Um estudo comparativo de alguns dos determinantes da pobreza
rural e da inclusão/exclusão de famílias pobres no Plano Brasil
Sem Miséria1
Marilene Alves de Souza
Mestranda do Programa de Pós Graduação em
Desenvolvimento Social
Universidade Estadual de Montes Claros UNIMONTES /MG /Brasil.
[email protected]; [email protected]
Luciene Rodrigues
Doutora em História Econômica pela USP
Professora do Depto. de Economia e do Programa
de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social UNIMONTES
[email protected]
Resumo: O presente estudo aborda uma das faces da problemática das desigualdades sociais,
a pobreza, o modo como o Estado trata a questão, os critérios de seleção das famílias
beneficiárias do apoio estatal por meio de um estudo comparativo entre um grupo de famílias
potenciais beneficiárias, com renda que as situam, em termos monetários, em condição de
extrema pobreza. Dado o fato de que no Brasil rural muitas famílias encontram-se em
condições materiais desvantajosas, que justificam apoio para sair da situação em que se
encontram, porque algumas famílias conseguem acessos e apoios estatais e outras não? Que
fatores explicariam a inclusão/exclusão dessas famílias como beneficiárias das políticas de
combate à pobreza rural? As famílias beneficiadas são, efetivamente, as com maiores
necessidades? Em que medida a existência de capital social, participação social e política,
nível educacional, acesso a terra e mercados explicam a inclusão/exclusão dos programas
públicos? A pesquisa empírica foi feita no território da Cidadania Serra Geral, no município
de Porteirinha-MG. Este estudo pretende ser um ponto de partida das reflexões acerca dos
critérios de seleção e de inclusão de algumas famílias neste plano. O referencial teórico está
relacionado aos conceitos de desigualdades sociais, pobreza, políticas públicas, intervenção
social, agricultura familiar e à questão da comparação. O estudo busca comparar as condições
socioeconômicas de um grupo de famílias selecionadas para o Plano com outro grupo de
famílias pobres, potenciais beneficiárias, porém não incluídas no Programa de Combate à
Extrema Pobreza. A partir de um conceito multidimensional da pobreza, a comparação dos
dois grupos foi feita considerando variáveis relacionadas com aspectos materiais e com
aspectos simbólicos. Os resultados mostraram que as condições socioprodutivas e econômicas
das famílias incluídas no Plano Brasil Sem Miséria são relativamente piores em comparação
às famílias pobres não incluídas, no território analisado. O estudo chama atenção de que uma
ação efetiva de combate à pobreza e promoção do desenvolvimento rural precisaria incluir
todas as famílias e não apenas uma pequena parcela situada no extremo da franja.
1
Artigo para apresentação no Congresso de Desenvolvimento Social da Universidade Estadual de Montes Claros
– UNIMONTES/MG
Abstract:
This study discusses one of the faces of the problem of social inequality, poverty, the way the
state deals with the question, the criteria for selection of families benefiting from state
support by means of a comparative study between a group of potential beneficiaries of
families with income that are located in monetary terms, in extreme poverty. Given the fact
that many families in rural Brazil are disadvantageous in material conditions that justify
support out of the situation in which they are, because some families can access and public
support and not others? What factors explain the inclusion / exclusion of these families as
beneficiaries of policies to combat rural poverty? The beneficiary families are, effectively,
with the greatest needs? To what extent the existence of social capital, social and political
participation, educational attainment, access to land and markets explain the inclusion /
exclusion of public programs? Empirical research was conducted within the Serra Geral
Citizenship in the city of Portsmouth-MG. This study is intended as a starting point for
reflections on the selection criteria and inclusion of some families in this plan. The theoretical
concepts are related to social inequality, poverty, public policies, social intervention, family
farming and the question of comparison. The study seeks to compare the socioeconomic
conditions of a group of families selected for the Plan with another group of poor families,
potential beneficiaries, but not included in the Program to Combat Extreme Poverty. From a
multidimensional concept of poverty, the comparison of two groups was performed
considering variables related to material aspects and symbolic aspects. The results showed
that the social sectors and economic conditions of families included in the Brazil Without
Poverty Plan are relatively worse compared to poor families not included in the territory
considered. The study calls attention they effective action to combat poverty and promote
rural development need to include all families and not just a small portion located in the
extreme fringe.
Key Words: Social inequality, poverty, public policy, agriculture and social intervention.
I – Introdução:
O problema da pobreza e das desigualdades sociais em diversos países vem estimulando
debates de abordagens e concepções diferenciadas em diversas partes do mundo. As múltiplas
faces dos processos de desenvolvimento e empobrecimento ocorrido no mundo resultaram em
contextos variados no que diz respeito à pobreza e desigualdades. A abordagem sobre extrema
pobreza , excluídos, indigentes e mais recentemente Miseráveis, termo adotado pelo governo
federal ao criar o Programa Brasil Sem Miséria, tem ganhado diversas conotações em
diversos espaços da sociedade brasileira e do mundo. Pobreza, desigualdades sociais,
resultantes das opções da política de desenvolvimento que historicamente concentrou terra,
renda, poder, informações entre outros, apresentam múltiplas dimensões que podem se
perpetuar ou se modificar dependendo do contexto econômico, política, cultural e
principalmente em função das diversidades regionais.
O debate acerca da pobreza no Brasil precisa levar em conta as dimensões geográficas do país
e as disparidades territoriais do desenvolvimento. Segundo Schneider (2000) mesmo que a
pobreza seja facilmente identificada pelo senso comum, é necessário que se estabeleçam
alguns critérios de ordem metodológica e teórica para explicá-la e entendê-la Segundo o
autor, na bibliografia especializada, a pobreza tem sido descrita como um fenômeno
complexo, de significados multivariados para pessoas, instituições ou países, que pode ser
identificada através de indicadores de renda, saúde, habitação, educação, entre outros
A pobreza pode ser entendida como uma situação de carência de condições para satisfazer as
necessidades básicas (basic needs), capazes de permitir ao indivíduo ou a sua família recursos
para supri-las. Buscando estabelecer critérios de aferição que permitam estipular a magnitude
das necessidades básicas, muitos estudiosos passaram a utilizar a renda como variável para
definir a condição social de um indivíduo, região, cidade, etc. (Rocha, 1996; 2000b).
