III SBA – Simpósio Baiano de Arquivologia 26 a 28 de outubro de 2011 – Salvador – Bahia Políticas arquivísticas na Bahia e no Brasil A VIDA ACADÊMICA DO SOCIOLÓGO BRASILEIRO FLORESTAN FERNANDES FLAGRADA PELAS LENTES FOTOGRÁFICAS Vera Lucia Cóscia Bibliotecária-documentalista da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar); Mestranda do Programa de PósGraduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade do Centro de Educação e Ciências Humanas (CECH) da UFSCar. Email: [email protected] Luzia Sigoli Fernandes Costa Professora do Departamento de Ciência da Informação e do Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade do Centro de Educação e Ciências Humanas (CECH) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Doutora em Ciência da Informação (UNESP). Email: [email protected] Resumo: Uma proposição metodológica para análise e descrição das fotografias da série vida acadêmica, do período da ditadura militar, do fundo Florestan Fernandes justifica-se pela sua importância como fonte de pesquisa e de referência cultural para o país. Nomeado pela UNESCO, juntamente com o Arquivo Nacional brasileiro, como parte do Programa Memória do Mundo, em 2009, o Fundo Florestan Fernandes representa um dos mais completos conjuntos documentais para a humanidade nas áreas de Sociologia, Política e Educação. O presente trabalho relata o estudo da estruturação, organização e acesso ao Fundo Florestan Fernandes, locado junto à Biblioteca Comunitária da Universidade Federal de São Carlos, Estado de São Paulo, Brasil. O objetivo do estudo é realizar a análise e a descrição de um conjunto de fotografias, da Série Vida Acadêmica, do período da ditadura militar, quando Florestan foi exilado do Brasil, na década de 60. Com a análise, interpretação e descrição, segundo as teorias advindas da Ciência da Informação, esperase disponibilizar ao publico essa coleção temática. Palavras-chave: Arquivos privados. Fundo Florestan Fernandes. Análise documental. Organização da informação. Fotografias. Ditadura militar. Brasil-política. Brasil – história (1960). Memória. 1 INTRODUÇÃO A Biblioteca Comunitária da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) situada em São Carlos no Estado, interior do São Paulo, Brasil, foi inaugurada em agosto de 1995. Esta biblioteca é fruto de uma proposta pioneira, no âmbito da América Latina, uma vez que ela oferece seus serviços, tanto à comunidade universitária como à comunidade em geral, especialmente, da cidade de São Carlos e região. A área útil da biblioteca é de 9.000m e tem o seu acervo distribuído em cinco pisos 2 distintos. O quinto piso da Biblioteca abriga as chamadas Coleções Especiais que reúne os acervos de Bibliotecas particulares que pertenceram a brasileiros de grande expressividade. Essas coleções foram adquiridas, pela UFSCar, por meio de processos de doação ou compra. Dentre essas coleções, encontra-se a Biblioteca do Prof. Dr. Florestan Fernandes que viveu no período entre 1920 e 1995, quando teve uma atuação acadêmica profícua, deixando uma reconhecida contribuição intelectual para a posteridade. Florestan Fernandes foi filho de uma imigrante portuguesa, Maria Fernandes e não teve o reconhecimento do pai. Sua mãe trabalhava como empregada doméstica para o sustento da família e com isso sentiu precocemente as dificuldades da vida. Desde muito cedo, aos 6 anos de idade, Florestan começou engraxando sapatos, mas, como era muito determinado, conseguiu realizar os seus estudos vindo a se tornar um ser Sociólogo e professor na Universidade de São Paulo (USP), uma das melhores universidades brasileiras. Ao longo de sua vida acadêmica, Florestan escreveu cinqüenta e sete livros. Elegeuse Deputado Federal por dois mandatos consecutivos pelo Partido dos Trabalhadores (PT). E, ainda, reuniu durante sua vida, aproximadamente, 12.000 livros que deu origem a sua Biblioteca