FLORESTAN FERNANDES NA COMISSÃO DE EDUCAÇÃO DA
CONSTITUINTE
A LUTA PELA ESCOLA PÚBLICA, LAICA E GRATUITA NO
BRASIL
SILVA, Ligiane Aparecida da – UEM
[email protected]
LIMA, Rosilene de – UEM
[email protected]
Eixo temático: Políticas Públicas e Gestão da Educação
Agência Financiadora: Não contou com financiamento
Resumo
O objetivo deste trabalho é analisar a participação do deputado federal Florestan Fernandes
na subcomissão de educação, cultura e esportes da constituinte brasileira, ocorrida entre
1987 e 1988, ano da promulgação da Constituição Federal, no governo de José Sarney.
Buscou-se, por meio de pesquisa bibliográfica, estabelecer relações entre o pensamento do
sociólogo e professor, sua atuação como deputado na luta pela escola pública, laica e
gratuita e o contexto político, social e econômico brasileiro que viabilizou a escrita do
texto constitucional que passaria a direcionar o país a partir de 1988. Assim, considera-se
necessário explicitar o conflito ocorrido durante o período analisado entre os
representantes das escolas privadas e confessionais e aqueles que defendiam a escola
pública de qualidade, do qual o deputado Florestan – socialista militante como era – fazia
parte. Para tanto, o trabalho foi dividido em três tópicos: o primeiro descreve parte da vida
e obra do deputado, a luta pela sobrevivência na infância e seu amadurecimento intelectual,
até o engajamento na política no ano de 1987; o segundo tópico aponta os objetivos de
Florestan Fernandes como deputado do Partido dos Trabalhadores, a elaboração de seus
projetos de lei para a educação e o embate entre representantes das escolas públicas e
privadas brasileiras; o terceiro discute o que, de fato, foi aceito como lei e incorporado à
Constituição do Brasil e apresenta a análise crítica de Florestan Fernandes e seus
companheiros a respeito da lei passou a reger o país e, especialmente, o sistema
educacional brasileiro, a partir do ano de 1988. Embora esse embate tenha ocorrido há
alguns anos, as discussões permanecem atuais e os resultados já podem ser sentidos no
campo da educação.
Palavras-chave: Florestan Fernandes. Constituinte. Educação Brasileira. Constituição de
1988
Introdução
7427
Este trabalho busca discutir a participação do sociólogo e deputado federal
Florestan Fernandes na subcomissão de educação, cultura e esportes da constituinte,
ocorrida desde o início do ano de 1987 até a aprovação do texto da Constituição brasileira,
promulgada em 5 de outubro de 1988, no governo de José Sarney.
Como o conflito entre escola pública e escola privada acirrou-se no Brasil nesse
período, procurou-se esclarecer a posição de Florestan Fernandes e sua contribuição para a
educação brasileira refletida no texto da Constituição de 1988, embora não da forma como
almejou o deputado.
A política brasileira dos anos de 1987 e 1988 caracterizou-se por uma intensa
disputa de interesses, quando os representantes dos partidos buscavam dar sua contribuição
na elaboração da lei que regeria o país a partir de então. Um conflito maior, ligado às
relações entre Estado e sociedade, manifestava-se pelos setores do país, entre eles a
educação. Enquanto alguns deputados mobilizavam-se para solicitar verbas e auxílio para
as escolas privadas e confessionais brasileiras, outros militavam pela escola pública, laica,
gratuita e de qualidade para todos.
Florestan Fernandes pertencia a este grupo. Não admitia nenhum tipo de
discriminação econômica, política, social ou religiosa na escola e sua própria história de
vida revela a forte preocupação de um professor que via no espaço escolar um ambiente
propício para o debate, para o questionamento e para o devido preparo dos jovens –
inclusive e principalmente daqueles provenientes das classes menos favorecidas – ao
enfrentamento da vida. Para ele:
Aquilo que se poderia chamar de “educação para uma nova era”, ou educação
para o século XXI é, literalmente, uma educação que se lança em nosso presente,
ou seja, nas necessidades psicológicas, culturais e políticas das classes
trabalhadoras (FERNANDES, 1989, p. 18).
A opção por estudar a participação de Florestan Fernandes em defesa da escola
pública no Brasil justifica-se pelo fato de ter sido ele uma das personalidades que mais
destacou-se durante o embate, por meio de intensos discursos e discussões e muitos
trabalhos escritos. Infelizmente, a maior parte deles referente a esse período e disponível
apenas na biblioteca do Congresso, encontra-se esgotada.
