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MIDIA, HISTÓRIA E RELIGIÃO
Francisco Assis M. Fernandes
UNITAU
Francisco Assis Martins Fernandes
UNITAU
RESUMO: O presente trabalho analisa historicamente as funções da mídia
na propaganda religiosa. Os meios de comunicação interferem nas relações
humanas no campo da política, da economia e da religião. A imprensa, o
cinema, o rádio e a televisão constituem mecanismos poderosos na difusão
de idéias e valores. A Igreja católica, como se pode deduzir dos
documentos pontifícios “Miranda prorsus”, Inter Mirifica” e “Populoram
Progressio” demonstra preocupação com a utilização dos meios massivos
para não só chegar aos fiéis, mas também com a formação de novos
missionários capacitados ao uso das novas tecnologias de comunicação a
serviço da propagação da doutrina cristã. Nesse propósito surgiram
congregações e institutos religiosos com a finalidade missionária de
divulgação da religião católica através desses meios. Merecem destaque
Dom João Bosco e padre Tiago Alberione com a chamada “família
paulina”. A Igreja não pode desconhecer ou minimizar a presença de
setores da Igreja protestante tanto históricos quanto pentecostais que se
articularam na aquisição de poderosas redes de comunicação com as mais
peculiares finalidades que vão desde a “indústria da fé” até a difusão do
Evangelho.
INTRODUÇÃO.
Como objeto de estudo tomamos como ponto de partida a utilização da
mídia para propagação de doutrina religiosa. No Brasil, a partir dos anos
70, muitas denominações religiosas descobriram o poder da mídia como
instrumento eficaz para a difusão de seus postulados religiosos, sejam
cristãos ou de não-cristãos. Numa primeira fase, a mídia impressa era de
maior alcance Foi a partir dos anos 70 que as igrejas encontraram na mídia
eletrônica uma poderosa aliada na propagação de suas doutrinas. O cinema,
o rádio e a televisão passaram a desempenhar um papel preponderante. A
Igreja Católica, a partir de Pio XII, com a encíclica “Miranda Prorsus”,
começou a se preocupar com a formação de pessoas que se
responsabilizassem pela produção e emissão de programas pautados pelos
princípios da ética cristã.
Por religião, entendemos um conjunto determinado de crenças, de
dogmas que definem a relação do homem com o sagrado, com Deus, ou
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seja uma comunidade de indivíduos unidos pelo cumprimento de certos
ritos regulares e pela crença na existência de uma força sobrenatural
concebido como Deus, criador do universo.
A mídia, no mundo atual, detém muito poder na sociedade. Para
Bordenave (1983, p.9), “a comunicação é a força que dinamiza a vida das
pessoas e das sociedades; a comunicação excita, ensina, vende, distrai,
entusiasma, dá status, constrói reputações, orienta, desorienta, faz rir, faz
chorar, inspira, narcotiza, reduz a solidão e num paradoxo digno de sua
infinita versalidade – produz até incomunicação”. Com efeito, a
comunicação só tem sentido e significado em termos de relações sociais
que a originam, nas quais ela se integra e sobre as quais ela pode
influenciar.
Nesse contexto, Martínez Díez (1997, p. 31) observa que “o discurso
sobre a fé é ao mesmo tempo, um discurso sobre o crente, sobre sua
história, sua cultura e seu mundo”. Segundo ele, não é possível isolar o
discurso sobre Deus de todas os demais discursos. Ressalta que a
comunicação pode ter lugar igualmente através de uma espécie de ação
catalizadora, na qual as idéias ou as atitudes se colocam de manifesto por
meio de encontros sociais, onde o conhecimento e as atitudes religiosas não
são transmitidas como o testemunho de uma série de atos de relevância.
Muitos estudiosos do fenômeno da comunicação sustentam que se
trata de uma “ciência nova”, resultante da psicologia, pedagogia,
sociologia, antropologia cultural e todas as ciências humanas. A
comunicação é a razão de ser da cultura. Por isso, a comunicação
desempenha um papel central na existência humana.
No que tange ao catolicismo, Dale (1973) assinala que o primeiro
documento da Igreja católica sobre comunicação data de 1487. Trata-se da
constituição Inter multiplices, publicada pelo papa Inocêncio VIII. A
invenção da tipografia por Gutenberg despertou uma preocupação do papa
com a difusão de idéias contrárias à fé e aos bons costumes. Evidente que o
contexto sócio-cultural da época e bem como a mentalidade eclesial de
então levaram a Igreja a ver, na imprensa, os perigos que seu uso
comportava e os malefícios que seu mau uso implicava.
