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24 • Cidades • Brasília, domingo, 4 de agosto de 2013 • CORREIO BRAZILIENSE
COMUNICAÇÃO
Encanto
que resiste
à internet
O governador Agnelo Queiroz recebe cerca de 20 correspondências por mês,
muitas escritas à mão: remetentes tratam dos mais diversos assuntos
Apesar de a tecnologia oferecer ferramentas que permitem a troca instantânea de mensagens, há brasilienses que mantêm
o romântico hábito de escrever cartas. O carinho e a amizade, dizem, são mais bem traduzidos pelo texto manuscrito
» THAÍS CIEGLINSKI
N
otícias, carinhos, felicitações, sonhos, perguntas. Tudo isso pode estar
dentro de um envelope.
Enquanto a maioria das pessoas
aproveita as facilidades da tecnologia e troca mensagens, tuítes, emails e recados em redes sociais,
algumas não abrem mão do encanto de escrever e enviar cartas.
Capricham na escolha do papel e
da caneta, perfumam as laudas,
anexam flores, fotografias, desenhos. Gente como o padre José
Debortoli, 79 anos, que costuma
redigir ao menos 15 a cada mês.
“É a melhor forma de manter
uma amizade”, conta o religioso,
que reza missas diariamente na
Paróquia Nossa Senhora das Graças da Medalha Milagrosa, na 908
Norte.
Apesar de se manter fiel ao bloquinho de papel, o pároco acompanhou a evolução da comunicação. Também aproveita as facilidades que só a internet é capaz de
proporcionar. No entanto, para alguns amigos, faz questão de dedicar tempo e palavras. É o caso de
uma colega de Bezerros (PE), que
conhece há 40 anos. Com ela, trocou “centenas de cartas”. Há 53
anos na Igreja Católica, revela que,
ao longo do tempo, o teor das correspondências sofreu mudanças.
“No começo, era essencialmente
para o apostolado — difusão da
doutrina cristã —, mas, hoje, é para manter os laços com quem está
longe.”
Na segunda passagem por Brasília, o padre ocupa um quarto
simples na Casa Paroquial. Na
mesinha que usa para escrever,
uma imagem de Nossa Senhora
inspira a produção. Nascido em
SaltoVeloso (SC), Debortoli já passou por várias cidades ao longo da
vida sacerdotal. Em cada nova casa, faz mais amizades e aumenta o
número de destinatários das cartas. “Para muita gente, é perda de
tempo, mas eu considero escrever
uma mania boa”, acredita.
A psicopedagoga Lorenna Faria, 29 anos, concorda com o religioso. Para ela, mandar cartas é
uma forma de demonstrar carinho. “É um gesto bonito, mostra
que a pessoa se importa com o
outro. Mas tem que ser escrita à
mão”, destaca. Lorenna ainda era
adolescente quando passou a colocar os sentimentos no papel.
Como mudou algumas vezes de
endereço, em um tempo que o
telefone celular e a internet ainda
não existiam, foram as correspondências que ajudaram a manter as amizades que fez em Minas
Gerais e no Amazonas.
Embora sempre tenha morado na mesma cidade em que o
Rodrigues/CB/D.A Press
marido, quando os dois namoravam, comprava cartelas de selos
para se declarar. “É muito triste
abrir a caixinha e não ter nada
além de contas e propaganda.”
Apesar de nem sempre receber
resposta, Lorenna tenta perpetuar
o hábito. Assim que o filho de 6
anos aprendeu as primeiras letras,
incentivou o garoto. No ano passado, ele enviou mensagens de
Natal para os avós, que vivem em
Mato Grosso e no Espírito Santo.
Ritual
A inspiração da atriz e radialista Sheila Campos, 41 anos, também veio de casa. “Meu pai comprava blocos de telegrama e gostava muito de mandar cartas”,
lembra. Os diários foram as primeiras “obras” dela, que logo passou para as correspondências. Filha de militar, morou em várias cidades e encontrou na escrita uma
forma de enviar e receber notícias
das pessoas queridas.
Sempre conectada ao mundo
virtual, Sheila vê no hábito de escrever correspondências algo
quase sagrado, um ato que exige
concentração. “O e-mail se perde,
fica misturado com mensagens
do trabalho, propagandas. A carta é algo delicado, com outra textura. É um objeto que você guarda, feito especialmente para você”, comenta.
Para o aposentado Danilo Gomes, 70 anos, a paixão pelas cartas
começou no balcão da cozinha de
casa, na cidade de Mariana (MG).
A pedido da empregada da família, que era analfabeta, passou a
redigir mensagens para enviar aos
parentes dela. “Enquanto ela estava no fogão, eu ia fazendo o texto.”
Na adolescência, ele foi estudar
em colégios internos, de onde
mandava notícias aos pais. Com o
passar dos anos, o hábito se manteve. Avesso às facilidades da internet e da telefonia, visita diariamente a agência dos Correios do
Lago Norte, onde mora. “E-mail é
uma coisa fria. Carta tem alma.”
Novata na arte de comprar selos e dedicar tempo à escolha das
palavras, a doméstica Girlene da
Silva, 52 anos, se esforça para colocar em prática o que aprendeu
ao longo de 2012, quando foi alfabetizada pela neta Janaína, 9. Hoje, ela costuma postar ao menos
uma carta por semana.
