dedicação “espontânea”. No entanto, é igualmente relevante e necessária a actividade de quem aufere remuneração. Alguns animadores e agentes de desenvolvimento dispõem de preparação técnica, outros baseiam-se na inspiração, na experiência e na auto-preparação. Uns tantos actuam por iniciativa própria, pessoal ou grupal; outros acham-se integrados em associações de desenvolvimento local, instituições de acção social, colectividades diversas e outras organizações... O que parece indispensável, para fomento equitativo e consistente do MSE, é que: a) se fomente a existência de animadores ou agentes de desenvolvimento em toda a parte onde se tornem mais necessários, devido à gravidade dos problemas de emprego ou de outros problemas sociais; b) se comece por reconhecer o trabalho, voluntário ou não, que já vem sendo realizado no terreno, mesmo que não se configure ainda como “animação” no sentido mais exigente do termo; c) se preste apoio técnico e de formação aos animadores e agentes de desenvolvimento, bem como às iniciativas a que se encontrem ligados; d) o apoio técnico abranja também a formação contínua, aberta a outras pessoas que possam vir a dedicar-se à animação; e) sejam tidos em conta os diferentes aspectos da animação, incluindo sempre as dimensões relativas à criação de emprego. 2. Apoio técnico – formativo O conjunto de variáveis do MSE e, em especial, o facto de as suas iniciativas se caracterizarem pela síntese entre aspectos sociais e económicos, traduzida em empregos tendencialmente viáveis, reclamam a prestação de apoio técnico-formativo regular às entidades promotoras. Reclamam até o contributo da investigação científica para a clarificação e solução de problemas em aberto. empregos”, previstas nas “Directrizes para o Emprego em l998” adoptadas pelo Conselho Europeu Extraordinário do Luxemburgo sobre o Emprego, de 20 e 21 de Novembro de l997. 41 Equipas técnicas interdisciplinares, distribuídas por todo o país, deslocando-se facilmente às diferentes iniciativas, e articulando permanentemente com os animadores e agentes de desenvolvimento, poderiam constituir a estrutura e a dinâmica básica do apoio a prestar. O suporte institucional poderia ser constituído por associações ou agências de desenvolvimento local, instituições de acção social, centros de investigação ou estabelecimentos de ensino... 3. Informação pública sobre acção social, emprego e formação Para além do atendimento social, bem como da informação e orientação profissional, há que proporcionar a informação pública sobre acção social, emprego e formação, recorrendo aos meios de comunicação social6. Destinada embora à população em geral, esta informação visaria prioritariamente as pessoas e grupos que se debatem com especiais problemas de índole social, em sentido lato, e de empregoformação, em especial. Tal informação pública daria a conhecer melhor os problemas a resolver, as respostas disponíveis, as respostas em falta, os dinamismos em marcha, as realizações bem e mal sucedidas, testemunhos e iniciativas, experiências e orientações de outros países e de carácter internacional... Os objectivos a alcançar seriam não só os de informação, no sentido estrito, mas também os de sensibilização e responsabilização, em ordem a acções consequentes dos diferentes actores sociais. II - ACTUAÇÕES DE NATUREZA OPERACIONAL l. Ideias de investimento Enquanto não existir, pelo menos em cada concelho, um ficheiro de ideias de investimento ou de negócio ou, simplesmente, de actividades laborais em geral, falta um instrumento indispensável à criação de trabalho e emprego. Sobretudo se o eventual promotor ou empresário for alguém que ainda não escolheu o tipo de actividade a desenvolver ou ainda não se encontra inserido no meio empresarial. Tal é o caso em geral dos empresários sociais e dos trabalhadores que procuram criar postos de trabalho, individualmente ou em grupo. 6 Cfr., sobre o assunto, o Decreto-Lei n.º 58/92, de l3 de Abril. 42 2. Financiamento Os tipos de apoio previstos para as micro e pequenas iniciativas do MSE deixaram de se adaptar à realidade, devido especialmente à insuficiência de meios financeiros e ao seu distanciamento do tecido económico local. São agora indispensáveis unidades de atendimento e tipos de financiamento “capilares” análogos aos do sistema bancário, capazes de responder localmente às necessidades de financiamento. Aliás, a cooperação com o sistema bancário, com garantia de respostas específicas às organizações do MSE, poderia constituir uma via de solução adequada. 3. Comercialização Sabendo-se que elevado número de empresários sociais e de trabalhadores interessados em criar os seus postos de trabalho não dispõe de condições, aptidões ou motivações para a comercialização, há que preencher subsidiariamente essa lacuna. A existência de cadeias de comercialização, baseadas numa relação contratual entre empresas do ramo com créditos firmados, as organizações do MSE e o Estado, poderia vir a assegurar, no todo ou em parte, não só escoamento de produções mas também o pagamento de uma parte do respectivo preço no acto da entrega. IV - ACTUAÇÕES RELACIONADAS COM OS SERVIÇOS SOCIAIS l. “Carta social” A já prevista “carta social” de serviços e equipamentos sociais do país constitui um instrumento básico para o fomento do MSE nesta área. Na “carta” figurariam a distribuição geográfica dos diferentes serviços e equipamentos e das necessidades ainda não atendidas. A comparação entre uma e outra realidade fornecer-nos-ia a indicação dos serviços a criar ou a desenvolver, bem como de postos de trabalho a criar. Enquanto não se dispuser da “carta” mantém-se, e poderá agravar-se, o risco da falta de equidade na distribuição de serviços e equipamentos. 2. Pagamento dos serviços sociais Prosseguindo no futuro a orientação actual, o pagamento dos serviços prestados pelos “equipamentos” sociais sem fins lucrativos7 será assegurado pelos utentes/clientes ou suas famílias e pelos orçamentos do Estado ou da Segurança 7 Fundamentalmente “equipamentos de IPSS” (cujo Estatuto foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro) e públicos. 43 Social. Os utentes/clientes pagarão, na totalidade ou em parte, os serviços recebidos, conforme os rendimentos pessoais ou familiares, podendo até deles beneficiar gratuitamente. Esta orientação acha-se associada, por ora, a algumas injustiças e anomalias: a) as famílias de menores recursos que, por motivos de distância ou outros, não têm acesso aos “equipamentos” sociais sem fins lucrativos vêem-se forçadas a recorrer a empresas privadas (com fins lucrativos), pagando preços mais altos, ou simplesmente a não beneficiar dos serviços sociais; b) as famílias de rendimentos médios e superiores, que acedem àqueles “equipamentos”, beneficiam de preços inferiores aos do mercado, ficando beneficiadas em relação às famílias mais pobres que não dispõem de acesso; c) as iniciativas locais de emprego e as micro e pequenas empresas de serviços sociais, que desejem actuar no mercado, defrontam a “concorrência desleal” dos “equipamentos” sociais públicos e de Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS). Estes, com efeito, praticam normalmente preços inferiores aos do mercado, inclusive em relação aos utentes/clientes de médios e altos rendimentos; d) as IPSS ficam privadas dos meios financeiros que poderiam ser proporcionados por alguns utentes/clientes; e) os orçamentos do Estado e da Segurança Social suportam encargos superiores ao necessários, prejudicando outras aplicações sociais destinadas a indivíduos e famílias de menores recursos As injustiças e anomalias acabadas de sintetizar implicam a adopção de, pelo menos, três medidas propiciadoras do MSE: – o desenvolvimento da “carta social”, como atrás se referiu; – a subsidiação das famílias de menores recursos se, e enquanto, não tiverem acesso a “equipamentos” sociais sem fins lucrativos; – o alinhamento dos preços de base, praticados por aqueles “equipamentos” numa base empresarial, mantendo o pagamento total, parcial ou nulo, pelos utentes/clientes ou suas famílias, de acordo com as respectivas possibilidades. 3. Atendimento social articulado com a animação local O atendimento social, traduzido não raro na visita domiciliária ou a outros locais, é uma prática já secular e largamente difundida. Apesar do seu mérito extraordinário, acha-se marcado frequentemente por três fortes limitações: a insuficiente 44 qualificação dos seus agentes; o predomínio da acção assistencial; e a reduzida articulação com a garantia de direitos e com processos de desenvolvimento. Apesar disso, e no pressuposto de que tais limitações se podem ultrapassar, o MSE implica o reconhecimento, o reforço e a qualificação do atendimento social, bem como a sua generalização por todo o país, com prioridade para as zonas (aldeias, bairros, freguesias...) mais afectadas no domínio do emprego ou de outros problemas. A partir dessa generalização e dignificação, fomentar-se-ia, de maneira sistemática, o acesso a direitos vigentes, a consagração de novos direitos e responsabilidades e a animação local para o desenvolvimento solidário. BREVES ANOTAÇÕES FINAIS l. As linhas de actuação aqui expostas inscrevem-se, quase todas, em orientações já adoptadas oficialmente e traduzidas em diversas medidas de política. Há que inflectir essas medidas num ou noutro aspecto e promover o seu desenvolvimento, por forma a que abranjam tendencialmente todas as populações e situações específicas a que se destinam. Há que reduzir ao mínimo o reforço da discriminação negativa (marginalização) resultante do uso de poderes discricionários. 2. É altamente desejável que o MSE influencie o mercado de emprego no seu todo e beneficie das respectivas potencialidades. Tal influência mútua poderia contribuir para a melhor integração do MSE no mercado de emprego global e para o incremento, neste, das dimensões sociais. A interligação e convergência da esfera económica e da social poderia ser o efeito mais significativo daquela influência mútua. 3. As linhas de actuação apresentadas nesta reflexão formam um conjunto integrado. A falta de qualquer uma pode afectar significativamente esse conjunto. 45 O PAPEL DA FISCALIDADE NUMA POLÍTICA ACTIVA DE EMPREGO Professor M. H. de Freitas Pereira* 1. Introdução As relações entre impostos e emprego são um dos temas clássicos da teoria fiscal, não havendo ainda, apesar dos cada vez mais numerosos estudos que lhe são consagrados, uma conclusão unânime sobre as mesmas. Por isso, julga-se que não tem grande interesse operativo uma revisão da literatura científica neste domínio e, sendo assim, reduzem-se nesta comunicação os aspectos teóricos ao mínimo indispensável Num país como Portugal, onde se colocam tantos e tão graves problemas de equidade fiscal, reflectir sobre o papel da fiscalidade numa política activa de emprego coloca sobretudo problemas mais gerais de estrutura fiscal. E tentar resolver estas questões com medidas avulsas, tipo benefícios fiscais ao emprego, não parece ser o caminho mais indicado. Acresce que mesmo no plano teórico, dado que, nos estudos até agora realizados, não se consegue detectar qualquer ligação entre nível de fiscalidade e emprego – o que mostra que a fiscalidade não é factor determinante do desemprego – mais do que esta variável fiscal importa analisar a evolução da estrutura fiscal, em especial dos impostos relacionados com o trabalho, para verificar que tipo de recomendações se podem formular quanto à política fiscal a seguir nesta área. É isso que faremos em primeiro lugar. Analisar-se-ão seguidamente alguns aspectos do debate que, perante o aumento verificado nos últimos anos da tributação sobre o factor trabalho relativamente a outros factores, se verifica sobre a transferência da tributação para outras áreas com, pelo menos aparente, menor impacto sobre o trabalho, ou seja os rendimentos de capitais, a energia e o consumo. E procurar-se-á desenhar os parâmetros que devem enquadrar estas questões num país como o nosso. Finalmente, apresentar-se-á a experiência portuguesa recente quanto a medidas activas de política fiscal visando o emprego e a evolução que podem ter no futuro, o que é tarefa dificultada pela profusão de medidas avulsas que têm sido tomadas ou foram anunciadas neste domínio nos últimos tempos. 2. Estrutura fiscal e impostos sobre o factor trabalho A estrutura fiscal portuguesa continua a ser caracterizada pelo predomínio dos impostos sobre bens e serviços, pois estes impostos representam ainda 43,5% das * Juiz Conselheiro do Tribunal de Contas. Coordenador da Cadeira de Fiscalidade no Instituto Superior de Economia e Gestão - ISEG e no Instituto de Estudos Superiores Financeiros e Fiscais. 46 receitas fiscais totais (contra cerca de 31% na média dos países da União Europeia), o que se deve sobretudo aos impostos especiais de consumo cujo peso em Portugal excede 8 pontos o representado em média por esses tributos nos países da União Europeia. Os impostos sobre o rendimento que, na média dos países da União Europeia, representam cerca de 34% das receitas fiscais totais, em Portugal rondam os 26%. Em termos de contribuições para a segurança social, Portugal está também aquém da média comunitária: 27% contra 29,4%, cabendo 10,1% aos trabalhadores (10,4% na UE) e 15,4% aos empregadores (16,3% na UE). Verifica-se, assim, que, comparativamente com a média comunitária, o que falta em termos de impostos sobre o rendimento é o que, grosso modo, é representado pelo excesso de peso dos impostos sobre o consumo, desequilíbrio que se reflecte apenas no imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) dado que quanto ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) atingiu-se já a média comunitária. Evolução da estrutura fiscal (em % do PIB) Imp. Rendimento Cont. Seg. Social Imp. Património Imp.Geral Consumo Imp. Esp. Consumo 1965 P UE 4,0 8,9 3,5 6,4 0,8 1,8 3,9 6,7 6,1 1975 P 3,8 7,5 0,5 2,4 5,9 UE 12,3 9,4 1,6 5,3 4,7 1985 P UE 7,2 14,1 7,2 11,4 0,5 1,5 3,5 6,7 8,0 5,1 1995 P 8,9 9,1 0,8 7,9 6,6 UE 14,4 12,3 1,7 7,3 4,8 Fonte: OCDE, Revenue Statistics, 1997 Sendo de prever que o nível de fiscalidade em Portugal tenderá a aumentar – o nosso nível de fiscalidade era, em 1995, de 33,8% contra 41,8% na Europa dos quinze – não se vislumbra que possa haver uma descida em termos globais dos impostos sobre o rendimento ou das contribuições para a segurança social. Importa, no entanto, verificar de que modo se distribui o imposto sobre o rendimento pessoal entre as suas várias categorias e, a esse respeito, a estrutura fiscal portuguesa coloca óbvios desafios de política fiscal em termos de repartição da carga fiscal pois a parte relativa no total das receitas representada pelas categorias do trabalho dependente e pensões é manifestamente exagerada. Terá de ser reequacionado o papel das taxas liberatórias aplicáveis quer a rendimentos de capitais quer a mais-valias (e a própria extensão dos rendimentos tributáveis) e eficazmente controlado o rendimento declarado por empresários em nome individual e trabalhadores independentes. O combate à evasão e fraude fiscais e a melhoria da coercibilidade do sistema são, aliás, a primeira medida a encarar numa política fiscal visando o emprego. Além disso, os benefícios fiscais têm de ser revistos e assumidos de uma forma mais equitativa, o que implica o uso da técnica de deduções à colecta e o termo de vantagens dirigidas predominantemente ao sector financeiro. Estas 47 medidas – que estão aliás há muito enunciadas e que urge pôr em prática1 – são um factor decisivo para que a tributação sobre o trabalho seja menos pesada e, por isso, que uma política de emprego seja assumida no plano fiscal. Por outro lado, se as contribuições para a segurança social, que nos últimos 10 anos viram subir o seu peso, em consonância, aliás, com a evolução verificada no conjunto dos países da União Europeia, não podem descer em termos globais, a sua base de incidência tem suscitado reparos generalizados. Certos estudos têm, aliás, demonstrado que as contribuições patronais para a segurança social têm um maior impacto sobre uma política de emprego que os outros encargos fiscais que recaem sobre o factor trabalho e são, por isso, um factor de desemprego. Neste âmbito, o alargamento da base de incidência das contribuições para a segurança social, designadamente aos rendimentos de capitais, pode justificar-se, em especial quando a segurança social é chamada a funcionar de acordo com um sistema em que não exista uma ligação directa entre contribuições e prestações. 3. O agravamento da tributação do factor trabalho – alternativas É sabido que nos anos oitenta e princípios dos anos 90 foram levadas a cabo na maioria dos países reformas fiscais que se traduziram, em geral, num alargamento da base tributável e numa diminuição das taxas marginais de tributação. Tem sido, porém, questionado o efeito dessas reformas em termos de emprego, em especial pelo facto de para os trabalhadores de menores rendimentos não se ter verificado qualquer descida de taxas, tendo-se verificado, pelo contrário, em muitos casos uma subida2. Dessas reformas resultou, em termos médios, um agravamento da tributação do factor trabalho comparativamente aos outros factores de produção. Através do método das taxas de imposto implícitas (quociente entre as receitas fiscais e os rendimentos tributáveis) de acordo com as funções económicas (factores de produção e consumo), a Comissão das Comunidades Europeias concluiu que, entre 1980 e 1994, a média europeia da taxa de imposto implícita sobre o trabalho por conta de outrem aumentou regularmente, passando de 34,7% para 40,5%, enquanto que a mesma taxa para outros factores de produção (capital, trabalhadores por conta própria, energia e recursos naturais) diminuiu de 44,1% para 35,2%3. 1 Para maiores desenvolvimentos veja-se Relatório da Comissão de Desenvolvimento da Reforma Fiscal, Lisboa, 1996. 2 Cf. L’étude de l’OCDE sur l’emploi - Fiscalité, emploi et chômage, Paris, OCDE, 1995, págs. 26 e segs. 3 União Europeia - Relatório sobre a evolução dos sistemas fiscais, apresentado pela Comissão das Comunidades Europeias [COM(96)546 final], Bruxelas, 22 de Outubro de 1996, in Ciência e Técnica Fiscal, Lisboa, n.º 386, Abril-Junho de 1997, págs. 153-171. 48 Fonte: Comissão das Comunidades Europeias - Relatório sobre a evolução dos sistemas fiscais Perante este quadro, justifica-se uma análise sobre a possibilidade de transferir os encargos fiscais que recaem sobre o factor trabalho para outros factores de produção. Quanto a uma maior tributação dos rendimentos de capitais, existe, em nossa opinião, no sistema fiscal português, possibilidade de melhorar a equidade trabalho/capital sem prejudicar a competitividade internacional das empresas portuguesas num quadro de crescente mobilidade internacional dos capitais. As medidas atrás indicadas justificam-se neste contexto plenamente. Para além de certo limite, porém, só um esforço de coordenação internacional pode permitir um reequilíbrio da tributação, sendo encorajadoras a esse respeito as recentes decisões tomadas no quadro da União Europeia no sentido da aprovação de um “Código de conduta no domínio da fiscalidade das empresas” assim como dos princípios a que deve obedecer a proposta de directiva a apresentar em 1998 sobre fiscalidade da poupança.4 Portugal não pode deixar de tirar ilações destes documentos no plano interno, em especial quanto a certos regimes de benefícios fiscais, e deverá insistir pela urgente aprovação da directiva que assegure uma efectiva tributação dos rendimentos de capitais, designadamente através de uma taxa de retenção na fonte a favor do Estado da fonte. Idêntica posição deve ser tomada com firmeza no quadro dos trabalhos da OCDE sobre concorrência fiscal de modo a que estes não se restrinjam a aspectos isolados da questão mais geral da tributação dos rendimentos de capitais. Outra eventualidade é a do aumento da tributação sobre a energia, mas esta transferência não reduz necessariamente de maneira sensível a tributação sobre o trabalho, em especial se tal imposto for repercutido numa alta de preços dos bens e 4 Jornal Oficial das Comunidades Europeias, C 2, de 6.1.98, págs. 1 e segs. 49 serviços. É evidente que há que contrapor os efeitos positivos desta transferência em termos de política de ambiente. No entanto, embora Portugal não possa deixar de estar aberto a essas preocupações, em especial quanto ao uso da fiscalidade para encorajar uma exploração mais moderada dos recursos naturais limitados e como forma de expressar os custos externos desta exploração, a posição portuguesa deve continuar a pautar-se pela defesa de uma abordagem gradualista desta questão, que atenda aos estádios de desenvolvimento de cada país e respectivos níveis de poluição per capita. Por outro lado, atendendo à sua especificidade no nosso país, terá de se reclamar uma isenção para a energia eléctrica de origem hídrica, não só porque se trata de uma energia renovável “limpa” como também para minorar os custos económicos da tributação dos produtos energéticos. Uma outra solução que tem sido estudada é a de financiar uma redução da tributação sobre o trabalho (em especial as contribuições patronais para a segurança social) por um aumento dos impostos sobre o consumo. Estas possibilidades são, porém, no actual estado das coisas, muito limitadas dadas as incidências sociais de uma tal política, que faria recair sobre vastos sectores da população desfavorecida, tais como desempregados e pensionistas, uma tal transferência, com custos políticos e sociais muito pronunciados. No caso português, acresce o peso já elevado em termos de estrutura fiscal dos impostos sobre bens e serviços, em especial dos impostos específicos sobre o consumo, o que reduz a margem de iniciativa do decisor de política fiscal. Parece contraditória com esta transferência, aliás, a medida prevista na Resolução do Conselho relativa às directrizes para o emprego em 1998, que não deixa de ser interessante e merece ponderação, apesar de não se visualizar de interesse para o caso português, de redução da taxa do IVA sobre os serviços com elevada componente de mão-de-obra e não expostos à concorrência transfronteiriça. 4. Medidas fiscais activas visando a promoção do emprego – experiência portuguesa Em Portugal têm vigorado nos últimos anos benefícios fiscais direccionados à criação de empregos – uns concedendo isenção de contribuições patronais para a segurança social durante 36 meses para as empresas que, aumentando o número dos seus trabalhadores com referência ao ano anterior, criem postos de trabalho sem termo para jovens à procura de primeiro emprego e para desempregados de longa duração ou a redução a 50% dessas contribuições para a criação de postos de trabalho a termo, nas mesmas condições (Decreto-Lei n.º 89/95, de 6/5, alterado pelo Decreto-Lei n.º 34/96, de 18/4); outros, reconhecendo o papel essencial das pequenas empresas em termos de criação de emprego, destinados a criar um clima favorável à empresa e ao espírito empresarial através da instituição de deduções em IRC e isenções de emolumentos e encargos legais (Decreto-Lei n.º 160/95, de 6/7, Decreto-Lei n.º 200/96, de 18/10 e Decreto-Lei n.º 42/98, de 3/3) assim como a facilitar a 50 transformação de empresas individuais em sociedades (art. 36.º-A do Código do IRS e art. 68.º-A do Código do IRC, aditados pelo Decreto-Lei n.º 280/95, de 26 de Outubro). Trata-se de medidas em geral tecnicamente bem desenhadas, mas cuja eficácia em face dos objectivos prosseguidos se desconhece, não sendo, por isso, possível um juízo sobre a justeza da despesa fiscal envolvida pelas mesmas5. Algumas delas necessitariam mesmo de um controlo a posteriori – que parece não existir – de modo a verificar que os pressupostos da sua concessão se verificaram de modo efectivo. Anunciam-se novas medidas neste domínio (art. 29.º e art. 32.º da Lei n.º 127B/97, de 20/12 – Lei do OE/98, quanto, respectivamente, a benefícios em matéria de taxa social única e em matéria de IRC e outros impostos), o que, dado o carácter recente das que estão em vigor, denota uma grande instabilidade legislativa, e o mínimo que se poderá desejar é que haja primeiro uma avaliação das já existentes – que parecem ser suficientemente amplas em termos de política activa de emprego (a falta de medidas de incentivo fiscal especificamente dirigidas à formação profissional parece justificar-se pela forma como esta é financiada em Portugal) – de modo a que das novas medidas não resultem duplicações nem um sistema descoordenado e incoerente e, por isso, ineficiente. Acresce que mais do que benefícios do que se carece na envolvente fiscal é de reformas que melhorem a equidade do sistema, promovendo um melhor equilíbrio da tributação trabalho/capital. 5 As medidas referidas quanto a contribuições para a segurança social em conjunto com o apoio financeiro não reembolsável igual a 12 vezes o salário mínimo mensal fixado para o tipo de actividade em causa por cada trabalhador admitido, envolveram, em 1995, cerca de 50000 pessoas acarretando um encargo da ordem dos 16 milhões de contos. Cf. Livro Branco da Segurança Social, Dez. 1997, págs. 95 e segs. 51 Educação e Formação Profissional (I) 52 RELAÇÕES ENTRE ENSINO E MERCADO DE EMPREGO Professora Teresa Ambrósio* É-me muito grato estar aqui por convite amável do Senhor Presidente do Conselho Económico e Social, para tentar, na perspectiva da Educação/Formação, dar um contributo para equacionarmos as relações entre o ensino e o mercado de trabalho no contexto da preparação do Plano Nacional de Emprego. Dada a vastidão do tema, e tendo em conta o tempo limitado, vou tentar focalizar a vossa atenção apenas nalguns problemas que julgo serem actualmente pertinentes. Conhecemos todos, as inúmeras abordagens que é possível fazer da relação ensino e mercado de trabalho, ou melhor, da relação entre educação e formação e o mercado de trabalho. Uma forma, muito clássica de análise dessas relações, é partir das estatísticas e das leituras que essas estatísticas nos permitem. A abordagem estatística pode dar-nos uma primeira dimensão dos problemas que tentaremos estudar, mas tentarei explicar, através também de alguns quadros, que o nosso problema principal não é essencialmente um problema geral de carência de qualificações escolares e profissionais mas de regulação entre a oferta e a procura actual dessas qualificações. Porém, é preciso afirmar desde o início, que as questões que o Plano Nacional de Emprego levanta na vertente da educação e da formação não podem ser vistos apenas no contexto português, mas sim, no momento presente no âmbito das políticas de emprego e de formação profissional a nível europeu, no âmbito dos acordos de concertação estratégica que já estão a ser negociados entre nós, e ainda na perspectiva da Agenda 2000, que vai entrar em fase de negociação. Não poderemos deixar de apelar também a dados precisos decorrentes das estratégias políticas nacionais quer da Educação/Formação, quer dos sectores produtivos. O Quadro I permitiu que, na Cimeira do Luxemburgo sobre o Emprego em Novembro, a posição portuguesa defendesse com vigor o conceito de empregabilidade. Neste quadro de comparação da população empregada nos países da União Europeia por níveis de qualificação, é bem visível que Portugal tem a maior percentagem de população empregada com o mais baixo nível de educação e as menores percentagens com o nível médio e com nível superior, em relação a todos os outros países. Podemos dizer que ocupamos a posição mais “negra” de níveis de escolarização da população empregada. Sem aprofundar muito o valor de comparabilidade que estes dados estatísticos permitem e, se o nível escolar da educação está relacionado de algum modo com a questão da empregabilidade, então podemos afirmar que há um problema dessa ordem para o caso da população portuguesa empregada. * Presidente do Conselho Nacional de Educação - CNE. 53 Quadro I – População empregada nos países da UE, por níveis de educação O Quadro estatístico II parece também bastante sugestivo para levantar algumas questões sobre a formação profissional dessa população. Nele vemos que a distribuição da população activa por profissões e referente a 1996, que os quadros dirigentes ocupam uma percentagem extremamente pequena seguida do pessoal qualificado e semi-qualificado e da grande percentagem, cerca de 73.5%, relativa ao pessoal não-qualificado. Temos, portanto, uma verificação da grande desqualificação da população activa relativamente à população total e, se quiséssemos ainda cruzar estes dados com outros, nomeadamente com os dados dos quadros seguintes (III e IV) tal permitir-nos-ía levantar muitas outras questões sobre a qualificação por grupos profissionais e grupos etários. Por exemplo, os quadros estatísticos permitem-nos observar que os dirigentes se situam em determinados grupos etários, sobretudo dos 45-54 anos, o pessoal qualificado e semi-qualificado atinge quase todos os grupos etários, o pessoal não-qualificado abrange um grupo etário, que não seria previsível e que é o grupo etário dos 14-24 anos, etc. 54 Quadro II – População activa por “tipo de profissão” no ano 1996 A distribuição percentual da população activa apresentava-se do seguinte modo: a) População Total Quadros dirigentes Quadros superiores Quadros médios Pessoal qualificado e semi-qualificado* Pessoal não qualificado Forças Armadas 8.4% 6.7% 10.2% 63.5% 10.4% 0.8% * Inclui uma amálgama de trabalhadores administrativos, de segurança, de produção agrícola, industrial e piscícola, artesãos, operadores, de serviço pessoal e domésticos. Quadro III – Qualificação percentual da população activa portuguesa A distribuição percentual da população activa, num total de 4.786.500 de pessoas, segundo o grau de instrução, apresentava-se do seguinte modo em 1996* a) População Total Nenhum Grau de Instrução 9.8% Ensino Básico 1.º Ciclo 2.º Ciclo 3.