FUNDAÇÃO ESCOLA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA DE SÃO PAULO III SEMINÁRIO DE PESQUISA DA FESPSP SISTEMA LEGISLATIVO BRASILEIRO E PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO: UMA ANÁLISE DO COMPORTAMENTO PARLAMENTAR DAS BANCADAS PARTIDÁRIAS E BANCADAS DE INTERESSE Aluno: Américo Monteiro Sampaio ([email protected]) Orientadora: Profa. Dra. Roseli Aparecida Martins Coelho ([email protected]) O objetivo deste trabalho é analisar o comportamento parlamentar dos Congressistas a partir das Bancadas Partidárias e das Bancada de Interesse, e sua relação com o Sistema Legislativo brasileiro no interior do Presidencialismo de Coalisão. Para isso, foram estudadas as votações nominais dos Congressistas a partir de 1988 até os dias atuais. E, estabelecidas relações entre estas votações e a movimentação das Bancadas Partidárias e de Interesse no tocante ao apoio ao Governo. Por conseguinte, foi igualmente estudada a mais recente bibliografia brasileira acerca do tema, especificamente no campo dos Estudos Legislativos, buscando identificar os principais conceitos e métodos de análise sobre o Comportamento Parlamentar. A partir daí foi identificada uma forte determinação das Bancadas Partidárias sobre o voto dos Congressistas, assim como também foi identificada uma forte determinação das Coalizões Parlamentares sobre a votação das Bancadas. Isso nos permitiu aferir que a relação do Governo com o Parlamento não é, necessariamente, uma relação de disputa e de controle. Pelo contrário, notamos que há uma relação próxima e dialética entre estes dois Poderes constitucionais, o que acaba por garantir um contexto específico de Poder de Agenda legislativa ao Executivo. Não obstante, ao final da pesquisa, sugerimos que nos faltam instrumentos e métodos de pesquisa e análise acadêmica para investigar e compreender o Comportamento Parlamentar das Bancadas de Interesse, que, ao que tudo indica – atuando fora da institucionalidade –, restringem-se ao obscurantismo da política. Sendo possível até observar o “resultado” de sua atuação. Mas intricado identificar o modo pelo qual este tipo de Bancada realiza suas atividades. 1. Presidencialismo de Coalizão. 2. Bancada Parlamentar. 3. Comportamento Parlamentar. 4. Divisão de Poderes. 5. Democracia. 6. Partidos Políticos. São Paulo 2014 Objetivos Os objetivos da presente pesquisa podem ser divididos em três pontos fundamentais: Investigar o funcionamento do Sistema Legislativo brasileiro que opera no Congresso Nacional, no tocante ao comportamento parlamentar no contexto de um Presidencialismo de Coalizão; Identificar como se movimentam as Bancadas Partidárias e as Bancadas de Interesse pós Constituição Federal de 1988; Caracterizar a arquitetura institucional do Estado brasileiro à luz da dialética organizacional entre o poder Executivo e o poder Legislativo. Introdução O presente artigo tem por objetivo apresentar tanto a investigação do comportamento parlamentar das Bancadas de Partidárias e de Interesse no Congresso Nacional, quanto à relação destes com a arquitetura institucional do Estado brasileiro, assim como com o Sistema Legislativo no interior de um Presidencialismo de Coalizão. Para tal, se faz necessário compreender o papel do poder Legislativo no Brasil e identificar suas atribuições constitucionais, e também dos demais poderes, afinal, o poder Legislativo existe em relação aos outros poderes institucionais. Essa complexidade organizacional será nosso ponto de partida. O Sistema Legislativo brasileiro insere-se na divisão de poderes constitucionais e na configuração do Estado brasileiro, a saber, o Poder Executivo, o Poder Legislativo e o Poder Judiciário. É a partir da Constituição Federal de 1988 (CF) que se define o funcionamento do Estado brasileiro em vigência. Os três poderes constitucionais possuem atribuições específicas, com o objetivo de se complementarem e se “balancearem” como freios e contrapesos1. Essa arquitetura institucional está necessariamente relacionada com o conceito de democracia ou, de Estado Democrático, pelo simples fato de que, ao se “balancearem” concomitantemente, se autocontrolam e se “regulam” equilibrando o sistema de Poder. Como se preconiza em uma democracia: nenhum poder deve existir sem controle. Essa dimensão de autocontrole já é garantia do melhor funcionamento do Estado e da própria Democracia, impedindo que uma pessoa ou um grupo de pessoas tenham excesso de poder sobre a máquina pública e sobre a população como um todo. Para melhor compreender a importante e complexa relação entre os três poderes constitucionais, teceremos a seguir breves observações acerca do tema. 1 A ideia de um sistema de freios e contrapesos consiste na determinação de não haver prevalência de um sobre outro. Entende-se que há a necessidade de equilíbrio, independência e harmonia entre os poderes, possibilitando, inclusive, a interferência de um sobre outro. 2 A função do Poder Judiciário é garantir a efetivação da justiça. É o Poder Judiciário responsável pelos julgamentos, condenações e absolvições, investigações, assim como também responsável pela intervenção na sociedade à luz da CF, buscando, sempre, garantir que ela se efetive e não seja violada. Em suma, o Poder Judiciário atua – mormente – na vigilância da constitucionalidade ou inconstitucionalidade das ações do Estado, dos cidadãos e das demais instituições que compõe o tecido social. Na esfera Federal, o Poder Judiciário é representado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Superior Tribunal de Justiça (STJ), Tribunal Superior do Trabalho (TST), Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e Superior Tribunal Militar (STM), além de outras instituições subrelacionadas hierarquicamente a elas, que, a nosso ver, não vem ao caso neste momento comentá-las. Cabe destacar que o STF e o STJ acabam ganhando mais destaque na arena política por serem as instituições responsáveis por julgar os casos mais polêmicos e de temas mais abrangentes. Ambos são compostos por Ministros indicados pela Presidência da República, tendo no primeiro caso 11 Ministros titulares, e no segundo 33 Ministros. Já a função do Poder Executivo é operacionalizar o governo do Estado, ou, em outras palavras: governar o Estado. Sua responsabilidade é executar políticas públicas de acordo com a lei para a garantia dos objetivos constitucionais maiores, como garantir o bem-estar da população. O Poder Executivo tem a prerrogativa constitucional da elaboração do orçamento público, da definição da política externa e de segurança nacional, e, por último, mas não menos importante, de aprovar, sancionar ou vetar as leis elaboradas pelo poder Legislativo – a partir da Constituição de 1988, a rigor, o poder Executivo adquiriu atribuições institucionais para criar leis para apreciação do poder Legislativo e legislar por meio de Medidas Provisórias (MP)2. Para compreendermos as atribuições do poder Executivo, consideramos importante atentar para o processo de implementação da Democracia no Brasil, após o período de redemocratização na década de 1980, em especial às alterações administrativoinstitucionais que a nova Constituição Federal consolida. Sem entrar no mérito do processo que mobilizou sociedade e a classe política, e que terminou estabelecendo seu escopo e potencialidades, o Congresso Constituinte brasileiro (1987-1988) terminou por promulgar Carta Magna definindo o regime político, a organização administrativa, a arquitetura institucional e o sistema de governo do país. Por meio da análise destas dimensões 2 “Ato normativo de iniciativa exclusiva do Presidente da República, com força de lei, que pode ser expedido em caso de urgência e relevância. Produz efeitos imediatos, mas depende de aprovação do Congresso Nacional para transformação definitiva em lei.” CF, Art. 62. (“PORTAL DA CÂMARA DOS DEPUTADOS”, [S.d.]) 3 poderemos identificar alguns elementos que nos servirão de instrumento de análise no decorrer da pesquisa. A CF consagrou que a partir de sua promulgação o Brasil passava a ser uma República Federativa, de regime Democrático e sistema Presidencialista. O modelo Republicano e Presidencialista foi também referendado cinco anos depois, em 1993, por um Plebiscito 3 Nacional. Ser uma ‘República’ significa que o Estado brasileiro é governado