Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e Psicologia – ISSN 2178-1281 AS REPRESENTAÇÕES SOBRE ANTÔNIO PAES DE BARROS Larissa Rodrigues Vacari de Arruda* José Antônio da Silva Júnior ** Resumo: O presente trabalho pretende analisar as interpretações feitas sobre a figura de Antônio Paes de Barros, governador do estado do Mato Grosso durante a República Velha, no período de 1902 a 1906. De usineiro a governador assassinado, de restituidor da ordem em 1899 a suposto mandante do Massacre da Bacia do Garcez. Esse intrigante personagem é exposto sob três olhares diferentes: Valmir Batista Correia, grande historiador de temas vinculados ao Mato Grosso e Mato Grosso do Sul; Generoso Ponce Filho, filho do maior adversário de Totó Paes, Generoso Ponce (provável mandante do assassinato de Totó); e Alfredo da Mota Menezes, que escreveu o livro A Morte de Totó Paes, em uma tentativa de atenuar a obscura imagem do governador. Palavras Chaves: Totó Paes, Mato Grosso, República Velha Abstract: This study aims to examine the interpretations made about the figure of Antonio Paes de Barros, the governor of Mato Grosso during the Old Republic in the period 1902 to 1906. Governor, mill owner murdered, the restorer of order in 1899, alleged mastermind of the massacre Basin Garcez. This intriguing character is exposed under three different looks: Valmir Batista Correia, a great historian of topics related to Mato Grosso and Mato Grosso do Sul; Generoso Ponce Filho, son of the greatest opponent of Totó Paes, Generoso Ponce (probable mastermind behind the murder of Toto), and Alfredo da Mota Menezes, who wrote the book The Death of Toto Paes, in an attempt to mitigate the obscure governor's image. Key words: Totó Paes, Mato Grosso, Old Republic I-Introdução Esse trabalho analisa a construção da imagem de uma importante personagem que participou ativamente de duas “revoluções” no Mato Grosso, em 1899 e 1906. Antônio Paes de Barros foi governador do estado do Mato Grosso durante a República Velha, no período de 1902 a 1906. De usineiro a governador assassinado. De restituidor da ordem em 1899 a suposto mandante do Massacre da Bacia do Garcez. Sua morte foi justificada pelo massacre de oposicionistas que, independente da veracidade, ele foi identificado como mandante. Primeiramente será narrado os episódios significativos de sua vida, para na sequência ser exposto a interpretação de Generoso Ponce Filho. Como é esperado, Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281 1 Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e Psicologia – ISSN 2178-1281 sendo este filho do maior rival de Totó Paes, Ponce Filho narra a visão que prevaleceu do governador, de que ele seria um ditador assassino.1 Já Valmir Batista Correia vê Totó como um governador progressista para a época, e Alfredo da Mota Menezes, em seu livro A Morte de Totó Paes, tenta apagar a imagem negativa que ficou atrelada ao mesmo. A construção da memória que permanece de um personagem histórico advém do ambiente que ela se insere, no caso fora eliminado um governador que conseguiu aglutinar vários inimigos. Seu único aliado, o presidente Rodrigues Alves, perdia força política e pouco pode fazer para salvá-lo. Enquanto as oligarquias do estado acharam interessante a parceria com o mesmo este era visto como chefe de milícias, restaurador da ordem. Porém, quando Totó prematuramente se desvincula da oligarquia o resultado foi sua morte e os intensos movimentos posteriores para que sua memória futura fosse negativa. Até hoje as circunstancias de seu assassinato não foram esclarecida, revelando claramente que não havia interesse de que isso ocorresse, pois o mandante de seu assassinato estava no poder. Existem verdades históricas que, para alguns, é mais conveniente que nunca venham à luz. II-A Vida de Antônio Paes de Barros Totó Paes era um rico usineiro de açúcar. Sua usina era muito bem equipada, tinha máquinas da Alemanha, onde teve luz elétrica primeiro que Cuiabá. Totó