O presente estudo aborda a problemática da desigualdade e pobreza em áreas rurais buscando
uma análise mais atual das condições sociais e econômicas de algumas famílias na perspectiva
de contribuir com as reflexões e análises do Plano Brasil Sem Miséria e para os debates do
desenvolvimento rural. Perceber as condições de vida, da produção, comercialização e como a
intervenção social pode alterar o contexto e a participação destas famílias nas dinâmicas do
desenvolvimento.
O exercício da comparação entre famílias consideradas pobres e que foram incluídas no Plano
Brasil Sem Miséria e famílias pobres que, no entanto não foram incluídas no Plano para
perceber semelhanças e diferenças que as colocaram nestas condições de acender ou não a
intervenção estatal.
A pesquisa empírica foi feita no território da Cidadania Serra Geral2, localizado no semiárido
mineiro, constituído por 16 municípios com uma população total de 402.828 e possuindo
41.967 pessoas em condição de extrema pobreza, segundo dados dos MDA, sendo que 23.811
estão no campo e 18.156 na cidade. Os dados foram coletados no município de PorteirinhaMG.
Este estudo pretende ser um ponto de partida das reflexões acerca dos critérios de seleção e de
inclusão das famílias. O referencial teórico está relacionado aos conceitos de desigualdades
sociais, pobreza, políticas públicas, intervenção social, agricultura familiar e à questão do
método comparativo. Os autores de referência do estudo são Bajoit (2006), Sen (2000),
Kageyama (2006), Hoffmann (2006), Schneider (2000), Estivil (2006), Balsa (2006), Franco
(1998).
O estudo busca comparar as condições socioeconômicas de famílias selecionadas para o
Plano e famílias pobres, potenciais beneficiárias, porém não selecionadas para beneficiar das
políticas de combate à extrema pobreza rural . A escolha das famílias foi feita de modo
aleatório, observando a equidade de gênero entre o grupo selecionado. Os dados foram
coletados por meio de questionário aplicado durante os meses de novembro de 2011 a janeiro
de 2012. A pesquisa de campo objetivou analisar alguns aspectos relacionados aos sistemas
de produção e condições socioeconômicas deste grupo de famílias e, a partir dos dados
2
Os Territórios da Cidadania é uma divisão do país, feita em 2008, para fins de planejamento
do desenvolvimento social e territorial. Trata-se da delimitação de 120 territórios, cujo
objetivo é promover o desenvolvimento econômico e a universalização de programas básicos
de cidadania por meio de uma estratégia de desenvolvimento territorial sustentável. A
participação social e a integração de ações entre as diversas esferas do Governo constituem
os elementos fundamentais da estratégia. Em Minas Gerais são nove os territórios da
cidadania, sendo a Serra Geral um deles.
coletados, fez-se uma análise comparativa entre os dois grupos. A problemática de pesquisa e
as questões norteadoras foram sintetizadas nas perguntas:
como estabelecer comparações entre os grupos? Como se comparam as condições de cada
grupo? Que elementos semelhantes existem nos dois grupos? Que diferenças efetivamente
existem entre as famílias, as incluídas e as que ficaram de fora do plano?
O material coletado ficou dividido em duas ordens de abordagens: aspectos de natureza
simbólica, e aspectos de natureza material como estrutura produtiva e produção. Na análise
dos aspectos de natureza simbólica buscar se á trazer para o debate o grau de participação
social e política, as formas de organização local e regional, a capacidade organizativa para
acessar políticas e programas públicos, o nível de escolaridade do (a) entrevistado (a). Na
análise dos aspectos produtivos foi observado o tamanho da propriedade e a relação com a
composição familiar, quantos itens da produção vão para o autoconsumo e quantos são
destinados aos processos de comercialização.
E por fim uma breve consideração acerca de aspectos subjetivos e de aspectos materiais que
podem explicar a inclusão/exclusão de famílias pobres dos programas de intervenção pública
de combate à pobreza rural.
1. Desigualdades Sociais e pobreza
O cerne da questão social segundo Castel (2006) na atualidade não é a luta entre classes
sociais distintas, mas a desigualdade entre os iguais, isto é, “é o conflito que opõe grupos
sociais homogêneos em luta pela repartição dos benefícios do crescimento”. Quando a
definição política caminha no sentido de concentrar e não repartir os benefícios do
crescimento, automaticamente gera uma situação e um conflito social. Ao mesmo tempo esta
situação propicia um processo de concentração e desigualdade.
Até 1930, o Brasil possuía uma economia predominantemente agrária. Desde então, houve
uma intervenção do Estado no sentido de estimular a industrialização do país e, por meio de
diversos estímulos econômicos e financeiros houve uma mudança estrutural na composição
do produto do país. Tal processo, se de um lado contribuiu para a urbanização, para a
ampliação da oferta de bens e serviços públicos, para a formação de uma sociedade salarial,
de outro lado concentrou riqueza, terra e poder. Gerou processos desiguais e aprofundou as
desigualdades sociais presentes desde o período escravocrata.
O dado mais elucidativo das condições de desigualdade no Brasil, que o deixa na posição de
país socialmente injusto, é que os 10% mais ricos ficam com quase a metade da renda
nacional. Estes fatos associados aos processos de formação econômica e social do Brasil
resultariam em um quadro de pobreza seja no campo ou na cidade.