º Ciclo 35.9% 16.9% 14.5% Ensino Secundário Ensino Médio e Politécnico 10.2% Ensino Superior Graduação Pós-Graduação 7.4% 0.7% * Fonte: INE – Inquérito ao Emprego, 1996 55 Quadro IV – População Activa por “tipo de Profissão” no ano 1996 A distribuição da população activa apresentava-se do seguinte modo: b) Por grupos etários Quadros dirigentes Quadros superiores Quadros médios Pessoal qualificado e semiqualificado Pessoal não qualificado Forças Armadas Grupo 14-24 Grupo 25-44 Grupo 45-54 Grupo ≥65 1.3% 2.1% 7.0% 74.8% 7.3% 9.2% 11.9% 60.8% 12.2% 5.5% 10.1% 60.8% 10.6% 3.6% 3.3% 76.7% 13.5% 1.2% 9.7% 1.0% 9.7% 0.4% 5.8% 0.0% Apresento estes quadros apenas para dizer que, uma das formas possíveis de tentar traçar estratégias de Educação/Formação profissional em relação com as necessidades do mercado de trabalho, é retirar destes dados estatísticos variadas ilações. Por exemplo, se é necessário formar quadros dirigentes então teremos de actuar na formação profissional e na formação escolar especializada desses quadros dirigentes os quais se situam no grupo etário dos 40-50 anos; se queremos orientar acções para um grupo de jovens que será prioritário, o grupo etário dos 14-24 anos, então teremos de pensar em acções de formação inicial, aprendizagem, etc. Estas estatísticas permitem-nos assim definir grupos-alvo de determinados tipos de programas de educação e formação profissional tendo em vista um plano de emprego. É já uma primeira abordagem da definição estratégica de programas prioritários de intervenção. Creio, no entanto, que esta não é a única leitura que podemos fazer do nosso problema, mas é uma das leituras possíveis que tem as suas potencialidades mas também as suas dificuldades. Isto porquê? Porque no contexto actual de evolução da organização económica, da organização do trabalho, as relações entre o ensino e o mercado de trabalho não podem ser vistas exclusivamente nesta perspectiva linear e mecanicista entre a oferta ou a existência de qualificações escolares e profissionais que correspondem, em princípio, ao perfil de determinados grupos de profissões, tais como se pode deduzir a partir da leitura deste género de dados estatísticos. Direi mesmo que, na perspectiva dos novos equilíbrios entre a oferta e a procura de qualificações escolares e profissionais, tais leituras podem ser enganosas e perigosas. Nos últimos anos tem vindo a ser feito um grande esforço para equacionar as novas relações entre políticas de formação e políticas de emprego. Recordo que, no tempo do Prof. Marçal Grilo, como Presidente do Conselho Nacional de Educação, se realizou com a colaboração do Conselho Económico e Social, um estudo a que se chamou “Convergência Dinâmica entre a Oferta e a Procura de Qualificações Escolares”. Nele se patenteia uma nova abordagem da regulação entre a oferta e a procura de qualificações de recursos humanos. A evolução recente relativamente ao 56 equacionamento destas questões permite-nos concluir que, aquilo que se procura, não são as regulações lineares ou estatísticas, mas as convergências dinâmicas. Isto é, procura-se um equilíbrio dinâmico e interactivo em que, por um lado a oferta pode provocar a procura de novas necessidades e por outro, as necessidades não têm que ser imediatamente colmatadas por uma oferta directa através do sistema escolar ou de um sistema de formação profissional. Também não podemos hoje falar, quando se trata de oferta de qualificações, apenas e exclusivamente de ensino. Numa abordagem de convergência dinâmica entre qualificações escolares e profissionais, e as qualificações que são necessárias para o mercado de trabalho, temos que ter em consideração, a existência na sociedade de hoje, de um vasto sistema escolar que está sob controlo e orientação do Ministério da Educação (que tem também um sistema de formação profissional inicial – as escolas profissionais e os cursos tecnológicos) e os sistemas de formação do Ministério do Emprego e da Solidariedade (que é responsável pelo sistema de aprendizagem, pelos programas de iniciação profissional, aperfeiçoamento, reconversão, especialização, formação contínua formal) a qualificação profissional inserida no mercado de trabalho cujo conhecimento ultrapassa o próprio Ministério e ainda, um conjunto de actividades ligadas ao Ministério da Economia, ao Ministério do Ambiente e ao Ministério da Ciência e Tecnologia, etc. Em Portugal como por todo o lado, seguimos a tendência universal de alargamento do espaço de formação formal e não formal de educação e formação, espaço que já não é possível gerir sistemicamente mas apenas, talvez, orientá-lo pilotando sinergias que permitem constituir uma matriz vital para o processo de desenvolvimento do País e que é a da educação e formação inicial e contínua, isto é, ao longo da vida. Creio que na preparação do Plano Nacional de Emprego no nosso País, deveremos adoptar esta perspectiva dinâmica concretizada no conceito de educação e formação ao longo da vida, que é a perspectiva que se adequa, afinal, aos outros conceitos que estão implícitos na preparação deste Plano de Emprego: o da empregabilidade, da adaptabilidade, da flexibilidade e o da orientação do emprego e formação para programas europeus explícitos. Por outro lado, do ponto de vista do mercado de trabalho e emprego também os conceitos referenciais evoluíram. Do equilíbrio desejado do mercado de emprego provavelmente teremos também que evoluir para uma nova visão que é a da regulação dinâmica e social da gestão dos recursos humanos, quer a nível nacional, quer a nível das empresas, quer a nível regional. A análise da realidade de hoje aponta para situações novas em que a formação pode gerar emprego e o emprego pode gerar novas formas de qualificação. Haverá pois, que introduzir esta visão inovadora de convergência dinâmica que é sobretudo importante quando, em vez de “recursos humanos” consideramos antes os “actores participantes e responsáveis” na evolução económica e na organização do trabalho. É neste contexto que tem sentido falar em políticas activas de emprego e de formação profissional e, não apenas, das políticas passivas de adequação da oferta e da procura. 57 Nesta perspectiva, é muito importante também verificar a necessidade de Sistemas de Mediação entre oferta e procura e que exercem um papel fundamental na interface de cooperação entre vários Ministérios. Que sistemas de mediação são esses? Deixo-vos alguns deles sistematizados no Quadro V e referirei apenas alguns em particular observatórios. Quadro V – Sistemas de Mediação - Observatórios - Previsão de Perfis Profissionais e necessidades de qualificação - Certificações de saberes e competências - Certificação de Formadores e instâncias de formação - Orientação educativa e profissional - Mobilidade Formativa de Emprego - Concertação de iniciativas a níveis: sectorial, local e regional - Avaliação da oferta Investigação e Inovação dos conteúdos e processos – Observatórios – de emprego, de inserção na vida activa, observatórios de vária índole, são hoje extremamente importantes, sobretudo quando não são apenas bancos de dados, mas são bancos de indicadores que permitem leituras de evolução, de processos de adaptação, de mobilidade. – Previsão de perfis profissionais – eis uma área extremamente importante que se relaciona com a evolução dos sectores e das funções e qualificações necessárias aos recursos humanos para esses sectores, numa perspectiva de futuro. Os últimos estudos feitos pelo Inofor baseados no estudo da evolução das profissões e dos perfis profissionais permitem, por exemplo, aos responsáveis da formação profissional terem dados de previsão, acerca dos saberes e competências que serão necessários desenvolver através da acção de formação profissional. Esta previsão de perfis é também indispensável para permitir uma avaliação dos diplomas que certificam cursos clássicos de formação profissional e que, sabemos hoje, são cada vez mais substituídos por certificados de competências, de saberes adquiridos formalmente e pela experiência. – Sistemas de certificação – não são apenas os saberes e competências que se vão adquirindo através da própria experiência profissional e que são hoje dados importantes sobre as qualificações básicas da população em geral e de cada um dos indivíduos em particular, mas também a certificação das instituições de formação e de formadores (que não são apenas as escolas nem apenas os professores), instituições e formadores a quem se exige um novo tipo de 58 práticas e de estratégias formativas, muito longe da escolarização habitual e adaptadas aos objectivos e às pessoas concretas em formação. – Sistemas de orientação educativa e profissional – é urgente promovê-los para permitirem sustentar, não só as carreiras profissionais tradicionais, mas sobretudo o novo conceito de percursos profissionais de formação e de trabalho. – Sistemas de mobilidade e de emprego – sobretudo os sistemas que ajudam à procura, em diferentes áreas geográficas de emprego mas que permitem também uma mobilidade que, por vezes, é uma mobilidade com uma dimensão extremamente formativa, sobretudo quando considerada nos trajectos de inserção profissional de jovens. – A concertação através de pactos regionais de emprego, de redes regionais de emprego e de múltiplas iniciativas de concertação a nível sectorial, local e regional. Pergunto-me se não poderiam ser inseridos, por exemplo, pactos de formação profissional e de educação básica a nível regional nas iniciativas de redes regionais de emprego e de pactos regionais de emprego. – Investigação e inovação quer dos conteúdos, quer dos processos de qualificação – hoje a formação não está centrada nos diplomas, nas escolas nem nos processos organizativos. Se algo caracteriza uma nova filosofia da formação profissional é a sua centralidade na pessoa e esta mudança exige muitíssima investigação e inovação. Não é por acaso que o 5.º Programa Quadro Comunitário de Investigação para a Europa, dedica uma percentagem já visível à investigação no campo da educação e da formação e sabemos como são importantes os projectos que estão em curso a nível europeu. Em resumo, a nova filosofia de educação e formação e, os novos paradigmas na formação ao longo da vida e do emprego activo, que emergem também como resultado da evolução económica e da transformação social e política rápida, não poderão deixar de impregnar as orientações políticas actuais sobre o equilíbrio ou a convergência dinâmica entre a educação, a formação e emprego. Tanto mais quanto existem já um conjunto de directrizes e orientações que vão condicionando as próprias políticas e práticas dos países europeus. É, por exemplo, o que podemos retirar do Livro Branco da Educação e da Formação da União Europeia (que introduziu o novo conceito de educação e formação ao longo da vida, não como uma modalidade de formação mas como um processo de formação diferente, quer seja inicial, quer seja de formação contínua), é o relatório da Task-Force que serviu para preparar a Agenda 2000 no campo da Educação e da Formação (e que dá uma orientação para a coerência entre as políticas educativas a nível europeu), são ainda os Acordos Estratégicos, nomeadamente a nível nacional. Também poderemos referir a 59 Carta Magna apresentada na Assembleia da República como resultado da discussão do Livro Branco a nível nacional, bem como Recomendações várias, entre as quais a do Conselho Nacional de Educação sobre este mesmo problema. O que gostaria de acentuar é que, existe hoje um novo quadro de referência, quer teórico, quer prático e até uma explicitação de boas práticas já experimentadas a vários níveis, nacional e sectorial, que não poderão deixar de impregnar o Plano Nacional de Emprego que estamos a preparar. Este novo quadro de referência creio que é essencial, para elaborar e executar, os planos de formação que vierem a ser considerados no Plano Nacional de Emprego orientados para grupos-alvo, tais como, os desempregados de longa duração, dos jovens com habilitações, do desenvolvimento educativo e profissional de activos adultos e a sua inserção em zonas desfavorecidas e também grupos minoritários. Um dos pontos importantes deste Plano Nacional de Emprego, que julgo dever acentuar também, é a elaboração de programas de formação e educação que deverão ser convergentes com o tipo de objectivos que se pretendem alcançar através de programas específicos, para além daqueles que dizem respeito a uma política mais global. Isto é, julgo que é necessário detalhar o Plano Nacional de Emprego a nível de programas concretos, quer respeitantes a grupos-alvo a nível nacional, quer respeitantes a programas inseridos a nível local ou regional. Para essa formação não poderemos apenas contar com as modalidades tradicionais de oferta de formação, isto é, o sistema escolar ou o sistema de formação profissional reconhecido pelo Ministério do Emprego. Teremos que recorrer a todas as modalidades e espaços de oferta de educação e de formação, orientar as capacidades e potencialidades existentes de formação básica da população, e ter uma perspectiva não apenas de curto prazo, mas uma visão de médio e longo prazo. Se não o fizermos, aliás, poderemos correr o risco de acumulação de problemas ou desencadear outras situações não desejáveis. Neste sentido, sistematizo no Quadro VI algumas das prioridades para os Programas de Educação/Formação. Quadro VI – Prioridades de Educação/Formação 9 Educação de base/formação para o trabalho qualificado de adultos integrada em programa de emprego específico 9 Integração e mobilidade formativa de jovens 9 Formação contínua em múltiplas modalidades inserida em percursos profissionais, estratégias empresariais, situação de trabalho 9 Dimensão educativa adequada e integrada nos planos de rendimento mínimo. Escolarização versus parcerias, comunidades educativas, etc. 60 A elaboração de programas de formação e educação orientados para grupos-alvo deverão pois estar bem localizados e sustentados por objectivos de emprego, e devem também, por outro lado, ser inovadoras nos conteúdos, nos métodos ou nas estratégias adoptadas, de acordo com as características próprias de cada um dos formandos. Provavelmente só se poderá ter a noção desta exigência durante a própria execução dos programas, bem como da inserção destes programas nos contextos locais, culturais e profissionais. Temos todos consciência de que, não se formam nas mesmas escolas, com os mesmos métodos, desempregados de longa duração ou desempregados com qualificações básicas muito baixas ou jovens qualificados que procuram emprego ou então grupos minoritários que vivem em determinadas zonas desfavorecidas económica ou socialmente. Esta perspectiva de adaptação de conteúdos, métodos, estratégias formativas, não só às pessoas em concreto como às características dos grupos-alvo e aos objectivos dos programas de emprego, creio ser um ponto extremamente importante a considerar para o bom sucesso do Plano Nacional de Emprego que estamos a preparar. Temos experiências ricas neste campo que representam inovações, as quais deveremos explorar procurando os resultados positivos que obtivemos e, difundir as boas práticas. Não quero deixar de acentuar que, mais uma vez, estas experiências e boas práticas, porque são localizadas numa escala não visível, não são detectadas nos quadros estatísticos, nem nos bancos de dados, nem muitas vezes são consideradas nas medidas programáticas. É, portanto, necessário descer do nível nacional e das medidas globais de política para uma escala regional, local, perto das pessoas que são os sujeitos da formação profissional e a quem se destinam os Planos de Emprego. Para promover as potencialidades de qualificação existentes na sociedade, nas empresas, em todos os espaços formativos onde as pessoas-alvo da formação profissional estão inseridas, é fundamental promover e desenvolver as parcerias educativas, que podem ter o apoio nas escolas e centros de formação mas que não devem corresponder apenas à resposta clássica que estas instituições oferecem. Por isso julgo que, simultaneamente, se devem desenvolver como contributo para o Plano Nacional de Emprego, programas de inovação no campo da formação apoiando agências de inovação onde se possa produzir investigação e inovação neste campo. Creio que a partir de problemas concretos e de zonas concretas apelando para o conhecimento já existente e para as boas práticas, poderemos introduzir nesta relação educação-emprego uma evolução significativa e desejável. Em conclusão, a elaboração de um Plano Nacional de Emprego é uma excelente oportunidade para rever conceitos, quadros de actuação e promover a coordenação entre políticas a vários níveis e de vários sectores. É também e, no que diz respeito à educação e formação, uma excelente ocasião para definir linhas fundadoras para novas estratégias políticas. 61 O ENSINO E A EVOLUÇÃO ECONÓMICA Professor António Barreto* As relações entre desenvolvimento económico e educação são complexas e controversas. São várias as teorias. Cientistas e políticos exprimem-se frequentemente sobre o tema. Muitos são os estudos, diversas são as conclusões. Vou limitar-me, neste breve painel, a referir duas “verdades” consensuais, ou duas teses comuns, que pretendo contrariar. São estas: Tese 1: A educação é causa de desenvolvimento económico. Ou, dito de outra maneira (não equivalente), as insuficiências na educação são causa do atraso económico. Tese 2: As autoridades devem ajustar o crescimento da educação às necessidades da economia. Nomeadamente às necessidades técnicas e profissionais. Não se deve educar ou formar profissionais “para o desemprego”. Começo pela primeira, a que estabelece a educação como causa de desenvolvimento económico. Nas últimas décadas, vários foram os estudos que se ocuparam da questão do atraso económico e suas causas (vejam-se, por exemplo, entre nós, os trabalhos de Jaime Reis e Pedro Lains). Entre estas, a educação ocupou um lugar de relevo. Alguns autores trouxeram evidência empírica no sentido de mostrar que os progressos da educação não eram seguidos necessária e automaticamente de progressos económicos. Enquanto outros, recorrendo igualmente a estudos empíricos e comparativos, tentaram reforçar a ideia de que o atraso educativo é uma das causas essenciais do atraso económico. Na verdade, estamos perante duas interpretações opostas: o “atraso educativo” é ora a causa ora a consequência do atraso económico. Não tenho o atrevimento de ter respostas ou de ter desvendado o mistério. Não estou plenamente convencido por nenhuma das interpretações. Mas inclino-me mais para pensar que o desenvolvimento económico provoca o desenvolvimento da educação mais do que a inversa; e que o atraso económico condiciona o atraso educativo, mesmo sabendo que outros factores, como a religião, a organização do Estado e a composição nacional de um Estado, podem ter influência determinante para os níveis educativos. Poderão o analfabetismo, a insuficiência de educação, a débil formação técnica e profissional funcionar como estrangulamentos ao progresso económico ou como obstáculos à competitividade. Mas não creio que daí se possa concluir que uma acção conseguida de fomento da educação e de desenvolvimento da formação provoque o desenvolvimento económico. * Investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. 62 Uma boa parte da actualidade do problema reside no facto de os dirigentes políticos ocidentais terem adoptado a educação como principal prioridade das suas políticas sociais e económicas. Se o fazem com sinceridade ou não, é um assunto que me não ocupa aqui, mas a verdade é que o fazem. No caso das políticas comunitárias, por exemplo, não seria difícil demonstrar que a retórica se sobrepõe à sinceridade: na verdade, menos de 1% do orçamento tem incidência directa em programas comunitários educativos. Mas este é outro problema. Convém, todavia, sublinhar que a preocupação política com a educação não decorre de uma declarada assunção de que tal prioridade poderá trazer mais crescimento económico, mas sim que poderá lutar contra o desemprego. Mesmo admitindo que um menor desemprego significa mais crescimento económico (o que não é seguro), a preocupação com a educação tem esse objectivo. É possível que, no curto prazo, um elevado número de pessoas empenhadas em programas de formação signifique uma menor taxa de desocupação ou de desemprego. Não creio, todavia, que essa seja uma situação durável. Retomando o argumento inicial. Aceito a ideia de que a educação é um factor de desenvolvimento económico e social, na medida em que a sua ausência pode ser obstáculo. Mas estou muito mais tentado a acreditar em que é o desenvolvimento económico que provoca o desenvolvimento da educação. Também sei, evidentemente, que as relações entre os dois processos podem ser “dialécticas”, isto é, agirem, reciprocamente, uma sobre a outra. Mas a implicação essencial parece ser esta última. Uma observação, mesmo superficial, dos indicadores sociais e económicos de Portugal das décadas de cinquenta e sessenta parece sugerir o que afirmei. O crescimento económico, muitíssimo vigoroso na década de sessenta (com taxas da ordem dos 7% a 11%), precede o desenvolvimento educativo. A universalização da escolaridade obrigatória; o aumento desta para 4, depois 6, finalmente 9 anos; e a verdadeira explosão demográfica no ensino secundário e no ensino superior, surgem, na história recente do país, como consequências do crescimento económico e do desenvolvimento das classes médias, não como as suas causas ou pré-condições. Por outro lado, parece ser verdade que, tanto na década de sessenta (até 1974), como no período após a adesão à União Europeia (1985 a 1997), alguns dos principais trunfos da economia portuguesa, com incidência directa no investimento externo, na competitividade internacional e no desenvolvimento das exportações, foram a baixa remuneração do trabalho, a reduzida qualificação da mão-de-obra e a flexibilidade dos salários reais, o que, para todos os efeitos, quer também dizer reduzidos níveis de educação da população. Finalmente, os dois momentos em que, na história recente, foi maior o investimento público na educação, coincidem, ou antes, sucedem a períodos em que se tinha verificado um real crescimento da economia: finais da década de sessenta, princípio da de setenta; e finais da década de oitenta, princípios da de noventa. Sem este investimento público, o sistema educativo não teria capacidade de responder à 63 procura por parte das novas classes médias cujos rendimentos se tinham alargado durante as fases de crescimento económico. Saindo um pouco de Portugal e olhando para outras experiências, é possível observar alguns países que fizeram um enorme esforço de educação e instrução das suas populações, mas onde, por razões diversas, não se assistiu a um desenvolvimento económico comparável. A maior parte dos países comunistas, com excepção de algumas chamadas democracias populares da Europa central e oriental, são exemplo do que pode ser a limitação da educação como factor de desenvolvimento. A Russia e outras repúblicas asiáticas da União Soviética, assim como Cuba, realizaram um enorme esforço de alfabetização, tanto da população jovem, como da população adulta. A médio e longo prazo, não se pode dizer que tal esforço tenha sido seguido de um desenvolvimento económico comparável. Não esqueçamos, para terminar, que o desenvolvimento económico, ou o crescimento, como se quiser, pode, em certas circunstâncias, significar a dispensa de numerosos trabalhadores e técnicos qualificados. Recordo a segunda verdade “indiscutível”: As autoridades devem ajustar o crescimento da educação às necessidades da economia. Nomeadamente as necessidades técnicas e profissionais. Não se deve educar ou formar profissionais “para o desemprego”. São estas expressões correntes, ouvidas no discurso político ou no chamado “senso comum”. Estas expressões, que denotam alguma ansiedade, resultam de vários fenómenos. Primeiro, o crescimento do desemprego jovem, designadamente com alguma formação técnica. Segundo, o aumento do número de desempregados licenciados e titulares de outros diplomas superiores. Terceiro, a explosão das despesas públicas com a educação, que leva muitos responsáveis a reflectir sobre a retorno e o eventual desperdício de tais despesas. Quarto, o desequilíbrio entre sectores com falta de mão-de-obra qualificada e sectores com excesso de oferta. Quinto, uma espécie de frustração: as expectativas eram as de que, com altos níveis de educação e até com uma formação superior, seria muito mais fácil encontrar emprego. Contesto as verdades correntes acima expressas. Em primeiro lugar, não creio que o sistema educativo se deva limitar a prever ou responder às necessidades da economia. Não acredito que esta espécie de “darwinismo educativo” seja aconselhável ou sequer possível. Todas as tentativas feitas para planificar a educação segundo as necessidades futuras da economia não resultaram. A começar pelo facto de não ser possível prever, a prazos razoáveis de dez a vinte anos, as reais necessidades técnicas e profissionais da economia. Em segundo lugar, a procura de educação ganhou autonomia própria. A escolaridade obrigatória, que os Estados criaram por razões nacionais, políticas, militares e económicas, transformou-se num direito social. O que começou por ser uma obrigação, imposta pelo Estado aos pais, transformou-se num direito por todos 64 reivindicado. A educação, a formação e a cultura transformaram-se em direitos e as expectativas sociais e culturais desenvolveram-se sem proporção com as capacidades económicas. A educação em Portugal, a partir da década de setenta, desenvolveu-se mais depressa do que a economia. Podem eventualmente as políticas educativas limitar, até por escassez de recursos, a oferta de educação e formação. Mas, nestes casos, pode a sociedade civil aumentar a oferta. Como aconteceu em Portugal, nos últimos dez anos, com o ensino superior privado: perante a insuficiência da oferta pública e a escassez de recursos públicos, a oferta privada cresceu de modo muito acelerado (mais de 100.000 estudantes em dez anos). Finalmente, não creio que o “retorno” do investimento público feito na educação seja mensurável pelo emprego criado e pela adequação da formação profissional à economia produtiva. Os muito elevados investimentos públicos criaram essa ilusão: a de que é necessário obter resultados directos. Até porque será essa a expectativa dos contribuintes. Mas, na verdade, o investimento na educação tem sobretudo um retorno social global. O nível cultural de uma população tem um valor em si, com implicações sociais, políticas e ontológicas, não deve ou não pode ser submetido à racionalidade económica estreita. Poderão as políticas educativas tentar ajustar investimentos, canalizar alguns recursos, orientar certos desenvolvimentos e até privilegiar certas áreas. Mas os resultados ficarão sempre aquém dos desejos de planificação. O desenvolvimento da cultura, dos conhecimentos e da ciência cria, por si próprio, dinâmica de crescimento, sem relação directa com as necessidades da economia produtiva. Os Estados poderão, em regime democrático, estabelecer “numerus clausus” em todos ou vários sectores educativos, na esperança de que tal medida administrativa possa orientar a formação profissional de acordo com previsões de desenvolvimento económico. Mas, não só as previsões são absolutamente falíveis, como não me parece fácil que a população aceite tais regras de acesso à formação profissional e superior. Vários instrumentos de acção estão ao alcance das populações, seja o voto, seja a criação de escolas alternativas. Na verdade, o “numerus clausus” acabou por funcionar como uma medida de poupança pública, de reconhecimento das insuficiências de acolhimento ou de promoção indirecta do ensino particular. Um problema muito especial é o do emprego. Da relação entre emprego e educação, ou entre emprego e qualificações ou formação profissional. É frequente pensar-se que um grande esforço na educação e na formação aumentará as possibilidades de criação de emprego. Existem, aliás, estudos, que tentam demonstrar que um titular de diplomas superiores tem mais oportunidades de encontrar ou criar o seu próprio emprego do que alguém com qualificações médias; e este último, mais oportunidades do que alguém sem qualificações. É possível que, no plano individual, em determinadas circunstâncias, tal seja verdade ou se possa verificar. Mas não há 65 evidência empírica de que tal seja verdade no plano global da sociedade e da economia. Uma observação sumária do desemprego em Portugal, ao longo dos últimos doze anos, sugere conclusões interessantes. Nos momentos de mais forte recessão ou de mais acentuada retoma económica, é nos níveis inferiores de formação técnica e profissional que se detectam os mais fortes movimentos de ocupação e de desocupação. Todavia, a tendência mais permanente, e independentemente das oscilações económicas, é a de aumento das taxas de desemprego das pessoas com formações médias, politécnicas e universitárias. Não quero com isto dizer que não seja útil desenvolver a educação e a formação profissional e superior. Longe de mim tal ideia. Quero apenas sublinhar que não acredito que o esforço educativo seja suficiente para melhor assegurar ou garantir o emprego ou o desenvolvimento económico. Ainda penso que é melhor um licenciado em química no desemprego ou a fazer de porteiro de hotel, do que um analfabeto em qualquer das duas situações. Mas penso-o por razões sociais, culturais, humanas e políticas, não por razões exclusivamente económicas. Observações finais Não pretendo, de modo algum, desprezar o desenvolvimento educativo, nem o esforço de formação técnica e profissional. Apenas pretendo contrariar ilusões correntes nas sociedades e na política actuais. Se não considero, nem para tal existe evidência empírica, que o desenvolvimento da educação conduza necessariamente ao desenvolvimento económico e à criação de emprego, não concluo que a educação não mereça um forte investimento público e privado, não deva ser objecto de uma forte prioridade por parte do Estado e das políticas sociais. Mantenho tais pontos de vista, da necessidade de esforço e da prioridade política, só que com qualificações. Primeiro: sem ilusões quanto aos seus efeitos. Segundo: as minhas razões não são económicas, mas sim globais, designadamente sociais e culturais. Terceiro: outros esforços são necessários e talvez mais importantes para o desenvolvimento económico, a começar por factores independentes das políticas, e a acabar nas regulações do mercado, nas condições de investimento e nas políticas macroeconómicas. Tal como não existe demonstração suficiente da capacidade da educação para alterar aspectos essenciais da estrutura social, nomeadamente atenuar as desigualdades, também não existe prova satisfatória do contributo positivo da educação para o desenvolvimento económico e a criação de emprego. Creio, todavia, que a ausência de educação e de formação técnica e profissional pode constituir um obstáculo ao desenvolvimento económico. Se outras circunstâncias são favoráveis ao crescimento, mas os níveis de formação se revelam 66 insuficientes, então sim, pode a educação desempenhar um papel decisivo. De obstáculo, neste caso. Em certo sentido, a preocupação essencial, em termos económicos e de emprego, das políticas educativas será mesmo essa: a de remover eventuais obstáculos. O que não é a mesma coisa que desempenhar o papel de motor ou factor essencial de desenvolvimento e de criação de emprego. 