particular. Essa Biblioteca, posteriormente, foi adquirida pela UFSCar e foi Inaugurada em agosto de 1996, um ano após sua morte. Essa Biblioteca representa um dos mais ricos acervos particulares contendo importantes obras na área de Sociologia, Educação e Política. A Biblioteca foi disponibilizada a partir da data de sua inauguração e conta, também, com um arquivo pessoal, que pertenceu ao referido professor, tecnicamente denominado Fundo Florestan Fernandes (FFF). Esse Fundo, recebeu um tratamento arquivístico e foi disponibilizado eletronicamente no site da Biblioteca Comunitária da UFSCar em 12 de março de 2010, em uma cerimônia que contou com a presença do Ilustríssimo Reitor da UFSCar e outras autoridades sãocarlenses. 2 A ORGANIZAÇÃO DO FUNDO FLORESTAN FERNANDES NO CONTEXTO DA UFSCar O Fundo Florestan Fernandes foi nominado pela UNESCO, juntamente com o Arquivo Nacional – Brasil, como parte do Programa Memória do Mundo (MOW) em 2009. O termo “Fundo”, de acordo com o Dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivística (2005, p. 177), é definido como um “conjunto de documentos de uma mesma proveniência” e na percepção de Cunha (2008, p. 97): Fundo é um conjunto de peças de qualquer natureza que qualquer entidade administrativa, qualquer pessoa física ou jurídica, reuniu automática e organicamente, em razão de suas funções ou de suas atividades. Nesse caso, convencionou-se por denominar “Fundo Florestan Fernandes” em referência a aquele que foi o detentor desse conjunto documental tanto no que se refere à gênese documental, armazenagem, expansão e preservação dos documentos originais. Para contextualizar as coleções que compõem esse Fundo foi estabelecido um Plano de Classificação que permitisse descrever a trajetória do professor Florestan Fernandes, desde o seu nascimento até o período pós-morte. Como princípio de respeito ao Fundo, concernente à proveniência, integridade e manutenção do ordenamento em que foram entregues os originais, convencionou-se por transcender a tipologia documental ou a sua função para reuni-los em séries e sub-séries temáticas. Assim sendo, esse Fundo conta com seis séries e sub-séries documentais e segundo os conceitos da Arquivologia moderna, apresentadas no Quadro 1, sendo elas: Sigla Tipo documental Série 01 – Vida Pessoal Nome da série VP Série 02 – Vida Acadêmica VA Série 03 – Vida Política PO Documentos de identificação, Correspondência, Fotografias, Papéis do cotidiano, Cópias de Contratos, Cópias de Escrituras, Objetos tridimensionais, entre outros. Trabalhos de aproveitamento de alunos, Planos de aulas, Cadernos e cadernetas com anotações de pesquisa, Fichas manuscritas, Correspondência, Fotografias, Objetos tridimensionais, Fitas de vídeo e cassete, entre outros. Cópias de Projetos, Correspondência, Mapa, Cartazes e folders de campanha, Anotações de doações, Flâmulas, Bottoms, Fotografias, Série 04 – Produção Intelectual PI Série 05 - Produção Intelectual de Terceiros PIT Série 06 – Homenagens Póstumas HP Objetos tridimensionais, Fitas de vídeo, entre outros. Originais manuscritos, Cópias com revisões, Correspondência, Fotografias, Objetos tridimensionais, entre outros. Material bibliográfico produzido sobre Florestan, Livros, Capítulos de livros, Artigos de periódicos, Correspondência, Fotografias, Objetos tridimensionais, entre outros. Cópia do laudo e processo sobre as causas da morte de Florestan, Recortes de jornais, Livro de presença no velório, Folheto de missa de sétimo dia, “Carta ao meu pai” de autoria de Florestan Fernandes Junior, filho de Florestan, Objetos tridimensionais, entre outros. Quadro 1 – Series documentais e seus respectivos conteúdos 3 A SÉRIE VIDA ACADÊMICA DO FUNDO FLORESTAN FERNANDES Vale lembrar que o Fundo Florestan Fernandes conta com os mais variados suportes como: fitas cassetes, fotografias, objetos museólogicos, indumentárias, móveis, correspondências, cadernetas, cadernos de anotações, dentre outros. A série Vida Acadêmica, pertencente ao Fundo Florestan Fernandes, tem sido objeto de estudo quanto a sua organização e disponibilização ao público. Como parte dessa série, encentra-se um conjunto de fotografias que estão sendo submetidas a um estudo de análise documental que privilegie o seu conteúdo. 