A utilização do conceito de pobreza tem um longo itinerário que provém da Idade Média
(Gieremek, 1987; Sassier, 1990; Castel, 1995). Segundo Estivill (2006:104-07) o termo
pobreza encontra sua origem no adjetivo pauper-eris. Ele cita que Casado (1990) por meio de
1.044 documentos do Arquivo Histórico da Real Academia espanhola, elencou diferentes
funções e acepções desta palavra. Em 37% dos casos é atribuída uma função substantiva que
identifica aquelas pessoas que carecem de bens materiais. Em 13% dos casos o substantivo
pobre é utilizado como oposição a rico e, em 4% as palavras são associadas no plural “ricos e
pobres”, mostrando que esta antítese tem valor totalizador, do qual deriva a universalidade do
termo riqueza/pobreza como elemento de caracterização social. Em 39% dos casos, “pobre” é
utilizado de forma imediata, com sentido de comiseração e, com menos freqüência, de
desprezo, utilizando-se mais em relação a experiências como escassez, ausência de valor,
modéstia. A sua utilização é mais freqüente com referência a entidades geopolíticas, como
povos pobres, regiões pobres, países pobres. Estivill (2006:105) sintetiza os diferentes
significados expresso pela palavra pobre em três tipos de carência: ter pouco, valer pouco, ter
pouca sorte. Tal carência pode ser estrutural “ser pobre”, circunstancial “estar pobre”,
excludente “não ser rico”, voluntária “tornar-se pobre” ou fingida “fazer-se de pobre”.
Estivill (2006:106) assinala que nesse itinerário, as palavras indigência, precariedade, miséria,
privação ou marginalização, vão adquirindo sentidos, às vezes equivalentes, às vezes
paralelos e outras vezes distantes do significado da pobreza.
No século XIX o pauperismo é considerado como resultado do insucesso das relações que os
sujeitos estabelecem na luta pela sobrevivência. Tal interpretação motivou a instauração de
um mínimo alimentar de subsistência, fixado de acordo com critérios biológicos e fisiológicos
e a destacar o caráter desigual da propriedade dos meios de produção e distribuição das
riquezas produzidas. Segundo Estivill (2006:106), estas duas interpretações encontrarão mais
tarde alguma tradução nas expressões de pobreza absoluta e de pobreza relativa3.
Definir pobre em termos de renda é uma evidência e uma tautologia, que não explica as
razões pelas quais ele/ela é pobre, nem a maneira pela qual se poderia superar a situação, isto
é, não explica as causas e os efeitos da pobreza e, conseqüentemente, não auxilia a criar
políticas sociais para minorar a pobreza. Segundo Bajoit (2006:92) os sociólogos
“fotografam” a pobreza a partir de diferentes pontos de vista e distingue quatro leituras (a) o
pobre como marginal; (b) o pobre como explorado; (c) o pobre como dependente; e, (d) o
pobre é desafiliado.
A primeira leitura, o pobre como marginal, ele é pobre porque está mal socializado ou
socializado numa subcultura diferente daquela da maioria das pessoas e não tem sucesso
porque é estigmatizado (Oscar Lewis, Richard Hoggart, G. Simmel).
Na segunda, o pobre é pobre porque é explorado pela classe dominante, porque é alienado,
pauperizado, excluído pelo funcionamento do capitalismo e não pode ter sucesso porque não é
protegido e auxiliado (Jean Labbens, Vercautaren).
Na terceira, o pobre como dependente, é pobre porque não tem autonomia e não tem sucesso,
porque não tem capital social suficiente (Kliksberg, Tomassini, Putnan).
Por último, o pobre é desafiliado, é pobre porque está isolado, atomizado, desestimulado e
não tem sucesso porque não participa em formas de solidariedade organizada (R. Castel, S.
Paugam).
Para Bajoit (2006:93) estas leituras derivam, implicita ou explicitamente, de duas
representações diferentes do contrato social4 em que a primeira se baseia na idéia de
igualdade e uma segunda na idéia de eqüidade. A legitimidade da igualdade se funda nas
necessidades materiais das pessoas. Ter necessidades materiais é a condição que o indivíduo
precisa preencher para poder se beneficiar legitimamente da ajuda instituída pela coletividade
e que o Estado tem o papel de administrar, foi a concepção que prevaleceu na sociedade
industrial, capitalista, socialista ou comunista.
3
Pobreza absoluta evoca um nível mínimo de vida, semelhante em qualquer país e em qualquer época; Por
pobreza relativa entende-se aquela situação em que o indivíduo, quando comparado a outros, tem menos de
algum atributo desejado, seja renda, sejam condições favoráveis de emprego ou poder.
4
Por contrato social o autor entende “idéia que fazemos de uma coletividade a respeito das condições que seus
membros devem preencher para que seus interesses sejam reconhecidos como legítimos e possam, portanto, ser
levados em consideração pela solidariedade instituída”.
No contrato social baseado na idéia de eqüidade, a condição que o indivíduo deve preencher
para ter acesso legítimo ao acesso instituído é o empenho. Ele deve provar não somente que
está necessitado, mas também que faz o possível para sair da sua condição de pobre; ele deve
mostrar seu civismo, sua vontade de autonomia, seu sentido das responsabilidades, seu desejo
de ser ator, individual ou coletivamente. Com a mutação tecnológica, política, econômica,
cultural e social a segunda leitura está a se impor.
Além do contrato social, outra diferença com relação às quatro leituras da pobreza, refere-se a
diferentes concepções de política social (Bajoit 2006:94). As duas principais tendências nesse
sentido são de considerar o pobre como responsável pela sua condição e, na segunda, a
pobreza é vista como produto do funcionamento do sistema.