67 Educação e Formação Profissional (II) 68 Intervenção de Sua Excelência o Secretário de Estado do Emprego e Formação* Dr. Paulo Pedroso O contexto em que me foi pedido que preparasse esta intervenção é o de um trabalho preparatório dum Plano Nacional de Emprego que, como sabem, tem origem no acordo resultante da Cimeira Extraordinária do Luxemburgo. Este acordo, é uma demonstração clara, ao nível europeu, da disponibilidade para repensar, quer ao nível comunitário, quer ao nível dos Estados-Membros, a relação entre as políticas de educação, de formação profissional e de promoção do emprego. A minha intervenção não se centrará naquilo que chamaria de pano de fundo desta reflexão – já tivemos no primeiro painel diferentes contributos nesta óptica. Gostaria antes, de acrescentar algumas contribuições a um nível mais próximo dos problemas que se vão colocar em termos políticos. Começaria por dizer que, quer ao nível comunitário, quer, e indissociavelmente, ao nível nacional, existe uma vontade expressa de mudar o quadro em que se processa a relação entre educação, formação e promoção do emprego. Esta vontade de mudança, de que as directrizes para o emprego resultantes da Cimeira do Luxemburgo e os consequentes Planos Nacionais para o Emprego são um primeiro exemplo, obriga-nos a partir de algumas velhas constatações, bem como de algumas novas constatações sobre as especificidades do caso português no que toca a esta relação. A primeira velha constatação – que julgo ser conhecida de todos – é que temos um nível de qualificação profissional muito baixo não só dos activos, como da população em geral. A segunda constatação, que penso que é estruturante desta reflexão, é que temos uma procura da formação de carácter profissional em geral, seja no contexto do sistema educativo, seja no contexto da formação profissional inicial, seja ainda no contexto da vida activa, que é insuficiente face quer ao voluntarismo público, quer à percepção que se tem do que seria desejável para a sociedade. Apesar de, ao longo dos últimos anos, a União e o país terem convergido num esforço muito significativo de expansão da oferta de formação de carácter profissional, designadamente através da dotação de recursos financeiros bastante significativos, este nível é ainda, claramente insuficiente. Em terceiro lugar, outra velha constatação: temos em Portugal, embora hoje de forma menos violenta do que há alguns anos, uma forte competição entre trabalho, educação e formação. Uma competição em que o dinamismo do mercado de trabalho é concorrencial no sentido perverso em relação à educação e à formação. Porventura, ter-se-á desenvolvido em alguns segmentos da população, designadamente naqueles em que a propensão a situações de trabalho infantil é maior, a noção de que o direito * Transcrição da comunicação oral. 69 social à educação e à formação não têm um carácter decisivo. Aliás, e sobretudo na regulação de carreiras profissionais, existe mesmo a percepção relativamente generalizada de que a formação corresponde, de algum modo, a um compasso de espera, a uma boa alternativa ocupacional e não a um momento de valorização num percurso profissional. Mas se, de algum modo, os três níveis que referi remetem para velhas constatações que têm sido determinantes para as respostas que temos presentes, seja no desenvolvimento dos segmentos de carácter profissional no sistema educativo e no ensino secundário, seja na formação vocacional contínua, seja, sobretudo, no esforço público de investimento e formação, há, também, algumas novas constatações que devem, igualmente, ser decisivas para o futuro quer do sistema de emprego português, quer, de forma indissociável, para o sistema de formação e de educação. A primeira das novas constatações que gostaria de referir é de que, hoje, quando analisamos com a frieza dos números, os níveis de habilitação escolar da população jovem portuguesa, estamos na média da União Europeia. Contudo, ao mesmo tempo, temos a imagem de um país estruturalmente diferente em que uma franja, ainda muito significativa, da população se encontra numa situação de grande desfavorecimento, sendo que este dado corresponde a uma verdadeira fractura geracional, em termos de habilitações. Temos no entanto, um sistema educativo que, do ponto de vista quantitativo e considerando os indicadores em relação aos jovens, apresenta uma situação completamente diferente, um quadro muito mais optimista. Segunda nova constatação: temos uma tendência para absorver melhor os jovens desempregados de baixas qualificações escolares do que aqueles que têm qualificações intermédias e qualificações superiores. No entanto, é evidente que se trata de uma tendência que não deve servir para ocultar que, ainda hoje, a incidência do desemprego é mais alta nos grupos menos escolarizados. Aliás, quando se analisam os dados mais recentes verifica-se que, no último ano, a estrutura de qualificações dos empregados é mais desfavorável que a estrutura de qualificações dos desempregados. Este conjunto de constatações obriga-nos a pensar a relação entre política de emprego, política de educação e política de formação em novos moldes. Obriga-nos a encontrar respostas adequadas ao conjunto de velhas e novas constatações. Em primeiro lugar, as questões que se prendem com o conteúdo e a qualidade da educação. Sem querer desenvolver esta questão, gostaria apenas de dizer que se do ponto de vista quantitativo já atingimos, os padrões de convergência com a União Europeia, penso contudo, que ainda se coloca o problema da qualidade do ensino básico e devemos continuar a discutir o tipo de ensino secundário e superior que se considera desejável para o país. Em segundo lugar, ao nível da formação profissional, e colocando de lado a discussão inacabada sobre a relação entre a formação profissional e a profissão, entre a formação profissional e o emprego, a formação profissional e a empregabilidade, 70 parece claro que há, em Portugal, do ponto de vista da procura social da formação um domínio em que temos ainda muito caminho a percorrer: o da valorização das componentes profissionalizantes. Isto é verdade quer ao nível da formação profissional, inserida no sistema de emprego, quer ao nível do ensino secundário, quer ao nível do ensino superior, designadamente nas áreas tecnológicas. Este dado, antes do mais, implica um esforço de toda a sociedade, porque a desvalorização das vias profissionalizantes não é independente da imagem das profissões que, por seu turno, não é independente do conteúdo dos postos de trabalho e da organização das relações industriais. Trata-se de um desafio cuja resposta assenta não apenas no desenvolvimento do marketing da oferta mas, também, e de forma decisiva na valorização da imagem de certas profissões. Sabemos hoje, que a valorização da imagem das profissões não se encontra directamente ligada à escala de remunerações. Na verdade, existem profissões que embora sejam caracterizadas por níveis remuneratórios comparativamente elevados, são do ponto de vista simbólico e social fortemente desvalorizadas. Por exemplo, e recorrendo às estatísticas do desemprego juvenil, é possível ver que há uma forte procura de empregos administrativos que, muitas das vezes, correspondem a ofertas que são pouco qualificadas em termos de conteúdo do trabalho e, simultaneamente, pouco remuneradas. No domínio da valorização de certas profissões há uma dimensão que tem de ser assumida pela política pública: o reforço dos mecanismos de transição entre a educação e formação e o trabalho. Reforço este que implica que se promovam, ao nível dos currículos de formação, formas de contacto com o mundo do trabalho, nomeadamente, o desenvolvimento de formação em alternância e de estágios profissionais. Reforço este que será, do ponto de vista da formação inicial e do contacto dos jovens com experiências de trabalho, um dos grandes desafios dos próximos tempos. Assim, à medida que os nossos níveis de formação forem progredindo e consoante a ligação entre os jovens e as oportunidades for desenvolvida, nomeadamente através do que chamaria de socialização antecipatória, ocorrerá uma reconstrução das aspirações, de modo a que estas sejam, progressivamente, mais adaptadas ao mercado de trabalho. Um outro nível de desafios que Portugal enfrenta resulta da fractura geracional que caracteriza a sociedade portuguesa em termos de qualificações: de um lado, os jovens com um nível de qualificações semelhante ao dos nossos parceiros europeus, do outro, uma população ainda em idade activa mas com um baixo nível de qualificações. Considero que a principal resposta a este desafio é o desenvolvimento da educação ao longo da vida e da formação permanente. Temos que estar conscientes que este desafio enfrenta diversos obstáculos, sendo que o obstáculo financeiro não é decisivo. Aliás, aquando da análise dos resultados do primeiro QCA, verificou-se que havia um conjunto de recursos financeiros alocados à formação contínua e, em particular, à formação contínua dos trabalhadores pouco 71 qualificados, que foram na prática de gestão transferidos destes para os trabalhadores mais qualificados e dos activos em geral para os jovens. Este dado revela precisamente que, em Portugal, o principal obstáculo ao desenvolvimento da formação contínua não é financeiro, mas sim, resultante da dinâmica intrínseca ao mercado de formação. É certo que têm sido feitos vários esforços no sentido de resolver este problema. Estamos actualmente a estudar, e na sequência de compromissos já assumidos, legislação sobre a rotação, ou seja, sobre a possibilidade de criar condições que favoreçam nas empresas a dispensa de trabalho por parte dos trabalhadores activos com recrutamento de desempregados, enquanto estes trabalhadores activos estão em formação. Por outro lado, há que registar a evolução, ainda que tímida, no âmbito da contratação colectiva, de forma a valorizar a formação profissional contínua nas carreiras profissionais. Contudo, e a este nível, enfrentamos um outro dado: a formação contínua não se desenvolverá de uma forma consequente se os próprios actores não lhe reconhecerem validade e se não participarem, activamente, na criação de condições para que ela possa ser valorizada. É uma matéria em que tem que haver voluntarismo político. Da parte do Governo, neste momento, esse voluntarismo existe mas, tem que ser potencializado pela disponibilidade para um diálogo social que valorize a formação contínua. Trata-se na verdade, de extrair as consequências práticas dos discursos que todos nós, empresários, sindicalistas, políticos, vimos fazendo no que toca à fragilidade estrutural do emprego em Portugal, motivada pelos baixos níveis de qualificação profissional e escolar da população. Quando somos unânimes em defender que tem de haver um investimento e uma preocupação prioritária quer com a educação, quer com a formação profissional, temos, consequentemente, de ter a percepção de que devemos todos, na medida das nossas responsabilidades, contribuir para a organização das condições de frequência dessa formação e para a sua valorização. Do lado do Ministério do Trabalho e da Solidariedade, este compromisso implica por um lado, que continuemos a desenvolver uma profunda reflexão em torno dos motivos de insucesso das políticas do passado, por outro, que iniciemos, desde já, uma intervenção prioritária na formação contínua, junto dos desempregados. Intervenção que contudo, não deve resultar do facto de se tratarem de desempregados e por isso estarem disponíveis para serem ocupados mas, sim, porque a leitura que fazemos sobre os factores de vulnerabilidade ao desemprego leva-nos a procurar as metodologias que melhor permitam fazer com que estes trabalhadores regressem ao mundo do trabalho, e sobretudo, regressem a empregos mais sustentáveis estruturalmente. A percepção que todos temos é que a relação desemprego/exclusão, de que se fala em todo o contexto europeu, tem entre nós uma série de especificidades. Em primeiro lugar, temos um peso muito significativo do desemprego de longa duração e do desemprego de muito longa duração no total do desemprego, sendo que este ocorre 72 num contexto em que, muitas das vezes, existem poucos mecanismos compensatórios de protecção social. Em segundo lugar, uma boa parte destes desempregados tem um nível de habilitações escolares muito baixo, pelo que representam um problema muito sério, na medida em que o seu regresso ao contacto com o mundo do trabalho é particularmente complexo. Estes dados implicam, necessariamente, que o serviço público de emprego desenvolva um esforço no sentido de apresentar respostas consentâneas com as necessidades. Implicam, designadamente que os serviços públicos potencializem a sua capacidade para conceberem percursos de inserção social em que a formação não é apenas a estrita reciclagem profissional é também, uma formação necessariamente mais ampla e que, sem prejuízo de conceder aos indivíduos o tipo de qualificações mais adaptado ao mercado de trabalho actual, vise o exercício dos direitos de cidadania. Foi a partir deste diagnóstico que, na preparação do PNE e em conformidade com os quatro pilares e as dezanove directrizes acordadas na Cimeira do Luxemburgo, o Governo português definiu um conjunto de metas relativas à transição profissional dos jovens, à intensificação da formação de desempregados e à prevenção da exclusão social e à formação de activos em contexto de trabalho. Trata-se de um esforço colectivo que é a tradução prática e a consequência lógica do nosso discurso de diagnóstico sobre a empregabilidade e sobre os problemas de qualificação dos activos que se encontram no mercado de trabalho. É neste sentido que propomos como metas para os próximos 5 anos o crescimento em 10% anual da formação profissional inicial de jovens, no conjunto das modalidades, designadamente, a formação em alternância. Por outro lado, assumimos o compromisso de, no âmbito das políticas de transição para a vida activa, intensificar significativamente o número de estágios profissionais para jovens, passando de 8 mil para 13 mil por ano. Em termos de formação para desempregados aumentaremos entre 20 a 25% ano a oferta de formação efectivamente desenvolvida. Finalmente, e de forma a recuperarmos o tempo perdido em matéria de qualificação dos activos, assumimos que daqui a cinco anos, no fim do prazo de vigência deste PNE, teremos o dobro da média comunitária em termos do número de activos em formação. Contudo, julgo que o cumprimento destas metas não é exclusivamente dependente do voluntarismo público, nem dos recursos financeiros disponíveis. Por isso, gostaria de terminar a minha intervenção com um desafio: é necessário que o trabalho que nos propomos realizar assente numa dinâmica de parceria entre o Governo e os parceiros sociais e, em particular, é necessário que todos facilitem o acesso real à formação contínua por parte dos trabalhadores com menos habilitações escolares e qualificações profissionais. Será esta a resposta mais consequente ao desafio que a realidade portuguesa nos deixa em termos de emprego, de educação e de formação. 73 AS TRANSIÇÕES ENTRE O SISTEMA DE EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO E A INTEGRAÇÃO SOCIOPROFISSIONAL Dr. Joaquim Azevedo* 1 - Introdução Começo por propor uma alteração ao tema que o Senhor Presidente do CES me convidou a tratar, convite que muito agradeço. Não se trata de uma questão de palavras, mas de conteúdos. Na realidade, não existe “transição entre escola e vida activa”. Existem transições entre as várias saídas de um complexo sistema de ensino e de formação inicial e a integração socioprofissional, também ela uma larga árvore de muitos ramos, onde as desigualdades sociais estão bem evidentes. Nos breves minutos que me concederam pouco mais poderei fazer do que colocar o problema de outra maneira. O que, a meu ver, já é suficientemente importante para o debate, mas pode defraudar quem porventura esperasse de mim uma exposição centrada em soluções. Como costumo referir, falamos demasiado das soluções e por vezes não nos damos conta de que os problemas de que tínhamos partido já não são os mesmos e que, por vezes até já nem existem. Assim sucede com a problemática das transições. Várias e profundas mutações alteraram a circunstância de que se partiu, o que requer uma análise histórica e culturalmente situada. Não deixarei de enunciar, mas apenas enunciar, algumas medidas de política que me parecem prioritárias face ao novo quadro que vou descrever e analisar muito brevemente. Vejamos por partes. 2. Vários modos e níveis de saída Falar de transições é desde logo falar de saídas do sistema de ensino e de formação profissional inicial. Elas verificam-se a vários níveis e apresentam-se de modos substancialmente diferentes (Gráfico 1). Quanto aos modos, eles dividem-se entre qualificados e desqualificados e subdividem-se em escolar e profissionalmente qualificados. Esta divisão tem como grande vantagem separar de imediato dois grandes universos problemáticos de saídas do sistema de ensino e de formação inicial: os que jogam a sua inserção socioprofissional detentores de uma qualificação e os que a enfrentam desqualificadamente. Por outro lado, entre os portadores de uma qualificação impõese também a distinção entre os que possuem uma qualificação escolar, uma * Director do Instituto Empresarial Portuense (Associação Industrial Portuense). 74 qualificação profissional e uma qualificação escolar e profissional. Entre os desqualificados importa também distinguir entre quem o faz desqualificadamente em termos escolares, profissionais e escolares e profissionais. Além disso, há ainda múltiplos níveis de saída, com diferentes graus de ensino, completos e incompletos (assinalam-se dez). Ou seja: a primeira parte da problemática das transições, as saídas do sistema de ensino e da formação profissional inicial, é bastante complexa. Compreende uma realidade multifacetada que não permite leituras reducionistas, sob pena de se construir uma retórica sobre algo que efectivamente não existe. MO DOS NÍVEIS Desqualificado Qualificado Escolar Profissional X X 1. Saídas antes do 9º ano ou sem diploma da escolaridade obrigatória 2. Saída com Curso de Aprendizagem ou Profissional (nível II). Escolar Profissional X X 3. Saídas com 9º ano/ ou ensino secundário incompleto. X X 4. Saída com 12º ano completo X X 4A - Curso Geral 4B - Curso Tecnológico 4C - Curso E. Profissional 4D - Curso de Aprendizagem 5. Saída com ensino superior incompleto/sem diploma X X X X X X X 6. Saída com ensino superior/curso completo 6A - Bacharelato 6B - Licenciatura Entre esta realidade multifacetada afloram alguns problemas nucleares que não cabem na mera descrição dos vários modos e níveis de saída mas que, no entanto, são imprescindíveis para a sua compreensão. Sublinho, por ora, dois. O primeiro refere-se à “moratória educacional”1 ou seja, ao facto de se adiar a entrada no mercado de emprego através da ampliação e diversificação das modalidades de ensino e de formação e do prolongamento da permanência no sistema de ensino e de formação (Gráfico 2). Enquanto que, nos anos 70, a passagem da escola ao trabalho, à família e a outras instituições sociais e a um quadro de autonomia, se processava para a maioria dos adolescentes aos 11 anos, nos anos 90 essa passagem ocorre, também para a maioria, aos 15 e 16 anos. Este movimento 1 Lynne Chisholm - Youth transitions in the european union. In Bash, Leslie e Green, Andy - Youth, education and work. London: Kogan Page, 1995. 75 compreende uma das mais vastas e profundas mutações sociais e culturais ocorridas nos últimos trinta anos no nosso país, que aqui apenas podemos registar. É evidente que este prolongamento da formação de base e de permanência no sistema de ensino e de formação de um número cada vez maior de portugueses, representa um inestimável bem cultural geral, que há-de inclusivamente ter repercussões positivas no desenvolvimento social do país e, necessariamente, também nas pequenas e médias empresas. Considero, entretanto, que é necessário perceber melhor e muito mais seriamente o que é que se está a adiar ao adiar-se o acesso ao trabalho, a uma maior autonomia e à assunção mais precoce de certas responsabilidades pessoais e sociais, passando de uma socialização centrada na família e no trabalho para uma socialização centrada na educação e na formação, nos meios de comunicação social e no consumo. Idade 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 12 13 14 15 16 17 Ano de escolaridade 1 2 3 EDUCAÇÃO 4 5 6 7 8 9 10 11 FAMÍLIA - TRABALHO Formação Ensino Actividades EDUCAÇÃO "FAMÍLIA" - TRABALHO Ao prolongar-se o período de ensino e de formação, prolonga-se o afastamento entre educação e trabalho e recentra-se a socialização em torno de novos comportamentos, valores e aspirações, num período em que entre os adolescentes cresce a ideia de que estudar cada vez mais serve para pouco mas que é isso mesmo que é preciso fazer. Se a permanência no sistema de ensino e de formação constitui uma escolha pessoal ou familiar, também representa uma obrigação ou uma via única socialmente imposta. Não creio que se possa remeter a análise da problemática que aqui levanto para uma justificação do tipo “a sociedade do futuro é a sociedade do lazer e do saber e não a do trabalho, para quê então preparar para o trabalho e pelo trabalho?” 76 O segundo e grave problema refere-se à desqualificação à saída do sistema de ensino e de formação. Embora ninguém se entenda sobre a real dimensão deste fenómeno2 ele apresenta uma enorme gravidade social. Como vimos, impõe-se que sejamos claros e explicitemos de que estamos a falar. Se englobarmos todo o tipo de desqualificados, incluindo os que deixam o sistema de ensino e de formação profissional inicial sem os dois tipos de qualificação – escolar e profissional, referimo-nos a muitos milhares de adolescentes que, desse modo, anualmente, empreendem a sua integração social (30% dos portugueses?). Ora, como entre os processos de escolarização e os processos de integração há um continuum e não o início de algo inteiramente novo, é previsível que a marca de desqualificação escolar e profissional com que se sai, rapidamente se transforme num estigma de desqualificação social com que se entra. Ou seja, estes muitos milhares de adolescentes vão fazer parte de um grupo socioprofissional de indiferenciados, com empregos muito precários, com baixos salários, com dificuldades várias de integração sociocultural – comunicação, expressão, percepção, ... – real e potencialmente excluídos do acesso a inúmeros benefícios sociais e, no fim de contas, a uma vida digna. São os novos pobres que um sistema escolar e de formação cada vez mais rico, está a ajudar a reproduzir, já dentro do Séc. XXI. Como costumo dizer, deste cais não partiremos para as novas aventuras que se abrem ao mundo, ao reproduzirmos cada ano que passa, o atraso, a sociedade dual, as sementes da violência social. Não era com este cenário que tínhamos sonhado, desde o após-Guerra e, mais recentemente, desde a Nova República implantada em 1974. Eu disse que o sistema de ensino e de formação está a ajudar a reproduzir os novos pobres e as minhas cautelas prendem-se com a necessidade de vermos mais amplamente e em continuum este problema. Na verdade, há segmentos do mercado de trabalho profundamente co-responsáveis por esta reprodução, seus autênticos patrocinadores. É o que veremos melhor de seguida, nas breves considerações acerca dos processos de integração socioprofissional. 2 Isto deve-se sobretudo à falta de lucidez e de empenhamento na definição e na medida do problema, eventualmente por receio de exposição de uma chaga social que assim continuará, por falta de informação credível, mais ou menos adormecida. É um caso típico de opção política pela não-decisão (Benadusi, 1989). 77 3. Múltiplos percursos de integração Falar de transições, por outro lado, é falar dos processos de integração socioprofissional, vasto terreno onde afloram variadíssimos percursos de inserção. A relação que estabelecemos tão frequentemente entre “escola – vida activa” torna-nos prisioneiros de uma ideia nefasta, a saber, a de que a integração socioprofissional é uma questão de diploma escolar. É certo que o diploma constitui um valioso instrumento de acesso ao emprego e é também certo que as mais altas credenciais facultam o acesso aos melhores empregos, mais bem remunerados, mais estáveis e mais qualificados. Mas no processo de integração socioprofissional intervêm outras variáveis muito importantes, nomeadamente no que se refere ao acesso ao emprego. Entre elas podemos referir rapidamente: o ambiente cultural familiar, o tipo de relações, conhecimentos e influências locais em que o adolescente se situa familiarmente, o nível socioeconómico do agregado familiar, o funcionamento do mercado local e regional de emprego, o acesso ao aconselhamento e à orientação profissional, o tipo de escolarização e de percurso escolar previamente realizado, o tipo de dinâmicas de desenvolvimento social local predominantes. Os processos de integração socioprofissional são, assim, função de uma série de factores que se interpenetram e que fomentam quadros sociais de desvalorização ou de valorização pessoal. Seria, por isto, interessante que a análise das “transições” não isolasse um ou outro factor, mas complexificasse a análise. Antes de mais, porque os problemas são complexos e a isso recomendam. Depois, porque, assim, se poderiam evitar soluções profundamente ingénuas e extremamente frustrantes como aquelas que partem continuamente do terreno escolar e nele se enredam, como se a educação escolar sozinha fosse capaz de “branquear” uma realidade carregada de contradições, de tensões e até de graves problemas sociais. Para estimular a reflexão deste segundo elemento da equação de que partimos, destaco também dois pontos. O primeiro refere-se à segmentação do mercado de trabalho. Todos o sabemos. Existe um sector empresarial moderno, conhecimento-intensivo, onde há mais participação e mais autonomia no exercício profissional, pós-fordista, pautado pela flexibilidade e pela qualidade. São os mercados de trabalho primários, aqueles em que laboram o que R. Reich3 chama os “analistas-simbólicos”. A retórica técnico-económica acerca deste segmento tende a preencher a totalidade do discurso político4. Quando se enunciam as “novas políticas” de ensino e de formação é este o discurso (não-político) que se reproduz. 3 Robert Reich - o Trabalho das nações. Lisboa: Quetzal, 1993. Neste colóquio houve, inclusivamente, um representante de um parceiro social que anunciou como pressuposto da sua análise o já adquirido “abandono do taylorismo”. 4 78 Todos o sabemos. Estes sectores e empresas mais dinâmicos e competitivos constituem apenas uma parte da realidade. Eles próprios alimentam uma outra e essa, na qual vivo, é a de muitas dezenas de milhar de empresas (e a quase da maioria das empresas de alguns sectores de actividade) que ainda se mantêm ancoradas no modelo de baixas qualificações – baixos salários – empregos precários – baixa inovação. Este segmento do mercado de trabalho, que convive com áreas geográficas onde habitam populações com baixos níveis socioeconómicos, é profundamente coresponsável pelo abandono escolar precoce, pelas saídas desqualificadas do sistema de ensino e de formação. São ambientes sociais e não ambientes escolares que é preciso pensar e que, se assim o quisermos, é preciso alterar. Passar das políticas “reactivas” (p. ex. agir isoladamente sobre o sistema escolar) às políticas integradas e activas, é também dar prioridade à recomposição destes ambientes sociais, intervindo de modo participado e local (isto é desenvolvimento social). O segundo ponto relaciona-se com a situação geral do mercado de emprego e com o modo como aí se desenham as trajectórias profissionais dos indivíduos. O desemprego juvenil, a precariedade dos vínculos laborais que se estabelecem nas variadíssimas actividades e nos reduzidos empregos, a incerteza que marca as trajectórias profissionais, que tenho vindo a comparar a imprevisíveis voos de borboleta5 a fragmentação a que se conduzem as pessoas e as qualificações, agora remetidas para o terreno das “competências pessoais”, a enorme incerteza sobre a evolução dos mercados de trabalho locais na nova era da globalização económica, configuram um quadro social novo, profundamente órfão de um futuro que já não será o que era para ser. Ainda lidamos muito mal – pedagogos, orientadores profissionais, empresários, políticos e políticas – com o facto de já não haver trajectórias profissionais estáveis e previsíveis. Um dos reflexos incide exactamente sobre as políticas de integração socioprofissional; os seus mecanismos e dispositivos são mais típicos do mundo que era para ser e que nos marcou até à geração que cresceu nos anos 60 e 70, do que a realidade que hoje temos e da que se abre diante dos nossos olhos. Deveria ser dada especial atenção aos novos modos de funcionamento do mercado do primeiro emprego. Aí imperam as actividades e não os empregos; predomina um tempo de instabilidade, ziguezagueante, um tempo de desorientação e de inquietação e de forte competição. Nem mesmo para os diplomados pelo ensino superior a integração social se processa de modo previsível e relativamente articulado. Aliás o elevado número de jovens à procura do primeiro emprego e desempregados, habilitados com um diploma de um curso superior, já é, entre nós, motivo de escândalo para muitos. Custa a compreender e a aceitar como é que coexistem tantas necessidades de pessoas muito qualificadas e tantos diplomados deste nível desempregados. Ou então, na verdade, 5 cfr. Joaquim Azevedo, Jovens, (des)empregos e voos de borboleta, Jornal “Público”, 06.01.97 e Joaquim Azevedo, Metáforas para a (des)orientação profissional, Coimbra: 1997 (policopiado). 79 talvez não seja assim tão difícil compreender e aceitar: afinal, nem o mercado de trabalho, na maioria das empresas que o compõem, espera recrutar este nível de diplomados, nem o mercado de emprego está em expansão, apto a absorver, em empregos e em carreiras predeterminadas, estes novos diplomados. Este dado da realidade portuguesa mostra bem o enorme desajustamento que existe entre os sistemas de ensino e de formação e o mercado de trabalho e de emprego, desajustamento este que faz apelo para a necessidade de equacionarmos a relação entre estes subsistemas sociais num quadro mais vasto e mais complexo, de interacção social. É que não basta dar resposta no campo educativo a uma procura social crescente, sem equacionar os problemas sociais, mormente de emprego, que advirão. É que não basta qualificar mais as pessoas para que haja aumento linear do ritmo de admissões de pessoas mais qualificadas nas empresas que compõem o nosso tecido empresarial. É que o desenvolvimento social de um país não se opera por “magia” escolar, as qualificações não criam empregos e os empregos disponíveis as mais das vezes estão a desqualificar qualificações e a defraudar expectativas sociais longa e profundamente amadurecidas. 4. Para pensar politicamente as transições Aqui chegados, um tanto apressadamente, e diante de um problema tão multipolar, cuja complexidade aqui apenas quisemos desvendar, temos a obrigação de “fechar” a problemática em torno de algumas perspectivas de actuação política. Alinho sete. Faço-o com a convicção de que temos de re-politizar o discurso e a acção política, tão subordinada anda esta às finanças e à economia, chame-se euro ou outra coisa qualquer o novo “grande desígnio nacional”. 1. É preciso pensarmos o que e para que é que estamos a educar nas novas gerações ao prolongarmos o período de afastamento destas da realidade social do mundo do trabalho e do emprego, sendo certo que, embora mais tarde, aí acabarão por chegar. A formação básica, agora prolongada, está demasiado afastada do meio envolvente, regra geral. A educação para o trabalho no ensino básico continua a ser um problema por resolver, que se procura escamotear. A educação tecnológica, as experiências de contacto com o mundo do trabalho e a formação experimental e laboratorial deveriam ganhar novo alento na educação básica, contando com o apoio dos Ministérios da Educação, do Emprego e de Ciência e Tecnologia e de empresas patrocinadoras, escola a escola. 2. O enorme caudal de desqualificados que é constantemente drenado do sistema educativo para a sociedade, apesar de sucessivas tentativas governamentais e locais, continua a constituir uma ferida aberta no nosso 80 tecido social. Não fomos ainda capazes de erguer uma educação suficientemente respeitadora das diferenças nem um sistema articulado de educação de segunda oportunidade, prisioneiros que estamos das nossas ideologias igualitaristas. Com medo de transformar a segunda oportunidade na oportunidade de segunda deixamos, hipócrita mas bem-pensantemente, que a ferida continue aberta e quase nada fazemos. Temos medo dos compromissos, duvidamos de nós mesmos para controlarmos a deriva das nossas próprias acções. O ensino recorrente/o ensino pós-laboral também poderão exercer aqui uma função social muito relevante, agora que o Governo promete encarar esta área com a necessária determinação política6. Este é um imperativo ético e uma necessidade nacional, em que todos são chamados a cooperar, desde a concepção à execução e à avaliação das políticas. Mas será de se constituir como um desígnio do Ministério da Educação ou dos departamentos do Estado. Se se persistir neste erro, creio que será mais uma vez um empreendimento falhado. Precisamos de um novo compromisso social, cansados que estamos dos voláteis compromissos governamentais e até estatais. 