por um poder central, dirigido por pessoas que terão o consentimento do povo mediante sufrágio universal e livre. Este poder central é chamado de Governo da República (ou Governo Federal). Aqueles que governam o Estado (o Governo Federal), não serão proprietários do poder político, nem se privilegiarão das instituições públicas, pelo contrário, os que governam o Estado brasileiro são livremente escolhidos e eleitos pelo povo, por período determinado e com o dever e atribuição de servir-lhe naquilo que lhe é de direito. São eles servidores do povo, e não proprietários do Estado. O interesse público – constitucionalmente – deve sempre estar acima dos interesses privados. A questão ‘Federativa’ significa que mesmo que o Estado brasileiro seja composto por um poder central (Governo Federal), ele não é unitário, pois é também composto por estados (Governos) subnacionais que possuem relativa autonomia de governo sobre seus territórios, mas estão submetidos, de maneira hierarquizada, às leis do País. A autonomia política implica em responsabilidades e prerrogativas específicas, articulando as diferentes esferas na execução das políticas públicas. Isso garante que cada parcela do território nacional (Estados) apresente uma esfera de governo específica e marcos institucionais próprios, que, balizada pelo Governo Federal, por definição, não podem invadir sua circunscrição. Ao passo que têm a possibilidade de estabelecer leis e denominações particulares. A instituição do regime Democrático aponta para o princípio de que o poder político no Estado brasileiro pertence ao povo. Os que governam o Estado tem o direito de governar mediante o consentimento do povo e por tempo determinado, como já citado. Aqueles que governam devem servir o povo, respeitando o poder que dele emana, pois numa democracia o poder político pertence ao povo, e não ao Estado ou aqueles que o governam. Em suma: o poder soberano pertence ao povo, o Povo brasileiro é proprietário do poder soberano. 3 “Em 21 de abril de 1993, foi realizado plebiscito que demandava escolher monarquia ou república e parlamentarismo ou presidencialismo. Essa consulta consolidou a forma e o sistema de governos atuais (“TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL”, [S.d.]). Neste Plebiscito, a maioria dos eleitores votou a favor do regime republicano e do sistema presidencialista. 4 E, por fim, o regime ‘Presidencialista’ estabelece que a autoridade máxima do Estado brasileiro seja o chefe do Poder Executivo, a saber: quem ocupa a Presidência da República. Sendo o chefe da República a autoridade máxima do Estado brasileiro, este é eleito diretamente pela população. A partir da CF, sua eleição se dá por sistema majoritário, com uma sistemática em que é eleito aquele que atinge maioria absoluta (mais da metade dos votos apurados) em primeiro turno, ou maioria relativa (maior número dos votos apurados) em segundo turno. Podemos observar que não só o Poder Executivo, mas principalmente ele – nesta análise introdutória –, é definido pelos preceitos fundados na CF, que estabelecem o quadro institucional nos termos de uma República Federativa Democrática e Presidencialista. De acordo com a CF, a função do Poder Legislativo é legislar, criar leis, representar a população no Congresso Nacional (no plano federal) e fiscalizar o Poder Executivo. O Poder Legislativo também tem a atribuição de aprovar, regulamentar e vetar as leis elaboradas pelo Poder Executivo. Diferente deste último, o Legislativo é eleito por sistema proporcional de votos (no qual se aplica o cálculo do quociente eleitoral: divisão do número de "votos válidos" pelo de "vagas a serem preenchidas"). O sistema proporcional visa garantir maior pluralidade e representação da população nas casas legislativas. Entendendo-as como as casas do povo, o sistema proporcional visa garantir a entrada no sistema político de representantes de diversas classes, categorias e ideologias, buscando que as casas legislativas representem, se não todos, a maioria do espectro ideológico e social da sociedade. No entanto, cabe destacar que o sistema proporcional pelo qual são eleitos os representantes do poder Legislativo, se insere no contexto multipartidário de voto proporcional em lista aberta, ou seja, a população vota nos cargos do Legislativo sem existir uma lista de candidatos a priori, e, a partir da votação é que se constrói a lista (ordem) dos candidatos que ingressarão na legislatura. Soma-se a isso o fato de o pleito eleitoral no Brasil ser distinto para a Presidência da República (poder Executivo) e para o Congresso Nacional (poder Legislativo). Essas duas instâncias não têm vinculação no processo eleitoral. Assim, pela sua relativa independência eleitoral, é possível constatar de antemão que existem chances de um(a) presidente(a) da República ser de um partido diferente dos partidos que compõem a maioria do Congresso, ou, em outras palavras, nada garante que o chefe do Poder Executivo tenha apoio da maioria dos Congressistas do poder Legislativo. Na esfera federal o Poder Legislativo é representado pelo Congresso Nacional, que é dividido em duas casas: o Senado Federal, representado pelos Senadores, e a Câmara dos 5 Deputados, representada pelos Deputados Federais. São, respectivamente, 81 Senadores e 513 Deputados Federais, sendo que no primeiro caso, cada Senador representa os interesses de seu Estado subnacional (ou federado), totalizando três representantes por Estado (26 Estados e Distrito Federal). Já no segundo caso, os Deputados Federais representam a pluralidade da população de seus Estados – embora não seja uma proporcionalidade “plena”. Por conta disso, diferente do primeiro, o número de Deputados é proporcional4 à população dos Estados federados e do Distrito Federal. O Sistema Legislativo brasileiro tem suas atribuições e funcionamento estabelecidos de acordo com as prerrogativas constitucionais citadas brevemente acima. Mas, para compreender a Realpolitik e o modus operandi do Congresso Nacional, se faz necessário lançar mão de um olhar mais técnico e específico das relações instituídas entre os Congressistas, os grupos de interesse parlamentar e o poder Executivo, assim como as demais instituições que compõem o tecido social e o sistema político. De acordo com o Art. 44 da CF, o Poder Legislativo representado pelo Congresso Nacional tem por atribuição “dispor sobre todas as matérias de competência da União” (Brasil, 1988). Para isso, no interior do Congresso os parlamentares podem se dividir de diversas formas: por partido (Bancadas Partidárias), por interesse ou região (Bancadas de Interesse ou Bancadas Suprapartidárias), por adesão ou não ao bloco do Governo (Bancada Governista e Bancada de Oposição), por assuntos específicos (Frentes Parlamentares), ou ainda por associações e outras formas de constituição de grupo (Grupos Parlamentares). A depender do momento político, estas bancadas se subdividem de uma maneira específica ou, em outras palavras, elas não são monolíticas nem estanques, pelo contrário, variam conforme varia também “os ventos da política”. Mas elas possuem lógicas e sentidos em sua movimentação, e seu comportamento pode revelar muita coisa de como funciona nosso Sistema Político, assim como revelar algo mais a respeito da enorme importância que tem a organização do processo legislativo no conjunto desse sistema, o Sistema Legislativo e a relação deste com os diversos grupos de interesse. Metodologia e Justificativa A metodologia da pesquisa parte de uma questão central: investigar o funcionamento empírico do Sistema Legislativo, no tocante ao comportamento parlamentar, num contexto de um Presidencialismo de Coalizão. Essa questão nos guiará para uma melhor 4 Atualmente, cada unidade da Federação pode eleger de 8 (mínimo) a 70 (máximo) deputados, conforme estabelecido pela Constituição Federal, no art. 45. É ainda regulamentada pela Lei Complementar nº 78, de 1993. (“PORTAL DA CÂMARA DOS DEPUTADOS”, [S.d.]) 6 compreensão acerca da movimentação e comportamento parlamentar e dos grupos de interesse. Para darmos conta do objeto da pesquisa, não vamos analisar o Sistema Legislativo brasileiro como um todo, pelo simples fato de essa pesquisa ser um projeto de Iniciação Científica. Como o próprio nome propõe, o objetivo fim desse trabalho é