Na primeira abordagem, ao pobre compete fazer o necessário, com auxílio de pessoal
especializado, para resolver seu problema. O funcionamento da sociedade não é questionado.
É o pobre quem deve integrar-se nos papéis sociais, interiorizar os valores e as normas e
adquirir os recursos necessários para tornar-se autônomo e não precisar mais de ajuda.
Na segunda abordagem, a pobreza é vista como produto do funcionamento do sistema, em
que comporta relações de dominação social que gera desigualdades, desemprego, exclusão,
desafiliação. Como conseqüência, para que o pobre possa vencer sua condição, é necessário
assistência indefinidamente ou mudanças no funcionamento da sociedade para inserí-lo na
vida ativa. O sistema não se transforma sozinho, sendo preciso movimento social e / ou
político.
Para Bajoit (2006:100) todas as leituras são pertinentes. O pobre é ao mesmo tempo marginal,
explorado, dependente e desafiliado. O problema, em sua opinião, é que leituras tomadas
separadamente reduzem o pobre a uma única dimensão, revelando parte do que ele é, mas
escondendo os demais aspectos de sua realidade. Ele conclui que seria importante uma leitura
mais complexa e mais ajustada à realidade da pobreza, tal qual é vivida por aqueles que estão
hoje nesta condição, de modo a conceber políticas sociais de forma original.
No Brasil, vários estudos (Pastore, Zylberstajn, Pagoto, 1983; Hoffmann, 1995; 2000b e
Rocha, 1996; 2000b) utilizam os critérios de renda (sobretudo salário mínimo) para definir
linhas de pobreza, ou seja, fixa-se um parâmetro a partir da qual se pode indicar que os
indivíduos que possuem rendimentos inferiores àquela escala têm dificuldades ou sofrem
restrições para satisfazer suas necessidades.
A partir de estudos realizadas com microdados da PNAD para analisar a pobreza no Brasil de
1992-2004, temos a seguinte classificação:
os pobres foram classificados em três grupos, conforme ocorra essencialmente
insuficiência de renda (pobre tipo I), apenas falta de acesso a pelo menos dois de três
equipamentos básicos (água canalizada,banheiro e luz elétrica) (pobre tipo II), ou baixa
renda combinada com a ausência dos três equipamentos básicos (extremamente pobre).
Esses grupos foram descritos em comparação com a categoria dos não pobres. A
pobreza de tipo I, que afeta um terço da população brasileira, tendeu a apresentar
variações cíclicas, sem tendência visível de melhoria. Os outros tipos de pobreza
(especialmente a extrema pobreza) parecem depender bem menos dos ciclos econômicos,
pois são sempre decrescentes no período, porque estão mais relacionados com efeitos de
longo prazo do desenvolvimento regional e dos investimentos em infra-estrutura.
Kageyama e Hoffmann (2006).
De acordo com Hagenaars e De Vos (1988), todas as definições de pobreza podem ser
enquadradas numa das três categorias seguintes:
a) pobreza é ter menos do que um mínimo objetivamente definido (pobreza absoluta);
b) pobreza é ter menos do que outros na sociedade (pobreza relativa);
c) pobreza é sentir que não se tem o suficiente para seguir adiante (pobreza subjetiva).
Segundo Kageyama e Hoffmann (2006) a defesa mais radical da idéia de pobreza relativa
deveu-se a P. Townsend. Pode-se ler num trabalho de Abel-Smith e Townsend, publicado
originalmente em 1965 e citado em Abel-Smith e Townsend (1972, p. 145-146):
A pobreza é um conceito relativo. Dizer quem está em situação de pobreza é uma
afirmação relativa – como dizer quem é baixo ou pesado. (...) O fato de que a pobreza é
essencialmente um conceito relativo e que essencialmente se refere a um conjunto de
condições e não simplesmente à condição financeira tem sido aceito publicamente ou
implicitamente pelos maiores estudiosos do tema quase desde o início dos estudos sobre
pobreza.
Mas, para Sen (2006), “a pobreza deve ser vista como privação de capacidades e não apenas
como baixo nível de renda [...]” ( página 120), uma pessoa de renda elevada, mas sem
oportunidade de participação política pode não ser pobre economicamente, no entanto, é
pobre no sentido de que não goza de uma liberdade importante.
Segundo o autor uma característica da idéia de pobreza é que ela possui uma “irredutível
essência absoluta”: um de seus elementos óbvios são a fome e a inanição e, não importa qual
seja a posição relativa na escala social, aí certamente existe pobreza. “O fato de algumas
pessoas terem um padrão de vida mais baixo que outras é certamente uma prova de
desigualdade mas não pode, por si só, ser uma prova de pobreza, a menos que saibamos mais
a respeito da qualidade de vida que essas pessoas de fato possuem (Sen, 1983, p. 159)”.
O conceito de pobreza, então, pode assumir uma forma relativa no que se refere a quais bens
são considerados indispensáveis para viver em determinada sociedade, mas tem um
componente absoluto central no que se refere às capacidades.
No Brasil, embora não haja consenso sobre as causas da redução da pobreza, há indícios de
que o controle da inflação, o aumento da educação e as políticas sociais explicam uma
significativa melhoria social das famílias aliada a expansão econômica do país.
Figura 01
Figura: Evolução da taxa de pobreza, em percentagem, de 1981 a 2009 no Brasil.
Fonte: Ipeadata, 2011. Elaborado por HAROLDO TORRES e RAPHAEL TRISTÃO
Segundo dados do IPEA de 2009, os gastos sociais do governo brasileiro nas tres esferas
evoluíram significativamente, saindo de 13,3 % em 1985 para 21,9% em 2005, mas apesar da
evolução dos gastos públicos com programas sociais, o quadro de desigualdade e pobreza no
Brasil continua desafiando gestores públicos a proporem ações de inserção socioprodutivas
para as famílias pobres.