3. A qualificação e o apoio à inserção socioprofissional dos jovens e dos adultos é um problema que requer reflexão global e acção local. É fundamental garantir a territorialização das intervenções baseando-as nos actores sociais locais, nas suas parcerias e na integração interdepartamental da intervenção da administração pública. Se foi possível articular departamentos para constituir “centros de formalidades” para apoiar a criação de empresas, será impossível ou assim tão difícil de perceber que a qualificação de pessoas nos seus territórios, este sim um grande desígnio nacional, requer respostas integradas, locais, participadas, respostas essas viáveis, algumas delas já em curso, com bons resultados, mas sem força política e sem efectivos poderes de acção (ainda que delegados)? A qualificação das pessoas joga-se sobretudo na qualificação dos espaços – das empresas, dos serviços públicos, do atendimento, onde quer que ocorra, de prestação de serviços, das crianças e dos idosos, das ruas, dos jardins, das escolas, da natureza, da paisagem, dos centros de formação, ... e estes tipos de qualificação assentam na mobilização social local, numa nova geração de instituições de suporte ao desenvolvimento social. 4. As escolas do ensino básico e secundário, as escolas profissionais e os centros de formação profissional são chamados a desenvolver uma cultura do 6 Haverá cerca de 300.000 portugueses entre os 15 e os 24 anos e cerca de 500.000 entre os 25 e os 39 anos que não possuem escolaridade básica obrigatória correspondente ao seu grupo etário. 81 empreendimento e da iniciativa, mais do que a cultura da passividade e da repetição. Esta deveria ser outra das preocupações centrais do sistema de ensino e da formação profissional inicial. Não se trata de qualificar activos para uma profissão, mas cidadãos activos, aptos a exercer uma multiplicidade de papéis sociais, entre eles o de trabalhador, autênticos criadores. Este objectivo carece ainda da sua transformação em conteúdos, métodos, acções-modelo, instrumentos de acção pedagógica. 5. As escolas do ensino básico e secundário, as escolas profissionais e os centros de formação profissional inicial deveriam evoluir de entidades cuja missão está centrada na formação e certificação, para organizações sociais também ocupadas no apoio aos processos de integração socioprofissional dos adolescentes e dos jovens, entidades especializadas em orientar escolhas, apoiar necessidades de reconversão profissional, por vezes imediatas à saída do ensino e de formação inicial, conscientes de que deste modo se avaliariam mais a si mesmas do que em qualquer outro processo de avaliação. Entre as novas funções sociais da poderosa rede de organizações de ensino e de formação, salienta-se a orientação escolar e profissional e o aconselhamento especializado nas fases instáveis de integração socioprofissional. 6. Finalmente, é imprescindível que os poderes públicos e os principais parceiros sociais dignifiquem os percursos técnicos e profissionais dos jovens. Persiste uma barreira ideológica e uma prisão ao passado que têm fomentado hesitações e até desistências por parte de muitos portugueses que acreditaram que tinha chegado a hora de dotar o país de um renovado caudal de jovens profissionalmente qualificados, criativos e empreendedores. A este nível é fundamental estabelecer-se um compromisso social concreto, manter os governos ancorados nas suas linhas essenciais e colocar a monitorização e a avaliação nas mãos de agências independentes. 82 A POLÍTICA DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL Professora Margarida Chagas Lopes* 0. Sendo o contexto o de preparação da elaboração do Plano Nacional de Emprego, considera-se útil – e assim nos é solicitado – que esta reflexão sobre a política de formação profissional tenha um carácter tanto quanto possível pragmático. É isso que tentaremos ao alinhar as propostas que seguem. 1. O diagnóstico das necessidades de formação profissional parece dever constituir o ponto de partida. Deverá envolver os vários agentes económicos, os parceiros sociais e o sistema estatístico nacional e intervir em múltiplos planos: – – – – o dos jovens em fase de inserção; o dos adultos desempregados ou em reconversão; o das empresas com necessidades de programas de formação; o dos sindicatos, dinamizadores, certificadores parte na formação. Tem-se por certo que a realização de inquéritos longitudinais de carácter sistemático e lançamento periódico, através v.g. dos Centros de Emprego, poderá ser de grande utilidade, a vários níveis: – – – determinar, junto dos jovens, mas também dos adultos empregados e desempregados, os factores sucessivos de bloqueio da empregabilidade ou de lançamento no desemprego, ao longo das suas histórias profissionais; fazer, junto das empresas, a auditoria das principais razões de insucesso dos programas de formação profissional, por profissões e perfis de actividade; detectar, junto dos sindicatos, as condições de promoção e dinamização das acções de formação e, especialmente, as possibilidades de consagração dos resultados das mesmas nos IRCT's, por áreas profissionais e grupos de trabalhadores, o que funcionará como uma das vertentes da validação social da formação profissional. É indispensável que o diagnóstico se articule com a avaliação dos programas e acções de formação profissional entretanto realizados, fornecendo estes em permanência a alimentação parcial de que o inventário se constituirá. E que tenha também expressão ao nível dos mercados locais de trabalho, através nomeadamente das redes regionais de emprego. Daqui resultarão, assim, matrizes de escassez de qualificações/necessidades de formação, por grupos de trabalhadores, tipos de empresas, áreas funcionais, mercados locais de trabalho, agentes institucionais, eventualmente. As quais deverão ser * Instituto Superior de Economia e Gestão - ISEG. 83 confrontadas com os grandes objectivos de política macroeconómica e de desenvolvimento local. 2. A prática de desenvolvimento de estratégias empresariais de formação profissional deverá ser a todos os títulos promovida e incentivada. Como ponto de partida, disporão as empresas do diagnóstico já referido e no qual se revejam; na ausência deste, não se abalançarão facilmente a uma qualquer política de desenvolvimento dos recursos humanos, dada a incerteza que se lhe associa. Os incentivos, fiscais ou outros, dos quais esperam as “Directrizes para o Emprego” venha a resultar um estímulo à modernização organizacional e à adaptabilidade das empresas, são também particularmente pertinentes como facilitadores das políticas de formação; e da mesma forma o são as bolsas de formação, a que as empresas se deveriam poder candidatar em condições de utilidade social devidamente comprovada pelos parceiros sociais e pelos diferentes agentes económicos interessados. E isto porque em situações como a do nosso País, de relativa inércia das estruturas produtivas, a redução do tempo de trabalho deve ser particularmente bem enquadrada com políticas de formação visando o aumento efectivo da produtividade: se aquela redução se fizer sem compensação salarial, corre-se o risco de deprimir criticamente a procura global e, com ela, o mercado interno; não havendo, paralelamente, reorganização do trabalho, a diminuição dos horários com procura estável conduzirá quase inevitavelmente a uma intensificação dos ritmos de laboração, sem que ocorram necessariamente ganhos de produtividade. É preciso, portanto, que as directrizes de modernização e adaptabilidade consagrem a endogeneização do desenvolvimento dos recursos humanos ao serviço, sem o que a melhoria da produtividade e competitividade globais não estarão adquiridas. Uma boa forma de endogeneizar as políticas e programas de formação profissional de molde a que de acções estratégicas se possa falar é via sistema de incentivos, que reconheçam directamente os resultados efectivos que daqueles programas sucessivamente vão resultando. O que pode revestir a forma de promoções, melhorias salariais ou ainda a associação a soluções inovadoras como os planos de poupança das empresas. Estes últimos, muito aplicados em grandes empresas francesas, como o grupo Lafarge, associam os colaboradores a estratégias de aforro – v.g., compra de acções da empresa – com taxas preferenciais e encargos de reembolso acrescidos, no caso de despedimentos prévios à data de vencimento (Galtier,B., 1996). No actual contexto, em que a globalização desafia permanentemente à diversificação das actividades e da prestação de serviços, considera-se cada vez mais sensato que o plano de formação da empresa não assente em conhecimentos demasiado específicos, porque rapidamente ultrapassáveis e mais difíceis de actualizar (F. Stankiewicz, 1995), mas antes em módulos de conhecimentos facilmente transversalizáveis e, naturalmente, estruturáveis segundo os níveis de 84 qualificação. Pressupõe-se, assim, que a formação para a flexibilidade funcional e a mudança organizacional, apoiada em qualificações flexíveis e suficientemente adaptáveis, garantirá simultaneamente: – para a empresa, aumento de competências em qualidade, minimizando os custos de ajustamento inevitáveis; – para o trabalhador, aumento da estabilidade do emprego em curso. 3. Como nas “Directrizes para o Emprego” se refere, haverá todo o interesse em deslocar o eixo de importância relativa para as medidas activas e, de entre elas, para a prevenção do desemprego. Ora a formação profissional deve ser vista também como uma das componentes mais importantes da prevenção: quando em presença de populações trabalhadoras potencialmente excedentárias, os programas de formação deverão intervir, no próprio local de trabalho, promovendo a reconversão de competências com vista às situações alternativas de escassez que o diagnóstico tiver previamente detectado. Tal é a prática do sistema dinamarquês, nomeadamente nos sectores e empresas em vias de reconversão. Também a promoção sistematizada de formações ditas de “banda larga”, para jovens à procura de emprego, empregados e desempregados, em geral, constituirá um meio eficaz de promover empregabilidade e, portanto, de lutar contra o desemprego. Mais especificamente, haverá que considerar a formação profissional para o mercado social de emprego. Aqui, pretende-se simultaneamente satisfazer novas necessidades sociais e criar emprego; mas se às funções a exercer forem afectados indivíduos desqualificados, não se garantirá o funcionamento adequado de um tal mercado e, o que é pior, não se estará a prevenir o risco, só adiado, de exclusão social dos prestadores de tais serviços. 4. A validação social da formação profissional tem-se como domínio prioritário. Reveste várias formas, de entre as quais a necessária avaliação dos programas de formação profissional; aqui, haverá que identificar sempre os efeitos líquidos dos programas, separando-os de eventuais efeitos perversos e de sobreposição (Chagas Lopes, M., 1995). Mas também é indispensável que se faça o controle da implementação on-going, tentando descortinar eventuais bloqueios de percurso; como estes são frequentemente de natureza institucional, os parceiros sociais deverão ter aqui um importante papel de auditores. O confronto com os diagnósticos, macroeconómico e local, prévios, constituirá, já de si, um primeiro elemento de validação. Um outro, será desempenhado pela certificação de competências, domínio de envolvimento directo dos parceiros sociais e, de entre elas, das respeitantes aos saberes informais constituídos ao longo da vida. Com efeito, não haverá incentivo social para a defesa da aprendizagem permanente se se desprezar este capital de saber informal e, com ele, largas franjas da população trabalhadora que se pretende sempre 85 adaptável e actualizada. Embora a isso se assista frequentemente, não se deverá esperar que o único reconhecimento social daqueles saberes, a fazer-se, ocorra subrepticiamente no seio das empresas, quando nisso vêem fonte de redução potencial de custos… De uma maneira geral, a consagração nos IRCT's dos resultados da formação profissional e da sua articulação com as políticas de carreiras e sistemas de incentivos, constituirá um veículo potente de validação social, até por se situar na confluência de interesses dos vários parceiros sociais e dos agentes económicos em presença. Ressalvando diferenças culturais, de consideração sempre indispensável, também aqui os ensinamentos do sistema dinamarquês, por exemplo, poderão afigurar-se muito pertinentes. Referências bibliográficas • Chagas Lopes, M.(1995), Estratégias de Qualificação e Metodologias de Avaliação, Celta, Oeiras. • the Danish Ministry of Labour, (1991), The Danish Public Employment Service, Arbejdsministeriet, Copenhaga. • Galtier,B., (1996), Gérer la main-d'oeuvre dans la durée (…), in Economie et Statistique, nº 298. • Ministério do Plano e Administração do Território, (1997), Grandes Opções do Plano para 1998 , Lisboa. • Stankiewicz, F. (1995), Choix de formation et critéres d'efficacité du travail, Révue Économique, vol. 46, n.º 5. • União Europeia/Conselho, (1997), Resolução do Conselho Relativa às Directrizes para o Emprego em 1998, 13200/97, Bruxelas. 86 Igualdade de Oportunidades no Mercado de Trabalho 87 Intervenção de Sua Excelência o Secretário de Estado da Inserção Social Dr. Rui Cunha Senhor Presidente do Conselho Económico e Social Senhores Conferencistas Minhas Senhoras e Meus Senhores As minhas primeiras palavras, nesta importante iniciativa do Conselho Económico e Social, destinada a contribuir para a discussão sobre o Plano Nacional de Emprego, são de reconhecimento pela oportunidade que o Conselho me oferece de expor, perante uma audiência tão qualificada, as principais linhas de orientação política sobre a importante questão da igualdade de oportunidades. Esta possibilidade é tanto mais importante quanto surge num momento em que as discussões em torno de questões como a flexibilidade e globalização, agora eleitas à condição de quase-ideologia e de pensamento-único, tendem a deslocar a discussão e a análise sobre questões sociais fundamentais para quadrantes em que aspectos determinantes da nossa vida colectiva e da nossa civilização são minimizados. E é crucial sublinhar a importância de uma política humanística, orientada para as pessoas e baseada em valores solidários fortes, que reforcem a nossa coesão social e nacional. Enquanto responsável político, a minha obrigação é a de trazer a este forum, que se destina a contribuir com as suas ideias e as suas discussões para a resolução de um dos mais importantes desafios modernos que se colocam à nossa sociedade: o do emprego, uma mensagem positiva e de confiança. Confiança na nossa capacidade em desenvolver instrumentos de política e concretizar acções que não percam de vista que a dimensão humana é a nossa prioridade e que nada valerá a pena se se destinar a criar uma sociedade em que reine a miséria, a desqualificação e a desigualdade. Nas épocas extraordinárias, quando acontecimentos históricos puseram à prova o valor do povo, ou lhe abriram perspectivas novas, que o encheram de esperança, então brotaram por si, naturalmente, as melhores obras do seu génio. Estas palavras, escritas pelo Professor Jorge Dias, no seu magnífico ensaio, “Os Elementos fundamentais da Cultura Portuguesa” são a luz de que precisamos hoje, quando enfrentamos um período da nossa história em que ou nos superamos a nós próprios ou corremos o risco de ver a História passar ao nosso lado. O contexto em que nos encontramos para debater esta e outras importantes questões é marcado por um grande pessimismo: um derrotismo quase geral sobre a nossa capacidade para influenciar a evolução dos acontecimentos económicos e sociais que nos atingem. 88 No entanto, nada está provado sobre o efeito que alguns fenómenos, tidos como hegemónicos, terão sobre o nosso futuro. Aliás, aquilo que podemos observar dá-nos ideia de uma tão grande diversidade de reacções perante o que é chamado de o fenómeno global e da sua inevitabilidade que, mais do que certezas, temos razões para duvidar de que tudo esteja já previsto e definido. Minhas Senhoras e Meus Senhores O próximo século será, com toda a certeza, o século das novas igualdades e da reaprendizagem. E, na medida em que prosseguirmos o actual ritmo de inovação, estaremos, com toda a probabilidade perante um novo paradigma social. Que repercussões terá esse novo paradigma sobre a nossa vivência social, económica e política é qualquer coisa que não estamos ainda em condições de prever. Mas, significará este facto que a nossa capacidade de reagir por antecipação perante essas mudanças potenciais é nula? Penso que não! O nosso grande desafio, enquanto geração que enfrenta a mudança, sem a controlar, é o de sermos capazes de acreditar que temos condições para iniciar já hoje o caminho da renovação que nos permitirá transmitir às gerações vindouras uma sociedade ordenada e organizada, plena de vitalidade e onde os valores da solidariedade sejam mais uma vez e ainda, o pilar que sustenta a nossa humanidade e o nosso sentido gregário. Muitas vezes, vezes de mais, e vozes de mais, falam da mudança que vivemos e da que há-de vir, como se estivéssemos a caminhar para um não-Mundo. Para um abismo. Uma espécie de “mundo de água”, brutal, sem princípios, regido por interesses egoístas e pela lógica fria do dinheiro, sem pátria. É preciso que nos levantemos e digamos que não será assim. Todas as épocas de mudança criam instabilidade, incerteza, inquietação. E deixam o seu cortejo de desiludidos. Mas também criam os seus vencedores, os seus campeões e vêem nascer novos heróis. A nossa época, como escreveu Fukuyama é uma era de “instituições intermédias”, através da qual é exercida a cidadania. A nossa capacidade de reinventar a sociedade, estará na razão directa do nosso poder em sermos capazes de continuar a criar instituições intermédias: partidos políticos, empresas privadas, sindicatos, associações cívicas, organizações profissionais, igrejas, associações de pais, conselhos escolares, tertúlias, etc. Na medida em que esta malha social for forte ou mais forte, assim a imprevisibilidade das mudanças que hoje vivemos será menos imprevisível. Nenhuma época, como a nossa, aproximou tanto os cidadãos uns dos outros: nos direitos e nas responsabilidades. Nunca a condição humana: no trabalho, no lazer, em comunidade, foi tão respeitada e protegida, pela própria sociedade como agora. Daí a 89 minha referência às novas igualdades que poderiam ser traduzidas, igualmente, por novas oportunidades as quais, serão, de certo, a marca do século que aí se avizinha. Mas, para isso muito teremos de reaprender, incluindo uma nova visão da cidadania e um novo sentido do colectivo. A aplicação do conceito de “igualdade de oportunidades”, tem, em termos práticos duas opções possíveis: a do tipo americano e a do tipo europeu. No modelo americano de “igualdade de oportunidades”, a Lei prescreve, de forma rigorosa, quais os deveres das organizações de trabalho para com os grupos vulneráveis e estabelece uma relação directa das organizações económicas com o Estado enquanto factor discriminante da obrigatoriedade das chamadas “políticas de acção afirmativa” ou seja acções concretas que as organizações estão obrigadas a apresentar no sentido de contribuir para a melhoria das condições de vida de pessoas fragilizadas em termos profissionais. No Modelo europeu, tal como este é definido no “Livro Verde sobre a política social europeia – Opções para a União” e no “Livro Branco: Política Social Europeia, como avançar na União”, a opção é orientada para o lançamento de iniciativas concretas, do tipo programas, com os quais se procura de forma activa melhorar as qualificações e as oportunidades dos grupos vulneráveis. O modelo europeu está apresentado de forma clara na Comunicação da Comissão Europeia sobre “A dimensão Social e Laboral da Sociedade da Informação – Prioridade à dimensão humana”. O modelo seguido em Portugal ao longo das últimas décadas pode considerar-se como um modelo intermédio entre o tipo americano (contra o tratamento discriminatório das mulheres e dos deficientes, em posto de trabalho) e europeu (de forma extensiva através da aplicação dos diferentes programas europeus no domínio da formação, qualificação profissional e investigação aplicada destinada a criar melhores condições de acessibilidade à informação). A criação de condições favoráveis à eliminação dos entraves à igualdade de oportunidades é um dos principais vectores da política social inscrita no programa do Governo. De acordo com a orientação política a nossa principal preocupação deve ser a de, através da criação de uma cultura de corresponsabilidade e solidariedade, apoiar as iniciativas mobilizadoras, que nos permitam combater a pobreza e a exclusão social, ao mesmo tempo que são lançadas as bases para uma autêntica acção afirmativa neste domínio. No âmbito das iniciativas lideradas, divulgadas ou promovidas pelo próprio Governo não quero deixar de realçar algumas delas, das quais destaco: • o Programa Fundo de Apoio à Inserção em Novas Actividades, com o objectivo de apoiar planos para a criação de uma actividade própria por parte dos beneficiários do rendimento Mínimo Garantido; 90 • as iniciativas desenvolvidas no âmbito dos Projectos de Luta contra a Pobreza; • a medida da política activa de emprego que constitui o Mercado Social de Emprego; • os projectos desenvolvidos no âmbito do Programa Integrar. Minhas Senhoras e Meus Senhores Ainda não há muito tempo, as sociedades podiam esconder o que lhes não agradava. Havia, se assim se pode dizer, uma discriminação neutra, que apartava do viver colectivo, os que, de um modo ou de outro, se afastavam do padrão cultural dominante. A conquista pela mulher do mercado de trabalho e o reconhecimento do direito à cidadania plena das pessoas “diferentes”, fosse qual fosse a sua condição, mostra que a nossa sociedade evoluiu no sentido do crescente reconhecimento da igualdade, como um valor essencial. Um Colóquio recente, patrocinado pela Secretaria de Estado de que sou responsável e onde se discutiu o papel das instituições não lucrativas e a acção social em Portugal, demonstrou, através das experiências e das iniciativas apresentadas vividas neste domínio, a vitalidade e a acção preponderante da sociedade civil na concretização de direitos fundamentais de cidadania, incluindo o direito ao trabalho e à dignidade pessoal. A nossa preparação para lidarmos com os fenómenos que marcaram as duas últimas décadas é limitada. Para isso contribui a natureza dos próprios fenómenos, mas também a amplitude das mudanças verificadas; o seu efeito generalizado aos mais diversos continentes e países; a forma como anteriores esquemas de organização, social e do trabalho, foram alterados; a perda de valores de referência e o surgimento de outros, ainda não consolidados. Todos estes factores contribuem para gerar uma crescente angústia colectiva, principalmente nos cidadãos pertencentes a grupos sociais vulneráveis que encontravam a sua segurança precisamente nos sistemas que hoje são afectados pela mudança. A evolução tecnológica, que possibilitou saltos incríveis ao nível da produtividade; as modernas formas de trabalho e de organização, que recolocaram em novas bases as relações entre o Estado, as organizações de empregadores e as sindicais exigem uma nova contratação social; o aumento da competitividade ao nível da produção de massa, que criou uma nova hierarquia no contexto económico mundial e relançou a corrida às novas actividades económicas de elevado valor acrescentado; a melhoria dos níveis educacionais, que, devido a um aumento generalizado das qualificações, nos permite pensar que num futuro próximo poderemos atingir níveis de mobilidade, nunca antes alcançados; as alterações nos mercados de trabalho, que contribuem para 91 a melhoria da qualidade de vida, são tudo fenómenos que expõem com crescente rapidez aqueles que, por razões de ordem social ou física menos preparados estão para esta avalanche de mudanças. Sobre a organização do mercado de trabalho confrontam-se na actualidade duas grandes teses: a primeira, é a tese da liberalização e a segunda, a tese da regulamentação. Os adeptos da liberalização estigmatizam toda e qualquer intervenção disciplinadora e consideram que a existência de reguladores neste mercado prejudica a competitividade das empresas e o desenvolvimento económico do país. Em defesa da sua tese, os partidários da liberalização do mercado de trabalho, apontam o sucesso das economias emergentes e de alguns países europeus, onde o quadro de relações laborais, menos regulamentado, principalmente no domínio da acção sindical, teria constituído a principal razão do seu sucesso económico. Por outro lado, os defensores da regulamentação, argumentam com o peso da tradição ocidental e com a necessidade de existência de mecanismos reguladores que assegurem a coesão social. Este não é o espaço para discutir os efeitos que a crise financeira recente teve sobre a competitividade das economias emergentes. Mas, deve ficar um alerta para que meditemos sobre o que eram as vantagens competitivas efectivas de que esses países dispunham e a pura especulação. Essa crise levará, de certo, muitos analistas e muitos responsáveis a reanalisar as suas opiniões e as suas certezas. Na minha opinião, o mercado de trabalho deverá continuar a ser um mercado regulado nos próximos anos. Mas regulado, não significa inerte. A nossa perspectiva política é a de que se o Estado investe, recursos públicos, enquanto “cliente” e enquanto “mecenas”, esse facto cria por si só, uma dívida social por parte de todas as organizações de trabalho que não devem recusar participar numa obrigação colectiva quando parte do seu próprio processo de geração de riqueza é fruto da aplicação de recursos colectivos. Lembrar este facto, parece-me fundamental. Sobretudo porque é neste fórum que os parceiros sociais contribuem de forma tão activa e participada para a discussão das grandes opções colectivas que marcarão o nosso próximo futuro. A evolução económica, social e tecnológica verificada nas últimas décadas deixa atrás de si um rasto de grupos vulneráveis, cuja existência é mal conformada com as novas doutrinas, onde o discurso da eficácia, dos elevados padrões de desempenho e da flexibilidade constituem a nota dominante. A igualdade de oportunidades, que possibilita a todos os cidadãos ter uma actividade conforme com as suas capacidades e as suas necessidades, não deve ser vista como uma imposição legal, mas antes como uma responsabilidade social e comunitária. No entanto, as coisas não se passam assim e sabemos que na maioria dos países ocidentais o Estado desempenha um importante papel nesta matéria. 92 Na medida em que os grupos vulneráveis venham a estar mais expostos a situações que os fragilizem o Governo não ficará indiferente a uma evolução eventualmente negativa. No domínio da igualdade de oportunidades, sem afectar a nossa capacidade competitiva e o direito das organizações e empresas a estabelecer os seus próprios padrões organizativos, muito está ainda por fazer. A sociedade portuguesa, como um todo, fechou-se sobre si própria e são poucas as manifestações de verdadeiro pendor solidário a que assistimos por parte dos actores sociais. Ao contrário do que acontece noutros países, a nossa comunidade é ainda muito refractária à ideia de que a responsabilidade social é um conceito activo. Esta questão é particularmente evidente no domínio da oportunidade de emprego para certos grupos vulneráveis, como o das pessoas portadoras de deficiência. Existem hoje em dia condições técnicas e ambientais que permitem, no quadro da sofisticação crescente do trabalho, a criação de postos de trabalho para deficientes com capacidade laboral. Sabemos como isso é difícil em Portugal. E nem sempre por razões de ordem económica. Muitas vezes tal é devido a uma discriminação cultural incompreensível. A nossa sociedade ainda tem insuficiência de solidariedade colectiva. A igualdade de oportunidades é um direito constitucionalmente garantido aos portugueses. Por isso, o Governo tem a obrigação e não a enjeita, de pôr de pé todas as iniciativas que materializem esse princípio e tem o dever de combater todas as acções que o desrespeitem enquanto valor societário. Não podemos, enquanto comunidade, aceitar que interesses de curto prazo, muitos até desligados do próprio interesse social, se substituam aos nossos valores mais nobres. O Governo tem afirmado repetidamente o seu empenho em que a sociedade civil e os cidadãos tenham um papel mais activo e interventor na definição do que é o interesse público. A igualdade de oportunidades é, para o Governo, um valor, que está na primeira linha das nossas preocupações. O nosso país, por razões históricas e sociais tem uma tradição de discriminação, em relação a grupos vulneráveis que, apesar de todo o esforço legislativo, não foi ainda corrigido. De acordo com a nossa concepção política, o processo de correcção e ultrapassagem das desigualdades deve ser, sobretudo um acto da Comunidade. No qual as organizações de trabalho se envolvam mais por sua própria responsabilidade do que por exigência legal. As organizações de trabalho, incluindo algumas empresas, que, no nosso país, se alheiam ainda por vezes dos problemas sociais, devem, na nossa opinião, olhar de forma diferente a sua responsabilidade social. 93 O Governo entende que deverá legislar o mínimo neste domínio em matéria de facto (como as quotas de emprego, por exemplo, para determinados grupos) e que a sua acção deve incidir na criação de programas integrados, que articulem os subsistemas públicos educativo e profissional com as iniciativas da sociedade civil de forma a criar um dispositivo eficaz e orientado para as necessidades concretas no domínio das qualificações. Minhas Senhoras e Meus Senhores A responsabilidade do Governo é a de criar condições para que todos os cidadãos, todos os grupos, tenham direito à cidadania plena. E esse direito não será realizado, sem a concretização do direito fundamental que é o direito ao trabalho. As organizações de trabalho, com as empresas na primeira linha, têm aqui um papel fundamental se querem cumprir com as suas responsabilidade social e merecer o respeito e a admiração dos seus concidadãos. Senhor Presidente do Conselho Económico e Social Minhas Senhoras e Meus Senhores Quis deixar aqui, para reflexão, algumas questões de ordem conceptual sobre o princípio e a prática da igualdade de oportunidades. A minha primeira obrigação, enquanto político, é a de deixar claras as escolhas que guiam a minha acção (neste caso os princípios e as opções previstas no programa do Governo a que pertenço). O princípio essencial da Democracia, escreveu António Sérgio, em Relanços de Doutrina Democrática, é o respeito pela dignidade da pessoa humana. Ora, existirá dignidade humana quando uma parte importante dos nossos concidadãos não tem igualdade de oportunidades em relação a um direito fundamental, como é o trabalho? E, cumprir-se-á, assim, a Democracia, quando tantos dos nossos concidadãos são privados de direitos fundamentais? Pensamos que não. E recusamo-nos a ficar indiferentes. A nossa consciência de seres livres e solidários impõe-nos a adopção de soluções progressitas no domínio da igualdade de oportunidades entre os portugueses. Soluções que dêem um novo sentido à palavra justiça. Obrigado pela vossa atenção. 94 IGUALDADE DE OPORTUNIDADES ENTRE HOMENS E MULHERES NO MERCADO DE TRABALHO – DIAGNÓSTICO E PROPOSTAS DE ACÇÃO Professora Lígia Amâncio* Em primeiro lugar, gostaria de agradecer o convite que me foi dirigido para participar neste Colóquio, na pessoa do Senhor Presidente do Conselho Económico e Social, e felicitar o Conselho por esta iniciativa. Tendo-me sido pedido que concentrasse a minha intervenção sobre “propostas de acção que correspondam às directrizes para o emprego estabelecidas pela Conselho da União Europeia” não deixarei de o fazer, na parte final da minha comunicação. Antes, porém, julgo oportuno apresentar um breve enquadramento da actual política europeia, no que diz respeito à igualdade de oportunidades entre homens e mulheres e ilustrar, em seguida, o âmbito das medidas definidas pelo Conselho com alguns elementos de diagnóstico da situação portuguesa. 