Encontro Internacional Participação, Democracia e Políticas
Públicas: aproximando agendas e agentes
"Desvendando a Caixa Preta da Seleção de
Beneficiários do Programa Bolsa Família - Uma
Discussão sobre Justiça e Democracia"
Carolina Raquel Duarte de Mello Justo (UFSCar)
Isabela Fagundes Cagnin (UFSCar)
23 a 25 de abril de 2013
UNESP, Araraquara (SP)
1.) Introdução:
A desigualdade social no Brasil não é novidade, muitos são os estudos
acadêmicos, reflexões e literaturas sobre o assunto. Uma das formas de tentar
reverter ou amenizar a desigualdade é através das políticas públicas. O
Programa Bolsa Família (BF) é uma política publica de redistribuição de renda
direta, que visa famílias em situação de extrema pobreza e de pobreza, este
surgiu durante o primeiro mandato do governo Lula através da unificação dos
programas federais de transferência de renda, que são: Bolsa Escola, Bolsa
Alimentação, Vale Gás e Cartão Alimentação. Além da transferência direta de
renda o BF também trabalha com acesso a direitos como saúde e educação,
através das condicionalidades e ações e programas complementares que
pretendem a superação de vulnerabilidade.
O BF apesar de possibilitar acesso aos direitos mais básicos de um cidadão e
de ser uma política pública de grande êxito, possui pontos a se discutir e
refletir. O presente artigo tem como objetivo apresentar e discutir o problema
do desconhecimento dos critérios de seleção dos beneficiários do Programa
Bolsa Família no nível municipal, evidenciando um problema de comunicação
entre os níveis federal/municipal, federal/ famílias beneficiárias e/ou
utilizadoras do Cadastro Único e municipal/ famílias beneficiárias e/ou
utilizadoras do Cadastro Único. Além disso, uma breve discussão sobre
justiça e igualdade quanto aos critérios e características do BF como política
pública que visa a erradicação da extrema pobreza e pobreza.
2.) Critérios de Seleção de famílias Beneficiárias do Bolsa Família
O principal questionamento que propiciou a pesquisa foi, quais os
critérios de seleção para o Programa Bolsa Família? Através da busca por
respostas a essa questão, encontramos nas falas dos agentes entrevistados
em nível federal e municipal, desconhecimento quanto quais eram esses
critérios e sobre alguns pontos em relação à operacionalização do programa
e discordâncias quanto à gestão do Cadastro Único e do BF. O objetivo nesta
parte do artigo é de explicitar, através das falas dos agentes, os pontos em
desconhecimento e discordância.
A causa do desconhecimento pode ser devido à dificuldade de comunicação,
entre os níveis (federal/municipal) e estes com as famílias beneficiárias e/ou
utilizadoras do Cadastro Único, e a não existência de ferramentas de contato
direto eficazes, principalmente entre as famílias e o nível federal.
O primeiro e o mais importante ponto quanto à de desinformação são os
próprios critérios de seleção. No nível federal a informação obtida sobre os
critérios de seleção das famílias para o BF é que estes são: a renda familiar
per capita de no máximo 140 reais se há crianças de 0 a 15 anos, e/ou jovens
de 16 a 17 anos, gestante e nutriz e a atualização do cadastro. Além desses
critérios diretos há também os indiretos, que são aumento o orçamento do
programa e diminuição em cada município da estimativa de pobreza.
Porém no município encontramos informações que os critérios para seleção
são a renda de no máximo 140 reais per capita e se há crianças e/ou jovens.
Os critérios gestante, nutriz, atualização do cadastro e os indiretos não
aparecem como variáveis que influenciam ou determinam o recebimento ou
não do beneficio.
“Não sei. Falo que é a renda per capita da família, quantas crianças tem é
assim.” (Sr. Y)
“Os critérios de seleção é a renda, no caso tem que ter uma renda inferior a
140 reais per capita, é... pelo menos...na verdade não necessariamente
criança, se tiver uma renda abaixo de 70 reais pode ser qualquer pessoa. Por
que ai considera extrema pobreza e...até 140 reais no caso com criança.