Paes tinha que para manter seu negócio manter-se antenado em política, era chefe local aliado do coronel da Guarda Nacional Generoso Ponce. Ponce tinha uma biografia respeitada, se alistou na Guerra do Paraguai aos treze anos. Somado ao episódio da “Revolução” de 1892. Com renúncia de Deodoro, os presidentes de estado que o apoiaram são destituídos por Floriano. Manuel Murtinho é tirado do governo. Ponce organiza uma milícia que devolve o poder ao governador destituído. Ele detinha grande prestígio e poder político. Generoso Ponce era aliado a oligarquia dos Murtinhos. No ano de 1898, devido ao seu grande prestígio, já sondava um nome para as próximas eleições pelo Partido Republicano. Consulta todos seus chefes locais por meio de cartas, um desses chefes eram João e Antônio Paes de Barros. Todos os chefes locais indicaram para a próxima eleição o nome de Generoso Ponce e sinalizam que votariam em quem este ordenasse. Poucos indicam nome, o que foi feito pelo os irmãos Paes de Barros. O escolhido de Ponce foi um indicado de João Paes de Barros, João Félix Peixoto de Azevedo. A maioria não ousou desobedecer Ponce quanto a adesão da candidatura de João Félix, Totó Paes sim. Pedro Celestino Correa da Costa, de importante família na política do Mato Grosso, ameaça as atividades comerciais de Totó, que responde que é “assaz reconhecido pela justiça que faz-me de nunca subordinar minhas opiniões a qualquer classe de interesse, seja ela da ordem que for”(MENEZES,2007,p.53). * Mestranda em Ciência Política na Universidade Federal de São Carlos ** Mestrando em Sociologia UNESP-Araraquara Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281 2 Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e Psicologia – ISSN 2178-1281 Comunicou a Pedro Celestino que não votaria no candidato de Ponce e sim em Metello. Ele se recusou votar no nome que seu irmão indicara. Nesse momento tal ousadia fora oportuno, porém mais tarde seu comportamento pouco maleável custaria sua vida. Os Murtinhos, receosos do poder político de Generoso Ponce, rompem com este e apóiam Metello. O Partido Republicano se cinde, de um lado Ponce e João Félix, de outro Metello, os Murtinhos, e Totó Paes. Em 1898 assume a presidência da República Campos Salles, que inaugurou a Política dos Governadores. O presidente da república “prometia-lhes carta branca dentro dos seus estados, desde que se comprometessem a só eleger deputados federais e senadores que estivessem de acordo com o governo federal.” (QUEIROZ, 1976, p.122) Para Queiroz era a única combinação que daria estabilidade a uma República construída sobre base precária. A política na República se processava de acordo com os seguintes atores: os coronéis, o governo estadual e o governo federal. Em âmbito municipal o chefe local tinha que se compor com os governos estadual e federal. Se o município fosse governista seus candidatos passariam pela Comissão de Verificação, caso contrario só assumiria pessoas que fossem declaradamente governista. Já postura do governo estadual quando haviam discórdia no estado, era de deixar os chefes municipais brigarem entre si até que saísse um nítido vencedor pra apoiá-lo. Se o governo estadual estivesse na oposição seus representantes não seriam eleitos mesmo que fossem a maioria, ou seja só assumia se fosse favorável ao presidente. A oposição existia embora não fosse uma posição confortável. Quando governos federal e estadual não se entendiam, os contrários ao governo estadual no estado se união ao governo estadual. O governo federal ajudava os descontentes nesses estados, as revoluções estouravam de preferência nesse cenário de desunião . Nos estado ”fieis” ao presidente a oposição só podia esperar por algum desentendimento, pois o presidente ajudava em tudo os seus partidários. Portanto, pela lógica inventada pelo próprio Campos Salles ele deveria apoiar quem detinha apoio da maioria no estado. Porém, Joaquim Murtinho era seu amigo e seu ministro. Cuiabano que deixara a terra