Na realidade rural brasileira a política de intervenção do Estado vem se efetivando por meio
de transferências de rendas com a aposentadoria rural e outros benefícios, bolsa família e
diversos programas como o Programa de Aquisição de Alimentos, Programa Nacional de
Alimentação Escolar - PNAE, Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
- Pronaf e outros.
Apesar da reorientação iniciada em meados dos anos 1990 com a conquista do PRONAF, e
mesmo com os programas de transferência de renda direcionados às parcelas mais
empobrecidas da sociedade a partir do início dos anos 2000, mesmo assim um número
significativo de agricultores familiares encontram-se no limiar da extrema pobreza (renda per
capita inferior a R$70,00/mês) como pode ser visto no mapa a seguir (adaptado de Antonio
Marcio Buainain, 2004)5,
5
BUAINAIN, ANTÔNIO Márcio, Guanziroli, C, Meirelles, H et al(2004) Agricultura Familiar: Um estudo de
Focalização Regional. SOBER 2004. Cuiabá.
Figura 02
Fonte: mapa adaptado de Antonio Marcio Buainain, 2004
2. O Plano Brasil Sem Miséria
Lançado em junho de 2011, o Plano Brasil Sem Miséria – BSM lançou um desafio as
políticas e programas públicos: retirar da extrema pobreza e miséria mais de 16 milhões de
brasileiros e brasileiras. O Plano Brasil Sem Miséria é direcionado aos brasileiros que vivem
em lares cuja renda familiar é de até R$ 70 por pessoa. De acordo com o Censo 2010 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), estão nesta situação 16,2 milhões de
brasileiros. Segundo dados do governo, de um total de 29,83 milhões de brasileiros residentes
no campo, praticamente um em cada quatro se encontra em extrema pobreza (25,5%),
perfazendo um total de 7,59 milhões de pessoas.
O objetivo do Plano Brasil Sem Miséria é elevar a renda e as condições de bem-estar da
população. As famílias extremamente pobres que ainda não são atendidas serão localizadas e
incluídas de forma integrada nos mais diversos programas de acordo com as suas
necessidades.
O Plano Brasil Sem Miséria agrega transferência de renda, acesso a serviços públicos, nas
áreas de educação, saúde, assistência social, saneamento e energia elétrica, e inclusão
produtiva. Com um conjunto de ações que envolvem a criação de novos programas e a
ampliação de iniciativas já existentes, em parceria com estados, municípios, empresas
públicas e privadas e organizações da sociedade civil. Segundo o Governo Federal ele quer
incluir a população mais pobre nas oportunidades geradas pelo forte crescimento econômico
brasileiro.
Figura 03
Fonte: IBGE 2011
3 A agricultura Familiar em Porteirinha
As condições ambientais e climáticas em que se insere a agricultura familiar em Porteirinha
apresentam solos em geral de boa fertilidade, e que infelizmente encontram-se bastante
degradados, com intenso processo de erosão e consequente assoreamento dos cursos d‟água
das regiões. Após intenso período de monocultivo do algodão as terras foram perdendo
fertilidades, os solos ficaram enfraquecidos pelo intensivo uso de agrotóxicos. Com baixos
índices pluviométricos e escassez dos recursos hídricos as famílias desenvolveram estratégias
de produção, ora captando água da chuva e armazenando-a para o período seco, ora optando
por animais e plantas que necessitam de baixo consumo de água. Estas condições restritivas
de uso da água as colocam em constantes estados de calamidade, pois precisam muitas vezes
ser abastecidas com carro pipa.
Com o Programa Luz Para Todos são poucas as comunidades que não tem energia elétrica. As
famílias visitadas possuem geladeira, televisão, alguns possuem aparelho de DVD, rádio e em
sua grande maioria possuem bicicleta, algumas possuem motocicleta, mas o meio de
transporte mais utilizado são os ônibus que trafegam 3 vezes por semana.
A economia agrícola das comunidades está fortemente alicerçada na produção para a
subsistência familiar, com algumas iniciativas de comercialização local de excedentes da
produção, de forma individual ou por meio das Cooperativas: Agroextrativista Grande Sertão,
Cristal e Crescer. Apesar de um quadro relativo de dificuldades, encontra-se um conjunto de
experiências no campo da gestão territorial, da produção e da organização, que apontam
possibilidades de ancoragem e fortalecimento da agricultura familiar.
Além do enfoque da produção para o autoconsumo, é comum a troca de produtos e serviços
entre vizinhos, sendo colocada a necessidade de estruturar melhor este processo de circulação
de produtos e serviços entre as comunidades e o comércio local.
Um fator relevante no que diz respeito ao protagonismo das famílias é que neste município há
uma ação forte e conseqüente do Sindicato dos Trabalhadores rurais que tem uma política de
fortalecimento da agricultura familiar e com a intensa participação de muitas lideranças nos
diversos espaços de gestão e monitoramento das políticas. Há neste ambiente um forte e rico
capital social que vem intervindo positivamente nas políticas locais.
Apesar de todos estes esforços para fortalecimentos das famílias e comunidades, há ainda um
número a ser considerado de famílias que pela distância em que estão da sede do município e
por falta de informação, ou ainda pela invisibilidade social encontram-se desprotegidas e
excluídas das políticas públicas.
No município de Porteirinha foram selecionadas 320 famílias a partir dos critérios do Plano.
Na primeira etapa do trabalho está sendo realizado um diagnóstico familiar e produtivo. Na
segunda etapa será construído com a família um projeto produtivo que terá o apoio de um
fomento de R$ 2.400,00/família que será transferido pelo cartão Bolsa Família. Este valor
será dividido em três parcelas. A equipe técnica que acompanha a família deverá atestar o uso
do recurso conforme o projeto para que as parcelas subseqüentes sejam liberadas.