Cada criança com menos de 15 anos de idade ganha uma variável de 32
reais e entre de 15 a 17, 38 reais que é o jovem.” (Sr. X)
“O critério é basicamente esse o de renda, agora ela precisa estar com o
cadastro atualizado, precisa constar com os documento, CPF, título,
informações que a gente coloca no cadastro...então é... a concessão é feita
pelo próprio governo federal, uma vez que a família atenda esses critérios,
custa demorar, ela faz o cadastro hoje vai demorar alguns meses pro cartão
vir pra ela, e é isso.” (Sr. O)
Esse desencontro de informações básicas sobre o funcionamento do
programa, mostra o grande distanciamento do nível federal com o municipal e
a dificuldade de comunicação entre eles. Dificuldade esta que é relatada
pelos cadastradores no município, em que os mecanismos de comunicação
como 0800 e e-mails não funcionam, demora a responder e na maioria das
vezes a resposta é insatisfatória e não soluciona o problema. Esta defasagem
de informação é repassada aos usuários, que ficam sem entender como faz
para receber o beneficio, o motivo que a vizinha ganha mais ou menos em
valor do beneficio, por qual motivo do cancelamento, por que a demora em
receber, etc.
“...tem um 0800 que a gente nem passa que é para informação, porque eles
dão a informação errada desde cima, a gente prefere que a pessoa vá lá
senta e a gente explica, resolve as duvidas dela.” (Sr. Y)
As informações contidas no site do MDS, também não esclarecem quanto aos
critérios de seleção. O site que seria uma ferramenta tanto para os
beneficiários quanto para os técnicos do cadastramento na obtenção de
informações, não os apresenta de forma clara e coloca a renda como um
divisor de quem recebe e não recebe, deixando margem para entender que
qualquer família que se encaixe dentro da renda estabelecida e feito o
Cadastro Único, estaria automaticamente recebendo o benefício.
Quanto aos critérios indiretos estes não são de conhecimento dos
cadastradores municipais, que chegaram a relatar em suas falas que não
sabiam se quer da existência desses critérios, apenas sentiam que algo além
dos critérios diretos interferia na concessão do benefício. Não há uma
explicitação nas ferramentas de comunicação entre o nível federal e
municipal, que deixe claro os critérios indiretos e que estes seriam resposta
para muitas perguntas frequentes dos cadastrados no programa,
principalmente quanto a demora em sair a concessão do beneficio, e se a
família foi ou não colocada como beneficiária, mesmo estando dentro dos
critérios diretos.
Um exemplo de como esses critérios indiretos influenciam a concessão do
beneficio é possível verificar no caso de São Carlos que há um ano não é
liberado novos benefícios, isso se deve porque no município a taxa de
cobertura do programa ultrapassou os 100%, houve portanto uma diminuição
da estimativa de pobreza, no momento em que é distribuído o beneficio, o
município devido a sua cobertura, fica no “final da fila” priorizando aqueles
que ainda não a alcançaram.
“Tá demorando horrores, não sei o que tá acontecendo, e o pessoal fica
nervoso com a gente, eu falo “não posso fazer nada senhora, não sou eu que
decidi isso.” Aí tem que pegar a tela mostrar, olha sua renda per capita, tá
dentro do perfil, não posso fazer nada tem que esperar o governo.” (Sr. X)
A influência da cobertura do programa no município para a concessão do
benefício fica mais claro quando nos deparamos com os números. Segundo o
site do MDS, o total de famílias cadastradas com renda per capita de até 140
reais é de 8.115 famílias, estas estariam dentro do critério base do programa
que é a renda, porém a quantidade de famílias que recebem efetivamente o
beneficio, é de 5.923 famílias, ficando fora do programa 2.192 famílias e
mesmo assim o município possui uma cobertura de 118, 18% do programa.
As famílias que ficaram de fora estão dentro dos critérios, porém pelo
município ter essa cobertura maior que 100% outras famílias de municípios
com cobertura menor ficam na frente da fila para receber. Além disso, o
critério orçamentário do programa, também delimita a quantidade de famílias
possíveis para beneficiar.
Porem esse tipo de informação não chega até os cadastradores muito menos
as famílias, que ficam sem entender os motivos para a não liberalização do
beneficio, gerando desconfiança quanto à validade do programa, do trabalho
dos técnicos do cadastro e impotência para reclamações e obtenção de
informações próxima aos beneficiários .
Além da desinformação quanto aos critérios, a ferramenta CadÚnico utilizada
pelo programa BF também não recebem devido esclarecimento quanto a sua
função e seu objetivo. O Cadastro Único, é visto pelos beneficiários como o
próprio BF e que uma vez feito já receberão o beneficio, estes também não
sabem que ele é apenas uma ferramenta utilizada por muitos programas
sociais, o que de certa forma restringe o acesso das famílias a outros
programas que o cadastro propiciaria.