1. Enquadramento Com efeito, o consenso obtido no Conselho Europeu Extraordinário sobre o Emprego, que decorreu no Luxemburgo nos dias 20 e 21 de Novembro passado, constitui um marco decisivo na integração das políticas relativas à igualdade entre homens e mulheres no âmbito das políticas de emprego. Vale a pena lembrar que no Tratado de Roma, que institui as CE, em 1957, (Título III A Política Social, Capítulo I Disposições Sociais), a igualdade se aplicava apenas ao domínio salarial, de acordo com a anterior redacção do artigo 119.º relativo à “aplicação do princípio da igualdade de remunerações entre trabalhadores masculinos e femininos, por trabalho igual”. Mas foi necessário esperar quase 20 anos para que surgisse, em 1975, a primeira Directiva destinada a harmonizar as legislações dos Estados-Membros, quanto à aplicação daquele princípio, e uma outra, em 1976, que estendia o princípio da igualdade ao tratamento no acesso ao emprego, à formação e promoção profissional. Quando, em 1995, o Conselho e a Comissão elaboraram um relatório conjunto sobre o emprego, para avaliar a implementação das recomendações do Conselho de Essen (1994), que havia definido um conjunto de medidas para melhorar a sua situação, verificaram que numa “primeira ronda de programas, a problemática da igualdade de oportunidades entre mulheres e homens não fora desenvolvida enquanto elemento de referência” e que só um pequeno grupo de 4 países (Irlanda, Portugal, Áustria e Suécia) “atendera à problemática da igualdade de oportunidades nas * Presidente da Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres. 95 propostas que apresentara”1. Neste resultado reflectia-se a preocupação, expressa nas prioridades definidas no Conselho de Essen, de combater o desemprego e eleger os jovens como grupo alvo preferencial de medidas específicas, ignorando outros grupos socialmente vulneráveis e as diferenças entre os sexos na categoria dos jovens. O texto do Tratado da União, adoptado no Conselho de Amesterdão do ano passado vem, finalmente, colocar a igualdade entre homens e mulheres numa posição central da política europeia, já que este objectivo passa a constituir uma das “missões” da União (artigo 2.º) e que a “Comunidade deverá ter em vista a eliminação das desigualdades, e a promoção da igualdade, entre homens e mulheres (artigo 3.º). Além disso, no texto do Acordo Social, agora integrado no Tratado, “... a Comunidade apoiará e completará a acção dos Estados Membros... no domínio da igualdade entre homens e mulheres no que se refere a oportunidades no mercado de trabalho e ao tratamento no trabalho”, entre outros domínios (artigo 118.º), enquanto que no anterior artigo 119.º a igualdade de remuneração passou a aplicar-se ao “...trabalho igual ou de valor igual” e incluiu-se a possibilidade dos Estados-Membros manterem ou adoptarem medidas que prevejam “regalias específicas destinadas a facilitar o exercício de uma actividade profissional pelas pessoas do sexo sub-representado, ou a prevenir ou compensar desvantagens na sua carreira profissional” (parágrafo 4)2, abrindo assim o caminho para as medidas de acção positiva. 2. As directrizes para os planos nacionais de emprego O consenso obtido na Cimeira do Luxemburgo inscreve-se, portanto, num longo, e lento, processo de mudança, relativamente à orientação das políticas europeias para a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, que se caracterizou pela timidez e fragmentação: a igualdade salarial precedeu a igualdade de tratamento nas condições de trabalho e nos regimes de segurança social, (a Directiva sobre esta matéria data de 1978) o que a tornou praticamente irrealizável3 (sem esquecer que a igualdade nos regimes de segurança social está ainda por realizar em muitos países da União...), e só no texto mais recente do Tratado da União se ultrapassou a definição estrita de igualdade nas relações de trabalho, que ignorava as determinantes socioculturais que agem sobre a sua realização, e retirava legitimidade a todas as medidas destinadas a atingir os factores a montante da desigualdade no mercado de trabalho. De acordo com a Resolução do Conselho, os planos nacionais de emprego deverão contemplar medidas específicas em torno de 4 pilares: melhorar a integração 1 Igualdade de oportunidades entre mulheres e homens na União Europeia, Relatório Anual 1996, Comissão Europeia, D.G. do Emprego, Relações Laborais e Assuntos Sociais, Unidade V/D/5, p. 45. 2 O parágrafo 3 deste mesmo artigo prevê ainda: “medidas destinadas a garantir a aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de emprego e de trabalho, incluindo o princípio da igualdade de remuneração...” 3 Vogel-Polsky, E. (1995) Les législations d’égalité entre les hommes et les femmes: un inaboutissement programmé. Les Cahiers du Mage, 3-4, 95-103. 96 profissional (empregabilidade), desenvolver o espírito empresarial, incentivar a capacidade de adaptação das empresas e dos seus trabalhadores (adaptabilidade) e reforçar as políticas de igualdade de oportunidades. A minha contribuição neste debate centra-se obviamente nesta última área. No entanto, é necessário salientar que as políticas de igualdade de oportunidades (entre homens e mulheres) não podem ser desenvolvidas em paralelo, ou lateralmente às outras, mas sim de forma transversal a todas elas, argumento que ilustrarei mais adiante, na parte relativa às propostas de acção. O reforço das políticas de igualdade de oportunidades centra-se, por sua vez, em 3 domínios: a) combater a discriminação entre homens e mulheres, b) conciliar a vida profissional e familiar e c) facilitar a reintegração na vida activa. Vejamos, então, os problemas que se colocam em cada uma destas áreas, com base nos indicadores existentes. a) No que diz respeito à discriminação entre homens e mulheres, o primeiro problema reside, desde logo, na difícil caracterização do emprego feminino, como refere o Relatório sobre a Igualdade de Oportunidades entre Homens e Mulheres na União Europeia de 1996, uma vez que as mulheres apresentam “uma mobilidade entre as categorias de emprego, desemprego e inactividade declarada muito superior à dos homens... O emprego não declarado e o desemprego, a inactividade involuntária, o subemprego, o emprego irregular e precário, constituem características correntes da actividade económica das mulheres...” (p.32). Quanto à situação na profissão, a esmagadora maioria das mulheres portuguesas, tal como as suas parceiras europeias, trabalha por conta de outrem (>75%), e embora Portugal apresente uma percentagem de trabalhadoras por conta própria superior à média europeia4, sabemos que esses números não resultam de uma maior participação nas profissões liberais, nem do aumento de iniciativas empresariais (embora não se possa ignorar o número de pequenas empresas de comércio e outros serviços que têm surgido nos centros urbanos), mas sim do aumento, nos últimos anos, de formas precárias de contratação no sector dos serviços. Apesar do peso ainda significativo do trabalho feminino na agricultura (50.7%5 ) o sector terciário, cujo crescimento tem acompanhado o aumento da taxa de actividade feminina, absorve >65% do emprego feminino que, no entanto, se concentra no ensino, na saúde e serviços sociais e outras actividades de serviços, incluindo serviços pessoais e domésticos (75.7%, 72.2% e 77.3% respectivamente)6. Este padrão de segregação profissional, que é uma outra característica do emprego feminino nos países da União, mas na qual Portugal se destaca claramente pela elevada percentagem de 4 Igualdade de oportunidades entre homens e mulheres na União Europeia, Relatório Anual 1996, Comissão Europeia, D.G. do Emprego, Relações Laborais e Assuntos Sociais, Unidade V/D/5, p. 39. 5 Portugal - Situação das Mulheres 1995, CIDM, 1996, p. 115. 6 ibid., p. 115. 97 mulheres no ensino7, aliada à segregação vertical que impede o acesso das mulheres aos postos de gestão e administração da riqueza que produzem8, contribui para a persistente diferenciação salarial entre homens e mulheres, que em vez de se reduzir com o aumento das qualificações das mulheres, nos últimos anos, aumentou até entre 1988 e 19949. b) Esta descrição da situação do emprego feminino revela a persistência de formas de pensamento e organização social que assentam na concepção do trabalho feminino como uma actividade marginal para a economia, temporária nos projectos de vida das mulheres e secundária para o rendimento familiar. Aliás, a reacção comum face à questão da conciliação da vida familiar e profissional, tendendo a remetê-la para as mulheres exclusivamente, já que delas se espera a fusão do projecto de vida com o projecto de família, inscreve-se nesta mesma forma de pensamento tradicional. As práticas sociais no domínio das soluções socio-educativas e de guarda das crianças permanecem profundamente tradicionais, embora coexistam com discursos “igualitários” quanto à distribuição das tarefas domésticas e de cuidados com os filhos, como mostrou uma investigação recente, na área metropolitana de Lisboa, levada a cabo por uma equipa de sociólogos do ISCTE10. A realidade que este estudo revela, porém, é a total ausência dos pais nas soluções para a guarda das crianças, cuja responsabilidade é distribuída entre as mães, as avós e as amas, nas famílias de mais baixos rendimentos, ou entre as mães e os serviços de guarda, nas famílias de mais elevados rendimentos. c) As medidas de facilitação da reintegração na vida activa após um período de ausência, referidas na Resolução do Conselho, não se aplicam, em Portugal, com a mesma acuidade à população qualificada, ao contrário do que acontece noutros países da União. Com efeito, a disponibilidade de um sector da população feminina que se caracteriza pela subqualificação, ausência de habilitações – basta lembrar que o último relatório da UNESCO situava a taxa de analfabetismo em Portugal nos 10.7%, mas 66% da população analfabeta é do sexo feminino11 – e grandes carências económicas tem assegurado uma cobertura de serviços domésticos, permitindo às mulheres mais qualificadas acumular o papel tradicional com o desenvolvimento de carreiras profissionais. No entanto, é aquele mesmo sector da população 7 Igualdade de oportunidades entre homens e mulheres na União Europeia, Relatório Anual 1996, p. 39. 8 Perista, H. e Perista, P. (1997) A mulher e a riqueza: o poder de a gerar, a impossibilidade de a gerir, CESIS e Departamento Nacional das Mulheres do PS. 9 Tendências e perspectivas para o emprego feminino nos anos 90, CISEP, 1996, p. 57. 10 Torres, A.C., Castro, J.L., Vieira da Silva, F., Aboim Inglez, S. Vasconcelos, P. (1997) Políticas sociais, soluções socio-educativas e de guarda das crianças, CIES, ISCTE. 11 Relatório Mundial sobre a Educação 1995, UNESCO, 1996. 98 feminina que quando trabalha na indústria, por exemplo, é particularmente vulnerável ao desemprego resultante da introdução de inovações tecnológicas e não possui quaisquer capitais que facilitem a sua reintegração na vida activa. 3. Propostas de acção A breve caracterização, necessariamente rápida, apresentada até aqui, destinou-se a salientar a importância dos efeitos do género na actividade económica, sem esquecer os efeitos geracionais que são particularmente importantes em Portugal, atendendo ao muito recente progresso da população na educação, e das mulheres em particular. As políticas de emprego não podem ignorar estes determinantes de inserção social que orientam as trajectórias individuais e afectam o desenvolvimento sustentável de toda a sociedade. A contribuição das mulheres para a actividade económica não é meramente conjuntural, pois o emprego feminino veio para ficar. Como refere o mais recente relatório europeu sobre esta matéria, o peso das mulheres no crescimento futuro da força de trabalho será cada vez mais importante12. Mas o relatório também nos alerta para a vulnerabilidade da situação das mulheres às políticas de desregulamentação do mercado de trabalho e para os sistemas de protecção social baseados numa organização familiar que considera o homem o principal suporte da família. O que está em causa no novo olhar da União sobre a promoção de emprego e o combate ao desemprego é o reconhecimento da necessidade de uma integração plena das mulheres no mercado de trabalho, a fim de assegurar a consolidação sustentável dos sistemas de protecção social, garantir a competitividade europeia face aos outros mercados e, no plano dos direitos, promover o acesso das mulheres a uma cidadania autónoma e responsável. Neste sentido, as medidas de combate à discriminação entre homens e mulheres terão que apoiar activamente um aumento do emprego das mulheres, não tanto em números absolutos, mas sobretudo no combate às formas de emprego precário, não declarado e de subemprego, enquanto que a promoção da representação equilibrada de homens e mulheres em certos sectores e profissões exigem a adopção de medidas de acção positiva. Algumas destas medidas de promoção da igualdade de oportunidades no emprego e nas relações de trabalho estão já previstas no objectivo 3 do Plano Global para a Igualdade de Oportunidades (Resolução n.º49/97, de 24 de Março), tais como o reforço do controlo do cumprimento das normas legais existentes, no que diz respeito à discriminação no trabalho, através dos organismos que detêm essas atribuições, nomeadamente a CITE e a Inspecção-Geral do Trabalho, e as medidas de acção positiva destinadas a mulheres desempregadas de longa duração com mais de 40 anos, à integração de mulheres em áreas profissionais novas 12 Rubery, J., Smith, ., Fagan, C. (orgs.) Tendances et perspectives dans l’emploi des femmes dans les années 1990, Comissão Europeia V/D/5. 99 ou onde estejam sub-representadas, ou o acesso das jovens a formação prática e a estágios que facilitem a sua inserção profissional (medidas 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 9). Mas estas medidas têm que ser complementadas com a promoção de opções não estereotipadas dos cursos e das carreiras profissionais por parte dos/das jovens, através do reforço da orientação e da informação, como o Plano também prevê, na medida 6 do seu objectivo 7. Esta seria uma forma de combater a orientação das raparigas para profissões que lhes permitem negociar uma actividade profissional com a acumulação com o papel tradicional, e que tem contribuído para a sua forte concentração no ensino, por exemplo. As medidas de conciliação, como refere o Plano Global envolvem o Governo (medida 1, 4 e 5), nomeadamente ao nível da implementação da rede do préescolar, mas também requerem o envolvimento responsável das empresas e organizações (medida 2) e dos cidadãos/cidadãs. A maternidade e a paternidade têm que ser partilhadas de facto, e de direito, a todos os níveis, nomeadamente através da redefinição legal dos períodos de dispensa para as mães e também para os pais, para que os cuidados às crianças sejam assegurados na sua plenitude, permitindo uma alternância orientada para o enriquecimento da vida familiar. A reinserção na vida activa das mulheres menos qualificadas exige medidas que potenciem e valorizem os seus saberes tradicionais, através nomeadamente da credenciação desses saberes. Estas medidas podem, e devem, articular-se com medidas de apoio e promoção da actividade independente das mulheres e de desenvolvimento da sua iniciativa empresarial, através da criação de centros vocacionados para esse fim. É neste sentido que as medidas para a promoção da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, correspondendo à orientação actual da política europeia neste domínio (“mainstreaming”), se articulam com outros pilares, como o do desenvolvimento do espírito empresarial13 . Com efeito, 1/3 das novas empresas criadas nos países da União, actualmente, são criadas por mulheres, e muito embora tais iniciativas constituam estratégias activas na procura de alternativas ao desemprego, e sejam elas próprias geradoras de emprego, estas novas empresas confrontam-se com grandes dificuldades de inserção e expansão, em particular devido à “desconfiança” de que são alvo por parte das instituições financeiras. A necessidade de articulação das políticas para a igualdade de oportunidades com todas as outras políticas sectoriais resulta, portanto, da constante confrontação e bloqueio da eficácia destas últimas pelos condicionalismos associados aos mecanismos subjectivos de diferenciação entre os sexos que marcaram historicamente, e estão ainda presentes, nos sistemas de emprego, família e protecção social. Aqui reside o carácter estrutural, nas sociedades modernas, da discriminação 13 Para falar apenas nesta articulação, já que ao nível da empregabilidade, em particular no que se refere à relação entre educação/formação e emprego verificam-se diferenças significativas entre os sexos, bem como ao nível da adaptabilidade, no que diz respeito aos diferentes efeitos das formas de organização do trabalho e dos tempos de trabalho. Tais articulações exigiriam, só por si, uma outra comunicação. 100 baseada no sexo, diversamente do que acontece com as discriminações baseadas noutras pertenças sociais, como as minorias e os deficientes. Foi o reconhecimento deste facto social que conduziu, sem dúvida, às recentes alterações no texto da Constituição da República Portuguesa, que passou a incluir a promoção da igualdade entre homens e mulheres entre as tarefas fundamentais do Estado (artigo 9.º), e no texto do Tratado da União, onde a mesma passou a figurar entre as missões da União (artigo 2.º). 101 EMPREGO, DEFICIÊNCIA E REABILITAÇÃO Dr. Luís Capucha* Segundo dados do Inquérito Nacional à Deficiência e à Reabilitação da responsabilidade do Secretariado Nacional de Reabilitação e do Instituto Nacional de Estatística, numa população de 9.887.561 residentes em 1994 no país, 905.488 pessoas tinham alguma incapacidade ou deficiência. Apresentando estes números importantes variações em função de factores como a distribuição regional e os grupos etários – crescendo acentuadamente a incidência do fenómeno com a idade – o fenómeno da deficiência, ao contrário do que muitas vezes se imagina, não se distribui aleatoriamente pelos diferentes grupos sociais, penalizando mais fortemente as categorias mais desfavorecidas, nem constitui um destino dos que nascem sem bafejo de sorte, dada a componente social da sua génese, a qual virtualmente coloca todas as pessoas em posição de vulnerabilidade. Estando longe de constituir um indicador suficiente de exclusão da população com deficiência, a sua posição no mercado de trabalho constitui porém um bom exemplo de como ela é penalizada. Pessoas com deficiência entre 16 e 64 anos empregadas, segundo a atribuição da deficiência Deficiências Empregados Psíquicas 23476 Sensoriais 56729 Físicas 137492 Mistas 3159 Nenhuma Especial 6629 Fonte: QUANTI, SNR/INE, 1994. Taxa de Emprego 27,4 58,8 45,8 27,8 41,8 Como indica o quadro anterior, varia entre cerca de setenta e quarenta por cento a proporção das pessoas com diferentes tipos de deficiência que se encontram fora do mercado de trabalho, embora estejam em idade para aceder a uma ocupação. Muitas vezes, aliás, essa situação verifica-se mesmo em áreas, actividades ou sectores em que a deficiência poderia constituir não uma desvantagem, mas uma vantagem profissional.1 Quer dizer, está-se muito longe de uma situação em que o desemprego, camuflado, desencorajado ou manifesto, não se associa à incapacidade para o trabalho. Trata-se, antes, de uma incapacidade do mercado de trabalho para dar resposta às necessidades e utilizar as capacidades das pessoas com deficiência e da sociedade para ocupar aquelas que não podem, devido à deficiência, exercer uma * Docente do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa - ISCTE. Um exemplo clássico é o da aptidão dos surdos para desempenhar trabalhos em ambientes com elevado ruído, ou dos cegos em profissões muito exigentes do ponto de vista da utilização de sentidos que não a visão. 1 102 actividade económica. Estamos, pois, perante uma situação de evidente injustiça social e, diga-se também, de irracional desperdício de recursos económicos. Segundo as definições internacionalmente aceites nos nossos dias, a deficiência representa qualquer perda ou alteração de uma estrutura ou de uma função psicológica, fisiológica ou anatómica, geradora de uma incapacidade, isto é, uma restrição ou falta da capacidade para realizar uma actividade, a qual se torna uma desvantagem ou prejuízo social, sofrida por um dado indivíduo, que limita ou impede o desempenho de uma actividade considerada normal para esse indivíduo, tendo em atenção a idade, o sexo e os factores socio-culturais. Naturalmente, como pretendemos sugerir na figura seguinte, a reabilitação corresponde ao processo inverso: Deficiência Compensação Incapacidade Desvantagem Reabilitação Inserção (Sentido Amplo) Qualquer ideia de reabilitação das pessoas com deficiência não pode deixar de obedecer aos princípios da igualdade de oportunidades e da universalidade de direitos. De acordo com estes princípios, a desvantagem deve ser compensada através de um processo de reabilitação que permite superar a desvantagem ou, dito de outra forma, obter a inserção social. Há algumas décadas atrás, a reabilitação era tendencialmente concebida como um processo médico, ligado à correcção das desvantagens físicas, fisiológicas e sensoriais. Mais tarde, porém, este conceito foi alargado às dimensões cognitivas e culturais resultantes da deficiência, razão pela qual a educação e o treino de competências passou a ser um complemento necessário da reabilitação médica. Hoje em dia, não apenas a reabilitação constitui um conceito amplo e abrangente, abarcando a dimensão médica, cultural, pessoal e familiar, em diversos domínios da vida, como a das condições de habitação, protecção social, lazer, consumos culturais, exercício de uma profissão ou ocupação, entre outros, mas também passa a envolver a organização da sociedade. Segundo este sentido amplo do processo de reabilitação e inserção social, as desvantagens não resultam apenas da deficiência, mas também de estruturas e instituições sociais que não se revelam capazes de acolher as pessoas com alguma incapacidade, pelo que não basta compensar as pessoas e as famílias, sendo também necessário transformar a sociedade. A dimensão socioprofissional da reabilitação assume uma relevância estratégica, dado que o desempenho de uma actividade económica ou ocupacional (no caso das 103 situações de deficiência mais profunda) constitui um direito de cidadania e possui, além disso, efeitos estruturantes sobre outros aspectos decisivos da vida das pessoas, como a formação das identidades e estatutos sociais, o rendimento, o acesso à protecção social, o alargamento das redes de relacionamento social, a realização pessoal, entre outros. Os números que referimos acima a respeito da situação das pessoas com deficiência face ao emprego representam, assim, um indicador inequívoco de extensa e intolerável exclusão. Que factores estão por detrás destes indicadores? Os problemas de exclusão das pessoas com deficiência nos mercados de trabalho têm na base factores de ordem geral e de ordem especificamente socioprofissional. Esses problemas colocam-se ao nível do sistema social, do sistema institucional de reabilitação e, também, ao nível das famílias e das próprias pessoas com deficiência. Entre os factores de ordem geral, ou extra-profissional, ligados ao sistema social no seu conjunto encontram-se, por exemplo, as imagens e representações existentes na opinião pública em geral e, nomeadamente, nos empregadores, geradoras de preconceitos sobre as capacidades das pessoas com deficiência. Outro factor decisivo é constituído pelas diversas inacessibilidades, resultantes de barreiras arquitectónicas, do funcionamento dos transportes, dos suportes físicos dos bens culturais e da concepção do desenho de uma infinidade de objectos de utilização corrente, inutilizáveis por pessoas com certo tipo de incapacidades. No plano específico do acesso ao trabalho, o sistema social, ou seja, o mercado de trabalho, apresenta igualmente um conjunto de obstáculos, que começam desde logo com o contexto global de desemprego estrutural, de que resulta uma muito escassa oferta de postos de trabalho para pessoas com deficiência, mesmo em postos para os quais estão mais adaptadas. Por outro lado, essas pessoas, quando alcançam um emprego, este possui geralmente níveis mais baixos de qualidade do que o das outras pessoas com a mesma qualificação e desempenho. Também o nível crescente das exigências de qualificações escolares e profissionais, associado à crescente competitividade pelo acesso ao emprego, constitui factor penalizador dos deficientes. Nenhum destes factores poderá melhorar enquanto continuar a verificar-se uma muito baixa participação dos parceiros sociais na problemática da reabilitação. Se o sistema social e o mercado de trabalho estão recheados de factores bloqueadores do acesso dos deficientes ao emprego, o sistema institucional de reabilitação apresenta igualmente algumas deficiências que importa considerar. A nível geral, são de considerar a insuficiente articulação entre sectores institucionais (saúde, ensino, formação, acção social) para a detecção da deficiência, a prevenção precoce e o planeamento de percurso de reabilitação, a nem sempre boa qualidade dos diagnósticos e terapias, o custo acrescido da educação e formação 104 especiais por relação às congéneres normais2 e, principalmente, a insuficiência das estruturas de oferta de serviços educativos especiais. Ao nível específico da reabilitação socioprofissional, refira-se um amplo conjunto de factores, de que se destaca a inexistência de um sistema nacional de certificação da formação3 a debilidade da oferta de serviços sociais de apoio à formação (residências, apoio psico-social, etc.), a insuficiência dos mecanismos de apoio ao emprego e autoemprego, a existência de medidas de protecção social que inibem a iniciativa de procura activa de ocupação,4 a grande debilidade de respostas ocupacionais para grupos não passíveis de obter emprego económico, o escasso desenvolvimento das metodologias de avaliação, orientação, colocação e acompanhamento, o pequeno número de técnicos com a devida qualificação (apesar do respectivo empenhamento e competência profissional), a insuficiente utilização das novas tecnologias, os efeitos perversos da “institucionalização” que muitas vezes constitui a única via disponível, a incipiência dos serviços de “marketing” dos produtos fabricados em emprego protegido, a escassa investigação científica e tecnológica com vista a melhorar as ajudas técnicas (apesar do mercado que as pessoas com deficiência constituem) e, por fim, a ainda insuficiente participação das ONG’s na definição e aplicação das políticas de reabilitação. Ao nível das famílias e dos indivíduos também os factores de ordem geral são muito relevantes. Refira-se, a título de exemplo, a fragilidade da auto-estima e da crença nas capacidades próprias, a situação muito frequente de à deficiência se associar um meio familiar e residencial muitas vezes desfavorecido (ao nível do rendimento, da habitação, das infra-estruturas, do acesso a serviços e equipamentos, da vizinhança, etc.)5 e a insuficiente participação das pessoas com deficiência e suas famílias no processo de reabilitação. São finalmente de referir problemas de ordem especificamente socio-profissional ao nível pessoal e familiar. Referimo-nos a factores como as dificuldades específicas ligadas à deficiência (geradoras por vezes de menor produtividade de certas pessoas com certas deficiências e em certas tarefas), o mais difícil acesso à informação resultante de barreiras de toda a ordem, o nível globalmente baixo de habilitações escolares e de qualificação profissional, a escassez da iniciativa individual e da cultura de risco6 e os custos acrescidos do posto de trabalho. 2 Apesar desses custos, a eficiência das medidas de reabilitação socioprofissional é inquestionável. Os custos de educação e formação especiais são largamente compensados pelas poupanças em termos de protecção social, saúde e equipamentos e pelo contributo económico das pessoas beneficiadas. 3 Que só muito recentemente começou a ser criado. 4 Nomeadamente a dificuldade de reacesso aos subsídios de invalidez uma vez que uma pessoa se lança numa experiência de trabalho que pode ser mal sucedida, o que inibe fortemente quer as pessoas com deficiência quer as suas famílias. 5 Tal como outros desfavorecimentos, a deficiência, podendo atingir qualquer pessoa ou família, não atinge com igual extensão e intensidade os diferentes meios sociais, sendo geralmente os mais desfavorecidos mais vulneráveis, por um conjunto de razões que não importa trazer agora aqui. 6 Factor reforçado pela desconfiança das entidades financiadoras nas capacidades destas pessoas. 105 É justo afirmar que o sistema institucional de reabilitação socioprofissional em Portugal, sendo de origem recente e relativamente pouco desenvolvido, apresenta contudo um dinamismo assinalável, fruto do empenhamento e capacidade de técnicos e dirigentes. Por isso esse sistema pode ser modelar, no sentido de que pode constituir referência para outros campos de actuação vizinhos (por exemplo, para a promoção da inserção socioprofissional de outros grupos desfavorecidos). Mas ainda estamos longe de uma situação desejável. Face à multiplicidade das facetas da desvantagem das pessoas com deficiência no acesso a uma actividade profissional digna, a actuação institucional deve ser ela também complexa, indo muito para além das áreas tradicionais da orientação, formação profissional e criação de emprego.7 Não podemos, naturalmente, referir aqui todos os domínios em que as medidas correctoras devem ser produzidas. Relembremos porém o facto de elas implicarem intervenções sobre o mercado de trabalho e o seu contexto, o sistema institucional de reabilitação e as próprias pessoas com deficiência. Trata-se de criar condições favoráveis à inserção, melhorar a empregabilidade das pessoas com deficiência, criar oportunidades e empregos acessíveis a estas pessoas e, depois, apoiá-las na conservação e na melhoria da qualidade desses empregos. Neste campo, como em qualquer outro, não existem medidas milagrosas e, em boa verdade, a invenção de medidas absolutamente novas é menos necessária – embora também seja indispensável nalguns aspectos – do que o aprofundamento ou desenvolvimento de medidas já testadas e experimentadas. O sistema de reabilitação socioprofissional é constituído por uma rede de entidades, principalmente APPACDM’s, CERCI’s8 e outras associações que, enquadradas pelo IEFP, são responsáveis por cerca de 23 Centros de Reabilitação e 50 núcleos de formação profissional,9 existindo entre eles um Centro de Reabilitação Profissional de Gestão Directa (Alcoitão/Ranholas) e um Centro de Educação e Formação Profissional Integrada de Gestão Participada (CEFPI). Tendo vindo a trabalhar, principalmente, com fundos provenientes de programas com duração limitada, o estabelecimento de medidas de política regular que garantam estabilidade organizativa e assegurem continuidade às acções e aos planos é uma necessidade actual do sistema. 7 No seu conjunto, os processos de reabilitação poderão ganhar com a criação de um plano de conjunto a médio prazo, que se encontra em fase de elaboração. 8 Associação Portuguesa de Pais e Amigos da Criança com Deficiência Mental e Centros de Educação e Reabilitação de Crianças Inadaptadas. 9 Acerca deste sistema e do seu funcionamento ver o manuscrito Balanço da Actuação no Âmbito da Reabilitação Profissional (1985-1993) da Direcção de Serviços de Reabilitação do IEFP, 10 de Março de 1994 e o Diagnóstico e Modelização em Centros de Formação Profissional e Emprego de Pessoas com Deficiência, Relatório Final, Federação Portuguesa de Centros de Formação Profissional e Emprego de Pessoas com Deficiência, 1996. Ambos os documentos constituem as principais referências disponíveis sobre a realidade portuguesa. 