Baixo crescimento e emprego Por Nelson Marconi O cenário atual da economia brasileira revela uma aparente inconsistência ao combinar taxas de crescimento da renda e de desemprego baixas desde 2011. Diversos analistas defendem que este quadro é explicado pela recente desaceleração no crescimento da população economicamente ativa (PEA). Neste artigo, argumenta-se que esta situação também deriva da regressão da estrutura produtiva da economia brasileira que estimula o aumento dos empregos de baixa remuneração, inibe o crescimento da produtividade média e desacelera o crescimento da demanda agregada e da renda. Se a PEA tivesse crescido em 2013 e 2014 a uma taxa similar à média observada entre 2010 e 2012 e se metade das pessoas que procurassem emprego não obtivesse resposta positiva (suposição conservadora, a meu ver), é possível estimar que a taxa de desemprego teria atingido 6,5% em novembro de 2014, patamar observado em alguns meses de 2011 e que ainda assim seria incompatível com o cenário de crescimento reduzido dos últimos quatro anos. Logo, esse argumento, analisado de forma isolada, é insuficiente para explicar essa relação contraditória entre renda e emprego; devem existir motivações adicionais para esse cenário, apresentadas a seguir. A elevação do valor adicionado (VA) por trabalhador, que é a medida mais ampla da produtividade de uma economia, é a chave de todo processo de desenvolvimento econômico. Tal elevação está associada à sofisticação na estrutura produtiva da economia, isto é, à reorientação da produção na direção daqueles setores que geram maior produtividade, fato que abre espaço para o crescimento do salário real médio e a manutenção da taxa de lucro média em um patamar satisfatório para os empresários, além de estimular o investimento, a demanda agregada e a renda. Economia estimula o aumento dos empregos de baixa remuneração e inibe o crescimento da produtividade média Nos últimos anos está ocorrendo o oposto na economia brasileira, isto é, uma contínua regressão em sua estrutura produtiva. Entre 2006, ano representativo de um período de bonança para nosso país, e 2009 (último dado desagregado das Contas Nacionais - CN), a participação no VA total dos seis setores com menor produtividade elevou-se de 27% para 28,7%, enquanto dos seis setores com maior produtividade reduziu-se de 24,3% para 22,7%. Uma estimativa a partir das Contas Trimestrais mostra uma continuidade desse processo entre 2010 e o terceiro trimestre de 2014, sendo que a participação dos primeiros teria aumentado 0,5 p.p. e dos últimos teria caído 0,6 p.p. Estão incluídos dentre os setores com menor valor da produtividade os serviços tradicionais, o comércio, a agropecuária e a construção civil. Entre os setores com maior valor da produtividade encontram-se os serviços de informação e financeiros, a manufatura de média-alta e alta tecnologia, os serviços de utilidade pública e a extração mineral, incluindo os combustíveis. Qual é a implicação desse quadro? Uma mudança na composição do emprego na direção dos setores que pagam menores salários. Os dados do Cadastro Central de Empresas do IBGE, que contém as informações sobre o setor formal de toda a economia brasileira, demonstram que a participação no emprego total dos seis setores que praticam as menores remunerações médias - praticamente os mesmos que exibem menor produtividade nas CN - aumentou de 31,1% em 2006 para 33,4% em 2012 (último dado disponível) e dos que pagam salários mais altos permaneceu estável, e muito reduzida, em 4,4% (também são praticamente os mesmos que geram maior produtividade). Os dados da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE possibilitam avançar até 2014 e confirmam essa tendência de modo ainda mais expressivo (os levantamentos dessa pesquisa também abrangem o setor informal, mas restringem-se a seis regiões metropolitanas). A participação no emprego dos setores que praticam os cinco menores salários médios aumentou de 28,1% em 2006 para 32,2% nos doze meses encerrados em agosto de 2014, enquanto que dos seis setores que pagam os maiores salários médios reduziu-se de 11,7% para 5,3% na mesma comparação. Neste levantamento com base na PME foram desconsiderados os servidores públicos, pois a lógica que rege a evolução do emprego no setor público não está diretamente associada à mudança na composição da estrutura produtiva da economia, e as pessoas que exercem serviços domésticos, cujo mercado de trabalho foi fortemente influenciado por mudanças na legislação. A evolução mais expressiva do emprego em setores cujos salários e produtividade são baixos impacta a produtividade média, termina inibindo as taxas de crescimento econômico no longo prazo e contribui para explicar o aparente paradoxo discutido neste artigo. Fugir dessa armadilha requer uma mudança na estrutura produtiva na direção de sua sofisticação, isto é, da produção nos setores com maior produtividade, os quais são, via de regra, geradores de bens comercializáveis, como as manufaturas de média e alta tecnologia e os serviços mais modernos. Essa reorientação na estrutura produtiva requer uma recuperação da capacidade de competição externa e, por decorrência, da rentabilidade destes setores. O caminho para essa solução passa pela correção de preços macroeconômicos importantes que influem sobre a rentabilidade de todos os bens comercializáveis, como taxas de juros e de câmbio. Essa é uma condição fundamental para a retomada do processo de crescimento do país. Nelson Marconi é professor e coordenador do Forum de Economia da FGV-EESP e vicepresidente da Associação Keynesiana Brasileira. O artigo expressa a opinião pessoal do autor. Fonte: Valor Econômico – 29/01/15 – Opinião