Além destas ações, estão previstas reuniões coletivas, atividades com mulheres e jovens e há
uma perspectiva de continuidade do Plano após avaliação dos resultados desta primeira fase.
Um dado que vem sendo extremamente criticado é com relação a distribuição das sementes de
milho, feijão e hortaliças. As sementes distribuídas oriundas da Embrapa, são sementes
culturalmente cultivadas pelas famílias do Nordeste brasileiro, não sendo comum na região.
Em Porteirinha há um intenso trabalho de resgate e manutenção de bancos de sementes
crioulas, com variedades nativas e tradicionais da região. O BSM distribuiu sementes da
Embrapa e no momento da entrega, a família logo dizia que aquela semente de feijão seria
produção para a venda e não para o consumo doméstico. Ou seja, entrar com variedades de
sementes diferentes das sementes que as famílias mantêm a tradição de plantio e a cultura
alimentar pode resultar em insucesso.
4. Metodologia
Para se fazer qualquer estudo comparativo é necessário, como afirma Morlino e Sartori
responder as questões do „como‟, „por que‟ e „o que‟ é comparável. Neste sentido, a
comparação deixaria o campo do implícito, ou seja, da simples descrição e justaposição de
dados para o emprego de uma metodologia comparada, onde o analista manifestaria
claramente quais os critérios de sua comparação, inseridos dentro de um contexto históricocultural.
Concordando com FRANCO (1998), que o discurso da diferença é um discurso difícil,
citando Todorov, transporto esta dificuldade para além do discurso, trazendo para a reflexão
uma realidade socioeconômica e de políticas públicas acessadas ou não por estas famílias que
as coloca em posições possíveis de serem comparadas.
Que programas sociais e projetos chegaram até as famílias em extrema pobreza? Em que
medida estes programas, projetos e outros fatores alteram a condição socioeconômica destas
famílias? Quais as condições produtivas destas famílias? Elas acessam algum mercado para os
processos de comercialização e venda? Sartori chama a atenção para os cuidados que
devemos ter neste processo de comparação:
(...) comparar implica assimilar e diferenciar em seus limites. Se duas entidades são
iguais em tudo, em todas as suas características, é como se fossem a mesma coisa e tudo
termina aí. (...) as comparações quesensatamente nos interessam se levam a cabo entre
entidades que possuem atributos em parte compartilhados (similares) e em parte não
compartilhados (e declarados não comparáveis). Sartori - "Comparación y Método
Comparativo"..., pp. 34-35.
Como descrito anteriormente, foram realizadas as visitas e aplicados 20 questionários em
comunidades do município de Porteirinha, que integram o território da Cidadania, sendo dez
famílias incluídas na listagem do Plano Brasil Sem Miséria (grupo 1) e 10 que não estão
contidas na lista do Plano, lista esta enviada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário –
MDA (grupo 2). Pretende-se comparar os aspectos simbólicos e os de produção destas
famílias. Por que comparar estes dois grupos? Inicialmente para perceber se há semelhanças
entre estas famílias, numa tentativa de compreender por que algumas foram incluídas e outras
não. Há evidência nos dados coletados que as diferenciam?
5. Dados e resultados da Pesquisa
5.1 Aspectos de natureza sociodemográfica
Nesta parte do estudo, a análise e reflexão giram em torno de informações sociodemográficas
das famílias, tais como faixa etária, escolaridade, composição familiar e de natureza
simbólica, analisando os dados da participação social, da participação em cursos e eventos de
capacitação e de acesso a programas de crédito e de transferências de rendas.
Quanto aos dois grupos pesquisados no que diz respeito à perspectiva de gênero, foi adotado o
critério da equidade entrevistando 5 mulheres e 5 homens incluídas no Grupo 1, Plano Brasil
Sem Miséria (BSM) e 5 mulheres e 5 homens que não estão na lista do plano (NBSM), Grupo
2.
Gráfico 01
Gráfico 1: Idade dos Entrevistados
Fonte: pesquisa de Campo realizada entre Nov. de 2011 a janeiro 2012
O gráfico 01 refere à idade dos membros das famílias entrevistadas, evidenciando que a faixa
etária entre o(a)s entrevistado(a)s apresenta uma característica importante que está
relacionada a capacidade da força de trabalho apresentada na faixa das famílias do Brasil Sem
Miséria. Com o repasse de um fomento a ser realizado no cartão família e a elaboração de um
projeto produtivo a ser financiada pelo repasse do governo, a força de trabalho dos mais
jovens pode ser um dos elementos a possibilitar melhores resultados na área da produção.
Grau de escolaridade
O gráfico abaixo retrata em anos a freqüência e permanência do(a)s entrevistado(a)s na rede
educacional.
Gráfico 02
Gráfico 2: Nível de Escolaridade dos Entrevistados
Fonte: pesquisa de Campo realizada entre Nov. de 2011 a janeiro 2012
Conforme nos aponta os resultados acima, a freqüência em anos na rede de educação das
famílias que não foram inclusas no BSM é superior a das famílias inseridas no Plano. Este
dado pode ser associado à capacidade de melhoria das condições de vida das famílias que
podem estar em melhores condições em relação as do BSM. Mas, o gráfico 03 apresenta
dados relacionados à composição da família, ou seja, quantas pessoas residem na propriedade
indica que o número de pessoas nas famílias que não foram incluídas no Plano é superior ao
das famílias estão no BSM.
Gráfico 03
Gráfico 03: Composição das famílias
Fonte: pesquisa de Campo realizada entre Nov. de 2011 a janeiro 2012
Quanto à participação em eventos de capacitação, o número de cursos freqüentados pelos
entrevistados do BSM é inferior aos cursos freqüentados pelas famílias não inclusas no Plano.
Este dado demonstra que o aprimoramento dos processos produtivos pode estar relacionado
aos cursos freqüentados.