natal aos treze anos e nunca mais voltara, não perdeu a oportunidade de influenciar em seu estado natal através do presidente. As eleições foram realizadas em 01/03/1899, devido a grande influencia de Ponce, João Félix ganha. No dia 10/04/1899 a Assembléia Legislativa deveria referendar as eleições e Ponce era senador e presidente da casa. Totó Paes comandou a “Legião Campos Salles”. As lutas nos estados devem ter suporte de armas e guarnições federais, Campos Sales se nega dá-las ao governador (aliado de Ponce) e vai contra o resultado das eleições. As tropas de Totó Paes já estavam na cidade. O grupo de Ponce não se armou. O governador e Ponce escreveram uma carta apelando pelo patriotismo e que fariam o que eles quisessem. Joaquim Murtinho responde que ou anula-se a eleição ou as forças de Totó anulariam. Os milicianos de Totó Paes cortaram a linha telegráfica, nenhuma mensagem do Rio de Janeiro. O comando militar federal poderia arrumá-la, mas nada fez. Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281 3 Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e Psicologia – ISSN 2178-1281 O general João Câmara decidira-se pelo lado de Campos Sales e não ajudou o governador manter a ordem e os resultados das eleições. No período entre 09/04/1899-16/04/1899 Cuiabá vira praça de guerra Sem apoio do governo federal nem dos militares, através da ajuda de intermediação de Pedro Celestino, Ponce em 16/04/1899 assina um acordo. As eleições são anuladas. Feitas novas eleições, Ponce retirou-se da capital, Totó Paes é que agora detinha o poder político. Antes de assumir o governo do estado ocorreu um episódio que importante para o desenrolar dos fatos. Carone (1969) publica o relato de João Paes de Barros, irmão de Totó, sobre o Massacre da Bacia do Garcez. João, era vice-presidente, assume provisoriamente o governo do estado e toma atitudes liberais em favor da oposição. Em 1901 João reunia em sua fazenda pessoas contrárias ao governo, do qual seu irmão era aliado. Totó envia uma expedição a usina da Conceição, que pertencia a João. Henrique e José Paes de Barros vão a usina intimidar o irmão a mando de Totó. Haviam 140 asilados políticos na casa de João, que não é preso, porém ficou em prisão domiciliar. Foi trazida de Cuiabá uma lista pelo chefe de polícia que deveria ser separado os presos em três grupos. O primeiro grupo seguiria por terra e era composto por 16 pessoas. O segundo seguiria por água em lanchas, ao todo 100 pessoas. O terceiro grupo aguardaria na usina, que fora destruída. O grupo que seguira por terra foi assassinado no dia 04/11/1901, os cadáveres tinham o ventre partido em cruz e foram jogados para as piranhas, os guardas ficaram esperando os corpos desaparecerem no rio. “Ao cair da noite parte da escolta que seguira com os presos por terra, regressara à usina, narrando sem reservas os horrorosos detalhes da carnificina da Bacia do Garcez” (CARONE,1969, p.83) João Paes foi obrigado a renunciar a vice presidência do estado e se alia a Ponce. Menezes (2007) cita que em Cuiabá a morte de Totó era justificada pelo massacre da Bacia do Garcez. Em 1902 é eleito o presidente Rodrigues Alves e em 1903 Totó Paes assume o governo de Mato Grosso. No tempo em que comandou o estado Totó envolveu-se em algumas questões que contribuíram para sua cisão com os Murtinhos, e em seguida estes se uniram a Ponce e os Correa da Costa contra o governador. A primeira contrariedade que Totó impôs aos Murtinhos, que o colocara no governo do estado, foi sobre o Tratado de Petrópolis. Novembro de 1903 o Brasil assina o acordo de Petrópolis com a Bolívia. No acordo o Brasil incorporaria o Acre e o Mato Grosso iria em parte para Bolívia. No Rio de Janeiro Joaquim Murtinho, Azeredo, Pinheiro Machado e Rui Barbosa faziam oposição a Rodrigues Alves. Se o presidente aprovasse um assunto espinhoso com facilidade se fortaleceria politicamente. Joaquim Murtinho pede para Totó fazer oposição ao acordo. Rodrigues Alves pediu para Totó declarar-se favorável ao Tratado. O governador do Mato Grosso decide-se por apoiar o presidente. O outro episodio ocorreu quando Rodrigues Alves tentou fazer seu sucessor. Joaquim Murtinho, Rui Barbosa e Pinheiro Machado fizeram a Coligação, movimento queria impedir o presidente de eleger seu sucessor. Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281 4 Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e Psicologia – ISSN 2178-1281 Totó Paes se põe novamente contra os Murtinhos e a favor do presidente, apóia Bernadino de Campos, governador de São Paulo. Diante da autonomia de Totó, Manuel Murtinho e José Metello viajam ao Mato Grosso em 1906 para criar a Coligação no estado. Dá-se o rompimento com Totó. Generoso Ponce que estava em Corumbá foi visitado por estes, eles unem-se em torno da Coligação e contra o governador. Haviam vários militares de alto escalão que foram mandados para Cuiabá como castigo por fazer oposição ao governo, o estado estava cheio de gente contra Rodrigues Alves e seu aliado Totó Paes. “Totó Paes foi, portanto, o alvo dos Murtinhos, Azeredo, Metello, Ponce e seus aliados e também de parte dos oficiais militares federais.” (MENEZES, 2007,p.124) Totó fizera um arriscado cálculo político, se unira ao presidente, porém desconsiderou toda a conjuntura contrária no estado. Este talvez tenha sido o erro do Totó Paes: acreditar que a Coligação não tinha a força que se imaginava e que não havia clima no estado para um levante contra ele. Acreditou demais no apoio do governo federal e na força militar instalada no estado. (MENEZES, 2007,p.128) A oposição se reúne na casa de Pedro Celestino Correia da Costa, no dia 08/05/1906 foi grande a movimentação e chamou a atenção do governador. Totó convoca seus adversários para uma reunião em sua casa, a policia estava desfalcada fora para Poconé. Pedro Celestino acusou o governador de “perseguições, atentados, mortes, invasões de domicílios, tentativas de depor pessoas legalmente eleitas, como ocorrera recentemente em Rosário e Poconé e quase acontecera em Cáceres” (MENEZES,2007). Totó se compromete a mandar a força que estava em Poconé regressar e respeitar os adversários, a oposição prometeu se desarmar. A partir dessa data os dois lados se armaram. Em Brotas a oposição toma um posto policial e em seus arquivos lêem cartas de Totó que diz existirem policiais a paisana. A oposição estava receosa de uma posição dura do governo e se rebela. Os três senadores, Joaquim Murtinho, Azeredo e Metello, são contrários ao confronto armado no estado, porém os rebeldes se recusam. Mais adiante explicitarei as razões de Ponce para que, ao contrário do que ocorreu com ele em 1899, Totó não saísse vivo da “Revolução”de 1906. Interromperam o telégrafo, que era um sinal para a revolução, assim não viriam ordens do Rio de Janeiro. Para Virgilio Correia Filho (MENEZES,2007) a interrupção do telégrafos era uma código de Ponce para mandar seus correligionários para o interior, quando estes saiam o telégrafo voltava. Formou-se no norte a Legião Patriótica, comandada por Pedro Celestino, e a Divisão Naval Libertadora liderada por Ponce. Em 16/05/1906 é tomada a polícia de Corumbá, em seguida chega a essa cidade o coronel Luís Alves Salgado novo chefe da força federal. Os telégrafos Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281 5 Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e Psicologia – ISSN 2178-1281 estavam cortados e devido estar adoentado só assumi 4 dias depois. Ele era contra Totó e o presidente, essa demora contribui para sua morte. Ponce Filho (1967) narra esse episódio relatando a calma do pai, que permanecera em sua casa comercial com o filho, apenas observando a movimentação de seus correligionários. Aguardou a chegada do coronel Salgado e foi cumprimentá-lo. Em junho Ponce tinham 1800 homens. Segundo Menezes (2007) as pessoas eram obrigadas a ir a participar de sua milícia. Ponce designa o tenente Paraná para rebelar o 13º Batalhão de Infantaria do