Segundo Octávio Ianni (1991, p. 08), “a formação acadêmica, o estilo de
pensamento e o compromisso com os problemas do povo têm suas raízes na formação
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humana; iluminam-se desde o horizonte do menino lá longe”. Por esse motivo, considerouse necessário o primeiro tópico deste trabalho, que aborda a infância e vida do professor,
sua história e a influência que ela exerceu sobre seu pensamento e opção política.
Amilton Costa elucida bem essa opção do deputado, quando afirma:
Florestan Fernandes é um autor que não concorda com o capitalismo e a forma
desigual e desumana em que os indivíduos são tratados no seio da sociedade
brasileira. Pelo contrário, o autor esperou e lutou para que esta sociedade
reduzisse as diferenças predominantes entre uma maioria com grande poder
aquisitivo e uma minoria privada das condições mínimas de sobrevivência
(COSTA, 2003, p. 67).
No Congresso, lutou para que o direito à educação pública fosse assegurado em lei
para todos e esbarrou nos interesses de outros grupos, que foram somando forças no
decorrer do embate: a igreja e o empresariado do ensino. Além disso, mesmo em meio ao
processo de redemocratização do país, os militares ainda exerciam forte influência na
tomada de decisões, o que representou mais uma barreira a ser superada contra o
conservadorismo. Eis a discussão do segundo tópico.
A educação na Constituição de 1988 e a análise do deputado Florestan é o assunto
do terceiro tópico, que conclui: os avanços da escola pública dizem mais respeito a manter
algumas conquistas do que a concretizar novos objetivos.
De qualquer forma, sua participação nos embates foi imprescindível e decisiva para
que tais direitos fossem, de fato, ao menos mantidos.
Florestan Fernandes: do engraxate ao militante político
Para escrever este tópico, optou-se pela obra de Laurez Cerqueira, intitulada
Florestan Fernandes, vida e obra (2004). Este autor acompanhou a luta do deputado no
Congresso, assessorando-o na Câmara dos Deputados. Como amigo de Florestan,
conheceu profundamente sua trajetória e história de vida. Eis o que nos conta a respeito:
Nascido no dia 22 de julho de 1920, Florestan Fernandes era filho de Maria
Fernandes, uma empregada doméstica solteira que trabalhava em uma casa de família em
São Paulo. O pai era um dos funcionários de uma das casas na qual a mãe havia
trabalhado. Ao engravidar, a mãe guarda segredo e foge em busca de outro emprego,
temendo o preconceito que teria de enfrentar. A partir daí, teria que batalhar sozinha para
criar o filho de maneira digna; uma mulher pobre, solteira e sem instrução com era.
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A falta de recursos obrigou-a a colocar desde cedo o menino nas ruas para trabalhar
e auxiliar no sustento da casa. Foi, então, que Florestan começou, antes mesmo de
completar sete anos de idade, a trabalhar como engraxate ou fazer qualquer serviço que
lher rendesse alguns trocados, como entregar compras de feira nas residências, por
exemplo.
Essa iniciação precoce ao trabalho deu-lhe condições de observar desde cedo as
nuanças da sociedade em que vivia. Teve que aprender a defender-se para garantir seu
lugar e a sobrevivência de sua família e essa realidade certamente aguçava sua forma de
olhar o mundo e as pessoas, como afirma Cerqueira (2004, p. 10):
Compreendeu – inicialmente nas ruas – as relações de poder e a luta de classes,
as injustiças sociais e o acúmulo de privilégios, nessa pedagogia do cotidiano
que o marcou profundamente. Para compreender seu gênio e seu empenho ao
interpretar o mundo, é necessário conhecer suas histórias, da vida na gangorra de
uma existência privada das facilidades reservadas aos bem nascidos.
Nas ruas, como engraxate, logo teve que disputar os pontos de maior movimento.
Magro e pequenino, contava apenas com a esperteza e a coragem, que não podiam lhe
faltar nos momentos de maior apuro. Assim, vencendo obstáculos, Florestan crescia sob a
vigilância severa de sua mãe. “[...] Em outras palavras, podemos afirmar que, juntamente
com as graxas, as flanelas, as escovas, o menino Florestan ía construindo sua visão de
mundo a partir da ótica ou do referencial que ele tinha da sociedade” (COSTA, 2004, p.
01).