“...ela acha que ela vai chegar e... pra começar lá é o cadastro único né...eles
acham que vão fazer o cadastro do bolsa família, que já vai sair de lá com o
cartão e que estão se inscrevendo no bolsa família e pra eles já vão estar
inseridos o beneficio. Ai você tem que explicar pra eles, que não, não é assim,
o cadastro único é uma ferramenta pra vários benefícios sociais né, tem que
falar isso.” (Sr. Y)
“Acho q deveria explicar melhor p galera e não deixar só a encargo do
entrevistador qual a finalidade do cadastro único, a galera associa o cadastro
único com o bolsa família, cadastro único é diferente do bolsa família é só
uma forma de direcionamento pra você pro programa social, mas não é a
única forma de você conseguir um beneficio, ele é um banco de dados e
existe outros programas sociais, redução da conta luz, agua, minha casa
minha vida, IPTU, concurso federal entre outros.” (Sr. X)
A contrariedade das informações e a dificuldade de comunicação nos dois
níveis (federal/municipal) são encaminhadas para as famílias que ficam sem
saber os motivos da negação, cancelamento, interrupção do benefício, entre
outras informações, ou seja, ficam sem saber como funciona o programa,
quais meios para adquirir o beneficio e reivindicar seus direitos, com isso
muitas famílias deixam até de fazer e atualizar o cadastro o que impossibilita
ou gera o cancelamento do benefício.
“Então, eu percebo em alguns casos que o pessoal é mal informado, que se
ele arrumar um emprego de carteira assinada perde o beneficio. Isso aparece
bastante e a pessoa fica lá fazendo os bicos, por medo...porque quando a
gente explica que não é porque tem a carteira assinada que ela vai perder o
beneficio, dai ela entende...acho que em alguns casos muda, mas tem esses
casos que o pessoal não entende direito os critérios que acaba não
mudando.” (Sr. Y)
Um exemplo do quanto é prejudicial ao beneficiário esse desencontro e a
falta de informações é a condicionalidade da saúde. Os postinhos de saúde
deveriam receber uma lista atualizada com os nomes dos beneficiários que
passariam pela pesagem, vacinação e acompanhamento de gestantes e
nutrizes, porém devido ao grande espaço de tempo, seis meses, para
atualização dessa lista, muitas famílias acabam de fora e sofrem as punições
por não ter cumprido as condicionalidades. Em São Carlos, segundo o
relatório do Bolsa Família Cadúnico, em junho de 2012, o acompanhamento
da saúde atingiu 52,8% , neste caso, o que se observa é uma dificuldade de
comunicação entre o nível federal com a área de saúde para repassar a lista
com os nomes dos beneficiários e também dificuldade do município que deve
corrigir as dificuldades no acompanhamento das condicionalidades para que
as famílias não tenham seu beneficio cortado ou cancelado devido o não
cumprimento da condicionalidade, já que é responsabilidade do município
coordenar a relação entre as secretarias de assistência social, educação e
saúde para o acompanhamento dos beneficiários do BF e a verificação das
condicionalidades. ( Manual do Índice de Gestão Descentralizada Municipal
do Programa Bolsa Família e do Cadastro Único)
“A gente se reúne com os responsáveis da saúde pra passar algumas
informações, a gente estabeleceu alguns contatos... por exemplo, chega uma
lista no posto de saúde com todas as famílias que seriam acompanhadas lá,
seriam pesadas lá, mulher com idade fértil e crianças ate certa idade, é.. se
chega uma família lá e nome dela não ta lista a pessoa do posto fica perdida
e aí manda vir aqui, a procurar o assistente social, fala como se a gente
tivesse como incluir esse nome... essa lista é renovada a cada 6 meses pra
eles, então não da conta de acompanhar rotação, migratividade , quem entra
e quem sai do beneficio.” (Sr. O)
O que é possível verificar é que a desinformação pode ser por falta de
ferramentas de contato direto entre os cidadãos e o órgão responsável de
gestão do programa BF no nível federal e a falta de capacitação dos
funcionários nos municípios, principalmente os cadastradores que possuem
contato direto com os possíveis beneficiários do programa. Esta capacitação
dos cadastradores e profissionais do BF e do Cadastro Único é uma das
propostas feita pelo nível federal na utilização dos recursos disponibilizados
através do calculo do IGD-M (Índice de Gestão Descentralizada Municipal),
este instrumento de repasse de recursos visa o aprimoramento da gestão do
BF e do Cadastro Único nos municípios, melhorando a qualidade de gestão
neles. O recurso pode ser utilizado de várias formas, desde compra de
material como computadores, cadeiras, mesas, até contratação para
cadastradores, carros e construção de um espaço para o Cadastro Único.