iniciar uma linha de raciocínio e argumentação científica, trabalhando e relacionando bibliografias e levantando reflexões. Assim, este trabalho não pretende encerrar discussões ou chegar a grandes conclusões, mas sim dar início à reflexão acerca do comportamento parlamentar e da relação entre o Sistema Legislativo brasileiro e o Presidencialismo de Coalizão. O objeto da pesquisa (Sistema Legislativo brasileiro e Presidencialismo de Coalisão), foi recortado em tempo e espaço. O tempo está compreendido entre o Congresso Constituinte (1987-1988) e o fim do segundo mandato do governo Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT) (2014), e o espaço terá como fulcro de análise o Congresso Nacional, em especial as Bancadas Partidárias e as Bancada de Interesse. Isso posto, para conseguir identificar o melhor caminho para estudar o Sistema Legislativo à luz de um Presidencialismo de Coalizão, focando na questão da movimentação e comportamento parlamentar dos grupos de interesse, o primeiro passo foi identificar o que estamos chamando de grupos de interesse. Segundo Norberto Bobbio, em seu Dicionário de Política Sua definição [dos Grupos de Interesse] mais explícita se acha em Truman, para o qual grupo de interesse é "qualquer grupo que, à base de um ou vários comportamentos de participação, leva adiante certas reivindicações em relação a outros grupos sociais, com o fim de instaurar, manter ou ampliar formas de comportamento que são inerentes às atitudes condivididas" (cf. TRUMAN, 1951). (BOBBIO, 1998, p. 564) Porém, nem para nós, nem para Norberto Bobbio essa expressão é satisfatória. A nós ela parece ser muito abrangente e não colabora com a definição do que chamamos de grupos de interesse. Para Bobbio, essa definição deixa “muito genérica a noção de interesse, e por isso analiticamente inservível, de tal modo que, praticamente, cada grupo crescente numa sociedade se torna um grupo de interesse”. (BOBBIO, 1998, p. 564). Bobbio continua a tentar encontrar uma definição para a ideia de grupos de interesse, e com base em Bentley afirma Bentley não tinha colocado este problema, pois que, antes de tudo, considerava [na ideia de Grupos de Interesse] o grupo como uma categoria analítica e não concreta e, em segundo lugar, identificava o interesse com a atividade. Fazendo assim dava 7 como descontado que todo interesse se exterioriza em formas de atividades, já que podem existir interesses não ativados. (BOBBIO, 1998, p.564) Assim, optamos por tomar como referência a noção de que grupos de interesse não são categorias concretas que se pode analisar como se analisa uma Instituição qualquer. Grupos de interesse serão tomados nessa pesquisa como categoria analítica – como propõe Bentley –, e nos ateremos, justamente, à sua atividade, entendendo que é ela que é passível de análise para compreender o comportamento parlamentar. Afinal, é a atividade dos grupos de interesse que pode explicitar seus “reais” interesses. O recurso para este problema, que se apresenta de antemão na pesquisa, é a definição metodológica com foco na análise da atividade dos grupos de interesse, e não os grupos de interesse em si. Ou seja, não nos interessará saber quem são os membros desses grupos ou o que fazem em suas vidas individuais5, mas sim saber como se comportam os Congressistas: como votam, porque votam e o que votam no Congresso Nacional. Pois, para este artigo, os grupos de interesse configuram categorias analíticas, e não categoria concreta. Por fim, por mais que entendamos os grupos de interesse como uma categoria analítica, é importante “descer mais um nível” na análise para conseguir trabalhar com dados empíricos. Quais grupos serão analisados? Se escolhermos um grupo de interesse com crivo “temático”, como por exemplo, a Bancada Ruralista ou a Bancada Católica, estaremos cometendo um equívoco metodológico, pois deixaremos novamente sua atividade para analisar sua estrutura material. Porquanto, ao invés de um grupo de interesse específico, analisaremos dois tipos de grupo de interesse: as Bancadas de Interesse6 e as Bancadas Partidárias7. A nosso ver, são estas duas Bancadas que caracterizam categorias de grupos de interesse e que melhor expressam a relação entre o Sistema Legislativo brasileiro e o Presidencialismo de Coalizão, nos dando referências para compreender como agem os grupos de interesse. 5 Analisamos alguns artigos, teses de mestrado e doutorado que se propunham a analisar as Bancadas Parlamentares específicas, como a Bancada Ruralista ou a Bancada Evangélica, por exemplo. E notamos que essas pesquisas buscavam conhecer quem eram os membros dessas Bancadas e o que faziam em sua vida particular, por exemplo, se tinham terras, se eram sócios de empresas, se eram pastores, ou se tinham vinculo com alguma Igreja, etc. Muitas pesquisas tentavam entender os grupos de interesse como algo material e específico, e não como uma categoria analítica, como nos propomos nesta pesquisa. 6 Bancadas de Interesse são Bancadas formadas por grupos de parlamentares que se aglutinam por um interesse específico. Este interesse pode ser tanto territorial, como no caso do Congresso Nacional (por exemplo, Bancada do Estado de Minas Gerais), como pode também ser um interesse específico de classe, de atividade profissional ou ainda por outras razões como religiosas (por exemplo, Bancada Ruralista ou a Bancada Evangélica). 7 Bancadas Partidárias são Bancadas formadas pelos parlamentares de mesmo partido político numa determinada casa legislativa (por exemplo, Bancada do PT). 8 A partir desses princípios, serão utilizados como base metodológica os conceitos-chave da bibliografia especializada, assim como também dados primários e secundários relativos às votações nominais no Congresso Nacional. Objeto da Pesquisa A partir da definição metodológica, buscaremos identificar melhor dois tipos de grupo de interesse: as Bancadas de Interesse e as Bancadas Partidárias. Pelo Glossário da Câmara dos Deputados, Bancada Parlamentar é o “Agrupamento organizado dos parlamentares de uma mesma representação partidária” (“PORTAL DA CÂMARA DOS DEPUTADOS”, [S.d.]). Porém, esta definição não para por aí. O mesmo texto afirma que “Informalmente, costuma-se chamar [também] de bancada [Parlamentar] o grupo de parlamentares de uma determinada região ou Estado (bancada mineira, bancada nordestina, etc.), ou que representem determinados interesses (bancada ruralista, bancada evangélica, etc.).” (“PORTAL DA CÂMARA DOS DEPUTADOS”, [S.d.]). O que se destaca deste trecho é que as Bancadas Parlamentares podem ser dividias em outras duas: uma relacionada a parlamentares de um mesmo partido político, o que denominaremos como Bancada Partidária, e outra relacionada a parlamentares que se unem “por interesse” o que denominaremos como Bancada de Interesse. Cabe destacar de início que não existem, do ponto de vista legal e constitucional, as Bancadas de Interesse. Entretanto, podemos observar claramente no Glossário da Câmara dos Deputados que elas são assumidas e reconhecidas. Talvez possamos pensar que isso decorra do fato de essas Bancadas de Interesse serem compreendidas como uma prática “natural” do funcionamento das casas legislativas e por isso sejam reveladas no texto do Glossário da Câmara dos Deputados. Com relação a este assunto, faremos um breve parêntese. Em primeiro lugar, isso mostra a “institucionalização do obscurantismo” na política brasileira, pois é de amplo e nítido conhecimento que o processo decisório parlamentar passa também pelas Bancadas de Interesse. Mesmo sendo de amplo conhecimento da sociedade, essas Bancadas “não existem” formal nem institucionalmente para o Estado, o que às isenta completamente do controle de seu funcionamento por parte do Estado e da Sociedade Civil, naturalizando que as decisões políticas são tomadas fora do campo institucional. Em segundo lugar, esse fato também nos coloca diante de grandes limitações do ponto de vista metodológico, uma vez que o acesso aos dados e as conferências destes grupos ficarão sempre submetidos a um grau de dificuldade muito maior do que outros dados que são institucionalizados (como por exemplo, as Bancadas Partidárias, em que a lista com os 9 nomes de cada integrante assim como de suas informações básicas são encontradas em sites oficiais). Voltando ao debate central, para conseguir conceituar melhor as Bancadas de Interesse e as Bancadas Partidárias, é preciso compreender seu funcionamento e suas atribuições no interior do objeto material da pesquisa: o Congresso Nacional. Em outras palavras, é preciso saber como funciona o Congresso Nacional. O Artigo 48 da CF define que o “Congresso Nacional disponha sobre o sistema tributário, orçamentário, Forças Armadas, Programas, Organização Administrativa” (Brasil, 1988) entre outros, dando-lhe poderes a partir da sanção do Presidente da República 8 e também prerrogativas exclusivas. Como já apontamos o conjunto de atribuições do Congresso Nacional, vamos analisar como os Congressistas se dividem e se aglutinam nesse contexto. E para facilitar a análise focaremos na Câmara dos Deputados e não no Senado Federal. Analisando as Bancadas Partidárias da Câmara dos Deputados, observamos que atualmente – no mandato 2011/2014 – existem 19 Bancadas Partidárias, nas quais se distribuem os 513 Deputados Federais. Como dito acima, nas Bancadas Partidárias essa distribuição se dá pelos partidos políticos em que os Congressistas pertencem. 