4 PROPOSIÇÃO METODOLÓGICA PARA ANÁLISE E DESCRIÇÃO DAS FOTOGRAFIAS DA SÉRIE VIDA ACADÊMICA, DO PERÍODO DA DITADURA MILITAR, DO FUNDO FLORESTAN FERNANDES Com o intuito de dar acesso público ás fotografias da série vida acadêmica, particularmente, aquelas referentes ao período em que Florestan Fernandes foi exilado, na década de 60, foram estabelecidas algumas metas para melhor compreensão do objeto a ser estudado, consistindo na leitura, análise e representação dos conteúdos fotográficos. Para tal, estabelecemos alguns passos (Quadro 2) que julgamos ser importantes para a consolidação do método de análise e descrição dos conteúdos: Metas Estudo da vida do Florestan Fernandes Dimensionamento do acervo documental Estudo dos campos necessários para descrição do conteúdo Estudo de amostragem documental Estudo do Plano de Classificação Breve descrição Conhecer a vida do detentor da coleção, Florestan Fernandes por meio das publicações existentes, na forma de revistas, dossiês e curta metragem. Definir por intermédio de pesquisa no próprio acervo o número de fotografias existentes e dentre elas aquelas específicas do período da Ditadura Militar. Estudar e estabelecer os campos para descrição, definidos como descritores denotativos e descritores conotativos. Aplicar as teorias advindas da Ciência da Informação para a realização de um projeto piloto com as fotografias selecionadas,. Conhecer o Plano de Classificação do Fundo e as correlações existentes entre as Séries e sub-séries. Quadro 2 – Definição de metas para explicitação do método A análise e descrição de conteúdos fotográficos é uma atividade desafiadora e instigante, ao mesmo tempo, por exigir o conhecimento da essência da fotografia. Segundo Smith (1996): A proposição de uma metodologia de análise da fotografia supõe um entendimento da essência desta, daquilo que a caracteriza, das razões pelas quais é produzida e, sobretudo, das condições em que será utilizada. Em outras palavras, torna-se necessário compreender a imagem fotográfica, enquanto informação a ser tratada e recuperada (p.29). As possibilidades de descrição de uma fotografia podem variar de acordo com os fins a que se destina, a sua organização e acesso. Utilizando o modelo de Mattos (2008) os elementos para descrição de fotografias dividem-se em: 1. Elementos descritivos 1.1 Autor 1.2 Título 1.3 Local 1.4 Data 1.5 Notas 2. Resumo da fotografia 3. Descritores de conteúdo da fotografia 3.1 Descritores denotativos 3.2 Descritores conotativos. 4.1 Correlações entre a análise de fotografias e a Ciência da Informação Citando Costa (2008, p.215) a Ciência da Informação “tem como parte de sua missão a de proceder as análises e realizar representações de conteúdos que se encontram em diferentes formas de expressão, tendo em vista potencializar o seu acesso e usos.” Além dos elementos descritivos o resumo pode abranger também as características plásticas, quando estas atribuem significado a fotografia. Segundo Costa (2008, p.215), “toda imagem quando tomada por suas categorias plásticas envolve as noções de “ponto”, “linha”, “plano”, “escala”, “forma”, “textura”, “nitidez”, “iluminação”, “contraste”, “cor” e “tonalidade”. Na busca de reunir o máximo de elementos que possam contribuir para se descrever uma fotografia, leva-se em consideração que: Numa avaliação equilibrada, os conteúdos textuais não podem ter primazia em detrimento dos conteúdos das imagens, mas deve-se propor que textos e imagens se associem para registrar e disponibilizar eventos e personagens como elementos de informação e de conhecimento (Costa, 2008, p.221). Nessa perspectiva, Kossoy (2007, p. 50) afirma que “qualquer que seja a imagem, nela existe um inventário de informações acerca do tema principal (que é o motivo da foto) e do seu entorno; trata-se de informações explícitas e implícitas [...]