Porem o que se constata diretamente com os cadastradores é que há uma
defasagem de informação, ou por falta capacitação, pela qualidade desta
capacitação, pela quantidade de acesso as informações ou por esta
capacitação ser colocada como uma proposta e não como um dever do
município ou do nível federal, para garantir uma qualidade homogênea dos
cadastradores.
A obtenção de informação fácil e rápida é um direito da população contido na
Constituição de 1988, no artigo 5º. XXXIII “todos têm direito a receber dos
órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse
coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de
responsabilidade, ressalvas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à
segurança da sociedade e do Estado.”
para acessar o benefício, porém
observa-se que até certo ponto a falta de clareza quanto às informações e a
dificuldade de obtê-las são utilizadas pelo município como uma forma de
manter propositalmente as famílias desinformadas na tentativa de evitar
fraudes e mentiras daqueles que vão até a Divisão de Cadastro Único.
“Informação relevante... então tem uma coisa assim, por exemplo ...a gente...
tem esse critério da renda que tem gente que não entende direito como é feita
a seleção. É.. e as vezes eu faço isso de proposito, tem pessoa que vai lá e
quer saber exatamente o critério, ai joga a renda lá embaixo pra receber o
beneficio. Então as vezes eu não explico direito. Sei lá e depois eu falo pra
pessoa... a gente não fala na hora que a pessoa não vai receber, porque já
teve casos que a pessoa...gente fala assim “olha a senhora não vai receber”
ai a pessoa vem no próximo mês, sei lá duas semanas depois, querendo
atualizar o cadastro e ai joga a renda lá embaixo, então algumas informações
a gente acaba não fornecendo pra evitar fraude.” (Sr. Y)
“Eu vejo pela galera lá, pessoal vive reclamando que o negocio é baixo, não
sei o que, a filha da vizinha tem mais filhos e ganha 200 reais, até você
explicar pra ela o porquê, aí todo mundo que saber desse macete uai, se a
vizinha ganha 134 reais e eu 74, “porque ela tá ganhando mais?” Por que a
renda dela é... “aah então vou abaixar minha renda!” “Não senhora não é
desse jeito também!” (Sr. X)
O conhecimento da funcionalidade do programa, gera a obtenção do poder,
tornando possível a utilização de brechas que podem ser usadas a favor do
usuário. Um exemplo recorrente é a renda que por ser auto declaratória, o
individuo tem a possibilidade de mentir quanto ao valor , sabendo portanto o
limite máximo que ele pode ter fica mais fácil para manipular o valor que
recebe e conseguir o beneficio.
Por outro lado a não divulgação da informação completa sobre a
funcionalidade do programa por parte dos cadastradores é também uma
forma de ver os possíveis beneficiários como trapaceiros, pessoas passíveis
de ações de má fé, trazendo junto com a imagem do pobre a do malandro, do
vagabundo, daquele que quer se dar bem, etc. Outra justificativa recorrente é
a não capacidade de entendimento do funcionamento do programa por parte
dos possíveis beneficiários, como se a condição de pobreza delimitasse
também a capacidade de entendimento e compreensão, perpetuando assim a
imagem do pobre malandro e ignorante.
A desinformação dos critérios não é o único ponto levantado pelos
cadastradores, a discordância entre os níveis também ocorre quanto à gestão
do BF e do Cadastro Único. A principal discordância é a gestão centralizada
no nível federal, que resulta nesse distanciamento entre gestão e
beneficiários gerando o problema da desinformação e desentendimento do
programa, apresentado anteriormente, mas também resulta em uma não
percepção das dificuldades e necessidades dessas famílias. Como relatam os
cadastradores, se o programa fosse gerido no município a seleção seria
diferente, pois os cadastradores estão em contato direto com as famílias, a
cobertura do programa seria maior e melhor e levariam em consideração
aspectos além dos critérios diretos.