106 Por outro lado, será necessário começar a seleccionar uma rede de centros de recursos de elevada qualidade, regularmente disseminados pelo território, nos quais se possam concentrar investimentos e recursos. Esses centros deverão abrir-se a outros destinatários pertencentes a outros grupos desfavorecidos, tornando-se, assim, mais polivalentes. O sistema de reabilitação contempla, ainda, uma medida de acção social que prevê a criação e funcionamento de Centros Ocupacionais para deficientes cuja desvantagem não permita o acesso a uma actividade económica. Esses centros existem ainda em quantidade muito insuficiente, sendo o seu alargamento uma outra necessidade do sistema. Tanto os Centros Ocupacionais como os núcleos e Centros de Reabilitação Profissional debatem-se com a escassez de recursos humanos com a devida formação, que o empenhamento dos quadros existentes não consegue superar. A criação de novas licenciaturas, cursos técnicos e acções de formação de pessoal auxiliar são mais uma área de intervenção prioritária. Os principais instrumentos para a criação de emprego são o Regime de Emprego Protegido e o Regime de Apoios ao Emprego em Mercado Aberto. O primeiro divide-se em Centros de Emprego Protegido, dos quais tinham sido criados em Portugal dezassete entre 1987 e 1993, e enclaves de pessoas com deficiência em meio normal de trabalho, dos quais tinham sido criados treze no mesmo período. Em conjunto, no referido período, tinham criado emprego para 1133 pessoas. Dificuldades ligadas à gestão destas estruturas, à sua inserção nas organizações de trabalho e de valorização e comercialização dos seus produtos explicam o alcance relativamente pequeno destas medidas, em termos de pessoas abrangidas. O apoio à modernização tecnológica dos CEP e dos enclaves pode ajudar a equilibrar economicamente e a expandir estas soluções, indispensáveis no actual contexto e com as actuais dinâmicas de funcionamento do mercado de trabalho, que por um lado limita o acesso às inserções economicamente atractivas e por outro deixa a descoberto áreas com utilidade social e sem rentabilidade económica que podem ser ocupadas pelo emprego protegido. No caso dos CEP, será ainda necessário fixar-lhes um estatuto jurídico autónomo que lhes garanta estabilidade e autonomia. Tal regime deverá criar um equilíbrio mais favorável aos deficientes entre a vocação inicial desses centros, destinados a preparar e formar em situação real de trabalho trabalhadores que depois deverão ser lançados no mercado aberto, e a propensão para os postos de trabalho/formação se prolongarem no tempo tendendo para situações definitivas, por inexistência de oportunidades alternativas de inserção. O Regime de Apoios ao Emprego em Mercado de Emprego Aberto engloba um conjunto diversificado de medidas, como o Subsídio de Compensação às empresas, o Subsídio para Eliminação de Barreiras Arquitectónicas, o Subsídio para Adaptação de Postos de Trabalho, o Subsídio de Acolhimento Personalizado para compensar utilização de pessoal técnico para acompanhamento durante fase de adaptação da 107 pessoa com deficiência ao posto de trabalho, o Prémio de Mérito a entidades que se destaquem na inserção de pessoas com deficiência, o Prémio de Integração pago em função de cada contrato sem termo assinado e, por fim, os Apoios à Instalação por Conta Própria, subsídios a fundo perdido para instalações, equipamento, matériaprima, que pode ser complementado por empréstimo sem juros reembolsável a 10 anos, particularmente bem adaptado ao Emprego ao Domicílio, uma das soluções com maiores potencialidades para o crescimento das oportunidades de inserção. Entre 1983 e 1993 foram apoiados 797 postos de trabalho pelo Prémio de Integração e 2245 pessoas receberam apoios para instalação por conta própria até 1994. Para além das medidas cuja introdução poderia beneficiar o sistema de apoio à criação de emprego acessível às pessoas com deficiência que foram sendo referidas, outras existem que poderiam beneficiar largamente a intervenção nesta área. Referimo-nos, por exemplo, às seguintes medidas: – – – – – – – – – desenvolvimento ou criação em todas as entidades prestadoras de serviços de apoio ao emprego ou de formação profissional de sistemas de auscultação permanente das necessidades e dinâmicas dos mercados de trabalho; utilização plena das potencialidades das novas tecnologias e das novas formas de trabalho, não apenas em domínios como o trabalho domiciliário, mas também na adaptação de outros postos de trabalho; reforçar e divulgar os subsídios para adaptação de postos de trabalho e alargar apoios às empresas para o acolhimento/integração/formação das pessoas com deficiência e para a transformação de postos temporários em postos permanentes de trabalho; reduzir de forma eficiente os custos não salariais do trabalho de pessoas com deficiência; divulgar programas existentes de apoio ao emprego e desburocratizar processos de acesso; desenvolvimento dos mecanismos de certificação profissional de modo que simultaneamente se reconheça a qualidade da formação em reabilitação e se evitem preconceitos falaciosos sobre as capacidades possuídas pelos formandos do sistema de reabilitação; desenvolvimento de mecanismos de controlo e fiscalização da qualidade do emprego e envolvimento dos parceiros sociais nas estruturas formais de aplicação desses mecanismos; alargamento dos apoios, nomeadamente técnicos e financeiros, à criação do próprio emprego; excluir a exigência de certificado de robustez física nos processos de admissão de trabalhadores para a função pública e desenvolvimento de orientações para a abertura dos quadros do funcionalismo a cidadãos com deficiência (no limite, no caso da administração central e autárquica, instituir o sistema de quotas); 108 – levantamento de profissões/contextos de trabalho em que pessoas com deficiência apresentem vantagens e estudo sistemático das condições ergonómicas de postos de trabalho típicos. Uma vez que aos trabalhadores com deficiência se coloca de forma particularmente grave o problema da manutenção do emprego – quer em caso de recém deficientados, quer em casos de pessoas cuja estabilidade emocional e capacidade de adaptação poderá ser menor, é necessário pensar, para além da criação de oportunidades de inserção, na conservação dos postos conquistados, pelo que se tornam pertinentes medidas como as seguintes: – criação de um programa de acompanhamento psico-social prolongado de trabalhadores com deficiência e de apoio/formação a colegas; – criação de programa de apoio à formação permanente e actualização no emprego; – prestação de apoio especial a trabalhadores com deficiência afectados por processos de reconversão tecnológica ou organizacional, nomeadamente no âmbito da criação de seguros de desemprego voltados para a formação qualificante de reconversão; – revisão da legislação sobre reabilitação e reconversão de trabalhadores recémdeficientados; – desenvolvimento de incentivos às empresas para a adaptação ao posto de trabalho e respectiva reorganização com vista à integração do trabalhador recémdeficientado; – aplicação e melhoria dos regimes específicos quanto às condições de trabalho das pessoas com deficiência, nomeadamente no que respeita ao trabalho a tempo parcial, extraordinário, flexibilidade de horário e regulamentação das faltas por doença prolongada, doença profissional, por acidente em serviço e para reabilitação profissional. Outros instrumentos actualmente à disposição do sistema situam-se na área da orientação, da formação e dos apoios complementares. Falamos de medidas como o Programa de Preparação Pré-Profissional, com participação do Ministério da Educação, que abrange cerca de mil pessoas por ano. Falamos igualmente do Programa de Avaliação e Orientação Profissional, que tem conhecido um crescimento acentuado, atingindo mais de meio milhar de pessoas por ano. Um crescimento de beneficiários tem igualmente conhecido o Programa de Formação Profissional, que envolve perto de cinco milhares de deficientes por ano. Além destes programas devem ser referidos os “projectos inovadores” enquadrados pelo IEFP, envolvendo perto de 900 pessoas ano, bem como programas comunitários de que foi possível beneficiar, como o Helios, o Handynet e o Horizon. Os programas e projectos referidos constituem os principais instrumentos ao dispor do sistema para reforçar a empregabilidade das pessoas com deficiência. Face aos problemas que se verificam na sua utilização, pode referir-se um conjunto de 109 inovações e mudanças a introduzir, no sentido de melhorar a respectiva eficácia e eficiência, como as seguintes: – garantia de regularidade dos apoios, independentemente da existência de programas com horizonte temporal limitado; – reforço dos processos educativos com componentes pedagógicos especificamente dirigidos à elevação da auto-estima e da confiança das famílias; – negociação precoce com as famílias das crianças com deficiência do futuro processo de inserção profissional, no quadro da introdução da figura do “dossier individual” que melhore as articulações entre as diferentes fases da vida e da respectiva dominante institucional; – modificação do quadro legal que define as condições de acesso ao subsídio de invalidez, no sentido de facilitar o reacesso em caso de envolvimento numa experiência profissional não totalmente bem sucedida; – incorporação da metodologia do desenvolvimento comunitário e de serviços de apoio à família no conjunto das medidas complementares em relação à reabilitação profissional; – desenvolvimento dos sistemas e canais de acesso à informação sobre programas de formação e emprego, com plena utilização das associações e das famílias; – desenvolvimento e aprofundamento das metodologias de orientação profissional, de formação, de articulação entre formação e emprego e de apoio à inserção profissional; – formatação modular de toda a formação profissional com vista a construir respostas segundo a lógica da procura; – actualização permanente dos conteúdos dos currículos e matérias dos cursos de formação, de modo a mantê-los permanentemente actualizados em relação aos perfis profissionais exigidos nos mercados de trabalho; – desenvolvimento de serviços complementares de apoio à formação e ao emprego (por exemplo, residências, apoio médico e psico-social, apoio à família, etc.); – utilização sistemática das novas tecnologias na formação profissional; – estimulação da prática da formação em posto de trabalho, em Centros de Emprego Protegido e em empresas de mercado aberto, criando estímulos à criação de estágios profissionais e de requalificação; – desenvolvimento dos mecanismos de cooperação, debate e difusão da informação entre instituições que trabalham na área da reabilitação profissional; – aumento dos valores dos subsídios para aquisição e modernização de ajudas técnicas; – comparticipação nas despesas de deslocação para o posto de trabalho e/ou maior participação na aquisição de veículo próprio. Não cremos ser possível resolver o problema da reabilitação e da exclusão das pessoas com deficiência face ao trabalho num contexto macro-estrutural desfavorável ao crescimento do emprego. Não será tão pouco crível que as melhoras sejam 110 sensíveis na ausência de intervenções por parte dos parceiros sociais e do Estado tendentes a sustentar políticas de equilíbrio entre as necessidades da competição económica e as necessidades de qualidade dos padrões sociais, nas quais se inserem as medidas activas de emprego, o desenvolvimento de políticas de protecção social favoráveis à criação de postos de trabalho e à qualificação da mão-de-obra e a reorganização global do trabalho. Delas beneficiarão todos os grupos desfavorecidos, que aliás se alargam a cada vez mais amplas camadas da população colocadas em situações de relativa fragilidade. Deve relembrar-se, porém, que ainda que se criasse uma situação – actualmente mirífica – em que a oferta de emprego superasse a procura, muitas pessoas com deficiência continuariam afastadas do direito ao trabalho. Na verdade, as transformações a operar na sociedade são profundas. Passam, paradoxalmente, por medidas simples cujo impacto julgamos de enorme alcance. Por exemplo, passam pelo desenvolvimento de campanhas sistemáticas de informação e sensibilização da opinião pública, pelo estímulo às inovações tecnológicas e aos produtos de consumo corrente concebidos segundo a lógica do “design for all” (através de prémios à criação inventiva e de benefícios fiscais para esses produtos), pelo cuidado posto pelos planeadores urbanos e pelos autarcas na escolha do desenho e implantação do equipamento e mobiliário urbano e pelo desenvolvimento de acessibilidades arquitectónicas (ao nível do planeamento e do licenciamento urbano, para além do que já se faz nos edifícios públicos e da implementação de transportes adaptados), e físicas a bens e serviços como livros, museus, notícias, anúncios de emprego em jornais, entre outros. Também não será particularmente oneroso e complicado, havendo vontade, estimular e diversificar as áreas temáticas da investigação científica e tecnológica com vista à inovação, adaptação e difusão de ajudas técnicas e de mecanismos de integração social, bem como promover a sensibilização de técnicos como os editores, arquitectos, engenheiros e designers para os problemas da deficiência. A reabilitação poderia mesmo ser incluída nos currículos de formação académica de muitos cursos superiores. Por fim, a maior abertura das instâncias de decisão e de condução das políticas às organizações não governamentais, com particular destaque para aquelas que representam directamente as pessoas com deficiência, não deixaria de ser entendida como um passo importante na direcção da maior abertura de toda a sociedade, isto é, da correcção de algumas das deficiências da coesão social. 111 IGUALDADE DE OPORTUNIDADES NO MERCADO DE TRABALHO As Minorias Étnicas e o Emprego Dr. José Leitão* Melhorar a integração profissional bem como uma maior igualdade de oportunidades afiguram-se ser as directrizes do Conselho da UE a ter em conta para analisar a questão “as minorias étnicas” e o emprego. A reflexão sobre a forma de concretizar uma maior igualdade de oportunidades das “minorias étnicas” em matéria de emprego, implica, contudo, que se não ignorem alguns dados de base, bem como o quadro legal existente. O primeiro dado de base a ter em conta é que, a expressão minoria étnica que utilizo entre aspas é um conceito polissémico que no mundo anglo-saxónico designa, em geral, todas as comunidades étnicas, incluindo os imigrantes. Tal facto não sucede na Europa Continental.1 Presumo que uma abordagem produtiva do tema as minorias étnicas e o emprego, quis neste caso, abranger também os imigrantes legalmente autorizados a residir e a trabalhar e não apenas as minorias étnicas nacionais. Utilizarei portanto, neste caso, minorias étnicas no sentido da literatura científica anglo-saxónica por uma questão meramente pragmática. A distinção não é, contudo, inútil como teremos oportunidade de explicitar. Também teremos de ter em conta nesta iniciativa do Conselho Económico Social, o Acordo de Concertação Estratégica 1996/99. Vale a pena ter presente que o Capítulo V – Produtividade, Condições de Trabalho e Participação contém linhas fundamentais para assegurar a igualdade de oportunidades em termos que se não podem ignorar. No ponto 5 – Combate ao Racismo e a Xenofobia refere-se: O Governo e os Parceiros Sociais reafirmam a grande importância que atribuem à realização de uma sociedade democrática e pluralista caracterizada pela solidariedade e pelo respeito da dignidade de todos os seres humanos. A eliminação de todas as formas de discriminação racial e a promoção da igualdade de oportunidades constituem valores fundamentais da nossa sociedade. O Governo e os Parceiros Sociais comprometem-se a promover esforços para dar conteúdo aos dispositivos constitucionais e legais e, em especial, combater este fenómeno nas suas origens. Em particular, os Parceiros Sociais comprometem-se a promover o combate ao racismo e à xenofobia nos locais * Alto Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas. Maria Beatriz Rocha-Trindade, Minorias Políssemia do Conceito e Diversidade de Manifestações, Emigração e Imigração em Portugal. Ed. Fragmentos, 1993. 1 112 de trabalho, tendo em atenção a Declaração Comum sobre a Prevenção da Discriminação Racial e da Xenofobia e a Promoção da Igualdade de Tratamento no Local de Trabalho adoptada pela Cimeira do Diálogo Social Europeu em 21 de Outubro de 1995. O Governo e os Parceiros Sociais terão ainda em particular atenção a erradicação do trabalho ilegal de estrangeiros e o desenvolvimento de uma política integrada de imigração, principalmente de oriundos de países lusófonos”2 Temos de reconhecer os passos significativos dados nesta direcção, sendo o mais significativo a nova lei do trabalho de estrangeiros já aprovada na especialidade e que elimina discriminações, assegura maior igualdade de oportunidades e combate o trabalho clandestino de estrangeiros. Se utilizo o conceito “minoria étnica” em sentido pragmático e alargado, não posso deixar de referir que se me afigura não só correcta, mas, também, operativa a distinção entre minoria étnica e imigrante. Considero, com efeito, tal como afirma Maria Beatriz Rocha - Trindade que, “a designação de minoria está por seu lado, necessariamente associada a uma situação prolongada, geração após geração, de endogamia, está associada, quase necessariamente, à conservação das normas e referências a uma cultura específica. Tal é o caso da etnia cigana, constituindo uma minoria étnica bem individualizável, mas raramente designada como tal”3. Um trabalho pioneiro, realizado em 1991, sob a coordenação de Alfredo Bruto da Costa e Manuel Pimenta, intitulado “Minorias Étnicas Pobres em Lisboa” pelo Departamento de Pesquisa Social do Centro de Reflexão Cristã tinha adoptado o conceito alargado de minoria, incluindo nele comunidades em grande parte imigrantes como, por exemplo, a cabo-verdiana, a angolana, a moçambicana, a são tomense e a guineense. Ora, como refere justamente M.ª Beatriz Rocha -Trindade, “o inconveniente pragmático da confusão ou adopção indiferente do conceito de minoria e do conceito (plural) de imigrantes é o facto de se perder de vista a diferente natureza dos direitos que a cada um devem ser conferidos”. A que acrescentaria a diferença dos direitos que lhe são reconhecidos. Para ser claro, um cidadão cigano tem a cidadania portuguesa e a cidadania europeia, um imigrante não as tem, pese embora considerar que em matéria de emprego nada justifica uma desigualdade de tratamento entre todos os residentes legais, sejam ou não cidadãos nacionais. A situação dos cidadãos portugueses ciganos tem sido analisada, inclusive na linha de assegurar maior integração profissional. 2 Acordo de Concertação Estratégica 1996/ 99, Capítulo V - Produtividade, Condições de Trabalho e Participação, p. 105. 3 Maria Beatriz Rocha-Trindade, op. cit., p. 428. 113 O Relatório do Grupo de Trabalho para a Igualdade e Inserção dos Ciganos, criado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 157/96, de 19 de Outubro, com o objectivo de contribuir, de forma continuada, para combater a exclusão social desta comunidade, propôs diversas medidas específicas dirigidas à sua formação profissional e inserção profissional que mereceram a aprovação do Governo: Considerou-se necessária “a criação de estruturas de formação profissional que permitam desenvolver acções de formação profissional especial adaptadas às especificidades socio-culturais de jovens ciganos. A formação profissional desta população maioritariamente jovem deve ser encarada como imprescindível ao seu acesso ao mercado normal de emprego em alternativa à venda ambulante, sector manifestamente insuficiente para todos os ciganos. Necessidade de articulação de formação profissional com entidades de acção social com intervenção directa no terreno, quando estas não têm condições próprias para as promover indirectamente. Valorizar os cursos de formação de mediadores ciganos, os quais podem ter um papel de ponte essencial a desempenhar no diálogo das comunidades ciganas, com as entidades públicas e privadas, procurando assegurar um adequado nível de formação através de uma cuidada selecção dos candidatos, organização dos currículos e definição das entidades formadoras e divulgando a acção que podem desempenhar junto dos potenciais empregadores (escolas, autarquias, instituições de solidariedade social, outras); Definir o estatuto de mediador e sua integração e regularização. 1. As acções a propor pelo Ministério para a Qualificação e Emprego através do IEFP, com vista a contribuir para a eliminação de situações de exclusão social, passam pelo apoio às acções no âmbito de integração socioprofissional deste grupo. Podem neste contexto ser apoiadas as seguintes acções: 1.1 Pode ser previsto um atendimento personalizado a este grupo ao nível dos Centros de Emprego e o IEFP, aos quais compete: – proceder à informação, orientação e encaminhamento, desde que reunidas as condições mínimas exigidas, para as acções de formação profissional e desenvolver nos centros de formação profissional e outras estruturas de formação. – desenvolver os processos de colocação e de apoio no âmbito dos programas de emprego e inserção socioprofissional. – acompanhamento pós-inserção. 114 1.2 O IEFP pode ainda financiar, mediante a celebração de Acordos de Cooperação específicos com entidades sem fins lucrativos que desenvolvam trabalho de reconhecido mérito com esta população, o apoio às acções de facilitação de inserção socioprofissional através designadamente de mediação entre a comunidade cigana e os diferentes mecanismos de integração existente. As acções de facilitação integram: – formação de mediadores; – mediação para o emprego; – acompanhamento da inserção. 1.3 No âmbito dos apoios em vigor no IEFP podem ser apoiadas acções promovidas por Organizações não Governamentais incluindo IPSS, Paróquias e Associações sem fins Lucrativos, no âmbito da Formação Profissional Especial, ao abrigo do DL 140//93, de 6 de Julho, regulamentado através da CN 23/94, destinadas ao desenvolvimento de acções de formação profissional especial de grupos específicos. A Formação Especial distingue-se da Formação Profissional Geral pelo facto de abranger não apenas aspectos de formação mas também de inserção socioprofissional e de se dirigir a segmentos da população com maiores dificuldades formativas e de resolução de problemas de integração. Esta formação define-se ainda pela existência conjugada de diferentes características, das quais se salienta o desenvolvimento de um processo formativo integrado, com recurso a modalidades de formação complementar que incluem áreas de intervenção tais como: a) informação e orientação profissional e acompanhamento psicopedagógico; b) formação socio-educativa; c) acompanhamento no processo de inserção na vida activa; d) articulação com iniciativas de acção social. Vários projectos especificamente pensados para a comunidade cigana estão em curso. Verificam-se, por exemplo, acções de formação profissional consonantes com o carácter cigano (nas áreas da marcenaria e fabrico de guitarras, e corte e costura, fornecendo simultaneamente formação escolar, apoio à integração profissional e fomento do conhecimento e desenvolvimento da cultura cigana e a sua relação com outras culturas. Outro projecto visa a formação de mediadores dinamizadores comunitários ciganos e a criação de uma Agência de Desenvolvimento Local. 115 No âmbito do mercado social de emprego encontra-se em fase de apreciação final a proposta apresentada pelo Ministério da Educação da criação da figura de Mediadores Culturais para a Educação. Esta proposta foi elaborada na sequência das acções de formação ministradas pelo Departamento de Educação Básica a jovens ciganos para desempenharem funções de mediador em escolas com grande número de alunos desta etnia. Isto não significa que os cidadãos ciganos não devam ser incluídos também nos programas gerais que visam assegurar a integração no mercado de trabalho. As acções específicas devem ser a excepção necessária e não a regra. Já no que se refere aos imigrantes, considero que todos os que são legalmente residentes, devem ser abrangidos sem discriminações negativas ou positivas, pelas políticas que visam melhorar a integração profissional. Devemos agir nesta matéria na linha da Declaração Comum sobre a Prevenção da Discriminação Racial e da Xenofobia e a Promoção da Igualdade de Tratamento no Local de Trabalho, adoptada pela Cimeira do Diálogo Social Europeu, em 21 de Outubro de 1995. Nem outro é legítimo que seja o sentido da evolução quando nos tratados da União Europeia, revistos depois de Amesterdão se consagrou uma cláusula de não discriminação fundada no sexo, raça, origem étnica, religião, crença, deficiência, idade ou orientação sexual (novo 13.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia). Não podemos esquecer que a Convenção para a Eliminação da Discriminação Racial das Nações Unidas, ratificada por Portugal e pela generalidade dos EstadosMembros da União Europeia considera que “a discriminação racial visa qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência fundada na raça, cor, ascendência na origem nacional ou étnica que tenha como objectivo ou como efeito destruir ou comprometer o reconhecimento, o gozo ou o exercício, em condições de igualdade, dos direitos do homem e das liberdades fundamentais nos domínios político, económico, social e cultural ou em qualquer outro domínio da vida pública”. Não podemos fingir ignorar ao falar de políticas de emprego que a situação do mercado de trabalho na União Europeia é marcada pela existência de grande volume de trabalho informal, pelo recurso em muitos países a um recrutamento em larga escala de imigrantes ilegais. Como se afirmava no Relatório da Assembleia Nacional Francesa sobre imigração clandestina de 1996, “A imigração irregular é suscitada e alimentada pelos empregos oferecidos, muitas vezes através de redes especializadas, a uma mão-de-obra clandestina que a precariedade da sua situação obriga a aceitar condições muitas vezes indignas. Para além disso, o emprego de estrangeiros em situação irregular 116 falseia e, em alguns sectores, gravemente o jogo da concorrência em detrimento dos empregadores que exercem legalmente a sua actividade”4. Verificam-se, também, em geral, uma maior taxa de desemprego de certas populações imigrantes ou de determinadas minorias étnicas nacionais, o que levou inclusive na Holanda à adopção de uma lei que permite o tratamento preferencial dos candidatos pertencentes a minorias, em caso de qualificações suficientes ou iguais para um posto, o que John Wrench qualifica de “acção afirmativa”. No já citado estudo de 1991 intitulado “As Minorias Étnicas Pobres” refere-se que “há uma presença maciça de minorias étnicas em certos ramos de actividades (os de mais baixa produtividade) e certas categorias profissionais (as menos qualificadas), precisamente os menos atractivos e valorizados pelos trabalhadores portugueses. Esta tendência para os imigrantes ocuparem, na divisão do trabalho, os empregos com piores condições e menores remunerações é, de resto, comum a todos os países que acolhem imigrantes (basta recordar a situação dos portugueses nos países mais ricos da Europa”. João Ferreira de Almeida num estudo de 1993 acrescenta que “o nosso país caracteriza-se por uma vasta heterogeneidade das suas situações de exclusão social, já que os grupos sociais mais afectados são mais diversos e abrangem outros para além das minorias étnicas e imigrantes. É necessário fazer um esforço para encontrar padrões, configurações mais gerais para se poder melhor resolver o carácter multidimensional e específico da exclusão social”5. A resposta a esta diversidade de situações, passa pela inovação em matéria de emprego. Como se refere na Resolução do Conselho relativa às directrizes para o emprego em 1998 “se a União Europeia pretende conseguir dar resposta ao desafio do emprego, devem ser efectivamente exploradas todas as potenciais fontes de emprego, bem como as novas tecnologias e as inovações”. Vale a pena ter presente a este respeito a reflexão prospectiva de Ricardo Petrella, em que este refere: “o Estado e as forças sociais organizadas (empresas nomeadamente) podem ter um papel decisivo, não só para estimular o investimento produtivo, mas também para promover a emergência e o desenvolvimento de um tecido social colectivo denso “humus” indispensável para assegurar ao país gerações aptas a inovar, investir, gerir, dar de novo o gosto pela criação e pela mobilidade será decisivo”.6 Uma das inovações a introduzir poderá consistir na criação de empresas de inserção com o objectivo e vocação prioritária, do combate à pobreza e à exclusão 4 Jean-Pierre Philibert et Suzanne Sauvaigo, Immigration Clandestine et Sejour Irregulier d’étrangers en France, Tome I, Rapport n.º 2699, 1996: 106. 5 In Integração Social e Exclusão Social: Algumas Questões, Análise Social, Vol. XXVIII, 123/1993, p. 829-834. 6 In Reflexões Sobre o Futuro de Portugal (e da Europa), Vol. VII, Fundação Calouste Gulbenkian, Maio 1990, p.68. 117 social, através da reintegração ou inserção de pessoas com particulares problemas e dificuldade no acesso ao mercado de emprego, proporcionando-lhes uma oportunidade para desenvolverem uma experiência de trabalho em contexto organizacional, de adquirirem qualificações básicas e profissionais para efeitos de emprego. Estas empresas devem naturalmente destinar-se a todos os residentes legais, incluindo as minorias étnicas nacionais e os imigrantes. É manifesto que a Resolução do Conselho relativa às directrizes para o emprego em 1998, não procurou manter medidas especiais para as minorias étnicas como o fez, por exemplo, para as mulheres ou para os deficientes. Julgo, contudo, que a regra terá de ser, abranger em geral todos os residentes legais, por tudo o que já ficou dito, independentemente da nacionalidade ou origem étnica, em todas as medidas destinadas a assegurar uma melhor integração profissional ou igualdade de oportunidades. Quando, por exemplo, se refere a necessidade de “proporcionar uma nova possibilidade a todos os jovens”, não podem deixar de se abranger todos os jovens legalmente residentes nos Estados-membros da União Europeia. Exige-o inclusive a coerência da actuação política da União Europeia. No encerramento do Ano Europeu Contra o Racismo em 19 de Dezembro de 1997, o Presidente Jacques Santer, face à necessidade de combater o racismo a nível europeu, afirmou solenemente: As instituições europeias, por seu lado, conduzirão este combate sobre duas frentes: – a frente jurídica primeiro que tudo (...) a Comissão havia proposto no seu parecer sobre a Conferência intergovernamental, a introdução no novo tratado de uma cláusula geral condenando o racismo e proibindo a discriminação. O texto concluído em Amesterdão permitirá considerar após a ratificação do tratado, a elaboração de uma legislação europeia (...)”. E mais adiante refere que “a União opor-se-á ao racismo sobre uma segunda frente. Opondo-lhe uma outra perspectiva, a da unidade na diversidade, a da riqueza pela diversidade. Agindo sobre os factores que favorecem a tolerância e a solidariedade. Nesta perspectiva, a luta contra o racismo deve ser uma preocupação comum às diversas políticas comunitárias. Todas as políticas comunitárias podem ser mobilizadas para este efeito, em particular, as que dizem respeito ao emprego, à livre circulação de pessoas, à integração dos imigrantes, à educação, à juventude, às que impliquem a intervenção de fundos estruturais”. O problema do emprego das “minorias étnicas”, incluindo o dos imigrantes está indissoluvelmente ligado a uma acção relativa ao modelo de sociedade que pretendemos construir em Portugal e na Europa. 