8 Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre: I - sistema tributário, arrecadação e distribuição de rendas; II - plano plurianual, diretrizes orçamentárias, orçamento anual, operações de crédito, dívida pública e emissões de curso forçado; III - fixação e modificação do efetivo das Forças Armadas; IV - planos e programas nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento; V limites do território nacional, espaço aéreo e marítimo e bens do domínio da União; VI - incorporação, subdivisão ou desmembramento de áreas de Territórios ou Estados, ouvidas as respectivas Assembléias Legislativas; VII transferência temporária da sede do Governo Federal; VIII - concessão de anistia; IX - organização administrativa, judiciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública da União e dos Territórios e organização judiciária e do Ministério Público do Distrito Federal; X - criação, transformação e extinção de cargos, empregos e funções públicas, observado o que estabelece o art. 84, VI, bXI - criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública XII - telecomunicações e radiodifusão; XIII - matéria financeira, cambial e monetária, instituições financeiras e suas operações; XIV - moeda, seus limites de emissão, e montante da dívida mobiliária federal. XV - fixação do subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, observado o que dispõem os arts. 39, § 4º; 150, II; 153, III; e 153, § 2º, I (Brasil, 1988) 10 Tabela 1 - Bancadas Partidárias (para a legislatura 2011/2014) Partido/Bloco Bancada Líder / Representante PT 88 VICENTINHO PMDB 72 EDUARDO CUNHA Bloco PP, PROS 60 EDUARDO DA FONTE PSD 45 MOREIRA MENDES PSDB 44 ANTONIO IMBASSAHY Bloco PR, PTdoB, PRP 37 BERNARDO SANTANA DE VASCONCELLOS DEM 28 MENDONÇA FILHO PSB 24 BETO ALBUQUERQUE SD 21 FERNANDO FRANCISCHINI PDT 18 FÉLIX MENDONÇA JÚNIOR PTB 18 JOVAIR ARANTES PCdoB 15 JANDIRA FEGHALI PSC 12 ANDRE MOURA PRB 10 GEORGE HILTON PV 8 SARNEY FILHO PPS 6 RUBENS BUENO PSOL 3 IVAN VALENTE PMN 3 FRANCISCO TENÓRIO PEN 1 NILMAR RUIZ Total 513 Fonte: (“PORTAL DA CÂMARA DOS DEPUTADOS” [S.d.]) Elaborado por: Américo Sampaio Nome do Partido / Bloco Partido dos Trabalhadores Partido do Movimento Democrático Brasileiro Bloco Parlamentar PP, PROS Partido Social Democrático Partido da Social Democracia Brasileira Bloco Parlamentar PR, PTdoB, PRP Democratas Partido Socialista Brasileiro Solidariedade Partido Democrático Trabalhista Partido Trabalhista Brasileiro Partido Comunista do Brasil Partido Social Cristão Partido Republicano Brasileiro Partido Verde Partido Popular Socialista Partido Socialismo e Liberdade Partido da Mobilização Nacional Partido Ecológico Nacional Tomando como exemplo o atual momento político brasileiro (Tabela 01), dentro da legislatura 2011/2014, é notória a maioria absoluta de Bancadas Partidárias que apoiam o Governo atual de Dilma Rousseff (PT) (Tabela 02). Das dezenove Bancadas supracitadas, onze são aliadas ao Governo9: Partido dos Trabalhadores (PT), Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), Partido Progressista (PP) e Partido Republicano da Ordem Social (PROS), Partido Social Democrático (PSD), Partido da República (PR) e Partido Trabalhista do Brasil (PTdoB) e Partido Republicano Progressista (PRP), Partido Democrático Trabalhista (PDT), Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Partido Social Cristão (PSC), Partido Republicano Brasileiro (PRB), e Partido da Mobilização Nacional (PMN). O que representa um total de 378 Congressistas, ou seja, 74% do Congresso. Apenas seis Bancadas se assumem como sendo de oposição (Tabela 02): Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), Democratas (DEM), Partido Socialista Brasileiro (PSB), Partido da Solidariedade (SD), Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e Partido Ecológico Nacional (PEN), totalizando 121 Congressistas. E há ainda duas Bancadas que se afirmam independentes, são elas o Partido Verde (PV) e o Partido Popular Socialista (PPS), que totalizam 14 Congressistas. 9 Assim como a informação sobre a constituição de uma Bancada de Interesse, a informação sobre quem é base aliada ao governo e quem é base de oposição é muito incerta e de difícil acesso. Os dados apresentados fazem parte de matérias e reportagens, e sites de partidos políticos em que se dava essa determinação. Dessa forma, confiamos em nos dados levantados não por serem a verdade “oficial”, mas por ser uma média aproximada do que a classe política e os partidos políticos dizem publicamente sobre tal apoio e configuração. Cabe comentar também que esta pesquisa de encerra justamente em meio ao processo eleitoral nacional e estadual, o que dificulta ainda mais fazer esse recorte, pois as coligações partidárias para as eleições nem sempre mantêm as formações iniciais de um Governo. 11 Tabela 2 - Bancadas Partidárias por Coalizão Parlamentar (para a legislatura 2011/2014) Base Aliada Bancada Oposição Bancada Independente PT 88 PSDB 44 PV PMDB 72 DEM 28 PPS Bloco PP, PROS 60 PSB 24 PSD 45 SD 21 Bloco PR, PTdoB, PRP 37 PSOL PDT 18 PEN PTB 18 PCdoB 15 PSC 12 PRB 10 PMN 3 Total Bancada 8 6 Total 14 3 1 Total 121 378 Fonte: (“PORTAL DA CÂMARA DOS DEPUTADOS” [S.d.]) Elaborado por: Américo Sampaio Contudo, os 513 Deputados Federais também se dividem de outra maneira, como é possível observar nas matérias e reportagens do jornalismo político, assim como também é nítido e certo observar nas declarações dos Congressistas e nas análises de pesquisadores, instituições e Movimentos Sociais, sobre o Congresso Nacional. Em suma, os 513 Deputados também se aglutinam em Bancadas de Interesse, ou seja, por interesses específicos. Muitas reportagens e análises são feitas apontando a existência dessas Bancadas, porém, em praticamente todas inexistem fontes de informações ou bases de dados utilizadas para chegar a estas diferentes afirmações. A solução encontrada, então, foi a utilização dos estudos realizados pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP)10. O DIAP realiza sistemáticos estudos sobre do Congresso Nacional, dentre eles, análises das Bancadas Suprapartidárias – o que neste Artigo se equivalerá ao que chamamos até o momento de Bancadas de Interesse. Assim, utilizaremos a “‘Radiografia’ do Congresso Nacional” realizada em 2010, elaborada pelo DIAP para a legislatura 2011/2014, para identificarmos e refletirmos sobre a composição, comportamento e movimentação dessas Bancadas no Congresso Nacional. Nela são identificadas nove Bancadas Suprapartidárias no Congresso Nacional, que se dividem da seguinte forma: Bancada Feminina: número de Deputadas mulheres eleitas. Segundo o DIAP, para a Câmara dos Deputados foram identificadas quarenta e cinco (45) Deputadas Federais que podem ser caracterizadas como integrantes da Bancada Feminina. Bancada Evangélica: número de Deputados evangélicos eleitos. 10 A pesquisa do DIAP foi desenvolvida logo após o término do processo eleitoral de 2010. Dessa forma os dados apresentados podem ter sofrido algumas alterações, o que não prejudica a reflexão desenvolvida. 