“...porque de certa forma quando você olha as característica de uma casa,
você manda mais verba pro município, baseado no cadastro e na entrevista,
você vê se a pessoa tem saneamento básico ou não, tipo, aí o repasse ia ser
maior.” (Sr. X)
“Então acho que o critério da renda é um bom critério, mas acho que tem que
considerar outras coisas, acho que a despesa deveria entrar também,
despesa com aluguel, remédio e é isso que acaba indo pra assistente social.
Os gastos da pessoa a situação familiar, as vezes ela não tá dentro do critério
do bolsa família, mas ela acaba tando dentro de outros programas.” (Sr. Y)
É recorrente a critica feita pelos cadastradores sobre a renda como
delimitador de quem pode ou não pode receber o BF, pois mesmo no
questionário do cadastro único tendo perguntas referentes a gastos mensais
da família, situação da casa, se esta tem água, esgoto e energia elétrica,
custo de vida no município, além de outras informações, estas não são
levadas em consideração no momento de validar ou não o cadastro. Ou seja,
mesmo uma família tendo uma renda per capita maior que 140 reais, se for
levado em consideração seus gastos, pode-se concluir que a sua renda é
insuficiente para manter a família, mas esta tem o seu direito ao acesso do
beneficio negado devido a sua renda.
“...durante um ano a gente calcula baseado durante um ano, 12 meses, se a
pessoa ganha 1.000 reais, 12 vezes 1.000 dá 12000 aí tem 3 componentes
na família pai, mãe e filho, da mais que 140 aí você percebe que na verdade
os mil reais que o cara ganha não dá, porque ele acaba gastando com
aluguel, gasta não sei quanto tem uma filha tem dois filhos e passa. As vezes
o que acontece quando o cadastro passa, tem dois filhos, mãe, pai e só pai
trabalha e ganha 1.000 reais o governo acha que no caso, durante esse
tempo todo a pessoa teve 12000 reais e não gastou com nada eu não sei
qual critério q eles utilizam...” (Sr. X)
“Porque a pessoa acaba fazendo uma triagem e percebe que a pessoa
precisa daquilo. Por exemplo, um aposentado que recebe um salario, quer
dizer uma pensão de 722 reais, daí ele tem neto, tem pagar aluguel, sei lá, ai
mesmo se ele não recebe o bolsa família ele acaba sendo incluído em outros
benefícios. Então eu acho que da pra subir essa renda pra pessoa se
encaixar nisso.” (Sr. Y)
A crítica em relação ao delimitador renda, de quem poderá ou não receber o
beneficio, traz a tona outra critica quanto ao valor do beneficio. Segundo os
cadastradores, dependendo dos gastos e da cidade em que o beneficiário
reside, a quantidade em valor do beneficio, não ajuda a família ao ponto de
sair da extrema pobreza. Com essa observação é possível colocar um ponto
final de vez em uma das criticas feita ao BF, que este acarretaria cidadãos
preguiçosos, que deixariam de trabalhar devido ao beneficio que recebem.
O que se observa é que o beneficio por si só é incapaz tanto de retirar essas
famílias da situação de extrema pobreza e quanto à mudança na
oportunidade de trabalho mais bem pago, o que se observa é que as(os)
chefes de família continuam se submetendo a trabalhos degradantes e mal
remunerados. Segundo gestores do nível federal, um dos resultados do BF é
que as famílias não mais se submeteriam a este tipo de trabalho.
“Então assim o que o programa fez foi deslocar a curva assalarial, não é que
ela não quer trabalhar , a pessoa não se submete a algumas situações
porque se for pra trabalhar pra ganhar R$100 reais ela já tem o beneficio de
100, ai tem o pouco a questão que a pessoa deixa de trabalhar não, ela deixa
de trabalhar num trabalho escravo, porque 100 reais por mês..acho que eu tô
fugindo um pouco do conceito de trabalho escravo, mas é uma situação
degradante.” (Sr. C)
Porem o que se observa em nível municipal é que a procura por esse tipo de
trabalho ainda permanece, isso porque a necessidade permanece, o
mercado de trabalho não consegue absorver toda mão de obra e na maioria
das vezes essa mão de obra é pouco qualificada.