. p.50. Pois, a fotografia é memória enquanto registro da aparência dos cenários, personagens, objetos; documentando vivos ou mortos, é sempre memória daquele precioso tema, num dado instante de sua existência/ocorrência” (KOSSOY, 2007, p. 131). Boccato e Fujita (2006, p. 15) salientam que: O objetivo do profissional da informação é representar o conteúdo da imagem fotográfica para torná-la acessível – socialização do conhecimento – ao usuário, e este tem por objetivo procurar informações que atendam as suas necessidades de investigação, entre outras finalidades. Portanto, esse processo requer um sincronismo entre o “olhar” do profissional da informação e o “olhar” do usuário. Nesse sentido, o desafio do tratamento técnico da imagem fotográfica, especialmente da representação do seu conteúdo, merece toda atenção dos estudiosos, pesquisadores e profissionais que atuam com esse documento. Dentre outras, estas são as razões que levam os pesquisadores a persistirem na busca de metodologias de análise e descrição de conteúdos fotográficos. Quando se tratam de fotografias pertencentes a coleções que tem como função preservar a memória e a história é preciso reconhecer toda a potencialidade documento fotográfico. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho tem como objetivo estabelecer uma proposição metodológica para análise e descrição das fotografias da série vida acadêmica, do período da ditadura militar, do Fundo Florestan Fernandes. Relata o estudo da estruturação, organização e acesso ao referido Fundo. Teve como objetivo estudar e realizar a análise e a descrição de um conjunto de fotografias, da Série Vida Acadêmica, do período da ditadura militar, quando Florestan foi exilado do Brasil, na década de 60. Teve como questão de pesquisa a utilização e aplicação dos conceitos da Ciência da Informação para o tratamento de registros de imagens fixas, a fotografia. Com a análise, interpretação e descrição, segundo as teorias advindas da Ciência da Informação, espera-se disponibilizar futuramente ao publico essa coleção temática. Vale lembrar que tal proposta encontra-se na fase de estruturação, o que nos impede de tecer resultados mais detalhados, sendo que a mesma comporá uma Dissertação de Mestrado junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade da Universidade Federal de São Carlos. 6 REFERÊNCIAS BOCCATO, V.; FUJITA, M.S.L.(2006) Discutindo a análise documental de fotografias: uma síntese bibliográfica. Cadernos de Biblioteconomia, Arquivística e Documentação, Lisboa. ISSN 0007-9421. :2, 84-100. COSTA, L.S.F. (2008). Uma contribuição da teoria literária para a análise de conteúdo de imagens publicitárias do fim do século XIX e primeira metade do século XX, contemplando aspectos da natureza brasileira. Marília: UNESP, 2008. ISBN 978-85-99803-35-6. Tese Doutorado. CUNHA, M. B.; CAVALCANTI, C.R.O.(2008). Dicionário de Biblioteconomia e Arquivologia. Brasília: Briquet de Lemos, 2008. ISBN 978-85-85637-35-4. DICIONÁRIO Brasileiro de Terminologia Arquivística (2005). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2005. ISBN 85-7009-075-7. KOSSOY, B. (2007) Os tempos da fotografia: o efêmero e o perpétuo. São Paulo: Ateliê, 2007. ISBN 978-85-74803-36-4. MATTOS, T. (2008). Componentes espaciais, sociais e culturais em fotografias de Cuiabá (MT), na década de 1920: subsídios para a leitura documental de imagens. Maília: UNESP, 2008. Dissertação Mestrado SMIT, J.W. (1996). A representação da imagem. INFORMARE: Cadernos do Programa de PósGraduação em Ciência da Informação. ISSN 0104-9461. 2:.2, (1996) p.28-36.