Gráfico 04
Gráfico 4: Número de cursos de capacitação
Fonte: pesquisa de Campo realizada entre Nov. de 2011 a janeiro 2012
Quanto ao acesso a Programas públicos de transferência de renda é importante ressaltar que
todas as famílias inclusas no BSM estão no Cadastro Único do MDS e são beneficiárias do
Programa Bolsa Família. Dessa forma, o gráfico abaixo mostra que todas elas possuem
recursos de transferência de renda, já as outras famílias entrevistadas 50% delas recebem o
benefício da aposentadoria.
Gráfico 05
Gráfico 5: Transferência de renda
Fonte: pesquisa de Campo realizada entre Nov. de 2011 a janeiro 2012
Em relação à informação que diz respeito ao acesso ao crédito, a pergunta foi relacionada a
quantidade de créditos acessados pela família. 70% das famílias do BSM conseguiram acessar
algum tipo de crédito, enquanto somente 40% das famílias não inclusas do BSM também
acessaram alguma linha de crédito. As linhas de créditos acessadas são o Pronaf B e o
Garantia safra.
Gráfico 06
Gráfico 6: Quantidade de créditos acessados
Fonte: pesquisa de Campo realizada entre Nov. de 2011 a janeiro 2012
5.2 Aspectos Produtivos
Nesta segunda parte do estudo será apresentado e analisado os dados relacionados com
aspectos da produção como, tamanho da propriedade, aos produtos utilizados para o
autoconsumo e os destinados aos processos de comercialização.
Iniciaremos apresentando os dados do tamanho da propriedade das famílias entrevistadas. As
informações do quadro fundiário são importantes para averiguar e prospectar a capacidade de
produção das famílias.
Gráfico 07
Gráfico 7: Tamanho da propriedade em Hectare
Fonte: pesquisa de Campo realizada entre Nov. de 2011 a janeiro 2012
Este gráfico mostra que o tamanho das propriedades das famílias do BSM é extremamente
pequeno em relação às outras famílias. O tamanho da propriedade destas famílias oscila entre
0,5 a 5,0 hectares. Este dado comparativo sinaliza que a falta de terra ou insuficiência dela
gera situação de vulnerabilidade produtiva e automaticamente empobrecimento histórico
destas famílias. Ou seja, sem terra ou com pouca terra estas famílias têm produção limitada e
conseqüentemente não produzem para o autoconsumo e nãp comercializam nenhum produto,
vivendo basicamente de rendas provenientes das transferências dos programas sociais.
Um dado importante neste contexto diz respeito a produção para o autoconsumo. Os dados
coletados procuraram quantificar os itens produzidos na propriedade e que são consumidos
pelas famílias.
Gráfico 08
Gráfico 8: Quantidade de produtos para o autoconsumo
Fonte: pesquisa de Campo realizada entre Nov. de 2011 a janeiro 2012
Podemos constatar que as famílias do BSM têm poucos ou quase nenhum produto de
consumo oriundo de sua produção. Observando a disposição de terra destas famílias concluise que sem terra ou com pouca terra estas famílias não apresentam condições de produção
suficiente para o autoconsumo, conforme descrito anteriormente. Ou seja, nestas condições
elas necessitam comprar todos os itens de alimentação familiar. Estes dados de produção para
o autoconsumo muitas vezes é utilizado como medida de bem estar e em alguns estudos vem
sendo utilizado para aferição de renda.
Já os dados coletados relativos aos processos de comercialização estão relacionados a
quantidade e não o volume de itens que estão disponibilizados para a venda.
Gráfico 09
Gráfico 9: Quantidade de produtos para comercialização
Fonte: pesquisa de Campo realizada entre Nov. de 2011 a janeiro 2012
Um dado chama a atenção, 60% das famílias do BSM não comercializam nenhum produto e,
as respostas a esta situação foi em função de não possuir as condições para produzir o
suficiente para isto (falta terra e outras condições como orientação técnica, água para
produção e alguns poucos relacionaram a falta de condições de acesso a mercado). Por outro
lado 60% das outras famílias vêm comercializando produtos, seja na própria comunidade, na
feira local e alguns estão acessando o Programa de Aquisição de Alimentos – PAA e no
Programa de Alimentação escolar – PNAE.
5 - Considerações finais
Em estudo de natureza semelhante a este realizado na Irlanda, , Layte; Nolan e Whelan
(2000), utilizaram a análise fatorial para extrair, de um grande conjunto de indicadores não
monetários de bem-estar e de infra-estrutura dos domicílios, três dimensões que melhor
representassem os tipos de privação contidos na medida de pobreza. Essas dimensões
correspondem aos três primeiros fatores da análise fatorial e puderam ser identificadas como:
“privações básicas ou essenciais” (alimentação, aquecimento, calçado, roupas, etc.),
“dimensão relacionada com a habitação” (geladeira, TV, máquina de lavar, banheiro, etc.) e
“dimensão secundária para estudo de pobreza” (telefone, carro, férias, aquecimento central,
hobby e recreação, etc.). A medida proposta combina uma linha de renda relativa (uma
porcentagem da renda média domiciliar disponível) com o primeiro fator (privações básicas)
para identificar a situação de pobreza. A “estrutura das privações”, refletida na estrutura dos
fatores, pode alterar-se ao longo do tempo, de forma que a definição de pobreza também deve
ir sendo atualizada.
Na pesquisa empírica realizada, nota-se que as famílias entrevistadas possuem acesso a alguns
bens e serviços básicos como energia elétrica, moradia de alvenaria, mas sofrem privações no
que diz respeito ao acesso a água de qualidade, aos serviços de educação e saúde e em alguns
casos as condições de acesso para as comunidades, com existência de estradas ruins e
transporte precário. Estas condições estão relacionadas com as políticas públicas e os
investimentos em infra-estrutura que interferem nas condições de vida e nos apoios ao
desenvolvimento das atividades produtivas.