Já na juventude, após ter experenciado as mais variadas atividades, Florestan
consegue um trabalho como garçom e decide retomar os estudos. Chegava a causar
admiração nas pessoas por compreender de forma incomum determinados assuntos. Por
esse motivo, ganhava livros de conhecidos e os lia a todos, inclusive as obras de Marx,
Engels, Lênin e outros.
Pelos contatos que fazia no bar, Florestan consegue um emprego como entregador
de amostras em uma empresa de produtos químicos. Assim, sem um horário fixo para
cumprir, pôde dedicar-se melhor aos estudos, até concluir seu curso de madureza.
Decidido a cursar uma faculdade, optou pelas Ciências Sociais, devida à falta de
condições para estudar Química, um curso integral. Ingressou na Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras após enfrentar uma acirrada concorrência. Durante esse período, o jovem
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troca várias vezes de emprego, casa-se com Myriam Rodrigues e, em 1946, já licenciado
em Sociologia, torna-se assistente do professor Fernando de Azevedo. Havia se destacado
muito na faculdade e sua produção intelectual era admirável; não demorou muito para
engajar-se profissionalmente e iniciar sua carreira como sociólogo.
Depois de formado, deixou clara sua opção por partidos de esquerda, engajando-se
no movimento subterrâneo contra o Estado Novo e passou a militar no PSR (Partido
Socialista Revolucionário), sob a ameaça de ser descoberto e perseguido pela ditadura.
Nesse período, o sociólogo escrevia sua tese de mestrado intitulada A organização
social dos Tupinambá, dividindo seu tempo entre a universidade e o partido político. Com
o tempo, engajou-se também na campanha nacional pela escola pública, juntamente com o
professor Fernando de Azevedo e o educador Anísio Teixeira. Por volta de 1947, concluiu
sua tese e desligou-se do movimento trotskista. Em 1951, torna-se doutor em Sociologia,
escrevendo A função social da guerra na sociedade Tupinambá. Em 1953, conquista a
cadeira de Sociologia I da USP e torna-se livre docente com a tese O método de
interpretação funcionalista na Sociologia. Florestan seguiu sua carreira como professor e
escritor e algumas de suas obras merecem maior destaque, como Sociologia de Classes e
subdesenvolvimento e A Revolução burguesa no Brasil.
Em 1960, com o início do regime militar, a USP começa a sofrer os impactos da
ditadura. Florestan é preso e depois de dois dias solto e homenageado pela universidade. A
perseguição acirrou-se em 1968, quando a USP teve seus portões trancados em decorrência
da repressão política advinda do AI-5. Em abril de 1969, Florestan ganha sua
aposentadoria e é exilado no Canadá, tornando-se professor da universidade de Toronto.
Na década de 1970, de volta ao Brasil, sua aproximação com os movimentos de
esquerda acirrava-se ainda mais. No entanto, sentia que seu país estava diferente com a
participação da sociedade na vida política do país, desde os intelectuais até as donas de
casa, todos reivindicando eleições diretas e democracia.
Florestan procurou envolver aqueles que haviam sofrido com a ditadura militar na
luta contra o regime, no intuito de fazer pressão e oferecer resistência. Muitas greves e
movimentos começaram a eclodir no país nesse período, dando origem ao Partido dos
Trabalhadores. O professor considerava-o o mais apropriado naquele momento para fazer
frente à ditadura na luta política pelas classes trabalhadoras. Como tinha consciência de
que, naquelas circunstâncias, não existiam condições favoráveis para a existência de um
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partido revolucionário, acreditava que, ao menos, muitas mudanças poderiam acontecer na
cultura política do país.
Luís Inácio Lula da Silva começava a destacar-se e ser reconhecido com líder entre
trabalhadores, intelectuais, estudantes e professores. Nesse mesmo período, o senador
Tancredo Neves é eleito presidente da República pelos parlamentares, decretando a derrota
do movimento pelas eleições diretas. Em pouco tempo, após seu falecimento, o senador e
vice-presidente José Sarney o substitui e passa a administrar o país.
No ano de 1986, Lula convida Florestan para participar das eleições diretas ao
Congresso Constituinte. Embora relutante e com a saúde frágil, o professor aceita o
desafio. Para o PT, a contribuição de Florestan na elaboração da nova Constituição Federal
era algo inestimável.
Ao filiar-se ao PT, iniciaram-se as reuniões que agregavam adeptos de diversas
correntes de esquerda. Florestan demonstrou plena disposição durante a campanha e, ao
final dela, foi eleito deputado federal com 50.024 votos. Disposto a participar
significativamente na elaboração da Carta Constitucional do país, o deputado, que lutava
para vencer sua enfermidade, ansiava para aproveitar a oportunidade única de representar
as classes trabalhadoras no Congresso.