12 Segundo o DIAP, para a Câmara dos Deputados foram identificados como Deputados evangélicos que compõem a Bancada Evangélica setenta (70) Congressistas. A Bancada Evangélica é identificada pela forte atuação sobre temas relacionada à Fé, a Igreja, ao aborto, às drogas e à manutenção da família heterossexual e monogâmica, quando estas se tornam pauta no Congresso Nacional. Bancada de Parentes: número de Deputados com vínculos familiares com outros políticos que atuam ou já atuaram na elite da política nacional Segundo o DIAP, para a Câmara dos Deputados foram identificados oitenta e um (81) Deputados Federais que podem ser categorizados como ‘parentes’ próximos, ou, ‘herdeiros eleitorais’ de outros políticos que figuram no alto escalão da política brasileira. Bancada Empresarial: número de Deputados proprietários ou sócios de algum estabelecimento privado cuja principal fonte de renda advém dos rendimentos de seus negócios Segundo o DIAP, para a Câmara dos Deputados foram identificados como Deputados empresários que compõem a Bancada Empresarial duzentos e quarenta e seis (246) Congressistas. A Bancada Empresarial tem como principal foco de atuação nas pautas relacionadas aos tributos dos setores produtivos e também leis e direitos trabalhistas. Bancada Sindical: número de Deputados que têm vinculação com a luta sindical Segundo o DIAP, para a Câmara dos Deputados foram identificados como integrantes da Bancada Sindical oitenta e três (83) Congressistas. A Bancada é composta por sindicalistas do movimento sindical, ou por ex-integrantes que já exerceram cargo na direção de sindicatos, federações, confederações ou centrais sindicais, assim como assessores ou consultores de entidades sindicais. Bancada Ruralista: número de Deputados que mesmo não sendo necessariamente proprietário rural ou da área de agronegócios, assume sem constrangimento a defesa dos pleitos da bancada, não apenas em plenários e nas comissões, mas em entrevistas à imprensa e nas manifestações de plenário Segundo o DIAP, para a Câmara de Deputados foram identificados cento e quarenta (140) Congressistas com relação íntima e/ou integrantes da Bancada Ruralista. Essa Bancada atua fortemente e de maneira articulada em pautas que dizem respeito à convergência do setor rural, como por exemplo, a Reforma Agrária e o Código Florestal. Bancada da Saúde: número de Deputados que se unem em torno da questão da saúde, em específico, a questão do aumento de verbas para a área da saúde. Segundo o DIAP, para a Câmara dos Deputados foram quatro (4) os Congressistas reeleitos em 2010 advindos da Bancada da Saúde da legislatura anterior. Por conta de o estudo ter sido feito ao término imediato do processo eleitoral de 2010, o DIAP optou por não montar uma lista com os Deputados que se integram à Bancada da Saúde, pelo fato de existir a necessidade de se “assentar” a poeira eleitoral deste momento específico para a leitura dessa Bancada específica. Bancada da Educação: número de Deputados que se unem em torno da pauta da Educação. Por mais que seja um grupo heterogêneo, a questão da “melhoria” da qualidade da Educação e o aumento de recursos para a área unem os congressistas em torno dessa Bancada Segundo o DIAP, para a Câmara dos Deputados são identificados cerca de 200 Congressistas que estão ligados de alguma maneira com a pauta da Educação, e, segundo o estudo, comporiam a chamada Bancada da Educação. Porém, pelas 13 mesmas razões supracitadas no caso da Bancada da Saúde, o DIAP optou, neste estudo citado, por não compor uma lista com os Deputados que compõem a Bancada da Educação. Bancada da Comunicação: número de Deputados que são alinhados, “apadrinhados”, financiados ou proprietários ou sócios de concessionárias de rádio e/ou televisão Segundo o DIAP, para a Câmara de Deputados, chega a cem (100) o número de congressistas que representam a Bancada da Comunicação, por terem alguma relação com essas empresas. Para melhor trabalharmos os dados fornecidos, separaremos a seguir apenas as Bancadas que o estudo realizado tenha apresentado a relação de Deputados integrantes, pois sem essa informação básica, não conseguiríamos avançar com a análise. Dessa forma, na tabela abaixo (Tabela 03), destacamos as Bancadas Evangélica, Empresarial, Ruralista e Sindical. Ta bel a 3 - Ba nca da s de Interes s e (pa ra a l egi s l a tura 2011/2014) Bancada Evangélica Número total de Congressistas 63 Número de Partidos 14 Divisão por Partidos PSC PR 11 9 PRB PMDB PSDB PDT DEM PTB 8 7 7 4 3 3 PV PP PSB PT 3 2 2 2 PMN PTC 1 1 Bancada Empresarial Número total de Congressistas Número de Partidos Divisão por Partidos 246 19 PMDB DEM PP PSDB 43 37 32 24 PR 23 PSB PTB PDT PSC PT 14 13 12 12 8 PV PPS PMN PRB PHSPRPPRTB PTdoB PTC 7 6 3 3 2 2 2 2 1 Bancada Ruralista Número total de Congressistas Número de Partidos Divisão por Partidos 140 13 PMDB DEM PP PSDB PRB PTB PDT PPS PSC PSB PMN PRB PTdoB 29 22 22 19 14 8 7 6 5 4 2 1 1 Bancada Sindical Número total de Congressistas 83 Número de Partidos 13 Divisão por Partidos PT 55 PCdoB PDT PSB 8 5 3 PPS PSDB PV PMDB PR PRB PRP Psol PTdoB 2 2 2 1 1 1 1 1 1 Fonte: DIAP Elaborado por: Américo Sampaio É nítido observar que para essas quatro Bancadas aglutinam-se mais de treze partidos políticos distintos em cada uma. E também nítida é a pluralidade de partidos que as compõem, sendo possível que uma mesma Bancada de Interesse congregue partidos de diversos espectros ideológicos. Nas Bancadas Ruralista e Sindical, por exemplo, a proporção de Congressistas do Partido dos Trabalhadores (PT) e do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) é inversamente proporcional, não há nenhum Congressista do PT na Bancada Ruralista, assim como há apenas um representante do PMDB na Bancada Sindical. Isso se dá, possivelmente, pela história e configuração de cada um desses partidos. Contudo, quando 14 analisamos as Bancadas Empresarial e Evangélica, vemos que essa proporcionalidade invertida diminui, mas ainda apresenta importantes diferenças. Observamos, dessa forma, que os Congressistas se dividem pelo menos de duas formas: uma pela Bancada Partidária (Tabela 01) e outra pela Bancada de Interesse (Tabela 03). Assim, caracterizamos nosso objeto de análise. E no próximo item desenvolveremos a reflexão sobre como essas duas “divisões” em que os Congressistas se encontram, ou melhor, como esses dois grupos que os congressistas configuram, se comportam e operam no dia-a-dia do Congresso Nacional. Desenvolvimento Para avançarmos com a reflexão acerca do Sistema Legislativo brasileiro e sua relação com o Presidencialismo de Coalizão, consideramos ser fundamental compreendermos o campo de Estudos Legislativos no qual nos inserimos. Segundo Limongi, Os estudos legislativos se constituem em uma perspectiva analítica distinta daquela mostrada pela noção de consolidação da democracia e a visão negativa que esta construiu da democracia brasileira. Não há um manifesto ou mesmo a constituição prévia de um programa de pesquisa consciente que possa ser associado à emergência dos estudos legislativos como área. Os seus contornos foram sendo definidos de forma incremental por meio da veiculação de uma série de estudos. No mais das vezes, esses estudos foram originalmente apresentados no Grupo de Trabalho (GT) Elites Políticas, da Anpocs. (LIMONGI, 2010, p. 5) A partir da afirmação de Limongi, observamos uma iminente dificuldade em operacionalizar a análise sobre o Legislativo brasileiro. Por mais que existam muitos autores e trabalhos em desenvolvimento, não há ainda uma metodologia nem acúmulo de conhecimento consolidados no Brasil para fazer um estudo mais profundado sobre o comportamento dos Congressistas. Se por um lado isso nos coloca um vasto campo de análise, produção e pesquisa acadêmica – ampliando os horizontes dos pesquisadores da área dos Estudos Legislativos –, por outro, isso também reflete, a nosso ver, a distância que a sociedade brasileira, no geral, tem da política real. Isso pode ser caracterizado tanto pelo fato da Democracia no Brasil ser muito recente e por isso pouco estudada em suas possibilidades, como também pode ser caracterizado pelo fato de a política no Brasil pertencer a uma pequena elite, que, dentre outras razões, se configura como elite também por ser um pequeno grupo que domina o modus operandi das instituições que elaboram as leis e controlam o Poder Legislativo. Apresentamos, portanto, as