O objetivo do trabalho não foi discutir as causas das desigualdades e da pobreza rural. No
entanto, fica a questão de quais parâmetros devem ser adotados para medir a pobreza? No
caso do Plano Brasil Sem Miséria a pobreza foi medida pela renda per capita declarada na
DAP (Declaração de Aptidão ao Pronaf), ou seja, a busca ativa, como o governo denominou o
processo de seleção de famílias se orienta prioritariamente pelas informações de renda contida
na DAP.
Certamente estas famílias se enquadram como explorados nas relações desvantajosas com o
capital industrial e financeiro. São vítimas, por exemplo, dos processos de concentração da
terra na região. O latifúndio neste território é dominado também pelas forças políticas que
atuam no município. Nas condições fundiárias em que se encontram as famílias do Grupo 1
dificilmente conseguirão romper as dificuldades para produzir em escala suficiente para o
consumo e para os mercados, onde poderia residir a possibilidade de renda e superação da
pobreza.
Um resultado importante da análise são os dados relativos ao quadro fundiário das famílias. O
estudo mostrou que se trata de minifúndios, com tamanho bastante inferior ao mínimo
necessário para a viabilidade econômica do grupo familiar, o módulo rural. O plano não prevê
ações diretamente ligadas à reforma agrária, equipamentos e melhorias nas condições de
produção ou qualquer outro tipo de ampliação de área, seja para o autoconsumo seja para o
mercado. Este componente pode comprometer os resultados esperados pelo governo no que
diz respeito à possibilidade de aumento de renda destas famílias.
Dentre os desafios colocados no campo do desenvolvimento rural, encontra-se o tema do
protagonismo juvenil. Como o território da Serra geral e a região Norte de Minas de modo
geral, têm um intenso processo de migração juvenil, sendo a segunda maior fonte de renda,
depois da aposentadoria rural, o Plano BSM não contempla ações específicas com recortes
transversais que considera a questão geracional. Nenhum investimento ou perspectiva para os
jovens rurais que encontram na migração para o Sul de Minas ou interior de São Paulo sua
fonte de renda e apoio para sua família.
Enfim, as condições socioprodutivas e econômicas de todas as famílias entrevistas justificaria
a necessidade de apoios públicos intervenção e políticas de combate à pobreza. As famílias
incluídas no Plano BSM apresentaram condições relativamente piores em comparação com as
outras famílias entrevistadas, no que diz respeito ao tamanho da propriedade, a escolaridade,
aos processos de capacitação e produção, o que corrobora a escolha das famílias beneficiárias.
Todavia, o desenho proposto pelo governo para execução do plano não caminha na direção
dos objetivos finais proposto pelo Estado de incluir os pobres nos processos de oportunidade
de crescimento do país, na medida em que as condições de produção (terra e água) não forem
equacionadas. O caminho poderia ser o que sugere Bajoit (2006). “Esta idéia de pobreza
permitiria conceber políticas sociais e, portanto o trabalho social de uma forma original. A
finalidade seria restaurar a dignidade dos pobres, trabalhar com eles sobre sua identidade
pessoal, auxiliá-los a restaurar sua auto estima e, por meio disso, reencontrar a motivação que
lhes permitiria sair de sua condição.(Bajoit, 2006)”.
Não se pode negar os avanços conquistados ao longo dos anos e no esforço de interação das
políticas para estas famílias, a idéia de construção conjunta de projetos produtivos entre
técnicos e agricultores(as) e a lógica de articular a produção com os mercados institucionais
(PAA e PNAE) pode sinalizar ampliação e geração de renda e conseqüentemente uma real
redução das desigualdades e da pobreza rural.
E aqui, é importante destacar um grave problema verificado neste processo: se o cadastro de
seleção do governo é de famílias que possuem DAP (declaração de Aptidão ao Pronaf) isto
quer dizer que estas famílias acessaram algum programa ou projeto público. E as famílias que
nunca acessaram nada, que não tem DAP e que não aparece no cadastro do governo? Será que
estas famílias não deveriam apresentar o potencial para serem incluídas em um plano com
este?
6 - Bibliografia:
BALSA, Casimiro. Conceitos e dimensões da pobreza: uma abordagem
transnacional. In: BALSA, Casimiro; BONETI, Lindomar W.; SOULET, MarcHenry (Orgs.). Conceitos e dimensões da pobreza e da exclusão social: uma abordagem
transnacional. Ijuí: Ed. Unijuí, 2006.
FRANCO, Maria Ciavatta. Quando nós somos o outro: Questões teórico-metodológicas
sobre os estudos comparados. Revista Educação & Sociedade. Revista de Ciências da
Educação/Centro de Estudos Educação e Sociedade, São Paulo: Cortez, Campinas, ano XXI,
n° 72, p.197-230, Ago/2000.
HOFFMANN, R. Pobreza, insegurança alimentar e desnutrição no Brasil. Revista
Estudos Avançados, São Paulo, USP, v.9, n. 24, p. 159-172, 1995.
KAGEYAMA, A. & Hoffmann. Pobreza no Brasil: uma perspectiva multidimensional.
Economia e Sociedade, Campinas, v. 15, n. 1 (26), p. 79-112, jan./jun. 2006.
SCHNEIDER ,Sergio & Fialho, M. Antonio V. Pobreza rural, desequilíbrios regionais e
desenvolvimento agrário no Rio Grande do Sul.
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
VEIGA, José Eli et al. (2001). “O Brasil rural precisa de uma estratégia de
desenvolvimento”. Textos para Discussão n. 1, NEAD, Brasília.
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Trabalho Completo - IV Congresso em Desenvolvimento Social