Sua contribuição ocorreu de forma efetiva como integrante da Comissão de
Educação da Constituinte. A partir desse momento, o deputado dá início à sua luta para
garantir escola pública, laica e gratuita no texto da lei brasileira.
Escola pública X Escola privada
O início do ano de 1987 foi, de certa forma, preocupante para o “agora” deputado
federal Florestan Fernandes. A insatisfação do povo em relação ao governo crescia
juntamente com a violência, sob os constantes olhares dos militares. Os conservadores,
aliados aos militares, formavam a maioria no Congresso, por isso as possibilidades de
transformação eram precárias. Na verdade, falava-se em democracia, mas pairava no ar a
suspeita de um retorno dos militares ao poder, se acaso as mudanças não ocorressem
conforme o esperado.
O congelamento dos preços das mercadorias até o período das eleições rendera
muitos votos para o PMDB e PFL, partidos aliados ao governo de José Sarney. Porém,
com o desabastecimento de produtos nos supermercados e a alta inflação, crescia a
intolerância dos trabalhadores e a reivindicação por uma transição significativa. Segundo
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Cerqueira (2004, p. 138): “Florestan considerava a Constituinte ‘uma oportunidade rara
para a burguesia’, dizia. As condições eram ideais para se tentar amenizar as distorções do
‘capitalismo atrasado’, vigente no país, antes que fosse sucumbida pela crise econômica e
pela barbárie”.
O Congresso Constituinte abrira espaço para a apresentação de emendas populares.
Florestan também ganhava aliados no Parlamento, que defendiam, juntamente com ele, a
concessão de verbas públicas exclusivamente para instituições públicas. No entanto, alguns
deles não eram companheiros de partido, mas suas idéias convergiam em relação aos
recursos públicos e sua utilização (CAMACHO, 2000).
Com o tempo, o deputado voltou toda sua atenção para o movimento nacional pela
educação pública e gratuita e passou a participar da articulação do Fórum Nacional da
Educação , com a pretensão de assegurar os direitos dos estudantes e professores.
Assim que a Constituinte foi devidamente instalada, Florestan deixou claro seu
desejo de participar da subcomissão de educação e foi nomeado titular por Lula,
defendendo a seguinte proposição:
Atualmente, o que é necessário fazer para dar uma resposta criativa e um apoio
decidido à regeneração da sociedade civil, provocada primordialmente pelas
classes trabalhadoras em seu movimento orgânico e espontâneo, consiste em
tomar como eixo da reflexão e da ação pedagógica a revolução que está se
desencadeando, a qual põe o operário, o trabalhador agrícola e o homem pobre –
em síntese, os oprimidos – como o sujeito principal do processo educativo
(FERNANDES, 1989, p. 17).
Para Ianni (1991), as áreas do ensino e pesquisa oferecem maiores oportunidades de
inovação constitucional. Apesar das condições precárias das instituições públicas
brasileiras, o autor acredita que há possibilidades de transformação. E foi nesse sentido que
trabalhou o deputado Florestan.
No entanto, as escolas privadas lutaram pelo direito de receber verbas públicas,
juntamente com a Igreja. Todas as discussões passaram a girar em torno da questão
público-privado, o que Fávero (1996) irá afirmar que já se repetira em outros momentos da
história brasileira, quando da elaboração das constituições antecedentes
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O conflito público-privado na educação provavelmente não se extinguirá por
avaliações pessoais. Este fenômeno social é uma manifestação concreta, o
sintoma maior, de um intrincado problema que não se revela tão explicitamente,
que diz respeito às relações entre Estado e sociedade no Brasil. Este problema se
localiza no âmbito da delimitação das esferas públicas e privadas da sociedade
(FÁVERO, 1996, p. 255).
Por outro lado, Vera Peroni (2003) afirma que a Nova República foi um período
específico, em que forças da sociedade aliaram-se no combate à ditadura. Apesar de a
abertura política ter representado o que Fernandes (1986) e Saviani (2007) denominaram
de transição “pelo alto”, o processo constituinte ocorreu, segundo a autora, em meio a uma
correlação de forças.
Durante a constituinte, houve a preocupação de se formar grupos, como o Fórum de
Educação Constituinte em Defesa da Escola Pública (FNDEP) e os encontros da Federação
Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (FENEM) e das escolas confessionais, todos
organizados com o intuito de representar os interesses dos agentes do conflito e somar
forças a seu favor.
