O Perfil do Engenheiro Civil do Século XXI: reflexões e subsídios
para uma reforma curricular
Márcia Regina Kinder, M.Sc.
Escola Politécnica - POLI/UFRJ
[email protected]
Cláudia do Rosário Vaz Morgado, D.Sc.
Escola Politécnica - POLI/UFRJ
[email protected]
Paulo Renato Diniz Junqueira Barbosa, M.Sc.
Escola Politécnica - POLI/UFRJ
[email protected]
Resumo:
Este artigo apresenta a análise dos resultados de 52 (cinqüenta e duas) entrevistas
com empresários da construção civil e com os alunos do Curso de Engenharia Civil da
POLI/UFRJ. As aspirações do mercado e do alunado foram identificadas através de
questionários baseados na Técnica Delphi. As reflexões surgidas se constituem numa
contribuição ao aperfeiçoamento do Curso, e em especial à ênfase construção civil.
Palavras-Chave: ensino de engenharia, engenharia civil, perfil do engenheiro
1. Introdução
As mudanças cada vez mais rápidas no cenário tecnológico, geopolítico e cultural das
nações, impõe um novo conceito para o ensino superior.
Nos cursos de graduação das escolas universitárias além da formação geral para a
cidadania e a consciência social, é necessário atentar para as mudanças no perfil
profissional que requer os diversos setores da economia e da sociedade em cada época.
Esse exercício é imperativo, para evitar-se que os docentes “produzam ” em seus alunos
réplicas de si mesmos, negligenciando as tendências no ambiente externo e interno da
relação ensino/aprendizagem, sem a perspectiva de quem aprende, e de quem anseia por
engenheiros que sejam agentes de mudança na cultura das organizações e das sociedades.
Este artigo apresenta os resultados da pesquisa que objetiva identificar o perfil esperado
destes profissionais no mercado de trabalho da engenharia civil e os principais gargalos nos
processos de ensino/aprendizagem e de gestão dos cursos.
A pesquisa desenvolveu-se com uma apresentação da legislação, seguida de
considerações conceituais sobre a metodologia de pesquisa, seus resultados, conclusões e
propostas para o perfil do engenheiro da construção civil do próximo século.
2. Formação do Engenheiro do Século XXI
A resolução 48/76 do extinto Conselho Federal de Educação foi o determinante para a
formação do engenheiro no Brasil.
Revisando a bibliografia recente de diversos autores sobres as novas competências
básicas, qualidade dos currículos escolares e aprendizado organizacional encontramos as
bases teóricas que norteiam a nova formação técnico científica necessária para enfrentar
os atuais e futuros paradigmas industriais e sociotécnicos.
A perspectiva, já consolidada de globalização produtiva, acarretarão profundas
mudanças nas formas de organização dos sistemas produtivos, bem como nas relações de
trabalho. Essas mudanças justificam reformas significativas nos perfis profissionais para o
próximo século, norteando a necessidade de mudanças tanto nas metodologias de ensino
quanto nas estruturas curriculares.
Especificamente em relação à formação do Engenheiro Fleury (1996) se refere ao
"analista simbólico" uma nova categoria indicada por Reich, dizendo: "a formação de
analistas simbólicos, em geral, deve enfatizar quatro aptidões: capacidade de abstração,
raciocínio sistêmico, experimentação e colaboração". É evidente que no caso de formação
de engenheiros, conhecimentos na área específica constituem a base sobre a qual se
Assim, os novos perfis desenvolvidos, segundo Fleury (1996), seriam os "Engenheiros
Sistêmicos - Desenvolvementistas e os Engenheiros Sistêmicos - Operacionais" . O
primeiro se concentraria em gerar novos modelos administrativos, novos processos e
capacitação tecnológica; o segundo, teria sua atuação concentrada na gestão dos
processos, sem perder de vista as relações sistêmicas.