Há um mês, Girlene comprou
um caderno de caligrafia. Pretende melhorar o estilo da letra e, no
futuro, oferecer o aprendizado a
quem não sabe ler e escrever.
“Muita gente teve que ir para a
roça cedo e não teve como estudar. Mas sente saudades também, quer saber como estão os filhos, a mãe”, finaliza.
O padre José Debortoli costuma escrever ao menos 15 cartas
por mês: “É a melhor forma de manter uma amizade”
Viola Junior/Esp.CB
Viola Junior/Esp.CB
Sheila herdou do pai o prazer de escrever:
diários foram as primeiras “obras”
Linha do tempo
A história do serviço postal brasileiro começou em 1500, com a carta
encaminhada por Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal com o relato
do descobrimento da nova terra. Veja a evolução da atividade no país:
1663
Em 30 de julho, João Cavalheiro
Cardoso chega ao Brasil para tomar
posse no cargo de auxiliar do
Correio-Mor. Início oficial do serviço
postal no país.
1773
Em 1º de setembro, é feita a primeira
comunicação postal terrestre entre
São Paulo e Rio de Janeiro.
1801
Criação do serviço de caixas postais.
1808
EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS
ADMINISTRAÇÃO CENTRAL
AVISO DE LICITAÇÃO
Pregão Eletrônico n.º 106/2013
Aquisição de Base e Tampa para CDL-01. Recebimento das Propostas e
obtenção do Edital: no endereço http://www.correios.com.br até 08/08/2013,
às 08h30min e início da disputa de preços às 09h00. Informações pelo
Fax: (0xx61) 3426-2759/2509 e telefone: (0xx61) 3426-2841, no horário de
8h00min às 17h30min.
Kelly Cruz da Silva
Pregoeira
Com a chegada da família real
ao Brasil, o serviço passa a ser
administrado diretamente
pela Coroa.
1822
Em 7 de setembro, Paulo Bregaro,
considerado o patrono dos
carteiros, entrega a D. Pedro I
correspondências que revelavam as
intenções de Portugal de retirar a
autonomia do país. O imperador
reage às exigências e declara a
independência do Brasil.
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Ministério das
Comunicações
1835
Passa a ser adotado o serviço de
entrega domiciliar de
correspondências.
1843
Acontece a emissão dos
primeiros selos postais. O Brasil
torna-se o segundo país do
mundo a adotar esse sistema em
todo o território, seguindo o
exemplo da Inglaterra.
1845
Instalação das primeiras Caixas de
Coleta do Império, no Rio.
1969
Criada, em 20 de março, a
Empresa Brasileira de
Correios e Telégrafos (ECT).
1971
É lançado o primeiro Guia Postal
Brasileiro, com o Código de
Endereçamento Postal (CEP)
representado por cinco algarismos.
1982
Implantação do Sedex.
Para Lorenna, o texto manuscrito
é uma demonstração de carinho
Destinatário: Dilma
Enquanto a troca de cartas é
hábito cada vez menos frequente, uma brasileira não tem do que
reclamar. Somente de janeiro a
julho de 2013, a presidente Dilma
Rousseff recebeu 61 mil correspondências. De pedidos de emprego à anulação de penas de
presidiários, passando por solicitações de cirurgias, as mais diversas demandas são encaminhadas
à chefe da nação. Todas passam
por uma triagem e são catalogadas por assunto pela Diretoria de
Documentação Histórica do gabinete de Dilma.
Bem mais modesta, a caixa de
correio do governador Agnelo
Queiroz recebe cerca de 20 cartas
por mês. Assim como no caso da
presidente, a criatividade impulsiona as correspondências. Algumas são digitadas no computador, mas muitas, escritas à mão.
Em 21 de julho, uma mulher
pediu ajuda do governador para
agilizar uma cirurgia de catarata a
um amigo. Na despedida, ela deixa um abraço. Em maio, uma moradora de Planaltina de Goiás manifestou, em duas páginas, o desejo de que o GDF convidasse o
cantor Moacyr Franco para participar da festa de inauguração do
Estádio Nacional de Brasília Mané
Garrincha. Outro eleitor, antes de
sugerir a criação de um setor habitacional destinado a abrigar os
moradores da Estrutural, elogia a
atuação de Agnelo, destacando o
fato de o ex-presidente Lula ter
apoiado a candidatura dele em
2010. Organizada, a carta estipula
as regras para o financiamento
dos imóveis e determina a quantidade de cômodos das casas, além
dos serviços que devem ser oferecidos à comunidade, como posto
de saúde, escolas e quartel da Polícia Militar.
Mais crítico, um servidor federal aposentado enumerou alguns
problemas que a cidade enfrenta,
entre eles a violência na área central de Brasília. O autor reconheceu as limitações do poder público, mas apontou soluções, entre
elas a inusitada proposta de legalização do jogo do bicho como
fonte de recursos para amparar
as pessoas que vivem nas ruas.
De acordo com a assessoria de
comunicação do GDF, as cartas
enviadas ao chefe do Executivo
local são lidas e encaminhadas
aos órgãos competentes para que
a situação seja analisada e, quando possível, solucionada. (TC)
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“Encanto que resiste à internet” - Correio Braziliense (DF)