seguintes questões-guia: como os congressistas, e as Bancadas Partidárias e de Interesse, se comportam no interior do Sistema Legislativo brasileiro em um Presidencialismo de Coalizão? É notório que as Bancadas Partidárias e de Interesse coexistem, mas como elas se relacionam? E por fim, mas não menos importante, 15 qual a relação entre o Poder de Agenda do Executivo e a estrutura estudada (Sistema Legislativo e Presidencialismo de Coalizão)? Às problematizaremos a partir da última questão-guia. De acordo com Argelina Figueiredo e Fernando Limongi (2009), A Constituição de 1988 garante ao Presidente de República o controle da agenda legislativa. O poder do executivo, portanto, é institucional, garantido pela Carta Constitucional. Os constituintes preservaram as vantagens institucionais com que o regime militar havia dotado o Poder Executivo. Nas áreas de maior interesse, como tributação, orçamentação e regulamentação e alterações na estrutura de cargos, salários e gratificações do funcionalismo público e da burocracia nomeada, o Executivo tem a prerrogativa exclusiva de propor legislação. (FIGUEIREDO e LIMONGI, 2009, p. 77). Cabe destacar que a configuração de forte Poder de Agenda do poder Executivo não se inicia a partir da Constituição de 1988. Pelo contrário, Figueiredo e Limongi argumentam ser este um dos principais resquícios da Ditadura Civil-Militar11 brasileira na estrutura administrativa que ainda não foram superados, e mais, foram totalmente incorporados na arquitetura institucional do Estado brasileiro pós Constituição Federal de 1988. Os autores destacam que o centralismo decisório no poder Executivo se manteve na estrutura (administrativa) e na estratégia (política) do governo desde o golpe de 1964, passando pelo período de redemocratização na década de 1980, e, se mantendo presente até os dias de hoje. Como podemos constatar na citação dos autores, a Constituição Federal de 1988 garante um forte Poder de Agenda do Executivo nas casas legislativas. Essa leitura, que parece um tanto quanto simples e óbvia, não o é. Essa reflexão é importante para entender o cenário institucional ao qual estamos inseridos, e compreender o que torna o Poder de Agenda do Executivo tão forte é fundamental. Por ter prerrogativas constitucionais para definir, em alguma medida, o funcionamento do Sistema Legislativo, o poder Executivo acaba tendo muito menos restrições políticas e administrativas que o Legislativo, fortalecendo seu poder de Agenda. Em resumo, na atual experiência democrática [pós 1988], o Executivo passou a ter um forte controle sobre a agenda legislativa, resultando daí que a atuação do Legislativo se dá sob fortes restrições. O Executivo detém a prerrogativa de iniciar a legislação de interesse e, desta forma, pode explorar estrategicamente este direito. 11 Apesar de existirem artigos e estudos sobre o assunto, que apontam dados, informações e reflexões absolutamente pertinentes e relevantes, e ainda, além de concordarmos com a tese de que o modelo de centralismo decisório do poder Executivo ser expressão do período Militar, nós não nos ateremos a esta questão específica, por ora, pelo fato de ser necessária outra abordagem e método de pesquisa para tal reflexão, assim como outros elementos para a ponderação sobre o assunto, que não são objetivos dessa pesquisa. 16 O Legislativo, porque age somente após o Executivo ter feito a proposta, tem seu raio de ação limitado (FIGUEIREDO e LIMONGI, 2009, p. 77). Para simplificar o que chamamos aqui de poder de Agenda, tomemos como exemplo o seguinte: caso seja necessária a criação de um novo tributo, seja da união, dos estados ou municípios, é o poder Executivo que tem prerrogativa para tal, iniciando a elaboração da lei e inserindo-a na casa legislativa. O poder Legislativo não pode criar tributos, mas apenas propor alterações nos que já existem. Outro exemplo: a partir de 1988 é necessária a elaboração anual de orçamentos públicos, ou Projetos Orçamentários, para que a administração pública possa funcionar. Esses orçamentos são elaborados pelo poder Executivo (seja na União, Estados ou Municípios) e entregue para análise e aprovação ao poder Legislativo. Este último, por sua vez, poderá alterá-lo por meio de Emendas, que na realidade apenas remanejarão os valores já definidos pelo Executivo, visto que nada poderá ser adicionado ao valor total originário, ou seja, o Projeto Orçamentário apresentará uma espécie de “teto” limite para o Legislativo trabalhar. Sem contar que os gastos destinados aos servidores, o custeio da estrutura administrativa e o pagamento da dívida pública não podem ser reduzidos. Em suma, o poder do Legislativo é limitado com relação à elaboração do orçamento público, cabendo a ele apenas um “voto autorizativo” com relação ao orçamento. Mas será que é a arquitetura institucional do Estado brasileiro que propicia esse arranjo de fortalecimento do poder Executivo? Estes dois exemplos nos alumiam a ideia de Poder de Agenda do Executivo, porém, podemos incorrer numa conclusão precoce e entendê-lo (o Poder de Agenda) como mera imposição institucional, ou seja, compreender o Poder de Agenda do Executivo como sendo forte, apenas por conta da arquitetura institucional do Estado brasileiro. Com relação a isso, Figueiredo e Limongi nos alertam no seguinte sentido, Está claro que o Poder de Agenda não pode garantir a aprovação de qualquer agenda substantiva. O Executivo não tem como aprovar a sua agenda independente do apoio da maioria. Os poderes de agenda assegurados ao Chefe do Poder Executivo (...) não podem ser interpretados como anti-majoritários. Não são armas para governar contra a maioria. (FIGUEIREDO e LIMONGI, 2009, p. 99 – grifo nosso). Como exemplificado anteriormente, podemos notar que a ação do poder Legislativo é constitucional e regimentalmente restrita em muitas matérias, o que corrobora com o argumento de Figueiredo e Limongi no tocante ao forte e amplo Poder de Agenda legislativa do Executivo. Porém, fica claro também que não é somente pelo arranjo institucional que o Poder de Agenda do Executivo consegue robustecer-se frente ao Sistema Legislativo. O Executivo também precisa de outros recursos para operacionalizar seu Poder de Agenda, 17 como por exemplo, obter maioria no Parlamento. Ressaltamos que obter maioria não é uma tarefa simples, nem se dá pela arquitetura institucional do Estado brasileiro, ou seja, conquistar maioria é sumariamente uma atividade política. Na tabela abaixo (Tabela 04) apontamos a porcentagem de aprovação, pelos Deputados Federais, de Projetos de Lei enviados pelo Executivo em diferentes governos. Ta bel a 4 - Vota ções Nomi na i s por Coa l i zã o Pa rl a menta r Coalizão Unida* Coalizão de N° Votações % de Governo Projetos do disciplina*** Governo Sarney 2 6 90,68 Coalizão Dividida** N° Votações Projetos do Governo 2 Total 41,57 N° Votações Projetos do Governo 8 Collor 1 22 91,96 1 38,46 23 89,64 Collor 2 24 93,11 17 55,12 41 77,36 Collor3 9 94,63 1 77,31 10 92,9 Itamar 1 8 91,23 25 72,97 33 77,4 Itamar 2 2 93,92 1 78,31 3 88,72 Itamar 3 3 94,79 1 67,24 4 87,9 FHC 1 83 90,35 13 60,82 96 86,35 FHC 2 217 88,32 27 69,37 244 86,23 FHC 1 159 93,89 48 79,88 207 90,64 FHC 2 15 92,63 1 64,8 16 90,89 Lula 1 78 95,03 7 78,86 85 93,7 Lula 2 30 89,97 6 76,92 36 87,79 Lula 3 10 76,5 2 44,83 12 71,22 Lula 4 7 90,52 4 79,96 11 86,68 Lula 5 24 88,64 14 67,24 38 80,76 Total 697 91,07 170 65,85 867 85,41 % de disciplina*** % de disciplina*** 78,4 Fontes: PRODASEN, Câmara dos Deputados, Banco Diário de do Dados Congresso Nacional Legislativos do CEBRAP. * Todos os líderes dos partidos da coalizão de governo indicam de acordo com a indicação de voto do líder do governo. (Inclui casos em que pelo menos um líder libera a bancada). ** Pelo menos um líder dos partidos da coalizão de governo se opõe à indicação de voto do líder do governo. *** % de votos dos membros dos partidos da coalizão de governo Ancorados na tabela, podemos assinalar que as Coalizões Parlamentares12 são extremamente eficientes. Em praticamente todos os Governos, os projetos enviados pelo Executivo – em que se tinham todos os líderes dos partidos da Coalizão Parlamentar em acordo com a matéria – tiveram resultado altamente favorável, permitindo afirmar que, havendo “alinhamento” prévio entre o Governo e sua Coalizão Parlamentar, em 9 de cada 10 votações nominais no Parlamento, em média, os Congressistas votam de acordo com sua Bancada Partidária para projetos propostos pelo Governo. A partir desses dados, podemos refletir em alguns sentidos: em primeiro lugar, podemos notar que a Disciplina Partidária da Coalizão Parlamentar do governo é alta, o que significa que a negociação do Governo não é feita com os Congressistas individualmente, mas sim com seus partidos. Em segundo lugar, por mais que os partidos políticos sejam 12 Coalizões Parlamentares é o nome dado ao grupo de Bancadas Partidárias que se unem em apoio, ou não, ao Governo (Poder Executivo). 