O Fórum em Defesa da Escola Pública tinha suas próprias reivindicações: escola
pública, laica, gratuita e sem discriminação econômica, religiosa ou política; livre acesso
para todos; qualidade no ensino e pluralismo das escolas particulares e públicas. O objetivo
pedagógico seria o desenvolvimento da capacidade de reflexão crítica do aluno e seu
devido preparo para a inserção no mercado de trabalho. O Estado, por sua vez, seria o
único responsável e fiscalizador da escola pública, sendo que a União deveria aplicar
nunca menos do que 13% dos recursos e os estados e municípios 25%. Ao Estado caberia
também a função de promover programas sociais para alcançar a população e garantir sua
permanência na escola.
Florestan, como membro do Fórum e titular da subcomissão, escrevia inúmeros
projetos de lei e apresentava-os à Câmara e era irredutível quando o assunto era dinheiro
público.
Já se falou que esta posição, que estou defendendo, está superada e é arcaica.
Devo lembrar a todos que arcaica e superada é a posição de se pretender que o
ensino confessional seja alimentado pela verba pública, pelos recursos públicos,
porque vem desde o início da República o combate da Igreja Católica contra a
expansão do ensino público (FERNANDES, 1989, p. 21).
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Apesar da participação ativa da Igreja em defesa das escolas privadas, já não era ela
a maior representante do grupo privatista naquele momento, e sim, os empresários do
ensino. Os conceitos “público, estatal e privado” foram modificados: público passou a
significar tudo aquilo que é destinado à população; estatal foi o nome dado a tudo o que era
mantido pelo Estado e privado passou a ter dois sentidos: privado lucrativo e privado
confessional, comunitário e filantrópico. Dessa forma, uma escola confessional poderia ser,
ao mesmo tempo, pública e estatal, sem deixar de ser privada.
Além dessas novas definições, o empresariado do ensino tinha a seu favor o
problema da falta de qualidade do ensino público, o descaso do Estado em relação ao
sistema educacional, os baixos salários dos professores e funcionários das escolas, a falta
de contratação de docentes, os espaços escolares mal estruturados e mal cuidados, a falta
de laboratórios, bibliotecas e até mesmo salas de aula, entre outros.
Para Bastos e Stephanou (2005), o crescimento demográfico, a industrialização e a
urbanização dificultaram ainda mais o atendimento e a qualidade da escola pública
brasileira, favorecendo a conquista de espaço por parte dos grupos privatistas.
As transformações sociais acarretaram modificações substanciais na
escolarização que começa cada vez mais cedo e termina cada vez mais tarde na
vida das pessoas. Assim, dada a atuação sempre insuficiente do Estado, fica
aberto um espaço enorme para a iniciativa particular que tem sabido ocupá-lo.
Na verdade, uma sociedade desigual tem uma escola desigual (BASTOS;
STEPHANOU, 2005, p. 62).
Entretanto, Florestan Fernandes permaneceu em sua luta pela democratização do
ensino brasileiro, rechaçando o ensino privado e elitizante, exercendo pressão para
preservar os direitos já adquiridos e trabalhando para assegurar a aquisição de outros mais.
Assim foi sua participação durante todo o embate, como demonstra este pequeno excerto
de um de seus discursos abaixo:
Portanto, escola pública, de alta qualidade é um requisito fundamental para a
existência da democracia [...] Por isso, peço a todos que votem comigo, com o
PT, com os Partidos democráticos desta Casa: verbas públicas para a escola
pública! (Palmas) (FERNANDES, 1989, p. 21).
A educação na Constituição de 1988
Florestan Fernandes no Congresso foi um elo de ligação entre o movimento
nacional pela escola pública e todos os que por ele interessavam-se. Procurou, de todas as
7435
formas, esclarecer estudantes, professores, companheiros de trabalho e, além disso,
enfrentou corajosamente os representantes das escolas privadas, denunciando o comércio
do ensino e a discriminação dentro das escolas. Porém, como já era esperado, não foi
possível garantir em lei todas as solicitações da Comissão e do Fórum para o ensino
público e tornou-se tarefa difícil avaliar qual a tendência mais beneficiada: se a escola
pública ou a escola privada.