118 Temos que escolher, tal como refere John Wrench no relatório “Preventing Racism at the Workplace”, ”entre uma sociedade dualista e uma sociedade activa”.7 Uma sociedade “dualista”, em que a riqueza é criada por uma mão-de-obra altamente qualificada, utilizando equipamento baseado em tecnologia avançada, sendo depois o rendimento transferido para os não activos, através de pagamentos da segurança social, como base de alguma medida de justiça social. Uma sociedade “activa”, em que existe uma distribuição mais alargada do rendimento, obtido através de meios que não transferências da segurança social e em que todas as pessoas sintam que podem contribuir, não só para a produção, juntamente com todos aqueles que pretendem trabalhar e têm uma oportunidade razoável de acesso ao emprego, mas também de uma participação na vida e no desenvolvimento da sociedade”. Consideramos como John Wrench que “só ela poderá ser socialmente coesa e permite, na verdade, dar significado ao termo: uma sociedade cujo objectivo consiste em reduzir as desigualdades geradas pelos desequilíbrios económicos e sociais, não só através de prestações de natureza social, mas oferecendo a todos a oportunidade de participarem. Quando as características étnicas ou a cor se tornam um dos símbolos desta dualidade, as implicações sociais de uma “sociedade dualista” são ainda mais graves”. A superioridade do modelo social europeu, exige um compromisso inequívoco no sentido de assegurar a igualdade ou oportunidades das “minorias étnicas” em matéria de emprego. 7 Preventing Racism at the Work Place, A Report on 16 European Countries, European Foundation for the Improvement of Living and Working Conditions, Luxembourg: Office for Official Publications of the European Communities, 1996, p. 170. 119 Desenvolvimento do Espírito Empresarial e da Capacidade de Adaptação das Empresas 120 Intervenção de Sua Excelência o Ministro da Economia Dr. Pina Moura O desenvolvimento do espírito empresarial e o incentivo à capacidade de adaptação das empresas e dos seus trabalhadores constituem duas das quatro directrizes do Conselho Europeu para a elaboração dos planos nacionais de emprego dos diferentes Estados-Membros. De facto com a entrada na terceira fase da União Económica e Monetária, eliminase aquela que ainda é a última barreira existente no mercado interno europeu. Não obstante todos os progressos feitos na livre circulação de mercadorias, na eliminação de barreiras fiscais e alfandegárias, nos esforços de harmonização das políticas e dos sistemas públicos, nomeadamente do sistema fiscal, a verdade é que a existência de moedas nacionais no espaço da União Europeia, tem continuado a constituir uma efectiva barreira a uma real implantação de um mercado único, de um mercado interno em toda a sua dimensão. Com a eliminação dessa última barreira nós entramos de facto numa nova situação de mercado, o que significa para as empresas portuguesas um acréscimo muito grande de riscos e de concorrência, mas significa também um grande número de oportunidades para actuarem, intervirem e colocarem os seus produtos num mercado muito maior. Basta lembrarmo-nos do efeito de integração do nosso mercado vizinho, o mercado espanhol – que é aquele que nos está mais próximo e com o qual as relações económicas bilaterais são, na dimensão de clientes e fornecedores, mais intensas e onde a circulação de mercadorias, de pessoas e de bens é mais fácil – e da enorme alteração que se vai produzir com a eliminação do escudo e da peseta, já que, em certo sentido, passamos a actuar num mercado que actualmente tem dez milhões de pessoas, para um mercado que terá cinquenta milhões de pessoas. Esta visão dá-nos bem a dimensão do factor multiplicador do mercado que a criação da União Económica e Monetária vai ter ao envolver onze dos quinze países da União Europeia. Este é o ponto de partida e é o ponto condicionante de toda a política do Ministério da Economia e de toda a política económica do Governo a partir do dia 4 de Maio. Vamos de facto entrar numa nova fase da nossa vida política, económica, social e monetária. Devo sublinhar que esta nova fase se caracteriza também por uma grande alteração das políticas económicas, que se traduz por perda de eficácia e, tendencialmente, pelo desaparecimento total das políticas macroeconómicas de base nacional como factor de relacionamento dos poderes públicos com os agentes económicos. As políticas monetária e cambial de base nacional desaparecerão efectivamente e a política orçamental, não obstante prosseguir, ficará muito limitada na sua eficácia 121 com o esforço necessário de coordenação das políticas orçamentais a nível de todos os países membros da União Económica e Monetária, e que é consubstanciada no pacto de estabilidade que o Governo Português proporcionou, apoiou e assinou num dos Conselhos Europeus do ano passado. É muito importante compreendermos que os instrumentos de regulação macroeconómica vão perder significado, passando os instrumentos de política microeconómica, ou seja, os instrumentos direccionados para as empresas e para as suas condições de competitividade, na multiplicidade de factores que as condicionam e as influenciam, a serem o eixo fundamental de intervenção das políticas públicas. É muito importante que essa alteração seja assimilada por todos nós, na medida em que, mais do que nunca até agora, vai ser válida a tese defendida há muito tempo por vários economistas de que a condição sine qua non para termos uma boa economia é termos cada vez mais uma melhor microeconomia. Ou seja, a saúde do conjunto agregado da nossa economia vai depender muito mais da saúde económica e financeira de cada uma das pequenas, médias e grandes unidades que são as empresas. Este elemento vai significar uma reorientação das políticas públicas, por forma a estimular e incentivar a melhoria rápida das condições e dos factores dinâmicos de competitividade das empresas. Se tivermos em conta o universo das nossas empresas, em que 95% são PME, assume particular relevo as políticas públicas de superação de algumas das suas maiores debilidades e reforço da sua competitividade traduzidas no apoio ao investimento, financiamento e garantia mútua, assistência técnica, formação profissional, informação e cooperação. Outro vector importante constitui o estímulo do associativismo empresarial sectorial e regional. Trata-se da implementação de políticas que visem a emergência de empresas mais competitivas, criando assim condições de reestruturação de empresas e melhoria do ambiente empresarial. Neste quadro acaba de ser promulgado um conjunto de legislação o SIRME – Sistema de Incentivos à Reestruturação e Modernização Empresarial que visa desenvolver uma política de revitalização e modernização do tecido empresarial. O objectivo é estimular os empresários portugueses a mobilizarem a sua iniciativa e a sua capacidade de risco para movimentos de revitalização e reestruturação empresariais que permitam a numerosas boas empresas aumentarem a sua massa crítica; terem mais solidez e capacidade negocial face ao sistema financeiro; lançarem estratégias de médio e longo prazo que lhes garantam condições de competitividade no quadro da UEM e que vão desenvolver a sua actividade depois da efectiva criação e circulação do euro. Nos processos de reestruturação importa aliar a necessidade de flexibilidade, com a segurança e estabilidade social, elas também indispensáveis ao desenvolvimento empresarial. 122 Pode dar-se como exemplo o caso Lisnave-Gestnave em que muitos consideravam a criação da Gestnave como a de um armazém de quadros e trabalhadores à espera da pré-reforma e hoje esses mesmos trabalhadores não são suficientes para as tarefas que desenvolviam e para novas áreas de actividade onde a sua experiência e qualificação se tornaram uma clara vantagem competitiva. Também no apoio às estratégias integradas de modernização empresarial acaba de ser relançada e renovada a medida 3.3 do PEDIP. Serão incentivados de forma selectiva os melhores projectos de desenvolvimento empresarial para a indústria, prevendo-se, nos dois anos, atingir um investimento superior a 200 milhões de contos. Ainda que se constate, que a estabilização do quadro macroeconómico do país tem vindo a assegurar um clima favorável ao investimento nas empresas, nomeadamente através da redução sustentada das taxas de juro e da inflação, o Ministério da Economia reconhece a necessidade de se estimular a aceleração do processo de convergência real das estruturas empresariais portuguesas relativamente aos desempenhos das suas congéneres europeias, através de um quadro de incentivos fiscais e financeiros coerente com o objectivo a alcançar e os recursos orçamentais disponíveis. O regime de apoio à realização de estratégias empresariais integradas procura agora de forma mais articulada aliar as necessidades de competitividade das empresas com as exigências do desenvolvimento económico sustentado e com a política social e ambiental do Governo. Na articulação da política industrial com a de desenvolvimento regional irá ser criada no PEDIP uma experiência inovadora apoiando a deslocalização de indústrias do litoral para concelhos do interior (ex: calçado). Incentiva-se assim a expansão e o desenvolvimento de empresas situadas em regiões com carência de mão-de-obra para zonas do interior, onde se poderão localizar para já, partes menos exigentes do ciclo produtivo, cuja relocalização deverá ser acompanhada de um esforço de formação no sentido de consolidar esta orientação. Na definição desta política de incentivos importa sempre ter presente que: • as empresas estão no centro do processo de desenvolvimento tecnológico; • os recursos humanos constituem o catalisador indispensável para converter o progresso tecnológico em crescimento económico e bem-estar social; • a tecnologia e a permanente inovação tecnológica e organizativa tornaram-se variáveis fundamentais na competitividade das economias nacionais e nas estratégias das empresas; • a actividade científica e tecnológica não pode ser considerada como exógena em relação ao meio socioeconómico em que é praticada. 123 Neste enquadramento, o PEDIP II dá especial ênfase a factores qualitativos do desenvolvimento empresarial, desde os diagnósticos e planos empresariais estratégicos, até à dinamização de serviços de apoio à indústria, passando, entre outros, pelos estudos de marketing e pela transferência de tecnologias. Outros factores importantes, a que o PEDIP II confere, também, especial atenção e que fazem parte da envolvente propícia à inovação são chamados os factores dinâmicos de competitividade: a capacidade de projecto e concepção de produtos, a preservação do ambiente, a melhoria das condições de trabalho, os requisitos de qualidade. Os objectivos estritos de inovação tecnológica são prosseguidos através do desenvolvimento de um conjunto de acções que visam fundamentalmente: • melhorar o desempenho das infra-estruturas tecnológicas; • criar um ambiente adequado ao aparecimento ou crescimento de PME de grande conteúdo tecnológico nomeadamente através do apoio à consolidação de Pólos Tecnológicos e de Centros de Incubação; • mobilizar a comunidade científica para projectos de I&DT industrialmente orientados; • incentivar a mobilidade de técnicos especialistas entre as empresas industriais e as infra-estruturas tecnológicas; • apoiar projectos de I&DT de iniciativa empresarial, visando o desenvolvimento de novos produtos e processos; • apoiar a protecção legal dos direitos de propriedade industrial; • promover a inovação junto das empresas industriais em complemento da sensibilização da opinião pública e consequente habituação da apetência por produtos com conteúdo inovador; • apoiar a mediação entre a oferta de tecnologia e as necessidades das empresas industriais; • apoiar o financiamento de projectos inovadores de elevado potencial tecnológico e risco elevado. Outros factores de melhoria do ambiente empresarial que constituem objectivo das políticas públicas no sentido de induzir competitividade nas nossas empresas são a redução dos custos energéticos, o apoio regulamentar à implementação de regras transparentes de concorrência (ex. vendas com prejuízo, IGAE), a desburocratização e uma maior e mais eficaz interface da administração com as empresas (ex. Centros de Formalidades, disponibilização de bases de dados) e o apoio à internacionalização. Porém, além das políticas públicas, a necessidade de novas condições de competitividade das empresas exige do meio empresarial, dos trabalhadores, da sociedade em geral uma postura e actuação ajustadas aos actuais processos de mudança. 124 Os vectores desta mudança passam essencialmente pelo capital humano, e desde logo pela necessidade de um significativo aumento das qualificações profissionais. A entrada nas nossas empresas de gestores e empresários mais qualificados, a admissão, pelas empresas, de jovens qualificados em novas áreas, a formação contínua dos trabalhadores elevando a sua qualificação e apoiando a sua adaptação a novas funções são de importância vital para a redução de uma clara desvantagem competitiva da nossa actividade económica. A articulação entre a educação e a formação profissional e uma maior interface das instituições de educação/formação com as empresas são alterações para as quais todos temos de contribuir. O Ministério da Economia dará particular atenção a intervenções que contribuam para a inserção de jovens técnicos nas empresas, para a promoção, junto dos jovens, das formações e profissões qualificantes sobretudo em áreas tecnológicas, para o reforço da formação contínua. A formação contínua terá que continuar a ser uma prioridade para conseguirmos desenvolver as qualificações dos activos das empresas criando condições para o aparecimento de empregos crescentemente qualificados, potenciando as políticas de desenvolvimento empresarial. Os factores chave da competitividade, a capacidade de resposta às rápidas mutações tecnológicas e de mercado, a modernização dos processos de produção de bens, o incentivo ao aparecimento e expansão dos serviços de qualidade, decorrentes quer de actividades externalizadas quer da resposta a novas necessidades das empresas, a diversificação e a internacionalização das empresas só podem desenvolver-se com trabalhadores e quadros mais qualificados. A nível do Ministério da Economia será incentivada, em coordenação com os restantes ministérios, particularmente o da Educação e do Trabalho e Solidariedade toda a intervenção na área da qualificação dos recursos humanos das empresas como eixo determinante do êxito das estratégias de modernização. 125 FACILIDADES AO ESTABELECIMENTO DE NOVAS EMPRESAS Dr. Paulo Nunes de Almeida* A. INTRODUÇÃO Vivemos a transição para uma nova civilização. Da sociedade tecnológica para uma sociedade assente na cultura, na pessoa humana, na criatividade, na polivalência. Vivemos numa civilização baseada nos valores da economia de mercado e da livre iniciativa. Assistimos ao crescendo da competitividade entre nações, projectos, empresas, produtos, pessoas. Num contexto onde só os mais audazes, os mais capazes, os mais persistentes e os mais conhecedores terão oportunidade de liderar, sempre com os olhos postos na inovação e no futuro. No último ano, de 1997, e segundo dados oficiais, a economia portuguesa cresceu acima da média comunitária, a taxa de inflação manteve uma trajectória descendente, a dívida pública e o deficit orçamental reduziram-se, tudo isto acompanhado da descida das taxas de juro. Pese estes factos, profundamente animadores, continuam a subsistir problemas graves de emprego na sociedade portuguesa: a) reduzido aumento do emprego global e redução da taxa de desemprego inferior ao previsto; b) aumento da precariedade e instabilidade do emprego; c) subsistência de dificuldades de inserção profissional ao nível do 1.º emprego jovem; d) dificuldades de reinserção de ex-activos especialmente de mulheres; e) baixos níveis de formação e flexibilidade laboral. B. A INTERVENÇÃO ASSOCIATIVA DOS JOVENS EMPRESÁRIOS Sem muitas delongas, a UJEP - União de Jovens Empresários Portugueses tem defendido que o emprego líquido só se cria com o aparecimento de novas empresas. E como representantes dos Jovens Empresários entendemos que, neste processo, o jovem é o elemento mais determinante. Mas para que tal aconteça importa que se criem condições e estímulos. Importa que se abra caminho ao jovem empreendedor. Neste contexto, a UJEP afirma-se já conhecedora e dinamizadora daquelas que são as novas directrizes para o emprego, estabelecidas pelo Conselho da União Europeia, * Presidente da UJEP - União de Jovens Empresários Portugueses. 126 que não podem deixar de ser entendidas como contributos essenciais para um Plano Nacional de Emprego, a adoptar pelo Governo. Assim: 1. Intervimos através das Associações que constituem a UJEP ao nível da melhoria da integração profissional, visando combater o desemprego dos jovens e prevenindo o desemprego de longa duração. Desenvolvemos Planos de Formação, no âmbito do Programa Pessoa, que têm como destinatários os jovens à procura do 1º emprego, licenciados ou bacharéis, outros jovens com menor qualificação e desempregados, para além dos activos das empresas participadas por jovens empresários. A aposta na qualidade de formação é sinónimo de melhores profissionais, pessoas melhor preparadas para desenvolver o espírito empresarial. 2. Promovemos medidas activas para a empregabilidade. A constituição de uma bolsa de estágios/empregos, assente no conjunto de formandos é um objectivo permanente da nossa intervenção associativa, actuando como promotores da aproximação entre a qualificação dos jovens quadros e as necessidades sentidas pelas empresas que nos estão associadas. 3. Desenvolvemos inúmeras parcerias com entidades públicas e privadas no âmbito da formação, da sensibilização e informação, do apoio à criação e instalação de empresas, do acesso dos jovens à função empresarial. 4. Promovemos mecanismos facilitadores da transição da Escola para a vida activa. Sabemos que existe um fosso significativo entre o ensino ministrado na maioria das escolas e a competência requerida no mercado de trabalho. O Sistema de Ensino Formal está nesta altura preparado para formar (des)empregados e não empreendedores; não se preocupa com a formação comportamental e com o estímulo a uma atitude mais autónoma, mais activa e mais empreendedora dos jovens portugueses. • Estamos conscientes da necessidade de apostar em cursos que permitam aos recém-formados adquirir a capacidade de polivalência tão importante hoje em dia; • a globalização da economia conduziu-nos a uma dinâmica acelerada relativamente às exigências para o desempenho da actividade profissional; • torna-se, pois, vital identificar novas saídas e novas áreas que criem oportunidades de emprego (e de auto-emprego) tais como as relacionadas com o ambiente, novas formas de trabalho, estimuladas pelo desenvolvimento de novas tecnologias, como por exemplo, o tele-trabalho; • adoptámos programas inovadores que visam o estímulo à criação de emprego. 127 Neste particular, é com grande satisfação e resultado que temos estabelecido contactos, parcerias e envolvimentos diversos com várias instituições de ensino, superior e outras, permitindo que os jovens viajem ao mundo real das empresas e do empreendedorismo, sensibilizando-os para a necessidade de desenvolvimento de uma atitude mais empreendedora. Assumem relevo as iniciativas seguintes: ROAD-SHOW ESCOLAS, com exposições, shows de informação, seminários sobre criação de empresas, apoios e financiamentos, utilização de quiosques multimédia, divulgação de instrumentos de apoio à iniciativa empresarial jovem. Outra iniciativa é o “CONCURSO DE IDEIAS”, destinado a premiar a criatividade, seleccionando as melhores ideias de negócio, sempre em parceria com a Universidade e outras escolas. Os premiados beneficiarão de apoio técnicoempresarial, visando a conversão das ideias em planos de negócio utilizando, para o efeito, o encaminhamento para entidades responsáveis dos instrumentos de apoio ao investimento e instalação de empresas por jovens, como são os casos do SAJE e dos programas ninhos de empresas e centros de incubação. Também o PRÉMIO DO JOVEM EMPREENDEDOR é uma faceta inovadora que corporiza as directrizes apontadas. É um prémio de cariz pecuniário e instrumental de apoio ao desenvolvimento e implementação de projectos empresariais, através da avaliação de planos de negócios apresentados por jovens empresários ou empreendedores. Às anteriores iniciativas se associa a ESCOLA DOS EMPREENDEDORES, concebida para promotores de ideias e negócios empresariais inovadores, estabelecendo uma ponte entre o mundo dos negócios e actividades lúdico-culturais, fomentando a cooperação e o trabalho em equipa. Funciona em regime intensivo de internato, prevendo um período de acções de formação dirigidas às diferentes áreas inerentes à implementação dos projectos empresariais. Todas estas iniciativas, e ainda a FEIRA DO EMPREENDEDOR, aparecem no âmbito da Academia dos Empreendedores que é uma iniciativa de vocação nacional promovida com o apoio da área governativa do emprego e formação profissional. São, neste contexto, objectivos da Academia dos Empreendedores: – – – – – – – – forte e novo impulso à capacidade empreendedora da juventude; maior e melhor capacidade de iniciativa; mais acentuada autonomia do jovem; concretização e preparação do seu ingresso na vida profissional; encontrar novas vias para o combate ao desemprego; apostar na criação do próprio emprego/empresa; dotar os jovens de formação consistente e prática; identificá-los com os instrumentos de apoio e fontes de informação. 128 Esta Academia é o primeiro exemplo vivo de uma ligação quase umbilical ao sistema educativo português. Ninguém, como nós, está tão próximo da escola e do empreendedorismo jovem. Acreditamos que a ligação ao sistema universitário, por exemplo, produza resultados surpreendentes. 5. Contribuímos, através do SAJE, para a aposta na resolução dos problemas do investimento produtivo e de criação de emprego. Salienta-se a importância da existência de um instrumento que apoia os jovens no início de uma carreira empresarial, sendo certo que nunca os jovens, em Portugal, dispuseram de instrumento tão completo para apoiar o arranque das suas iniciativas empresariais. E a criação de uma empresa por um jovem não só resolve o problema de emprego desse jovem, como gera novas oportunidades de emprego no seio da nova empresa. 6. No esforço contínuo para encontrar novas e melhores formas de apoio aos jovens empresários preparamo-nos para lançar uma nova marca: a Agência dos Empresários, materializada num conjunto de balcões distribuídos, pelo país, apoiando a constituição de empresas, e as restantes fases de desenvolvimento empresarial. Tem como objectivo prioritário o combate à burocracia, o acesso ao financiamento, a criação de parcerias, a aposta na internacionalização e no conhecimento de novos mercados, o contacto com outros factores dinâmicos de competitividade como o design, o marketing e a comunicação. Será também um instrumento poderoso, versátil e completo, que possibilitará o arranque de novos projectos. C. CONCLUSÕES Por tudo o que vimos dizendo se pode, desde já, e fazendo um ponto de situação, concluir que: – Apesar da boa envolvente macroeconómica a actual situação do desemprego em Portugal e na Europa tem profundas consequências sociais e económicas que nos parece assumirem carácter estrutural, com tendência para um ainda mais preocupante agravamento, em face do desenvolvimento tecnológico e da racionalização empresarial que se antevê para as próximas décadas. As grandes empresas continuarão, neste contexto, a ser geradoras de desemprego e só o estímulo à criação de uma nova consciência empreendedora entre os jovens e de condições propícias ao desenvolvimento de projectos empresariais poderá permitir que se atinja um efeito de compensação desta tendência, rejuvenescedor do tecido empresarial e reestruturador do “ mercado” de emprego. 129 – Os Jovens Empresários têm ao longo dos últimos anos desenvolvido um papel que nos parece fundamental no estímulo do espírito empresarial entre os jovens, como meio de compensar as insuficiências registadas, a este nível, no sistema de ensino formal e contrariar a própria cultura europeia mais dirigida para formas de conhecimento e de emprego que não existirão nas sociedades do futuro. – De igual forma têm desenvolvido um conjunto de acções de formação e qualificação profissional nas áreas da criação e desenvolvimento empresarial, destinadas a dotar os jovens de competências suficientes para o acesso à função empresarial ou, simplesmente, para uma mais facilitada integração na vida activa. – Têm ainda concebido e desenvolvido um conjunto de instrumentos de apoio ao investimento e à instalação de empresas por jovens empresários, como são os casos do SAJE, dos Ninhos de Empresas e dos Centros de Incubação, bem assim como dos instrumentos de apoio ao desenvolvimento de projectos empresariais participados por jovens. – Esta intervenção associativa justifica, no contexto referido do desemprego qualificado com que a juventude portuguesa se confronta, um mais profundo envolvimento das áreas governativas da Educação e do Emprego por forma a que, uma vez considerada no âmbito do Plano Nacional de Emprego como estratégica a aposta no empreendedorismo e na criação de empresas, se aprofundem e sistematizem os meios e instrumentos que permitam a sua efectiva concretização. Nesse sentido se justificam também as propostas que passamos a enunciar no ponto seguinte. D. PROPOSTAS 1. Na área do estímulo a uma nova atitude e consciência empreendedoras: • Apoiar e desenvolver a aposta na Academia dos Empreendedores, reforçando a sua cobertura geográfica, alargando a sua base de destinatários, enriquecendo os seus conteúdos temáticos, dinamizando as relações com entidades parceiras ao nível da formação e da animação. • Sensibilizar as instituições de ensino técnico-profissional e superior para a necessidade e vantagem de inclusão da Gestão do Empreendedorismo e da Introdução ao Empresariado nos seus planos curriculares, como sendo uma área de interesse transversal e potenciadora ou facilitadora do acesso ao mundo do 1.º emprego. 130 • Criar novos conceitos de formação no âmbito do empreendedorismo, associando parceiros internacionais com experiências enriquecedoras e inovadoras. 2. Na área da formação e qualificação profissionais: • Internacionalização da Formação Empresarial Programa de cooperação transnacional, em países de língua portuguesa, nomeadamente com o Brasil. Recepção de equipas internacionais de formadores, como factor de modernização das empresas, pela via das experiências formativas inter-culturais. • Acompanhamento e reciclagem de ex-formandos Programa de complementaridade e de actualização • Criação de um manual de estilo e procedimentos da formação, quer financiado, quer não financiado. Adopção de uma postura de mercado assente na qualidade e na obtenção de objectivos satisfatórios. • Definição do “Perfil de formador”. A certificação dos formadores não passa de um requisito formal. Importa-nos que os mesmos o sejam, sobretudo pelas inatas, desenvolvidas e reconhecidas capacidades técnico-profissionais, de experiência nas diferentes áreas de formação, pela sua evolução na carreira, pela efectiva capacidade de relacionamento, motivação e dinâmica. • A aposta nos destinatários recém-formados nas escolas tecnológicas e/ou Profissionais e nas instituições de ensino superior, no sentido de lhes proporcionar, dentro e fora da formação financiada, programas de valorização pessoal, promovendo o primeiro contacto com realidades empresariais. • Formação de Empresariado Jovem/Jovem Empreendedor mediante o estabelecimento de parcerias e protocolos a efectivar com reconhecidas empresas, na área de formação para activos, e com entidades tecnicamente habilitadas nas diversas áreas de actividade. • Criação de Escolas Sazonais que, para além da Escola de Verão, dinamizem o espírito de empreender e, simultaneamente desenvolvam as capacidades de gerar ideias, projectos e negócios aos participantes jovens. A gestação de cursos de Outono, Primavera ou Inverno podem ser alternativa à ocupação de tempos livres, com enriquecimento curricular, aproximação à vida empresarial e lançamento de projectos inovadores. • Formação / Animação (Dinâmica Associativa) Esta é a versão global do nosso entendimento de formação – “Todo o Homem e o Homem Todo”. A aposta na vertente socio-cultural na formação de jovens 131 empresários e empreendedores, em acções especialmente desenvolvidas para o efeito ou em módulos integrados nos cursos de formação avançada ou em regime residencial. 3. Na área de apoio à criação e instalação de empresas como forma de promoção do auto-emprego: • Prosseguir no apoio e aperfeiçoamento dos Sistemas de Incentivos a Jovens Empresários, existentes no País desde 1986, prevendo desde já a manutenção do SAJE - Sistema de Apoio a Jovens Empresários, no quadro Comunitário de Apoio no período 2000-2006. A existência de um Sistema que como o SAJE seja autónomo, tenha suficiente dimensão financeira e atenda às especiais características do acesso à função empresarial por jovens, parece-nos determinante para o rejuvenescimento permanente do tecido empresarial com efeitos estruturantes no “mercado” de emprego. • Alargar o apoio à instalação de empresas por jovens através de uma melhor integração e articulação dos meios públicos e privados existentes a este nível ( Naces, BIC´S, Ninhos de Empresas, Centros de Incubação Industrial, Centros e Pólos Tecnológicos), por forma a estabelecer uma verdadeira rede nacional de apoio à instalação de empresas nas diversas áreas da actividade económica. O estímulo a que iniciativas deste género pudessem ter uma fase de pré-incubação nas próprias escolas, nomeadamente por acção da Academia dos Empreendedores e das diversas acções que preconiza, seria igualmente potenciador de novas vocações e projectos empresariais, pré-desenvolvidos com o apoio das próprias Escolas. • Alargar a rede CFE - Centros de Formalidades de Empresas, recentemente instituídos, com excelentes resultados, em Lisboa e no Porto, a todas as Capitais de Distrito do País, através da sua ligação aos balcões da Agência dos Empresários, no sentido de diminuir o “efeito predador” que a burocracia associada à criação de empresa, normalmente suscita. • Criar novos esquemas de capitalização das Pequenas e Médias Empresas (PME) portuguesas. Muitos projectos com elevadíssimo potencial ficam pelo caminho alimentando-se, por outro lado, o desenvolvimento de uma cultura de subsídiodependência, que pode ser perigosa no médio prazo. A situação seria diferente se o mercado de capitais estivesse aberto a PME de elevado crescimento e potencial. É necessário desenvolver em Portugal um mercado pensado para responder especificamente às necessidades deste tipo de empresas. Abrir o mercado de capitais às PME trará inegáveis benefícios à economia portuguesa e criará novos postos de trabalho, ao aumentar a autonomia financeira das empresas facilitará o acesso ao crédito bancário em melhores condições, permitirá a 132 realização de investimentos de I&D e a expansão das empresas; incentivará a criação de uma indústria de verdadeiro “venture capital”. Estas iniciativas são necessárias, mas não resolveriam só por si o problema enunciado. Torna-se necessário criar em Portugal uma nova cultura em relação ao risco, que encare este não como factor fortemente inibidor, mas como importante oportunidade para o desenvolvimento de novos projectos empresariais de sucesso. Uma oferta global de capital de risco fornece uma vasta gama de soluções, em resposta a necessidades diferentes. A União de Jovens Empresários Portugueses acredita que só uma acção determinada das instituições públicas e privadas que inicie uma revolução cultural propiciadora de uma nova atitude empreendedora na juventude portuguesa e que prossiga na detecção e construção de meios e instrumentos de apoio ao acesso e desenvolvimento da actividade empresarial, permitirá melhor responder aos desafios do futuro, nomeadamente ao nível do que serão os novos “mercados” de trabalho e de emprego, nas economias do século XXI. Para tanto, disponibiliza-se, desde já, junto do Conselho Económico e Social e do Governo para, no âmbito do Plano Nacional de Emprego e na devida atenção que nos merecem as directrizes para o emprego estabelecidas pelo Conselho da União Europeia, assumir um papel activo de dinamização e concretização das acções que, no contexto das propostas que aqui apresentamos, puderem ser entendidas como úteis na construção de um novo espírito empresarial propiciador de mais e melhores empresas e empregos em Portugal. 