“Não a galera sabe que o bolsa família é pouco, é uma complementação de
renda e como complementação tem que trabalhar em qualquer buraco que
aparecer, porque o que bate é a fome e como o beneficio recebe no final do
mês então acaba numa semana.” (Sr. X)
A demora pela liberalização do benefício, a incerteza se irá ou não receber e
a própria distância entre o beneficiário e a gestão do programa, que acarreta
as desinformações e sensação de insegurança quanto
continuação no
recebimento e possíveis cortes ou cancelamentos do benefício, também gera
uma perpetuação de dependência desse trabalho desvalorizado.
A grande dificuldade do BF é ultrapassar a barreira da falta de comunicação
com os municípios e com as famílias. Apesar de a desinformação ser utilizada
como ferramenta para a proteção do programa, esta impede que ele se
desenvolva de forma mais eficiente, provocando a não integração das
famílias que possuem perfil válido no beneficio, o que fere o direito do
cidadão de obter informação do programa e de recebê-lo. Quanto as
discordâncias de gestão entre o município e o federal, há uma discordância
quanto a critérios de justiça e igualdade entre os níveis, que será proposto em
seguida uma discussão sobre esses critérios no BF e CadÚnico, tanto na sua
gestão quanto como política pública.
3.) Cidadania, Justiça e Igualdade no Bolsa Família
A formulação de políticas públicas não é só uma produção de medidas
demandadas para suprir necessidade de um grupo e problema social.
Durante a formulação, os agentes de produção da política determinam os
princípios e a forma como esta irá ser implantada o que irá gerar certo
resultado. Portanto a sua formulação é constituída de atos complexos, ou
seja, os formuladores da política levarão de forma subjetiva aspectos
pessoais para a formulação da política, para alcançar o seu objetivo.
No caso do BF, que tem como objetivo a erradicação e a diminuição da
extrema pobreza e da pobreza no território brasileiro, através da
redistribuição monetária, as concepções de justiça e igualdade são a base do
programa, na qual a justiça aparece como o direito do cidadão, garantido pela
Constituição de 1988 em que o Estado tem como objetivo a erradicação da
pobreza, marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais a
igualdade portanto aparece como resultado ultimo dessa busca, através do
acesso a outros direitos, como saúde, educação, documentos, etc.
As políticas públicas como o BF, retiram da ação beneficente o objetivo da
erradicação da pobreza, trazendo a tona o direito do cidadão em obter do
Estado condições mínimas para não passar necessidades, o que resulta de
certa forma a desmitificação da naturalização da pobreza. A culpa da pobreza
ou da situação degradante é responsabilidade do Estado, e não mais do
sujeito, que peca na distribuição desigual dos direitos entre os cidadãos,
como exemplo o acesso e qualidade das escolas, saúde, qualificação de mão
de obra, oportunidades de entretenimento, etc.
O objetivo do BF é a erradicação da pobreza e extrema pobreza e para tal
proporciona o acesso a vários direitos, que são os diretos do programa e os
indiretos. Os indiretos são a obtenção de documentos já que estes são
necessários no cadastramento, etapa principal para o requerimento do
beneficio, deixando o cidadão visível não só para o Estado, como para a
sociedade como um todo, conseguindo desde a abertura de crediário, contas
em banco, farmácia, até exercer o direito fundamental de voto. O Cadastro
Único também é um direito indireto do programa pois, é porta principal para o
BF e para outros direitos como a carteira do idoso, programa minha casa,
minha vida, tarifa social de energia elétrica, passe livre e outros, ou seja, o
cadastro possibilita adquirir os documentos necessários a qualquer cidadão
como também o acesso a vários programas sociais além do BF.
Os direitos diretos são, o próprio beneficio monetário em si que por ser
transferido de forma direta sem um intermediário no município, possibilita que
as famílias gastem o dinheiro no que achar mais necessário, já que não tem
que prestar contas dos gastos do beneficio, tendo liberdade de escolha e de
ação. As condicionalidades do programa possibilita o acesso à saúde como
va ci n a çã o , a co mp a n h a me n to d e g e sta n te s e n u tri ze s a l é m d o
encaminhamento a outras especialidades da área de saúde, já a educação
possibilita que as crianças da casa das famílias beneficiárias tenham acesso
a escolas e creches, o monitoramento da frequência escolar é uma pressão
para que as crianças não larguem os estudos propiciando melhores
perspectivas de futuro, já a creche possibilita que a mãe volte ao mercado de
trabalho, contribuindo para os direitos da mulher a independência financeira
desta e mantendo mais uma renda para a família.