As principais características do Engenheiro Sistêmico - Operacional seriam:
•
Visão
•
Capacitação para trabalhar com as técnicas de processamento de informações,
especialmente de tratamento numérico (ex.: simulação);
•
Formação de tecnologias básicas - materiais e processos;
•
Capacitação para especificar e dialogar/negociar com empresas fornecedoras;
•
Habilidade para o trabalho em grupo;
•
Liderança e criatividade.
sistêmica,
integrada,
de
sistemas
de
operação
(indústria,
serviços,
As características do Engenheiro Sistêmico Desenvolvimentista seriam:
•
Formação em tecnologias básicas, com ênfase em disciplinas específicas, mas com
capacidade de transitar entre áreas de produção de conhecimentos comuns;
•
Visão do progresso tecnológico que ocorre fora e dentro da empresa;
•
Capacitação para rápida absorção de conhecimento, através de pesquisas, projetos,
visitas e uso de consultores;
•
Capacitação para especificar produtos e processos de manufatura.
Dois grandes campos de atuação da engenharia civil são: projeto e gerência de
empreendimentos. O primeiro há muito tempo privilegiado pela grande demanda de obras
de infra-estrutura, que ocorreu nas décadas de 60 e 70; influenciou sobremaneira o
desenho curricular dos cursos de engenharia civil e em especial o da POLI/UFRJ. Das
suas cinco ênfases de quinto ano: estruturas, obras hidráulicas, transportes, mecânica
dos solos e construção civil; as quatro primeiras tem seu foco no projeto, sendo somente
a última ênfase focada no gerenciamento.
O desenvolvimento das tecnologias de informação tem propiciado o auxílio de
ferramentas como o CAD e pacotes numéricos cada vez mais versáteis e rápidos,
resultando na redução da demanda de tantos engenheiros de projeto. Há dez anos, um
projeto de estruturas de uma obra de arte precisava em média de 15 engenheiros recém
formados para dar conta dos cálculos de verificação de um pré dimensionamento; hoje,
provavelmente dois engenheiros e uma potente estação de trabalho, não somente é
capaz de executar as mesmas tarefas do passado, como também pode gerar várias
alternativas de projeto, simulá-las, e avaliá-las num tempo menor e numa precisão
superior.
No entanto, no campo da gerência de empreendimentos o impacto da informática foi
menor, porque apesar dos novos sistemas de informações gerenciais acelerarem o
processo de tomada de decisão, a indústria da construção civil continua sendo complexa,
interdisciplinar e intensiva em mão-de-obra; sendo seu fator chave de sucesso a gestão
das equipes e das pessoas.
3. Ensino e Aprendizagem
Já se foi o tempo que os alunos se posicionavam como consumidores passivos do
A evolução da sociedade exige uma nova relação entre o professor e
este enfrentará desafios e problemas, muitas vezes não previsíveis pelos seus docentes.
Assim, se faz necessária uma nova postura frente a experiência de aprendizado que a aula
proporciona para ambos – professor e aluno; exigindo do docente mais criatividade, um
desenvolvimento constante de sua didática e pedagogia, uma atualização mais sistemática,
e sobre tudo buscar o feedback dos alunos e da sociedade, que lhe oriente nas habilidades
a serem desenvolvidas.
A perspectiva de gestão dos cursos deve transcender o desenho dos currículos, o
controle das disciplinas, a quantidade de alunos formados e entrantes etc; deve focar no
aluno e no professor também, buscando transformar as escolas em organizações que
aprendem.
O cerne dos trabalhos nas organizações que aprendem se baseia em cinco
"disciplinas de aprendizado", programas perpétuos de estudo e prática Senge (1995); que
são: Maestria Pessoal, Modelos Mentais, Visão Compartilhada, Aprendizado em Equipe e
A maestria pessoal compreende em aprender a expandir a capacidade pessoal para criar
resultados e um ambiente organizacional que estimule a todos a se desenvolverem em
direção às metas e fins escolhidos.
Os modelos mentais se referem a desenvolver um estado de permanente reflexão,
necessitando por isso esclarecer continuamente e melhorar nossos quadros internos do
mundo, e determinar como eles moldam nossas ações e decisões.
A visão compartilhada se baseia em construir um senso de compromisso em um grupo,
desenvolvendo imagens compartilhadas do futuro que se busca criar, e os princípios e
práticas orientadoras pelas quais esperamos chegar lá.