18 relativamente “fracos”, tanto no processo eleitoral, quanto na sociedade como um todo – visto que o que se destaca nas eleições e em fatos políticos cotidianos são as pessoas e não os partidos –, no funcionamento do Legislativo eles são fortes, disciplinados e determinantes para a dinâmica da instituição, pois votam de acordo com a Coalizão Parlamentar. E, em terceiro lugar, neste cenário apresentado pelos dados, podemos afirmar que o Congresso Nacional é uma instituição altamente previsível do ponto de vista de sua produção legislativa, visto que em praticamente todas as votações de projetos estratégicos para o governo os acordos precedem o plenário, o que possibilita saber a priori o resultado da mesma, pois “o governo governa com apoio parlamentar estruturado e disciplinado” (FIGUEIREDO e LIMONGI, 2007, p. 33). Essa linha de pensamento insere outro agente político na análise acerca da relação entre o Poder de Agenda do Executivo e o Sistema Legislativo num Presidencialismo de Coalizão: as Coalizões Parlamentares. Qual a relação entre a Coalizão Parlamentar e o Poder de Agenda do Executivo? Este é um dos pontos centrais para compreender a dinâmica do Sistema Legislativo em relação ao Presidencialismo de Coalizão. Por mais que o Executivo tenha amplos poderes Legislativos constitucionais, como já foi visto, Figueiredo e Limongi nos alertaram acerca dessa dinâmica: “O Executivo não tem como aprovar a sua agenda independente do apoio da maioria” (FIGUEIREDO e LIMONGI, 2009, p. 99). Ou seja, são pelo menos dois elementos que vão estruturar a relação entre o Executivo e o Legislativo para se operacionalizar o Poder de Agenda do Executivo: de um lado os poderes constitucionais do Executivo de Legislar, e de outro, a necessidade do mesmo Executivo em conseguir maioria no Legislativo. Isso demonstra que não podemos tomar por análise um olhar determinista entendendo que é apenas um fator que fortalece o Poder de Agenda do Executivo. Pelo contrário. Notamos que há uma dialética entre o Executivo e o Legislativo que precisa ser mais bem compreendida. Em resumo, o que queremos dizer é que o Executivo não é um forte legislador pelo simples fato de deter poderes constitucionais, da mesma forma que o Legislativo não é tão-somente um forte “apoiador” do Governo apenas por estar alinhado com seus projetos. Há mais elementos nessa relação que ainda não vieram à tona. Para aprofundar a reflexão do ponto de vista em que o Poder de Agenda do Executivo não é somente baseado em um lócus de poder (ou apenas uma determinação), mas sim numa relação dialética, lançaremos mão de outros dados que podem embasar essa ponderação. 19 Tabela 5 - Coalizão Parlamentar por Governo Partido do Presidente na Governo Câmara dos Deputados (% Cadeiras) Sarney 40,61 Coalizão de governo na Câmara dos Deputados (% Cadeiras) 58,59 Sucesso do Executivo ** (%) Dominância do Executivo *** (%) 73,83 76,65 Collor 5,05 33,79 65,93 75,43 Franco 0 57,28 76,14 91,57 Cardoso I 9,36 71,62 78,72 84,4 Cardoso II 18,32 67,87 74,38 81,57 Lula I 11,11 59,52 81,47 89,88 Subtotal 14,07 58,11 75,08 83,25 Fonte: Banco de Dados Legislativos, Cebrap. * Os três primeiros anosforam da administração excluídos por Dutra falta (1946-1948 de informação sobre a origem das leis. O primeiro período vai até 31 de março de 1964 e o segundo até 31 de janeiro de 2007 (final da legislatura e da coalizão, pois o presidente foi reeleito e não mudou o ministério . ** Porcentagem de projetos do Executivo apresentados e sancionados durante o próprio governo. *** Porcentagem de leis de iniciativa do Executivo. Se na Tabela 04 a média total de aprovação de projetos enviados pelo Governo era de 85%, na tabela acima (Tabela 05) podemos atribuir este alto grau de eficiência do Executivo no Legislativo à Coalizão Parlamentar de Governo. Pois, como podemos notar, apenas no governo Collor não foi obtida uma Coalizão Parlamentar majoritária. Em todos os demais governos pós-Constituinte o chefe do Executivo sempre gozou de maioria na Câmara dos Deputados, o que nos leva a pensar que talvez seja precisamente por esta razão que o sucesso do Executivo na aprovação de projetos seja tão grande. É inoportuno furtarmo-nos da reflexão no sentido de que um cenário não tenha correlações diretas com o outro. Se os índices de aprovação de projetos do Governo pela Câmara dos Deputados é demasiadamente alto, e se as Coalizões Parlamentares de apoio ao Governo demonstram, sistematicamente, grandes maiorias governistas, é absolutamente cabível suspeitar que as taxas de sucesso dos Governos em suas intervenções legislativas – leia-se Poder de Agenda – advêm, também, dos índices de Coalizão Parlamentar, ou, se preferir, de “maioria”. É como se a relação entre o Executivo e o Legislativo fosse um “pêndulo”. Os poderes e prerrogativas constitucionais de legislar impulsionam o Governo a elaborar e iniciar processos legislativos. Já a necessidade de aprová-los, para conseguir governar, impulsiona-o a buscar a maioria no Parlamento. Conquanto, pelo outro lado, as “restrições” constitucionais e Regimentais do poder Legislativo de legislar, impulsionam os Partidos Políticos a formar grandes maiorias (Coalizões Parlamentares), que dentro do jogo de poder da relação entre Executivo e Legislativo, são impulsionados a apoiar o Governo para obter 20 maiores privilégios13. Ou seja, “a maioria [dos congressistas] poderia se recusar em cooperar [com a aprovação dos projetos do Executivo], mas (...) isso raramente ocorre, porque os parlamentares avaliam que seria muito custoso proceder desse modo” (MOISÉS, 2011, p.13). Em síntese, é a relação dialética entre o poder Executivo e o Legislativo que garante as bases materiais para o Poder de Agenda do Executivo. E, ao que nos parece, é esse contexto específico que se relaciona com o Presidencialismo de Coalizão. Assim, talvez tenhamos chegado a um modesto axioma que consolida uma reflexão e aponta caminhos para responder a última das três perguntas-guia que iniciaram esse item: qual a relação entre o Poder de Agenda do Executivo e a estrutura do Sistema Legislativo num Presidencialismo de Coalizão? O Poder de Agenda do Executivo se relaciona com o Sistema Legislativo de um Presidencialismo de Coalizão no tocante ao fato de o Poder de Agenda estar integralmente atrelado ao modelo de Presidencialismo de Coalizão. E isso influencia diretamente o modus operandi do Sistema Legislativo. O Poder de Agenda do Executivo solidifica o status quo do modelo político de Presidencialismo de Coalizão, afinal, o ‘sentido’ do Poder de Agenda do Executivo será justamente o de aprovar sua agenda, e não de ‘restringir seus próprios poderes’. Dessa forma, se o ‘sentido’ do Poder de Agenda do Executivo é fortalecer sua capacidade de ‘propor’ e legislar, a tendência do Executivo será sempre a de fortalecer o Presidencialismo de Coalizão, pois interessa ao Executivo que este modelo se perpetue, pois é ele que o privilegia em detrimento dos demais poderes constitucionais. Em suma, o Presidencialismo de Coalizão se fortalecerá a partir do Poder de Agenda do Executivo. Contudo, no mesmo caminho, mas no outro sentido, o modelo de Presidencialismo de Coalizão também fortalecerá o Poder de Agenda do Executivo. Pois o modelo que dele deriva robustece a condição de que o Executivo tenha maiores condições de ‘propor’ e legislar. Dessa forma, podemos afirmar que o Poder de Agenda do Executivo deriva ao mesmo tempo em que avigora o Presidencialismo de Coalizão, como se fosse um grande movimento de retroalimentação entre o modelo e a prática. Ademais, com essa reflexão, podemos sugerir que o Sistema Legislativo como um todo não funcionará autonomamente em relação ao robustecimento mútuo do Poder de Agenda do Executivo e do Presidencialismo de Coalizão. Pelo contrário, o Sistema Legislativo integra esta relação e opera no interior desse contexto. Sofrendo forte ação em seu desempenho. 