O acesso a esses direitos desencadeia uma independência futura dos
beneficiários, o alivio imediato da pobreza e das angustias que vem com ela,
é proporcionado diretamente pelo beneficio, mas a emancipação da condição
degradante é possível através dos outros direitos que agem em longo prazo.
Submergindo mais no programa, podemos observar através do seu modo de
funcionamento como as concepções de justiça e igualdade são destacadas
para cumprir os objetivos do programa e a repercussão que elas geram
quando colocado em pratica o BF. Questões como o critério renda como
divisor de famílias possíveis de receber o beneficio, demora no repasse, o
valor do beneficio e a taxa de cobertura evidenciam como essas concepções
são colocadas no programa.
Ao colocar o critério renda como um divisor de quem está habilitado para
receber o benefício e quem não está, coloca-se a distribuição desigual de
renda como problema principal para a posição de vulnerabilidade do sujeito.
O julgamento portanto, não é de mérito, quem merece mais ou menos, ou
quem não se esforça ou tem capacidade para se sustentar e quem não tem,
mas sim quem tem a renda mais desigual o que não leva em consideração
julgamentos de valor como a preguiça, vagabundagem, malandragem e etc,
mas da necessidade no ato, no momento e do direito de obter do Estado
condições mínimas de sobrevivência. Segundo Argelina, o direito pelo mérito
leva em consideração as características e ações passadas julgadas sobre o
presente do sujeito, correndo o risco de uma redistribuição desigual, ou seja,
mantendo a concentração de direitos naqueles que já possuem larga
vantagem.
As instituições justas que Rawls apresenta é uma forma de tentar equilibrar
essas diferenças de obtenção de direitos, deveres e desvantagens. A justiça
social modela as instituições para que as desigualdades retrocedam,
beneficiando os menos privilegiados e garantindo a igualdade de
oportunidades. (Figueiredo, A.)
O critério renda delimita, portanto quem é mais necessitado, mas o valor do
benefício propicia a superação da extrema pobreza e da pobreza? O valor do
benefício varia de acordo com os critérios supridos pela característica de cada
família, no caso de São Carlos o valor médio que as famílias recebem é de R$
125, 67, é possível que esse valor possibilite que uma família saía da pobreza
no município?
Se for levado em consideração que a superação da extrema pobreza e da
pobreza se dá com o alcance de uma renda mínima de meio salário mínimo,
sim é possível superar, chegar a esse número com o benefício. Porém a
superação é mais que um valor mínimo ou uma taxa de cobertura, a
superação se dá quando a família não passa por mais qualquer tipo de
necessidade, seja esta básica, como alimentação, vestuário, higiene, moradia
e etc, a superação de necessidades como possuir lazer, direito de viver o
estilo de vida que convém, liberdade de escolhas, até a obtenção de direitos,
liberdades e oportunidades.
“A pobreza não é apenas uma condição de carência, passível de ser medida
por indicadores sociais, é antes de mais nada, uma condição de privação de
direitos, que define formas de existência e modos de sociabilidade” (TELLES,
V. Silva p.6)
Segundo Rawls a pobreza não é apenas uma escassez de renda, apesar de
influenciar no que podemos ou não fazer, há necessidades também coisas
além do que a renda possibilita ter, os “bens primários”, são também direitos,
liberdades, oportunidades, rendas e riquezas e as bases sociais do respeito
próprio. (SEN)
O BF, têm toda a sua funcionalidade baseada apenas no critério renda, esta
como delimitador de quem recebe o benefício, o quanto irá receber e quando
deixará de receber. Ou seja, apesar dos outros critérios como ditos
anteriormente interferir na liberalização do benefício e no valor deste, a renda
ainda continua como primeiro e principal critério do programa. A crítica dos
cadastradores quanto a quantidade de informação levada em consideração
para ceder o benefício, justifica-se pelo contato direto com a
família
necessitada, o que fica de forma clara que apesar de não se enquadrar nesse
critério, ela passa por dificuldades tanto quanto as outras famílias que estão
dentro da renda. E as famílias que estão dentro da renda uma vez recebendo
o benefício, não significa que alcançara a superação das condições de
extrema pobreza e pobreza, já que ter o dinheiro não significa
necessariamente ter as mesmas condições de quem não está na faixa de
pobreza ou vulnerabilidade social. Ou seja não significa que recebendo meio
salário mínimo ou um salário mínimo essa família irá ter acesso a todos os
direitos, liberdades e oportunidades de uma família que possui uma renda
muito maior.