Exército de Cáceres, trazendo armas para a “Revolução”. O tenente Paraná encontra com o coronel Salgado, que retorna a Corumbá e deixa de ir ajudar Totó. Era época de estiagem e no rio Cuiabá só poderia subir embarcações de pequeno porte. Ponce toma o cuidado de retirar de Corumbá todas embarcações de pequeno porte e subiu o rio levando toda lenha para dificultar a ajuda a Totó, sem lenha os barcos não tinham como subir. Rodrigues Alves envia o general Dantas Barreto a Cuiabá, a viagem era longa feita através da bacia da prata, era preciso atravessar o Uruguai, Argentina, Paraguai para chegar a Corumbá, daí seguia-se pelo rio até Cuiabá. Dantas Barreto partiu em 1º de junho 1906, chegou em Corumbá 25 de junho, as embarcações eram grandes, haviam navios da marinha. No porto não havia embarcações que o ajudassem a subir o rio. Ele tinha muitos mantimentos: comida, armas, cavalos para subir o rio. Com telégrafo interrompido não podia se comunicar com Totó e com o Rio de Janeiro. Enquanto isso, em Cuiabá em 21/06/1906 as forças de Ponce e tomaram todas posições estratégicas da cidade. Em 30/06/1906 Ponce intima Totó a se render. Toda força federal no Mato Grosso se negou ajudar Totó, ficaram “neutros”. Em 02/07/1906 Totó abandona o governo e o vice assume. Ele se refugia no Coxipó do Ouro, em uma fábrica. Estava adoentado, não conseguia andar. Em 06/07/1906 Totó Paes é morto com dois tiros. Ainda segundo Menezes foram arrancaram braços, pernas, cabeça, tórax e ventre. Duas versões para como descobriram o paradeiro de Totó. A primeira é que prenderam e torturaram o mensageiro. A segunda versão é a de que o individuo encarregado de levar alimento contou e foi guia pra levar onde estava Totó Paes. No arquivo publico encontra-se o nome de João Damaceno da Silva que ajudara na morte do governador, pois os funcionários da fábrica, onde estava Totó, eram partidários do grupo que se levantava. Os assassinos de Totó não tinham intenção de prendê-lo, foram para matá-lo. No oficio de Ponce comunicando a morte de Totó, este fala que o morto trajava-se como um “simples patriota”, segundo a autopsia Totó vestia-se à moda européia. “No mesmo dia 6 de julho, as forças ganhadoras fizeram imponente desfile militar partindo da Praça da República, indo pela rua 13 de Junho até o largo do Arsenal de Guerra, onde estava o Oitavo Batalhão de Infantaria.” (MENEZES, 2007) Rodrigues Alves para punir os desafetos propôs intervenção federal no estado, mas os senadores oposicionistas ao presidente votaram e fizeram campanha contra no Congresso. O presidente estava enfraquecido politicamente. Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281 6 Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e Psicologia – ISSN 2178-1281 Rui Barbosa também foi contra a intervenção, justificou a tomada de poder no Mato Grosso e ainda culpou os subordinados pela morte do governador. Após sua morte a memória de Totó foi juntada a imagens de um homem violento, cujas atitudes envergonharam o estado. Os Paes de Barros desapareceram do cenário político do Mato Grosso. Foram economicamente minados, a viúva de Totó Úrsula mesmo herdeira de muitas terras passou por dificuldades e pediu pagamento dos salários atrasados do governador. Portanto, de acordo com a lógica pessoalista que regia as relações de poder no período, pode-se apontar como causas da morte de Totó Paes, não o fato dele mandar matar oposicionistas, pois isso era de uso recorrente, mas sim o fato dele não ter feito aliados, amigos para o apoiarem na Revolução de 1899. Outro fator foi Generoso Ponce. III- Totó Paes: um truculento ditador Em seu livro de memórias sobre sua infância, Ponce Filho (1967) narra os acontecimentos até sua entrada na faculdade de Direito. Nascido em 1898 o mesmo viveu o período de ostracismo do pai, acrescentado as perseguições impostas aos Ponce por Totó Paes. É interessante observar do livro como Ponce se preocupara em fazer um sucessor. Mesmo menino, Ponce Filho tinha treze anos