133 MELHORIA DA COMPETITIVIDADE E DA CAPACIDADE DE ADAPTAÇÃO DAS EMPRESAS Professor Ricardo Bayão Horta* 1. INTRODUÇÃO Quero agradecer ao Conselho Económico e Social, na pessoa do seu Presidente, Dr. Silva Lopes, a oportunidade de poder participar neste Colóquio e dar a minha contribuição para a elaboração do Plano Nacional de Emprego. Vou procurar cumprir em termos do convite: não exceder 15 minutos e concentrarme em propostas de acções susceptíveis de inserção no Plano Nacional de Emprego. Vou considerar que num contexto de elaboração do Plano Nacional de Emprego o que se pretende com o sub-tema que me foi distribuído – desenvolvimento do espírito empresarial, aumento da capacidade de adaptação e melhoria da competitividade das empresas – é abordar formas de compatibilizar a permanente melhoria da capacidade competitiva das empresas com um nível de emprego socialmente salutar, em volume e em qualidade. Farei assim primeiro umas breves reflexões de natureza conceptual sobre a competitividade, em seguida uma breve caracterização de alguns aspectos relevantes da nossa estrutura de emprego e do nível educativo geral da nossa população e finalmente avançarei com propostas de acções coerentes com as ideias e situações expostas. 2. BREVES REFLEXÕES SOBRE A COMPETITIVIDADE A competitividade é a capacidade para produzir bens e serviços, em concorrência internacional, de forma a que resulte um aumento, sustentado no tempo, do nível e qualidade de vida das pessoas. A competitividade não é portanto um fim último a atingir, mas uma capacidade individual e colectiva a desenvolver como meio de conseguir o bem-estar económico e social, de modo equilibrado. Nesta óptica, um país que persiga o aumento da sua eficácia económica sem ter na devida conta o desemprego e a exclusão social dos seus cidadãos, ou a degradação ambiental, não é, em meu entender, competitivo, pois não alia o seu crescimento económico ao seu desenvolvimento social e humano, sendo certo que é este que confere sentido àquele. Competitividade não é então sinónimo de desemprego; pelo contrário, se entendida e pensada em toda a amplitude do conceito, representa a capacidade para * Professor do Instituto Superior Técnico. 134 compatibilizar o crescimento económico com o respeito pela preservação do ambiente e por um equilibrado desenvolvimento social e humano. A competitividade é naturalmente um conceito complexo e global, resultante da convergência de uma grande variedade de factores, uns independentes, outros interligados com centros de decisão de natureza muito diferente; é um conceito relativo e a sua comparação, face aos nossos competidores, representa um desafio individual e colectivo para todos, sem excepção. Naturalmente que as empresas, sendo grupos organizados de pessoas criadoras de riqueza por excelência, têm que ser competitivas, mas também os sindicatos o têm de ser, assim como o Governo e a Administração Pública em geral, todos contribuindo, sem prejuízo da saudável confrontação de pontos de vista, para criar um enquadramento favorável para a actividade empresarial competitiva e para o aumento do nível e da qualidade de vida das pessoas. Em última análise e simplificando um pouco, Portugal será competitivo se a generalidade dos portugueses o for, pois uma Nação é, antes de tudo, uma população cujas estruturas etária e educativa definem um potencial cultural, económico e social. Vivemos hoje uma época de rápidas alterações conceptuais na forma de criar riqueza e nos valores e critérios do que significa riqueza na nossa sociedade. Os espectaculares avanços científicos das últimas décadas invadiram a nossa vida quotidiana, adquiriram formidável expressão económica através de tecnologias constantemente novas e estão, mais recentemente, a fazer sentir a sua influência social, por exemplo: – o avanço científico da medicina conseguiu adicionar anos à vida, alterando profundamente a estrutura etária da população e criando o desafio de como adicionar vida aos anos; – a enorme velocidade com que as empresas têm de se adaptar para sobreviver e competir cria o desafio de como adaptar com velocidade compatível outras áreas da sociedade naturalmente menos ágeis (Administração Pública, Sistemas Educativos, Segurança Social, etc...), sendo certo que, em muitos casos, estamos a falar de profundas adaptações conceptuais. Um dos grandes paradoxos do nosso tempo é assim a coexistência de um espectacular desenvolvimento científico e tecnológico com um desemprego e exclusão social em boa parte estruturais, motivados por um lado, pela diferença da cinética entre as transformações científicas, tecnológicas, económicas e sociais, e por outro, pelo constante, rápido e fortíssimo aumento do nível e diversidade das capacidades que habilitam o indivíduo a participar validamente na vida da sociedade. Acresce que a generalização da educação a nível primário (alfabetização) representa uma força motriz igualitária na sociedade enquanto que a nível secundário e superior se geram desigualdades. Só as pessoas têm capacidade inovadora, e assim, embora o investimento em capital físico seja evidentemente importante, é o nível médio dos recursos humanos, e 135 em especial, as suas capacidades globais habilitantes que determinam a resposta a dar a estes desafios. A qualidade e a quantidade dos recursos humanos disponíveis representa então um factor competitivo decisivo, sendo o único que permite inovar não só na forma e eficácia de criação de riqueza como na minimização das fracturas sociais eventualmente decorrentes. 3. ALGUMAS CARACTERÍSTICAS RELEVANTES DA ESTRUTURA DE EMPREGO E DO NÍVEL EDUCATIVO EM PORTUGAL Cada país tem as suas características próprias e, sem prejuízo de certas tendências gerais, as soluções a desafios como o da minimização do desemprego e exclusão social têm de ser encontradas por cada um deles. Não há soluções universais nem directamente transferíveis, mas somente suportadas pela experiência resultante das diversas abordagens específicas já ensaiadas. A situação específica de Portugal nesta matéria é bem conhecida e está diagnosticada, pelo que me limitarei a seleccionar somente uns tantos elementos que têm relevância para fundamentar as propostas de acções que proponho e justificar a sua adesão à realidade nacional.1 a) População residente – (INE – 1991) < 15 anos 15/64 anos >65 anos 20% 66.4% 13.6% 1 (29.1% em 1960) (62.9% em 1960) (8% em 1960) ~ Total 9.862 Milhões Veja-se nomeadamente: “Transição da Formação Inicial para a Vida Activa” Relatório Nacional do Exame Temático no âmbito da OCDE - Novembro 1997. “A Situação Social em Portugal 1960-1995” Organização de António Barreto. “XIII Recenseamento Geral da População” . INE 1991. 136 b) Níveis de escolaridade da população residente com 15 e mais anos – (INE – 1991) Níveis escolares Não sabe ler nem escrever Sabe ler e escrever sem diploma Ensino básico primário (ou 1º ciclo) Ensino básico preparatório (ou 2º ciclo) Ensino secundário unificado (ou 9º ano) Ensino secundário complementar (ou 12º ano) Curso médio Curso superior (bacharelato ou licenciatura) 1991 12,1%2 13,9% 36, 4% 15,0% 10,2% 7,6% 1,6% 3,6% C) Taxa de analfabetismo da população activa, por grupos etários – (INE – 1991) % Grupos etários 15-19 0,66% 20-24 0.96% 25-29 1,19% 30-34 1,49% 35-39 1,79% 40-44 2,24% 45-49 4,66% 50-54 15,11% 55-59 21,34% 60-64 26,25% Taxa da população 6,55% dos 15 aos 64 anos • Há cerca de 250 000 jovens (15/24 anos) em actividade e sem a escolaridade obrigatória (potenciais analfabetos funcionais). d) Emprego (INE – 1991 e Exame da OCDE) Taxa de actividade: 44,7% Distribuição do emprego sectorial: 2 6.55% considerando a população activa. 137 Primário: Secundário: Terciário: 10.14% 35.56% 48.18% Distribuição do emprego por escalão de dimensão das empresas (1994) Dimensão das empresas < 19 Trabalhadores 20 a 99 Trabalhadores 100 e mais Trabalhadores Emprego % 44% 25% 31% Variação 1990-94 + 65 000 + 50 000 − 100 000 • 66% dos trabalhadores de PME’s têm menos de 9 anos de escolaridade e 27.5% não têm qualquer qualificação. • Praticamente não há formação nas PME’s. e) Desemprego (INE - 1996) Taxa média global: 7.3% ~ 50% à procura 1º emprego ~ 50% à procura de novo emprego Desemprego jovem (15/24 anos): 16.6% Há cerca de 100 000 jovens com ensino superior e desempregados. Muitos mais elementos se poderiam seleccionar mas para o que se pretende estes são suficientes. 4. PROPOSTAS DE ACÇÕES Penso ter deixado claro que, em meu entender, quer o desemprego quer a competitividade são assuntos globais da sociedade em cujo cerne estão as capacidades e comportamentos das pessoas quer individual quer colectivamente. É de facto uma abstração separar os níveis cultural, social e económico. Assim, qualquer tentiva do seu tratamento terá, não só de ter o mesmo grau de globalidade mas também de ter um horizonte temporal que tenha em conta a cinética própria com que as pessoas podem ou conseguem mudar e adaptar-se. De contrário os resultados poderão ser pontualmente animadores mas não serão estruturalmente relevantes. Neste contexto, três condições de base me parecem essenciais para o êxito de um plano nacional de emprego: a) Compatibilizar a unidade de comando do plano com o seu carácter interministerial, sendo que ambos são indispensáveis. Tem de se conseguir uma acção conjunta de estruturas de, pelo menos, três ministérios – Emprego, Educação e Economia – como se de um só se tratasse. 138 b) Garantir o empenhamento e co-responsabilização da sociedade civil, nomeadamente das empresas, das escolas, autarquias, etc... O Governo, em vez da posição tradicional de decidir e assumir toda a iniciativa e responsabilidade, tem de criar as condições de enquadramento incentivadoras da acção e da co-responsabilização da sociedade civil. Trata-se efectivamente de problemas de todos e não só de alguns, mesmo que no Governo. c) Incentivar a criação de uma rede nacional de núcleos de acção local em parceria com as estruturas empresariais, autárquicas, educativas, de emprego e formação profissional, com efeitos demonstrativo e arrastador a nível global. Estes núcleos deverão ter autonomia de acção dentro da unidade conceptual do plano. Penso ter terminado o tempo dos planos nacionais de natureza técnicoadministrativa dirigista e monolítica e muito especialmente em matérias como a que estamos a tratar. Embora sem querer entrar em detalhes deslocados numa contribuição como a que me foi solicitada, considero útil especificar um pouco mais algumas ideias que poderão contribuir para concretizar os princípios que enunciei: 4.1 Mobilizar para a acção no plano nacional de emprego as instituições públicas relevantes, independentemente do ministério a que pertencem administrativamente. Para lá das óbvias participações das estruturas dos ministérios do Emprego e da Educação, parece-me indispensável mobilizar pelo menos o IAPMEI e os centros ou outras infra-estruturas tecnológicas do Ministério da Economia. Sendo 44% do emprego criado em PME’s, e sendo o IAPMEI uma instituição profundamente conhecedora dessa realidade parece-me esta uma necessidade incontornável. 4.2 Definir os núcleos locais de acção em parceria obedecendo a algumas características, nomeadamente: • Ter uma área geográfica alvo. • Incluir nas autarquias da área geográfica alvo no mínimo uma ou duas empresas de dimensão média/grande, várias PME’s de sectores de actividade diversa, uma ou duas escolas secundárias com prioridade para as tecnológicas e profissionais, um centro tecnológico eventualmente existente na área. Poderiam aderir ao núcleo outras estruturas da sociedade civil desde que sem prejuízo da sua operacionalidade e eficácia. • Cada núcleo teria de ser oficialmente reconhecido pela entidade governamental responsável pela coordenação da execução do Plano Nacional de Emprego e teria sempre um projecto susceptível de avaliação dos resultados conseguidos. 139 4.3 Definir as linhas de acção dos núcleos, conferindo autonomia na sua execução e na escolha da importância relativa de cada linha de acção. Pelo menos três linhas de acção alvo me parecem necessárias: 4.3.1 Melhoria das capacidades habilitantes dos jovens e apoio à obtenção do 1.º emprego (jovens no sistema educativo) • Apoio à definição dos curricula escolares da educação secundária com aspectro largo habilitante no sentido de conferir aos jovens uma alfabetização funcional superior, que lhes permita, ao longo da vida, consolidar, desenvolver e diversificar a sua formação inicial. • Gabinete misto (empresas/escolas) para orientação e apoio ao primeiro emprego. ~ 50% dos jovens com cursos profissionais conseguem emprego através da escola. • Oferta de formação para criação de actividade própria como complemento da sua educação inicial. • Facilidades para a formação permanente de professores. (anos sabáticos, formação em áreas empresariais específicas como Contabilidade, Ambiente, Segurança, Manutenção, etc...). • Aulas por quadros das empresas e aulas dadas nas empresas. • Estágios intermédios ou de fim de curso. • Estágios cruzados entre núcleos geograficamente separados. A mobilidade geográfica é um elemento estrutural social importante para estabelecer a relação entre a fluidez familiar e a flexibilidade económica. • Colocação subsidiada de jovens em PME’s com o objectivo duplo do “up-grading” destas e da aquisição de experiência por parte daqueles. (Aprofundamento dos “Jovens Técnicos para a Indústria”) • Informação mútua e permanente de todas as entidades envolvidas no núcleo e entre núcleos sobre as realidades escolar, empresarial e de emprego nas áreas geográficas alvo. 4.3.2 Melhoria da sustentabilidade da empregabilidade dos adultos que estão a trabalhar (diminuição do risco de desemprego futuro) Em adição a algumas das acções anteriores: • Informação sobre os esquemas de ensino recorrente existentes quer para incremento do nível de alfabetização quer de conhecimentos profissionais. • As empresas devem incentivar os seus trabalhadores a recorrer aos referidos esquemas. 140 4.3.3 Melhoria das hipóteses de 2.ªs e 3.ªs oportunidades para os desempregados (reinserção na vida activa) Em adição a algumas das acções anteriores: • Tipificação de situações predominantes na área geográfica do núcleo. Penso ser possível construir uma base de dados detalhada e de grande importância operacional. • Apoio a soluções que permitam o auto-emprego, seja em actividades de natureza económica ou social. • Facilitar a mobilidade entre núcleos. 4.4 Criar um enquadramento incentivador à mobilização das empresas para participar no Plano Nacional de Emprego • Voluntariado prestigiante (logotipo no papel, menção em publicações oficiais, etc...). • Mecenato educativo incentivando investimento físico mas especialmente acções de apoio enquadradas em programas como o PNE e outros. • Discriminação positiva nas contribuições para a segurança social, sendo estas reduções supridas a nível do orçamento da segurança social pelos apoios da UE ou do Orçamento de Estado. Esta forma de incentivo facilita a burocracia e retira a este tipo de acção a carga psicológica negativa ligada ao subsídio. 4.5 Similarmente para as escolas • Prestígio como aderente. • Majorações orçamentais específicas. • Benefícios profissionais para docentes. É evidente que muitas mais ideias se podem apresentar, coerentes com os conceitos e com os princípios de acção que explicitei. O meu objectivo foi somente apontar concretamente o caminho que me parece necessário e possível seguir para a abordagem de um Plano Nacional de Emprego que possa, em prazo útil, desencadear uma real alteração estrutural do potencial cultural, económico e social do nosso país. 141 FACILIDADES À INSTALAÇÃO DE EMPRESAS Eng.º António Souta* A segunda Directriz para o Emprego adoptada na Resolução do Conselho da União Europeia, sob o tema “Desenvolver o Espírito Empresarial”, refere explicitamente a facilitação do arranque e da gestão das empresas, sobretudo das Pequenas e Médias Empresas bem como a necessidade de os Estados-Membros desenvolverem esforços visando o incentivo ao desenvolvimento da actividade independente. São as empresas que geram o emprego. Todas as acções tendentes a melhorar a competitividade das empresas e consequentemente a provocar um crescimento da economia conduzirão, também, a um aumento do emprego. O aparecimento de novos empregos está, em grande parte, ligado ou pelo menos é potenciado pelo aparecimento de novas empresas. Porém, o apoio à criação e arranque de novas empresas deve ser considerado desde o seu início e não apenas após o seu estabelecimento. É de todos conhecida a tarefa quase desumana que representa a constituição de uma sociedade em Portugal. E isto é verdadeiro quer se trate de uma sociedade anónima, de uma sociedade por quotas, ou mesmo de uma sociedade unipessoal. O caminho que o empresário tem de percorrer até obter o registo comercial e os eventuais licenciamentos e alvarás é longo, exige recursos económicos, disponibilidade temporal e sobretudo muita paciência. É tradicionalmente um processo demorado que tem desincentivado muitos potenciais criadores: se não desistiram logo ao tomarem conhecimento do que os esperava ficaram-se pelo caminho vencidos pelo peso da burocracia, e quantas vezes pela ineficácia cruel de alguns serviços que o remetem hoje de Pilatos para Caifás e amanhã de Caifás para Pilatos. O processo administrativo completo de constituição de uma sociedade leva três, quatro, nalguns casos seis meses a completar-se. É neste panorama que, há cerca de um ano é publicado o Decreto-Lei 55/97, de 8 de Março que cria os CFE – Centros de Formalidades das Empresas. Tendo iniciado a sua actividade nos últimos dias de Outubro do ano transacto, estes Centros consistem na instalação física, num único local, de delegações ou extensões dos serviços ou organismos da Administração Pública mais directamente envolvidos nos processos de criação de empresas, alterações aos Pactos Sociais, extinção e actos afins. Pretendeu-se assim, de uma forma mais simples, eficaz e sobretudo mais compatível com a realidade económica, facilitar a vida empresarial no que concerne * Encarregado de Missão dos Centros de Formalidades das Empresas - CFE. 142 ao conjunto de formalidades obrigatórias que os empresários deverão respeitar aquando da elaboração dos actos e processos atrás referidos. A coordenação dos CFE incumbe a um encarregado de missão, que desempenha as suas funções junto do Ministro da Economia, ao qual compete, para além de definição, aplicação e supervisão dos procedimentos operacionais dos CFE e da elaboração de relatórios de avaliação e desempenho, a coordenação de um Grupo de Trabalho integrando representantes dos Ministros das Finanças, da Justiça, da Economia, do Trabalho e da Solidariedade e Adjunto. Este Grupo de Trabalho é responsável pela instalação e organização dos CFE, pela proposta de medidas que viabilizam a sua actuação eficaz e pela elaboração de um “Manual de Procedimentos”. Aquele diploma determinou, também, que os dois primeiros CFE seriam instalados no IAPMEI, denominado entidade hospedeira, em Lisboa e no Porto. Cada entidade interveniente nos CFE dispõe de uma área própria para a prática dos actos da sua responsabilidade encontrando-se apoiada por uma rede informática e ou por ligações às respectivas bases de dados. São entidades intervenientes nos dois CFE o Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério da Justiça que ali possui Gabinetes do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, a Direcção-Geral dos Registos e do Notariado que superintende aos Notários privativos e demais oficiais bem como ao Gabinete de Apoio ao Registo Comercial, a Direcção-Geral dos Impostos e os Centros Regionais de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo e do Norte. Subjacente ao funcionamento das diferentes entidades, tentou desenvolver-se uma interculturalidade à volta da noção de CFE. Este foi o grande desafio de gestão: incutir em cada colaborador o espírito do Centro de Formalidades, de um projecto piloto que visa, finalmente, desmistificar o processo de constituição de uma sociedade e reduzir drasticamente o tempo para tal. Em paralelo implementou-se uma mudança de atitude: passou-se para uma postura activa – não se espera que o cliente contacte o Centro mas são os técnicos do Centro que contactam o cliente e o informam que o documento que esperava já está disponível. Na sua intervenção, o IAPMEI como entidade hospedeira dos Centros, ultrapassou uma mera postura de acolhimento e de disponibilização de logística. Assim, para além da execução de obras dando corpo a um projecto moderno e adequado a um serviço com menor carga burocrática, da definição e aquisição de linhas de telecomunicações, redes informáticas, mobiliário e outro equipamento específico, edição de brochuras e folhetos explicativos, o IAPMEI seleccionou dez técnicos de front-office (sete dos quais licenciados) a quem proporcionou com a intervenção directa de todas as entidades intervenientes, um curso de formação especialmente concebido para o efeito, englobando matérias relativas ao direito de sociedades, licenciamentos e alvarás, informática, comportamental e marketing, etc. 143 O objectivo foi criar um corpo técnico que para além da gestão dos dossiers dos clientes, tivesse capacidade, não para efectuar consultoria jurídica, mas antes informação técnica adequada, alertando o criador de empresa para outros actos que eventualmente terá de praticar junto de outras entidades como a obtenção de determinadas licenças ou alvarás, candidatura a sistemas de incentivos, etc. Os resultados não se fizeram esperar: Em cerca de quatro meses de actividade, nos CFE de Lisboa e Porto iniciaram-se cerca de 4400 processos encontrando-se concluídos mais de 1300. Os prazos, esses reduziram-se dos 4 a 6 meses, que atrás referi, para 17 dias úteis (tempo “moda”) ou 22 dias úteis (média ponderada). Como curiosidade referirei que o “record” nacional relativo a um processo de constituição de sociedade integralmente efectuado no CFE foi de 6 dias úteis. A experiência da integração de entidades num único espaço articulado, para além de um nítido aumento de produtividade, tem a vantagem acrescida de fazer ressaltar determinados assincronismos que a legislação vigente apresenta. Apenas dois exemplos: A constituição de uma sociedade inicia-se com um pedido de Certificado de Admissibilidade no qual ficará licenciada a denominação da firma ou designação. Este certificado tem a validade de 180 dias, devendo a escritura pública ser celebrada neste período. Em geral, com o pedido do certificado, solicita-se também a emissão do Cartão Provisório de Pessoa Colectiva. Este último tem a validade de um ano. Após a realização da escritura os outorgantes apresentam-se junto da Repartição de Finanças da área da sede da sociedade ou, no caso do CFE, junto do Gabinete da Direcção-Geral dos Impostos. Diz o Art.º 95 do Código do IRC que para este acto o Cartão Provisório é exigível. Diz ainda, este artigo que a declaração de início de actividade deverá ser feita num prazo de 90 dias após a emissão do Cartão. Atente-se na diferença de prazos relativos ao mesmo documento. Pode acontecer e acontece que a alguém que realizou a escritura ao 91.º dia da emissão do cartão provisório, lhe seja cobrada uma coima por, embora o referido cartão seja válido, não o ter feito no citado prazo de 90 dias. Um segundo exemplo: Refere o n.º1 do Art. 11.º do Código das Sociedades que “a indicação do objecto da sociedade deve ser correctamente redigido em língua portuguesa”. Se à primeira vista tal artigo parece não só inócuo mas até revelador de grande preocupação pela preservação e emprego da nossa língua naquele domínio, o mesmo pode, na prática, transformar-se ou constituir uma disposição legal ambígua. Vejamos: Se o objecto da minha sociedade for a actividade de “cash-and-carry” e assim for escrito nos respectivos impressos e na escritura notarial, uma conservatória poderá ter 144 o entendimento que, em vez de tais termos deveria ter sido usada a correspondente explicação em língua portuguesa. Essa Conservatória poderá efectuar um “Registo provisório por dúvidas”. Tal decisão implicará a solicitação por parte do utente de um novo Certificado de Admissibilidade, ou de uma escritura de rectificação seguida de nova declaração junto das finanças e de nova requisição de registo comercial. Tudo isto acompanhado dos consequentes encargos emolumentares, e percas de tempo inerentes ao início de um processo de constituição desde o seu começo. Questionamo-nos sobre a resolução desta questão. Como exprimir em lingua portuguesa termos como “Holding”, “Factoring”, “Catering” “Hardware” “Software” “Snack bar” ou até “Marketing”. E mesmo que o consigamos com algum sucesso, não será o texto sempre redutor do sentido global do termo? O paradoxo é que algumas daquelas designações aparecem já mencionadas em língua inglesa na Classificação Portuguesa das Actividades Económicas de 1992. A transmissão até ao mais alto nível destes e doutros “assincronismos” como atrás lhes chamei, pode, a prazo, traduzir-se em adequadas correcções ou esclarecimentos às leis correspondentes com reais benefícios e facilitação de processos a favor do utente. Consideramos que a abertura dos CFE correspondeu a um esforço sério da Administração na modernização de métodos e no processo de desburocratização. Sem terem sido empreendidas grandes reformas de fundo, necessariamente demoradas, mas antes encontrando processos expeditos e criativos de redução de ruído e contando com o empenhamento real das entidades que neste domínio são chamadas a intervir. Defendemos que a experiência teve sucesso. Muito sucesso. Há que institucionalizá-la e multiplicá-la a outras áreas do território nacional, mantendo ou, se possível, melhorando a qualidade do serviço prestado. Irei finalizar com três propostas concretas: 1 - A facilitação dos processos de constituição de sociedades passa pela criação de novos Centros de Formalidades das Empresas, estrategicamente localizados de forma a poderem responder eficazmente à procura local, descongestionando em simultâneo a pressão junto dos dois actuais Centros. O Senhor Ministro da Economia anunciou recentemente a aprovação em Conselho de Ministros de um novo diploma que permite um melhor enquadramento dos CFE e a possibilidade de alargamento da iniciativa. Naturalmente que se aplaude com entusiasmo esta decisão. Sugere-se que, em paralelo, seja incentivada a revisão, ou sucessivas revisões, ainda que parciais, dos códigos ou leis que regem estas áreas, expurgando-os de procedimentos anacrónicos ou de exigências processuais sem fundamento válido que não fazem sentido face à utilização das modernas tecnologias que permitem o uso 145 múltiplo de diferentes bases de dados e correspondente partilha de informação. Porquê ter de continuar a preencher impressos em triplicado por mais simples que seja a declaração? De igual forma, julga-se oportuna a implantação junto dos CFE que venham a ser criados, de gabinetes de outras entidades ainda ali não representadas mas que poderão dar um contributo válido à facilitação dos processos de criação. Refiro-me a entidades licenciadoras de actividades bem determinadas. Tal deverá ser implementado após a consolidação dos procedimentos de cada Centro e sempre em consonância com a realidade da procura local. 2 - Como segunda proposta retomaria aqui duas recomendações do trabalho desenvolvido pela Comissão Europeia para a “Melhoria da Envolvente Empresarial” no âmbito da Acção Concertada n.º 1 do “Programa Integrado a Favor das PME e do Artesanato”. Porque razão para o mesmo conjunto de actos associados a processos de constituição, o criador de empresas tem de repetir três, quatro, cinco vezes o nome, morada, número de contribuinte, etc., etc., nos sucessivos balcões que tem de percorrer? Também nesta área é necessário um esforço de simplificação e de articulação, caminhando-se para a implementação do “formulário único”. Sabemos que não é fácil, como também não o será a criação de um número único para a identificação de uma empresa junto das diferentes entidades. Sugere-se a aplicação da experiência francesa que parece apresentar resultados positivos. 3 - Finalmente, propõe-se que, à semelhança do que foi feito nos CFE, seja incrementada a realização de cursos de formação integrada e polivalente para os técnicos que nos mais diversos serviços públicos exercem a função de atendimento. A ideia de “Guichet único” e de “Postos de Atendimento Integrado” é hoje mais que nunca, uma necessidade premente. Pela qualidade, eficácia e economia dos serviços. Pelo desenvolvimento da actividade económica e da competitividade empresarial. Pelo emprego. 146 Programa 147 COLÓQUIO O PLANO NACIONAL DE EMPREGO 23 e 24 de Março de 1998 Pequeno Auditório, Edifício Sede da Caixa Geral de Depósitos 23 de Março 15H00-16H00 Discursos de abertura: Presidente do CES Ministro do Trabalho e da Solidariedade Comissário da União Europeia, Pádraig Flynn 16H00-16H15 Intervalo para café 16H15-18H30 Políticas Activas de Emprego Moderador Vice-Presidente do CES, Conselheiro João Proença Intervenção inicial Ministro do Trabalho e da Solidariedade • Emprego e Desemprego Dr. António de Figueiredo • Mercado Social de Emprego Dr. Acácio Catarino • Fiscalidade e Emprego Dr. Manuel Freitas Pereira 148 24 de Março 9H30-11H00 Educação e Formação Profissional (I) Moderador Vice-Presidente do CES, Conselheiro R. Nogueira Simões Intervenção inicial Ministro da Educação • O ensino e o mercado de trabalho Profª. Teresa Ambrósio • O ensino e a evolução económica Prof. António Barreto 11H00-11H15 Intervalo para café 11H15-12H45 Educação e Formação Profissional (II) Moderador Vice-Presidente do CES, Conselheiro M. Carvalho da Silva Intervenção inicial Secretário de Estado do Emprego e Formação • A transição da escola para a vida activa Dr. Joaquim de Azevedo • A política de formação profissional Profª Margarida Chagas Lopes 13H00-15H00 Intervalo para almoço 15H00-17H00 Igualdade de oportunidades no mercado de trabalho Moderador Conselheiro J. Almeida Serra Intervenção inicial Secretário de Estado da Inserção Social • As mulheres no mercado de trabalho Profª Lígia Amâncio • Os deficientes e o emprego Dr. Luís Capucha • As minorias étnicas e o emprego Dr. José Leitão 17H00-17H15 Intervalo para café 17H15-19H15 Desenvolvimento do espírito empresarial e da capacidade de adaptação das empresas Moderador Presidente do CES, Dr. J. da Silva Lopes Intervenção inicial Ministro da Economia • Facilidades ao estabelecimento de novas empresas Dr. Paulo Nunes de Almeida 149 • Melhoria da competitividade e da capacidade de adaptação das empresas Prof. Ricardo Bayão Horta • Facilidades à instalação de empresas Engº António Souta 150