Há os casos ainda em que a família mesmo estando dentro do critério renda,
não recebe o beneficio, devido a taxa de cobertura do município. O programa
baseia o seu sucesso nessa taxa que é uma porcentagem da cobertura dos
pobres estimada em cada município, o que ocorre é que quando o município
ultrapassa os 100% mesmo tendo famílias em situação de pobreza, essas
não recebem ou demora a receber o beneficio, devido a interferência da taxa.
Ou seja, não basta somente a condição de vulnerabilidade para ter acesso ao
direito do beneficio, há também interferência da taxa e do orçamento do
programa para a concessão de tal. Enquanto a família espera o beneficio,
suas necessidades não são paralisadas, estas só aumentam e a necessidade
em receber o beneficio também, o que dificultara a saída dela da condição de
pobreza.
A superação da pobreza é mais que o alcance a uma determinada renda ou
superação de uma taxa, mas a condição de igualdade de acesso a outras
coisas que estão além da renda e que vão até o simbólico, mudando a
condição em que o pobre é visto pela sociedade e pela política pública
retirando desse a situação de necessitado e carente passando a ser visto e
tratado como desprovido de direitos. Assim a produção de políticas públicas
tem que ser mais abrangente do que apenas a transferência de renda, mas
também levar em consideração aspectos mais amplos que como obtenção do
acesso e exercício de direitos e cidadania, pois combater a pobreza e a
desigualdade sem levar conta estes aspectos além de manter a discussão no
plano moral e comportamental acarreta um fazer políticas públicas que se
limitam apenas a gerir a pobreza.
4.) Conclusão:
Diante das falas dos agentes cadastradores do município de São
Carlos e da agente do Departamento de Benefícios do MDS, é possível
destacar que há um problema de comunicação e divergência de opiniões
entre os níveis federal e municipal quanto a forma de operacionalização e
mais especificamente quanto aos critérios de seleção dos beneficiários no BF.
A divergência de opinião é em relação ao modo operacionalizante do
programa, isso porque a distancia entre os cadastradores e os publico alvo do
programa é menor, deixando mais claro necessidades e problemas que não
se fazem perceptível de um olhar mais distante.
Já a defasagem de informações pode ser devido a falta de ferramentas
eficientes que possibilitem comunicação direta entre os gestores e
cadastradores do município com os agentes nos departamentos do BF que
ficam com o encargo da operacionalização do BF e do Cadastro Único e
estes com o possíveis beneficiários do programa e utilizadores do Cadastro
Único. Outra possível explicação é a falta de capacitação dos cadastradores.
O exercício de capacitação é encargo dos municípios, sendo proposto pelo
nível federal que seja feito a partir dos recursos repassados através do IDG-M,
não há portanto, uma obrigação na capacitação dos profissionais que
possibilitem uma nivelamento de qualidade e informações para que a
execução do BF e do Castro Único seja de forma homogênea.
Esta defasagem torna-se uma bola de neve em que o problema de
comunicação é passado adiante deixando buracos no programa e dúvidas
nos usuários do BF e do Cadastro Único, que de certa forma influencia na
forma como o benefício é visto passando questionamentos quanta qualidade
e validade do benefício em si e do trabalho dos cadastradores.
As questões e os problemas apresentados aqui não retiram o sucesso do
programa. O BF é uma política pública que vem dando certo e cumprindo com
o seu objetivo, porém não devemos parar de estuda-la e de observar seus
pontos fracos, para que seja possível uma melhoria não só da política pública,
mas na vida das pessoas que são alvo dela.
5.) Bibliografia:
Caderno do IGD-M: Manual do Índice de Gestão Descentralizada Municipal
do Programa Bolsa Família e do Cadastro Único de 2012. (Disponível no site
do MDS)
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Laura Teixeira Motta (Trad.).
São Paulo:
Companhia das Letras, 2000. 409 p.
TELLES, Vera da Silva. Direitos sociais: afinal do que se trata? Belo
Horizonte: Ed. UFMG,
2006. 194 p
FIGUEIREDO, A. C. Princípios de justiça e a avaliação de políticas. Lua Nova,
São Paulo, n. 39, p. 73-103, 1997.
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