quando o pai falecera, Generosinho participara observando ao lado do pai toda a movimentação política que culminou em 1906 na ascensão de Ponce. Ia a reuniões, viagens, viu quando o pai se reconciliou com os Murtinhos, só não assistiu a Revolução de 1906. Atribuo como principal motivo que gerou o rancor de Ponce contra Totó o fato de, além de tê-lo tirado do poder, Totó perseguiu sua família. Mesmo que não tenha diretamente assassinado um dos Ponces, a perseguição culminou na morte do filho doente de Ponce, Nelson e também falece o primeiro neto de Ponce, filho de Josefina. Em 1901 a esposa de Ponce, D. Mariana, pega uma lancha com seus filhos para encontrar com Ponce no Rio de Janeiro, pois este era senador. No barco iam os dez filhos, o filho Nelson, que era muito doente, a filha Josefina, que estava grávida e o caçula de Ponce com 3 meses. Param em Porto Urbano, sede da fazenda de um amigo. Três dias depois os homens de Totó vão a fazenda buscar os Ponces. D. Mariana recusa-se determinantemente ir a usina de Itacy, propriedade de Totó. A lancha dos Ponce é tomada, voltam os homens de Totó a Porto Urbano. Os Ponce vão para o mato, temiam ser assassinados ou servirem de isca para que Ponce viesse ao Mato Grosso e fosse eliminado. Josefina dá a luz em Porto Urbano. Os Ponces vão ao encontro de outros foragidos embrenhados no mato. Passam lá 27 dias. Nesse ínterim ocorre o massacre da Bacia do Garcez. D. Mariana envia telegramas ao presidente da república, ao Senado. O STF concede habeas corpus aos Ponces. Chega em Porto Urbano uma lancha com oficiais e se propõe acompanhar os Ponce até Corumbá. Lá embarcam em um barco argentino. Os capangas de Totó Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281 7 Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e Psicologia – ISSN 2178-1281 entram no barco, e prendem o genro de Ponce, Passini. Falece em Corumbá o primeiro neto de Ponce, Josefina e Passini ficam presos. Ponce Filho narra ainda que do barco ouviram as comemorações do assassinado do coronel Jango Mascarenhas, aliado de Ponce. Os Ponce partem para o Paraguai. Eram muito comum a troca de país quando se sofria perseguição política. Após 18 dias que chegaram em Assunção Nelson falece. Os Ponces passam dois anos no Paraguai, depois se mudam para Corumbá. Ponce Filho relata como a figura de Totó Paes era associado ao trauma que viveram na “Odisséia no Pantanal”. Em suas brincadeiras de criança ao invés de ter medo de monstros, ele tinha de Totó. Vê seu pai como um grande herói, o exalta afirmando: “Na verdade não ouvi nunca de meu pai nenhuma expressão acrimoniosa sobre seus adversários, especialmente Totó Paes” (PONCE FILHO,1967, p.164) Sobre 1901 lembra de ter ouvido Ponce afirmar “... nunca pensei que baixassem tanto.” (PONCE FILHO,1967, p.164) Arremata em elogios ao pai: “Por temperamento e formação moral sempre se inclinara para a benevolência e a generosidade.” (PONCE FILHO,1967, p.164) Ponce Filho só não narra em seu livro o que aconteceu a Totó. Carone afirma que Ponce manda matar Totó. (CARONE, 1969) Atribuo a perseguição que Totó impôs aos Ponces, somado a ter sido ele quem tirou Ponce do poder, a morte de Totó. A mesma situação tinha ocorrido com Ponce em 1899, e este sobreviveu. Menezes aponta alguns indícios como a figura de Totó Paes foi preterida e manchada. A travessa Antônio Paes de Barros foi trocada para Rua Candido Mariano. No arquivo público de Cuiabá há pouca documentação sobre Totó. Foi feito um inquérito sobre o Massacre da Bacia do Garcez, em 1906 dias após a morte de Totó. O massacre ocorrera em 1901, já estava esquecido. Totó foi o acusado. O episódio da bacia do Garcez foi a justificativa para a morte do governador. O governo de Totó também foi acusado de irregularidades. A visão negativa de Totó foi a que permaneceu no estado do Mato Grosso. No Mato Grosso do Sul existe a avenida Antônio Paes de Barros, talvez em alusão a antiga rivalidade entre as duas regiões desde o fim da guerra do