O aprendizado em equipe objetiva transformar as habilidades convencionais e coletivas
de raciocínio, de modo que grupos de pessoas, confiavelmente, desenvolvam inteligência e
capacidade maiores do que a soma dos talentos dos membros individuais.
Por último, o pensamento sistêmico é um modo de apreciar e uma linguagem para
descrever e entender as forças e inter-relações que moldam o comportamento de sistemas;
ajudando-nos a entender como mudar sistemas de forma eficaz e agir em melhor sintonia
como os processos maiores do mundo natural e econômico.
Toda essa discussão, neste contexto, torna imperativa a reformulação dos currículos dos
técnico-profissional para o século XXI, de modo a atender a
todos esses novos paradigmas gerenciais, técnico-científicos.
A escola tradicional promove apenas o cumprimento dos programas, limitando-se muitas
vezes a transmitir informações, não sendo capaz de oferecer uma formação integral que
sócio-econômicas. Nesta direção, é preciso conceber uma Pauta
de Valores a serem preservados: a vida humana, a família, a sociedade, o respeito a si
próprio e aos semelhantes, a verdade, às idéias, ao meio ambiente, à responsabilidade
O segundo passo seria definir a Pauta de Habilidade genéricas necessárias à perfeita
condução profissional: se expressar escrita e verbalmente, capacidade de interpretar a
realidade, poder de observação, habilidade para tomar decisões, trabalhar em equipe,
habilidade de resolver problemas.
4. Metodologia Aplicada
A pesquisa foi desenvolvida através de entrevistas e o preenchimento de questionários.
O primeiro para alunos no “curso ” profissional de engenharia civil onde objetivou se
identificar: a vocação, o enfoque e o conteúdo das disciplinas, o sistema de avaliação, o
projeto final de curso, a grade curricular (curso básico e profissional propriamente dito) e a
atividade (estágio, monitoria, material didático, atividade de extensão e/ou atualização). O
segundo foi dirigido aos empresários da construção civil atuantes no mercado do Rio de
Janeiro. A pesquisa foi orientada em relação a: formação esperada e deficiência técnica dos
As respostas obtidas foram tabuladas em percentuais e identificadas as tendências. O
universo de entrevistas abrangeu empresários da área de construção civil e alunos do curso
Nos questionários procurou-se identificar sugestões e críticas na elaboração dos cursos,
suas ementas e modelos de avaliação. Foram expurgadas as respostas que se
contrapuseram à moda e consideradas pertinentes àquelas que tinham desvios de até 10%.
O aluno foi convidado a criticar seu curso de engenharia de construção civil sugerindo carga
horária e classificando as disciplinas cursadas, foi também solicitado que descrevesse as
características das melhores aulas durante o curso, finalmente, que classificasse o curso de
sofrível a bom. Também, foram formuladas questões prospectivas, identificando o desejo
destes profissionais; todas as questões respondidas foram cruzadas quanto à probabilidade;
pertinência e auto-avaliação (qual a confiança do entrevistado na resposta, avaliado pelo
Os participantes da pesquisa embora reconhecidos pontualmente, não foram
identificados quando da tabulação, e o universo de participantes compreendem 12 (doze)
empresários da construção civil e 40 (quarenta) entrevistados dentre os alunos do curso de
construção civil, com menos de 5% de respostas expurgadas.
5. Análise dos Resultados
5.1. Empresário da Área de Construção Civil
A pesquisa indicou que 87% dos entrevistados entendem que os alunos recém-formado
deveriam ter o conhecimento pleno da matéria, um percentual mínimo entende a diferença
entre o recém formado e o engenheiro com 5 anos ou mais de formado; e a grande maioria
(92%) dos entrevistados entendem que o engenheiro com mais de 10 anos de formado é um
administrador.
A maioria, 80% citou o engenheiro da UFRJ como o mais preparado para o mercado de
trabalho.
5.2. Alunos do Curso de Construção Civil
A pesquisa indicou que 70% dos alunos escolheu fazer o curso por conhecer seus
objetivos e raio de atuação, os restantes tiveram a direção da família (ou outros) para a
Os 90% dos entrevistados recomendam o curso de construção civil.