13 Privilégios aqui são entendidos como o acesso dos Partidos Políticos, que aliam-se ao Governo, às pastas ministeriais, aprovação de Emendas Parlamentares, outros cargos no governo, dentre outros. 21 De tal modo, é possível aventar uma primeira ideia a partir desta reflexão inicial. Os recursos constitucionais e regimentais, e a dinâmica política dos dois poderes se interrelacionam. Não há uma única determinação para o fato do Poder de Agenda do Executivo ser tão eficiente, e é essencialmente a relação dialética entre os dois poderes que caracterizará um contexto propício para o Poder de Agenda do Executivo. Da mesma forma, há uma relação de retroalimentação entre o Poder de Agenda do Executivo e o Presidencialismo de Coalizão, na qual o modelo (Presidencialismo de Coalizão) fortalece a prática (Poder de Agenda) do Executivo, e vice-versa. Por fim, é nesse contexto que o desempenho do Sistema Legislativo está inserido, mas não de maneira autônoma, e sim sofrendo a ação do contexto e o influenciando em alguma medida. Para finalizarmos, recorreremos às outras duas perguntas com as quais o iniciamos. Com relação primeira pergunta-guia, em que nos propusemos a entender como os congressistas e as Bancadas Partidárias e de Interesse se comportam no interior do Sistema Legislativo brasileiro em um Presidencialismo de Coalizão, notamos que os Congressistas votam de acordo com a orientação de suas Bancadas Partidárias e, por sua vez, as Bancadas Partidárias votam com sua Coalizão Parlamentar. O que nos leva a pensar que o comportamento parlamentar no interior do Sistema Legislativo de um Presidencialismo de Coalizão é de um alto grau de disciplina partidária. Analisando a tabela abaixo (Tabela 06) podemos observar o alto índice de Disciplina Partidária. Tabela 6 - Índice de Disciplina Partidária (1995 a 2006) Índice de Índice de Índice Rice de disciplina ao líder disciplina ao líder coesão partidária do partido (%) do Governo (%) (%) Oposição 91,32 45,9 Coalizão 92,25 86,63 87,5 91,7 62,86 88,45 Total 89,12 Fonte: Elaboração própria/Banco de dados do CEBRAP. A partir desses dados podemos confirmar a declaração acima, de que os Congressistas votam no Congresso de acordo com a orientação da Liderança Partidária. Na tabela acima estão dispostos os dados relativos à porcentagem de aprovação de projetos pela Câmara dos Deputados, com relação à orientação dos Líderes Partidários e dos Líderes de Governo. É nítido notar que, entre 1995 e 2006, os Deputados – sejam de oposição ou da Coalizão Parlamentar do Governo –, cerca de 90%, votaram de acordo com a Liderança Partidária. E 62% de acordo com o Líder do Governo. O que, possivelmente, tem sua média puxada para baixo pelo fato da Bancada de Oposição não seguir as orientações do Líder do Governo. Mas se recortarmos apenas as votações nominais da Coalizão do Governo, esse número 22 sobe para 86%. Todavia, o que nos interessa observar aqui é a confirmação, em dados, da reflexão acerca do comportamento parlamentar. Comprovamos, dessa forma, que o comportamento parlamentar no interior do Sistema Legislativo brasileiro, em um Presidencialismo de Coalizão, é de estrema Disciplina Partidária. Por mais que pareça obvia a conclusão, essa reflexão é central para entendermos o comportamento parlamentar. A disciplina partidária tem sido a estratégia preferida pelos parlamentares em sua atuação (...). Várias pesquisas recentes mostraram, de fato, que os legisladores brasileiros votam seguindo a indicação dos seus líderes partidários, e que isso seria devido, não só aos poderes legislativos e de controle da agenda do Congresso pelos presidentes, mas também por eles avaliarem que desse modo podem ter acesso a recursos controlados pelo executivo, cujo suposto impacto sobre as suas estratégias eleitorais seria decisivo. Ou seja, o voto partidário seria a forma adotada pelos parlamentares brasileiros para sobreviver politicamente. (MOISÉS, 2011, p.25) Por fim, com relação à segunda das três perguntas-guia, optamos por trabalhá-la melhor no item seguinte. Conclusão e Considerações Gerais O Presidencialismo de Coalizão brasileiro e sua íntima relação com o Poder de Agenda do Executivo figuram um contexto singular ao funcionamento do Sistema Legislativo. Logo, os Congressistas atuarão sempre em relação a este contexto, e não fora dele. E como pudemos notar, são várias as relações entre o Presidencialismo de Coalizão, o Sistema Legislativo e o comportamento parlamentar das Bancadas. Um dos destaques que podemos fazer, com relação ao funcionamento do Sistema Legislativo brasileiro no contexto de um Presidencialismo de Coalizão, é o fato de o comportamento parlamentar – no geral – ser extremamente previsível, e a disciplina partidária muito alta. Não obstante, sugerimos que há uma relação dialética entre o Poder Executivo e Legislativo o que garante um cenário específico para a operacionalização do Presidencialismo de Coalizão, no qual não é um poder ou outro que determina e define este cenário, bem como não é a “competição” ou controle entre os dois Poderes que o caracteriza. Mas sim, sua literal relação (dialética). Dessa forma, compreendemos, também, que a arquitetura institucional do Estado brasileiro influencia e é influenciada por esta “dialética organizacional” entre o poder Executivo e o poder Legislativo, concebendo o contexto da relação entre o Presidencialismo de Coalizão, o Poder de Agenda do Executivo e o Sistema Legislativo a partir de todos estes fatores. Entretanto, é possível notar que encontramos muitas reflexões possíveis com relação às Bancadas Partidárias, todavia, ao buscar identificar como se movimentam as Bancadas de Interesse notamos que há um grande vazio informacional e metodológico com relação à 23 análise destas Bancadas. Como pudemos observar, há um campo relativamente vasto com relação a dados, banco de dados, metodologias, índices, pesquisas, produção acadêmica e etc. para analisar o comportamento parlamentar das Bancadas Partidárias, e até mesmo das Coalizões Parlamentares do Governo. O que não é o caso das Bancadas de Interesse. No entanto, se tomarmos friamente como “verdade” as conclusões dessa pesquisa, poderemos incorrer no equívoco de encerrar a discussão acerca das Bancadas de Interesse, entendendo que a relação predominante será sempre a das Bancadas Partidárias e Coalizões Parlamentares do Governo. Mas em todo o sistema aqui estudado, fica a questão de como atuam as Bancadas de Interesse. Por exemplo, como atua na prática a Bancada Ruralista para garantir seus interesses com relação a “não-efetivação” da política de Reforma Agrária? Ou ainda, como atua na prática a Bancada Evangélica para garantir seus interesses com relação ao “não-avanço” de políticas voltadas ao direito LGBT? Estas questões não puderam ser respondidas nessa pesquisa por diversas razões, mas, em especial, pelo fato de não haverem dados para identificar essa movimentação. É evidente que as Bancadas de Interesse existem e atuam no processo legislativo. Mas em matérias específicas em que o projeto a ser votado caminha no “sentido contrário” de um determinado Congressista ou Bancada de Interesse, como estes atuam? Como eles “conseguem garantir” o funcionamento do Presidencialismo de Coalizão, sem dissidiar de sua Bancada Partidária, mas atuando pela Bancada de Interesse? O que prevalecerá nessa relação: a determinação da Bancada Partidária ou a articulação da Bancada de Interesse? Estas questões puderam ser levantadas a partir do desenvolvimento da presente pesquisa, e, afora as conclusões alcançadas já indicadas acima, elas nos parecem ser extremamente importantes e relevantes, indicando o caminho e o sentido da pesquisa acadêmica que trilharemos no futuro. Pois questões centrais precisam ainda ser estudadas. Dessa forma, a questão relativa ao como se relacionam as Bancadas Partidárias e de Interesse, fica em aberto. E, a despeito do futuro, estas reflexões apontam para os desdobramentos que a presente pesquisa certamente nos levará. 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