Nesse quadro, Inocêncio VIII já exigia a censura prévia dos livros a
serem impressos e cominava severas penas a seus infratores. O documento
do papa lembra que “se deve considerar como pernicioso e extremamente
hostil ao mesmo gênero humano o fato de publicar e de trazer por escrito
ao conhecimento geral, o que é nocivo, oposto às sãs doutrinas, à
honestidade dos costumes e, sobretudo, à ortodoxia religiosa” (Inter
multiplices).
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Uma mudança de atitude da Igreja diante da mídia
Um papa que se distingiu por seus ensinamentos, principalmente,
após o século das Luzes, foi Leão XIII. A partir dele, a Igreja começou a
vislumbrar uma atitude diferente perante os meios de comunicação.
Embora já sinalizava para a “boa imprensa”, a serviço da Igreja, ainda
restava muita restrição pela condenação da liberdade de imprensa e da
divulgação de livros e revistas considerados perigosos para a fé. Todavia,
ele foi o primeiro papa a recebeu jornalistas. E durante seu pontificado,
focalizou o problema da imprensa em 40 documentos e considerava a
imprensa como um instrumento privilegiado para atingir os fiéis.
A preocupação da Igreja era pelo zelo da fé. Para isso, a censura
ficou estabelecida por Leão X, através do documento Inter solicitudines, de
1515, em que determina: “Decretamos e ordenamos, para todo o sempre,
que ninguém imprima nem ouse mandar imprimir livro ou qualquer outra
matéria escrita, tanto em Roma como nas outras cidades e dioceses, sem
exame prévio”. (Cf. Dale, 1973, p. 40).
A disseminação da doutrina de Lutero levou papa Pio IV a publicar a
constituição apostólica Dominici gregis, em 1564, após o Concílio de
Trento, em que se estabelece o “Índex librorum prohibitorum” (índice dos
livros proibidos), ou seja daqueles livros eréticos ou suspeitos de heresia,
ou na certa prejudicial “a piedade e aos costumes”.
O problema da censura eclesiástica à imprensa prossegue até o
segundo quartel do século XX, quando Pio XI inaugura a Rádio Vaticano.
A radiomensagem do papa não refletia sobre o significado dessa invenção e
sua importância. A Igreja aceitava o desafio dos meios de comunicação
eletrônica. Nessa época a televisão estava ainda restrita a poucas cidades e
nações.
Mas, outro poderoso meios de comunicação foi o cinema, inventado
no final do século XIX, estava em todas as partes do mundo. O papa se
preocupava com o grande número de filmes que considerava moralmente
maus e nocivos, valeu-se da experiência dos bispos norte-americanos que
havia criado a “Legião de decência”, edita um documento que proporciona
reflexões valiosas sobre o cinema, suas características, seu significado e
sua importância para a família e para a sociedade. Para isso, publica a
encíclica Vigilanti cura, em 1936. O papa salienta que o cinema precisa
colocar-se a serviço do homem e que tem seus valores como lazer,
divertimento e como lição de vida.
Embora a televisão tenha sido inventada em 1926 e tenha se
expandido na Europa e nas Américas, somente no dia 7 de abril de 1949 é
que um papa, pela primeira vez, concede uma entrevista a uma televisão.
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Foi justamente Pio XII, que sendo pessoa de alta inteligência, quis
aprofundar o pensamento a respeito da natureza, significado e importância
dos meios de comunicação de massa que vinham revolucionando um série
de aspectos da cultura e dos comportamentos sociais.
Com a encíclica Miranda Prosus, Pio XII destaca que “os novos
meios servem para multiplicar as forças e as possibilidades físicas do
homem, outros finalmente servem diretamente ou mediante uma expressão
artística, para a difusão de idéias, e oferecem a milhões de pessoas, de
maneira facilmente assimilável, imagens, notícias e lições, como alimento
cotidiano do espírito, mesmo nas horas de lazer e repouso”.
O documento de Pio XII ressalta a importância dos meios de
comunicação que devem ter por objetivo que “servir à verdade significa
não apenas afastar-se da falsidade e do engano, mas evitar também aquelas
atitudes tendenciosas e parciais que poderiam favorecer no público
conceitos errôneos da vida e do comportamento humano”. (Miranda
Prorsus, 13).