A grande maioria, discordou do enfoque das disciplinas e recomendam mudanças no
conteúdo programático, no entanto, apenas 20% acham que o curso deveria ter
modificações quanto ao sistema de avaliação, inclusive em relação ao projeto final de curso.
Quanto a atividade profissional, 60% faz ou fizeram estágio, a partir do 8
pequena minoria nunca interessou-se por estagiar na área afim. Apenas um aluno, do
universo pesquisado, participou de um congresso com material técnico/didático publicado e
dois participaram de congresso e/ou seminário.
Em relação a atividades de especialização ou pós-graduação, o interesse maior é pelo
mestrado 60%, despertado, em muito, pela precariedade de vagas no mercado profissional.
Os cursos de especialização, inclusive o de Engenharia de Segurança do Trabalho, são
pouco lembrados, 20% do total.
Quanto a grade curricular do curso profissional as disciplinas mais criticadas (e com
sugestões de mudanças) foram: “Instalações Especiais I e II ”, “Urbanismo I e II ” e
A grande maioria escolheu a disciplina de “Fundações ” como a mais adequada,
inclusive o melhor professor.
Quanto ao curso profissional este foi considerado por 60% dos entrevistados como bom
e 40% como regular.
Em relação ao curso básico, este foi considerado, percentualmente em relação as suas
disciplinas, como bom em 20%, regular 20% e irregular à sofrível 60%.
Da amostra pesquisada verificou-se que o projeto final de curso tradicional é
considerado bom (70%), mostrando uma perspectiva conservadora e curiosa da percepção
dos próprios alunos, que não gostariam que o projeto sofresse alteração (60%).
6. Conclusões e Recomendações
Após a análise e tabulação dos dados, pode se detectar que o mercado de trabalho
(empresário e alunos) percebe a importância da necessidade de atualização constante.
Existe uma tendência geral adaptativa do curso de formação de Engenharia e de
algumas práticas profissionais ainda existentes. Esta mudança necessária ainda não está
perfeitamente detectada e, por esta razão, ainda não pode ser implementada.
A mudança nos currículos acadêmicos e dos procedimentos é um requisito imperioso, e
por todos proclamado, embora a forma de mudança não se possa determinar com total
A tendência observada foi identificar o índice de evasão oriundo do ciclo básico. No ciclo
profissional o projeto final não foi relevante fator de evasão percebido.
Uma mudança gradual nas relações, nos procedimentos, atendendo inclusive uma
crítica geral quanto à velocidade de mudanças das leis, que não permitem uma estruturação
mais profundada foi uma conclusão recomendável. Isto fará com que maior conhecimento
permita melhor entrosamento e uma evolução de um senso crítico e acuidade no trato com
7. Bibliografia
Bonamino, A.; Mata, M.A.; Dauster, T. Educação-Trabalho: uma revisão da literatura
brasileira das últimas décadas, Caderno de Pesquisa, São Paulo, n.84, pp.50-62,
fevereiro, 1993.
Confea – Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia.
29.6.73 –Discrimina atividades das diferentes modalidades profissionais da Engenharia,
Arquitetura e Agronomia.
Fleury, Afonso. A formação do engenheiro numa sociedade globalizada: elementos para
. In Anais do Encontro Nacional de Engenharia de Produção, 1996 –
ENEGEP/96.
Lakatos, E.M.; marconi, M.A. Fundamentos de Metodologia Científica. São Paulo, Atlas,
1991.
Naveira, Rubem Bauer. Formação profissional para o século XXI. Rio de Janeiro, 1994.
Ramos, Cosete. Sala de aula de qualidade total. Rio de Janeiro, Qualitymark,1995.
Senge, Peter. A Quinta disciplina: caderno de campo: estratégias e ferramentas para
construir uma organização que aprende. Rio de janeiro, Qualitymark, 1995, 572 pp.
Vale, Rogério. As empresas industriais brasileiras diante de suas necessidades de mão-deobra. COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro, 1994.
Kofler, Philip et all. Marketing estratégico para instituições educacionais. São Paulo, Atlas,
1994.
OECD. The appraisal of investments in educational facilities. Paris, 2000.
OECD. Redefining tertiary education. Paris, 1998.
HEFCE. Learning and teaching: strategy and funding. England, 1999.
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