O PAPEL DA INOVAÇÃO FINANCEIRA NA SUSTENTABILIDADE DA SEGURANÇA SOCIAL
O sistema da Segurança Social visa assegurar os direitos básicos, o bem-estar, a coesão social e condições de
qualidade de vida aos segmentos mais vulneráveis da nossa sociedade. Em Portugal, este sistema
consubstancia-se no apoio a indivíduos e famílias em situação de desemprego, doença, invalidez e velhice,
assim como no apoio através de prestações familiares e na protecção da parentalidade.
A equação do sistema de Segurança Social, de forma simplificada, resume-se essencialmente a duas
variáveis: (1) entrada de recursos, provenientes de diversas fontes, entre elas o contributo da população activa
através da capacidade produtiva do mercado laboral e (2) a saída de recursos, para fazer face às necessidades
mencionadas acima, nas áreas do desemprego e protecção social.
Se a saída de recursos aumenta, resultante do agravamento da situação das famílias Portuguesas e da
acumulação dos problemas sociais, a entrada de recursos terá que necessariamente aumentar sob pena de ter
que se reduzir o nível de benefícios sociais, o que poderá ter consequências gravosas para o bem estar da
população. Um desiquilíbrio entre entrada e saías de recursos compromente a sustentabilidade do sistema de
Segurança Social.
O problema é que existem diversos elementos que influenciam este equilíbrio e quase todos eles estão
actualmente numa tendência que prejudica a sustentatibilidade do sistema. O tempo é um dos elementos
que mais afecta esta equação: actualmente, vivemos mais tempo; por consequência, a entrada de recursos
tem de fazer face a um mais longo período de saída de recursos, para fazer face a situações de doença,
invalidez e velhice, por exemplo. Por outro lado nascem cada vez menos Portugueses, o que trará um
desiquilíbrio ainda maior na pirâmide etária da população e uma previsivel redução do número de cidadãos
activos, o que leva a menor entrada de recursos. O elevado desemprego jovem é também um forte factor que
contribui para a insustentabilidade a prazo do sistema.
Existem medidas administrativas que podem ajudar a re-equilibrar a equação, como por exemplo o aumento
da idade da reforma. Mas estas medidas por si só não irão resolver o problema da sustentabilidade do sistema
de segurança social. Uma mudança de paradigma será necessária para aumentar o níveis de eficiência do
sistema – permitindo fazer mais com menos -, e o nível de eficácia das soluções desenhadas – permitindo
realizar as intervenções correctas que vão às causas dos problemas sociais.
Neste ensaio, vamos focar-nos no papel que o investimento social, enquanto conceito emergente, pode
desempenhar no contributo para uma maior sustentabilidade do sistema de Segurança Social. O
investimento social é aplicação de capital em atividades, organizações ou fundos com o objetivo de obter
simultaneamente um retorno financeiro e um retorno de valor para a sociedade, sendo que ambos os tipos de
retorno são monitorizados e influenciam a tomada de decisão do investidor.
O pressuposto base do investimento social é a mobilização e aplicação de capital na resolução de problemas
sociais que representam um custo económico e social elevado para a sociedade. É este pressuposto que,
quando bem aplicado, pode contribuir para a sustentabilidade do sistema de Segurança Social: ao responder
de forma mais eficiente a problemas como o desemprego jovem, isolamento social de idosos e aumento do
número de pessoas sem-abrigo, aliviando desta forma a intensidade de resposta necessária por parte do
sistema de Segurança Social.
Em algumas situações, a resolução dos problemas sociais pode beneficiar simultaneamente os dois lados do
sistema de Segurança Social. O combate ao desemprego jovem, através de programas inovadores que
aumentam a entrada e permanência de jovens no mercado de trabalho, beneficia o lado da saída de recursos
– através da redução do número de subsídios de desemprego atribuídos a jovens desempregados – mas
também o lado da entrada de recursos – na medida em que mais jovens estarão empregados e fazem parte da
massa contributiva para o próprio sistema de Segurança Social.
Enquanto conceito, e nova classe de activo emergente, o investimento social está a ser adoptado em diversos
países – como por exemplo o Reino Unido, Estados Unidos da América, Alemanha – como uma forma de
alinhar os incentivos na prestação de serviços de apoio aos segmentos mais vulneráveis da nossa sociedade,
ou seja, os principais recipientes do sistema de Segurança Social.
Em jeito de recomendações para Portugal, sugerimos as seguintes acções e orientações para o sector público,
na a criação de um mercado de investimento social no nosso País, com externalidades positivas no sistema de
Segurança Social:

Passagem para um Estado contratualizador de resultados. A grande maioria das transferências de
capital para a resolução dos problemas sociais do nosso País e prestação de serviços de apoio aos
segmentos mais vulneráveis da nossa sociedade é feita através da contratatualização de actividades
prescritas sem orientação específica para o resultados (i.e., o financiamento está directamente ligado
ao serviço prestado - número de camas, número de beneficiários – e não aos resultados do mesmo).
É necessário haver uma orientação para os resultados que terá inevitavelmente de começar na forma
como esses resultados são contratualizados, de forma a gerar os incentivos certos. Por exemplo, a
contração de serviços de apoio à integração laboral deveria estar directamente ligada ao número de
pessoas integradas no mercado de trabalho e sua permanência; a contratação de serviços de apoio a
pessoas idosas deveria resultar numa redução na utilização de serviços de emergência nos hospitais,
havendo a possibilidade de ligar directamente o financiamento,mesmo que numa componente
marginal, à obtenção desses resultados de forma a gerar os incentivos correctos de promover a
inovação e foco nos resultados.