O concílio da Comunicação
O Concílio Vaticano II constituiu-se num dos mais importantes
marcos de referência para o “aggiornamento” da Igreja. Sobre a mídia, o
Decreto do Concílio Inter mirifica inicia com estas palavras: “Entre as
admiráveis invenções da técnica, que de modo particular nos tempos atuais,
com o auxílio de Deus, o enegenho humano extraiu das coisas criadas, a
mãe Igreja com especial solicitude aceita e faz progredir aquelas que de
preferência se referem aos espírito humano, que resgataram caminhos
novos na comunicação fácil de toda sorte de informações, pensamentos e
determinações da vontade”. (Inter mirifica, 1).
O documento mostra a preocupação da Igreja com a formação dos
comunicadores: “Os leigos devem ser instruídos na arte, na doutrina e na
moral, pela multiplicação do número de escolas, faculdades e institutos,
onde os jornalistas, os cineastas, radialistas e artistas de televisão e os
demais interessados possam conseguir íntegra formação imbuída do
espírito cristão, particularmente quanto à doutrina social da Igreja” (15).
Acrescenta, a seguir, que “com esmero devem ser preparados os críticos
literários, de cinema, rádio, televisão e outros mais que dominem
plenamente sua ciência e sejam instruídos e licitados a emitir juízos tais
que a consideração de ordem moral seja colocada em sua devida luz”.
À luz do Vaticano II, o papa PauloVI cria, em 1964, a “Comissão
Pontifícia para a Comunicação Social”, confiando-lhe os problemas que
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dizem respeito ao cinema, ao rádio, à televisão e à imprensa diária ou
periódica.
O “Dia mundial das Comunicações” foi criado pela Comissão
Pontifícia, em 1966, e celebrado pela primeira vez em 7 de maio de 1967.
O objetivo principal desse “Dia” é a educação das consciências cristãs, de
maneira que, no muno inteiro, todos usem esses meios dentro de um
espírito de plena responsabilidade. A data não é fixa, pois ficou
estabelecido o Domingo que antecede a Pentecostes por ser a liturgia desse
dia favorável ao tema das comunicações.
Paulo VI aprovou a Instrução Pastoral da Comissão Pontifícia da
Comunicação Social de 23 de maio de 1971. Intitulada Communio et
progressio é um documento que aborda todos os ângulos dos meios de
comunicação social, afirmando que a Igreja encara esses meios como “dons
de Deus”, o documento ressalta que ‘pela sua própria natureza, a
comunicação social contribui para que os homens, comunicando-se entre si,
adquiram uma consciência mais profunda da vida comunitária” .
Organizações católicas de comunicação
Na Igreja existem as organizações internacionais que se ocupam das
comunicações: Centro Católico Internacional do Cinema (OCIC); União
Católica Internacional de Imprensa (UCIP) e Associação Católica
Internacional para a Radiodifusão (UNDA).
No Brasil, temos a União Cristã Brasileira de Comunicação Social
(UCBC) que tem por objetivo defender o direito à livre manifestação do
pensamento e educar o povo sobre para uma “leitura crítica dos meios de
comunicação”, capacitando os líderes de movimentos populares a terem um
espírito crítico diante dos produtos culturais, principalmente daqueles que
visam ao lucro sem se preocuparem com a cultura e o bem-comum de seus
públicos.
Outra instituição de caráter nacional é a “Verbo Filmes” que se tem
dedicado à produção de películas e de vídeos formadores de opinião e ao
mesmo tempo críticos diante dos problemas sociais.
No Brasil, a mídia tem sido, nos últimos 20 anos, instrumento
importante não só na Igreja católica, mas nas diversas religiões, se assim
podemos chamar.
A Igreja católica, mediante suas instituições: dioceses, ordens e
congregações religiosas possui muitos meios de comunicação. No que
tange à mídia impressa, talvez seja um grande parque de editoras. Dentre
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essas, podemos destacar Editora Vozes de Petrópolis, Edições Paulinas,
Editora Salesiana, Edições Loyola, Editora Ave Maria, Editora do
Santuário e outras de menor porte.