O direito à escola pública e gratuita em todos os níveis foi garantido. Também foi
garantida a destinação de verbas para a educação. As universidades ganharam autonomia
didático-científica e administrativa, além da junção entre ensino, pesquisa e extensão. No
entanto, a autonomia ficou restrita às universidades e os recursos públicos para atividades
de pesquisa e extensão também foram garantidos aos particulares.
As escolas privadas, por sua vez, tiveram garantido o direito de receber recursos
públicos, no caso de serem comunitárias. Também receberam o direito de doar bolsas de
estudo para o ensino fundamental e médio sob o respaldo financeiro do Estado, no caso de
faltarem vagas na rede pública para o estudante. Em relação à obrigatoriedade do salárioeducação, as escolas privadas ficaram isentas por aplicarem a lei com seus funcionários e
dependentes. Ficaram isentas também das exigências relacionadas ao plano de carreira.
Com isso, a escola privada ficou excluída desses princípios gerais, configurandose assim a concepção de dois sistemas de ensino distintos, onde princípios
fundamentais vigoram apenas pra o setor público. Contraditoriamente, quando se
tratou do uso de recursos públicos, o grupo privado procurou tornar-se
semelhante ao público (FÁVERO, 1996, p. 283).
As escolas confessionais, além de garantirem o recebimento de recursos públicos,
conseguiram garantir o ensino religioso nas escolas públicas. Já as vitórias da escola
pública estiveram mais relacionadas com a permanência de algumas conquistas do que ao
alcance de novos objetivos. No entanto, o professor Florestan contava com as resistências
desde o início, com seu projeto audacioso para o ensino público que ameaçava os
interesses de grupos específicos.
A democratização do ensino, hoje, já não se confunde com a universalização do
ensino primário. Trata-se de democratizar todas as oportunidades educacionais,
de estabelecer um pólo popular e operário que compartilhe das mesmas garantias
educacionais que se universalizaram nas classes médias e altas (FERNANDES,
1989, p. 30).
7436
Apesar das deficiências, a Constituição manifestou tanto a participação de
governantes conservadores como a de progressistas e isso já representou um avanço para o
país, mesmo que lento. Procurou conciliar as duas posições e não se comprometer. Por esse
motivo, não foi possível eliminar o conflito entre o público e o privado na educação. Ainda
assim, Florestan Fernandes manifestou otimismo em relação ao sistema educacional
brasileiro.
A atual Constituição, apesar de suas notórias deficiências na parte relativa à
educação, contém alguns dos pontos ou eixos que servirão de roteiro para a
elaboração da lei de diretrizes e bases da educação nacional. Além disso, hoje
existem várias organizações que podem contribuir, com a experiência
acumulada, para o aprimoramento do conteúdo da lei (FERNANDES, 1989, p.
25).
Assim que a Constituição foi promulgada, no dia 05 de outubro de 1988, Florestan
voltou sua atenção à elaboração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação e à campanha
eleitoral de Lula à presidência da República, dando continuidade ao trabalho pela
democratização do ensino no país. Seu esforço foi necessário e imprescindível para a
configuração do sistema educacional brasileiro como hoje conhecemos.
Considerações finais
Observou-se, por meio deste trabalho, que a participação de Florestan Fernandes na
Comissão de Educação da Constituinte foi decisiva para garantir que alguns direitos
fossem preservados às instituições públicas de ensino brasileiras e para a conquista de
novos privilégios reivindicados por ele e por seus parceiros de trabalho.
A influência marcante dos grupos educacionais privatistas nos debates travados no
processo de elaboração da Constituição de 1988 contribuiu para que as escolas
confessionais e privadas garantissem a subvenção do Estado e o recebimento de verbas
públicas, além da isenção de alguns deveres que ficaram restritos ao sistema público de
ensino.
Florestan Fernandes contribuiu significativamente para que nosso sistema de ensino
fosse configurado da forma como conhecemos atualmente. Se não avançamos para uma
educação mais democrática e de qualidade, o fato deve-se à resistência dos grupos
conservadores que formaram a maioria no Congresso. Todavia, esses mesmos grupos
esbarraram-se na defesa acirrada deste professor, que continuou a militar pela escola
7437
pública após a Constituição de 1988, engajando-se no processo de elaboração da Lei de
Diretrizes e Bases da educação brasileira. Assim, conhecer sua pela escola pública é
imprescindível para que se compreenda melhor a história da educação brasileira, seus
avanços e retrocessos e para que se reflita sobre a realidade atual de nosso sistema de
ensino.
REFERÊNCIAS
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2004.
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Pesquisa Educacional) – Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2003.
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