Foco na prevenção. O financiamento do sistema de Segurança Social vai na sua (quase) totalidade
para a resposta a situações de crise e emergência. Enquanto é essencial garantir resposta a todas as
situações de crise, é também fundamental garantir o financiamento a montante de iniciativas de
prevenção e intervenção precoce que irão resultar numa redução de situações de crise e emergência
no futuro. Isto passa, por exemplo, pela análise e tratamento estatístico de dados históricos para
identificação de factores de risco que levam uma criança a integrar a Comissão Nacional de
Preotecção das Crianças e Jovens em Risco, podendo desta forma actuar numa fase inicial do
problema.Em outras áreas de serviços públicos, o foco na prevenção pode involver intervenções que
combatam o insucesso escolar ou a reincidência criminal dos ex-reclusos.

Garantir um sistema de desempenho que permita flexibilidade e adaptação contínua dos
serviços sociais prestados. A contratualização de resultados e a relação directa entre financiamento
e obtenção de resultados deve reflectir-se num sistema de desempenho que procure continuamente
respostas para alcançar os resultados pretendidos. Dessa forma, o Estado pode aprender
continuamente com o que funciona e, principalmente, com o que não funciona de forma a ajustar e
melhorar. Estes ciclos de feedback e informação devem ser constantes de forma a responder às
necessidades de forma eficiente. Por exemplo, um serviço de apoio a jovens desempregados com o
objectivo de melhorar a sua integração no mercado de trabalho pode beneficiar dum sistema de
desempenho orientado para resultados de forma a compreender quais os módulos de formação que
melhor resultam na obtenção de entrevistas junto de empregadores e quais os melhores horários
para garantir a assiduidade dos jovens nas sessões de mentoria. Desta forma, o Estado terá muito
mais informação sobre o que funciona de modo a poder tomar decisões informadas em torno de
políticas públicas.

Construir infraestrutura de informação e dados relevantes para a resolução de problemas sociais.
O desemprego jovem representa um custo económico e social muito elevado para a sociedade
Portuguesa; o insucesso escolar representa um custo económico para a nossa sociedade (por
exemplo, cada aluno custa em média cerca de 4000 euros por ano ao Estado, por consequência, a sua
retenção representa um maior custo); um recluso custa por média cerca de 40 euros por dia ao
Estado (não existindo informação sobre as taxas de reincidências, para se poder calcular o custo
recorrente que esta população representa). A forma mais eficiente de resolver um problema passa
por conhecê-lo de forma profunda de forma a atacar as suas principais causas. Isto exige que exista
informação sobre os custos económicos dos diferentes problemas sociais, assim como dados
estatísticos relevantes.
Estas recomendações não são novas e baseiam-se em experiências internacionais testadas e com resultados
comprovados. Sob a Presidência do Reino Unido no G8, foi criado um grupo de trabalho independente para
catalisar um mercado global de investimento social. A G8 Social Impact Investment Taskforce lançou a 15 de
Setembro de 2014 o seu relatório oficial com oito recomendações para representantes do sector público, que
incluem, entre outros, os pontos referidos acima.
A sustentabilidade do Sistema de Segurança Social não passa apenas pelo aumento da entrada de recursos,
de forma a fazer face ao aumento das necessidades sociais dos indivíduos e famílias Portuguesas. O seu
equilíbrio exige também uma melhoria na eficiência na prestação de serviços a estes segmentos, de forma a
resolver os principais problemas sociais que os afectam, bem como a introdução de novas soluções mais
eficazes para problemas sociais negligenciados que estão na raíz de problemas mais visíveis.
O investimento social propõe que a resolução de problemas complexos e enraizados – como o desemprego
jovem, pessoas sem-abrigo, isolamento social – seja feita com o acesso a informação credível e robusta e com
um sistema de incentivos orientado para os resultados. Estes tipo de inovação sistémica normalmente requer
financiamento dedicado e incentivos específicos. O futuro afigura-se promissor para Portugal, com o
recentemente anunciado Portugal Inovação Social, um fundo público inovador a nível Europeu, orientado para
o financiamento de iniciativas de inovação e empreendedorismo social, no âmbito do quadro comunitário
2014-2020. Uma implementação rigorosa dos princípios apresentados neste ensaio irá certamente melhorar a
qualidade de vida dos segmentos mais vulneráveis da nossa sociedade e contribuir para a sustentabilidade do
sistema de segurança social.
Professor Filipe Santos, INSEAD
António Miguel, Laboratório de Investimento Social
Lisboa, 16 de Setembro 2014
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