Essas editoras publicam livros, jornais e revistas que embora não
sejam de caráter estritamente religioso, contudo pautam-se por uma
filosofia cristã de comunicação. Sua produção no campo das ciências
humanas merece destaque, embora atue também nas ciências exatas e
biológicas, como é o caso da F.T.D. cuja produção editorial está voltada
para a área da educação e do ensino.
No que se refere á mídia eletrônica, a Igreja católica possui mais de
150 emissoras de rádio, e algumas emissoras de televisão, como a “Rede
Vida de Televisão”, a TV Canção Nova, a TV Senhor Jesus.
Mas é no campo do rádio que se pode constatar maior poder de
alcance da Igreja, no Brasil. Emissoras como a Rádio Aparecida, que opera
em várias frequências, cobre todo o território nacional, principalmente
através de suas ondas curtas. As emissoras paulinas, sob a direção dos
padres paulinos e centenas de emissoras de rádio comunitárias, locais e
regionais. A maioria dessas emissoras está ligada às paróquias, dioceses ou
congregações religiosas.
No que concerne à Igreja católica, é bom salientar que a CNBB –
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – não possui uma emissora
própria. Porém, suas mensagens são veiculadas pela Rede Católica de
emissoras, para todo o país.
Dentre as Igrejas cristãs, faz-se necessário distinguir entre as
chamadas “pentecostais” e as “históricas”. É no seio das igrejas
pentecostais é que existem aquelas que mais utilizam-se da mídia,
sobretudo da eletrônica para a propaganda religiosa.
As mensagens “pentecostais” tem apelos diversificados. É o que
Sílvio Santos, num debate na ECA-USP, chamou de “indústria da fé”.
Trata-se de uma autêntica propaganda religiosa dirigida às massas, com
apelos nem sempre éticos quanto à veracidade dos milagres anunciados. As
principais são: Igreja Pentecostal Cristã, Igreja Rosa Mística, Igreja
Universal do Reino de Deus, Igreja Internacional da Graça de Deus, Igreja
Casa da Bênção, Igreja Renascer para Cristo.
No Brasil, a que mais prosperou e sobressaiu-se às demais
denominações foi a Igreja Universal do Reino de Deus. Dona de quase uma
centenas de emissoras de rádio distribuídas em nas regionais do Brasil, ela
detém a Rede Record de Televisão que tem um alcance nacional.
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Operando a partir de São Paulo, a Rede Record é uma das mais
poderosas emissoras de televisão do Brasil. Mantém uma programação
voltada para o grande público e outra de caráter eminentemente religioso
ou pentecostal. Uma programação diária. Aos sábados e domingos, pela
manhã, os programas são dirigidos aos seus seguidores e também à busca
de persuadir as pessoas para se tornarem membros da Igreja Universal do
Reino de Deus.
Conclusão
Os meios de comunicação tanto impressos como eletrônicos tem sido
instrumentos de importância na difusão e sustentação de várias religiões no
Brasil e no mundo. Não se trata de uma propaganda ideológica no sentido
estrito do termo, mas de uma nova forma de anunciar a doutrina cristã. A
Igreja católica, através de seus documentos, tem instado a todos a uma
formação adequada aos novos tempos, na busca de criar nos católicos e
cristãos uma consciência crítica diante de mensagens de jornais, livros,
cinema, rádio, televisão e multimídia. Cristo, ao enviar seus discípulos,
disse: “Ide por todo o mundo e anunciai a boa nova todos os povos”. Se os
meios de comunicação são a extensão do homem, estes mesmos meios são
a extensão dos missionários, dos mensageiros do Evangelho.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DALE, frei Romeu. Igreja e Comunicação Social. São Paulo:
Paulinas, 1973.
PUNTEL, Joana T. A Igreja e a democratização da Comunicação.
São Paulo: Paulinas, 1994.
MARTÍNEZ DÍEZ, Felicísimo. Teologia da Comunicação. São Paulo:
Paulinas, 1997.
BORDENAVE, Juan Días. Além dos meios e mensagens.
Petrópolis, Vozes, 1983.
GOMES, Pedro Gilberto. Cultura, meios de comunicação e
Igreja. São Paulo: Loyola, UCBC/OCIC-Br/UNDA-Br, 1987.
PUNTEL, Joana T. A igreja e a democratização da Comunicação.
São Paulo: Paulinas, 1994
SOARES, Ismar O. Do Santo Ofício à Libertação. São Paulo:
Paulinas, 1985.
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