Paraguai. (NEVES, 2001) IV- Totó Paes: um progressista Carone (1969) vê Totó como uma progressista. Correa (2006) também vê Totó como uma progressista, diferente dos demais quanto ao seu governo. Apesar de sua identificação com a violência política e de ferrenha oposição que passou a sofrer dos adversários na capital federal, o governo de Totó Paes teve características progressistas para época. Cercado no primeiro escalão do governo por escritores, jornalistas, advogados e elementos ligados ao meio cultural cuiabano, Totó Paes além de pretender praticar a moralidade política e econômica, financiou expedições científicas, participou da Exposição Internacional de St. Loius com a finalidade de atrair capitais Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281 8 Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e Psicologia – ISSN 2178-1281 estrangeiros para Mato Grosso, promoveu a publicação da revista O ARCHIVO (transição de documentos históricos), e da obra de Augusto Leverger, Vias de Comunicação. (CORREA,2006,p.120) Porém o autor acrescenta que o seu governo só beneficiou Cuiabá, acentuando a diferenciação que havia entre o norte e o sul do estado, que em 1977 resultou na separação das duas regiões. O livro de Menezes (2007) tenta reverter o quadro desfavorável da memória atribuída a Totó. O autor chega a construir e argumentar sobre a imagem de Ponce, que seria autoritário. O fato é que na época ambos eram autoritários. Menezes relata de maneira sintética sobre os fatos contrários a uma boa imagem de Totó Paes. Não fica tão claro, como no livro de Ponce Filho, as circunstancias que levam Ponce ir contra as ordens do Rio de Janeiro e mandar matar o governador. V- Conclusão A representação narrada por Generoso Ponce Filho, de uma visão muito negativa sobre o governador foi a que permaneceu no imaginário popular. Essa visão só justifica o grave fato de seu assassinato. Visto como autoritário, perseguidor e assassino seria mais fácil convencer a opinião pública que era justificável matar uma pessoa que comete tais atrocidades. Não que ele não o tivesse feito, e que não fosse tudo o que era dito, contudo nada justifica o assassinato em detrimento do julgamento de alguém que agiu incorretamente. Outro ponto intrigante dessa correlação de força é o porquê Totó Paes é assassinado em 1906, enquanto Ponce teve a opção de viver e se manter longe do poder em 1899. Levantei como possíveis causas da morte de Totó, primeiramente o fato do governador não ter cultivado aliados, e pelo contrário, desdenhou os que o colocara no poder, os Murtinhos. O segundo fato que aponto para causa da morte do governador é que o mesmo tentou eliminar os Ponce, e os perseguiu. Perseguição esta que resultou na morte de dois membros da família Ponce. Totó Paes também tinha seus atributos positivos como foi apontado por Carone e Correa, foi um governador progressista. A visão de Menezes tenta restabelecer uma imagem positiva de Totó Paes, não ressaltando os aspectos (já tão ressaltados) negativos do governador. Ora essa personagem histórica possuía tanto um lado positivo quanto negativo. Em nenhum momento deve-se descolar um personagem do circulo social e histórico ao qual o mesmo pertence. A República Velha foi um período conturbado de nossa história política, quando fatos tais como a história de Totó Paes foram comuns. Referências Bibliográficas CARONE, Edgar. Coronelismo: Definição Histórica e Bibliográfica. Revista de Administração de Empresas. Rio de Janeiro, FGV, jul/set, 1971. Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281 9 Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e Psicologia – ISSN 2178-1281 ______ A Primeira República (1889-1930). 1ºed., São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1969. CORRÊA, Valmir Batista. Coronéis e Bandidos em Mato Grosso (1890-1940). 2ºed., Campo Grande:Ed. UFMS,2006. FARIA, Fernando Antônio. Joaquim Murtinho: criadores e criatura. 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