curso ONGs e o Combate à Extrema Pobreza GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO SECRETARIA DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL Governo do Estado de São Paulo Governador Geraldo Alckmin Secretaria de Desenvolvimento Social - Seds Secretário Rogerio Hamam Secretário-adjunto Henrique Alberto Almirates Júnior Chefe de gabinete Carlos Alberto Fachini Escola de Desenvolvimento Social - EDESP Equipe Técnica André Luiz Machado de Lima Rose Rita Aparecida Junquetti Vera Teresa Alves Fundação do Desenvolvimento Administrativo - Fundap Diretor executivo Wanderley Messias Da Costa Diretora técnica Lais Macedo de Oliveira Coordenadora Fátima Justo Cortella Equipe técnica Fundap Ana Sílvia Montrezol Antunes Andréa Correa Divane Alves da Silva ONGs e o Combate à Extrema Pobreza curso Em uma época em que todos lutamos pela superação da extrema pobreza, o tema de nosso curso já mostra a importância desta segunda videoconferência organizada pela Escola de Desenvolvimento Social, a Edesp, em parceria com a Fundap. A partir do título “ONGs e o Combate à Extrema Pobreza”, o objetivo deste curso é capacitar e aprimorar o trabalho das ONGs, profissionalizadas e parceiras do Estado, a atuarem de forma a fortificar a agenda relativa ao combate à extrema pobreza. Nesse contexto, este curso será um importante instrumento para o fortalecimento do Programa São Paulo Solidário, executado pelo governo do Estado desde 2011, e que tem a meta de promover a mobilidade social das pessoas que vivem com algum tipo de privação social. Todo o conteúdo será pautado a partir do papel das ONGs dentro da Política de Assistência Social, o que inclui apresentação de práticas inovadoras e o envolvimento da Rede de Supervisão na política socioassistencial. Para que toda a programação seja cumprida de forma eficaz, a formatação se dará em três módulos, num total de 6 aulas, com uma carga horária de 4 horas cada. Isso significa um total de 24 horas/aula. Em todo o Estado, 2000 profissionais devem participar desta capacitação. Além da transmissão da videoconferência, serão desenvolvidas atividades no Ambiente Virtual de Aprendizagem da EDESP. O acompanhamento da videoconferência e a realização das atividades conferirão aos participantes certificado de participação. Espero que aproveitem. Um bom curso a todos. Rogerio Hamam Secretário de Estado de Desenvolvimento Social Outubro 2013 ONGs e o Combate à Extrema Pobreza | 3 SUMÁRIO A ASSISTÊNCIA SOCIAL NO BRASIL: COMO CHEGAMOS ATÉ AQUI ............................. 6 ENTIDADES SOCIAIS NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS SOCIOASSISTENCIAIS .............. 24 INOVAÇÕES E MELHORES PRÁTICAS .............. 40 PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO, RESULTADOS E ENVOLVIMENTO DA REDE: FORTALECENDO A GESTÃO DAS ENTIDADES ............................. 54 ONGs e o Combate à Extrema Pobreza | 5 A ASSISTÊNCIA SOCIAL NO BRASIL: COMO CHEGAMOS ATÉ AQUI* Marcelo Garcia É assistente social. Exerceu a Gestão Social Nacional, Estadual e Municipal. Atualmente é professor em cursos livres, de extensão e especialização, além de diretor executivo da Consultoria Agenda Social e Cidades. Desde 2009, trabalha e estuda de forma continuada estratégias para combater a pobreza. Escreve diariamente para o site <http://www.marcelogarcia.com.br>. * Texto revisado em 2013. 6 | ONGs e o Combate à Extrema Pobreza E screvi a primeira versão deste texto para o primeiro curso da Escola de Desenvolvimento Social de São Paulo (Edesp), que realizou ampla capacitação dos gestores públicos da assistência social de todo o Estado de São Paulo. Compartilhei naquele momento, e refaço a seguir, a minha leitura sobre a história da política de assistência social no Brasil. Agrego um recorte sobre o papel das entidades sociais na trajetória da assistência social no país. Mantive no texto os movimentos marcados que nos trouxeram até aqui e quais são os desafios para que uma agenda possível, realista e concreta consolide a assistência social como política pública, e não como estratégia utilizada para fazer a gestão diária da pobreza. Uma questão fundamental nesse debate é entender o papel das entidades sociais ou das organizações não governamentais na estruturação das redes de proteção social no Brasil. Não podemos deixar de compreender que até a Constituição de 1988 a assistência social não era uma política pública e muito menos dever do Estado. Navegava, assim, no campo da filantropia e da caridade, exercidas e organizadas de forma direta por entidades e organizações não governamentais. O desenho histórico da assistência social no Brasil evidentemente tem o traço inequívoco das experiências das entidades sociais e não governamentais. Na organização de minhas leituras, vivências, percepções e estudos, resumo um pouco do debate que venho fazendo com um grupo de assistentes sociais desde 1991, quando ainda era estudante do curso de serviço social da Universidade Federal Fluminense (UFF). ONGs e o Combate à Extrema Pobreza | 7 Filantropia e caridade: o direito como favor A s práticas de proteção social não são recentes no Brasil. Mas essas ações, e mesmo os programas voltados para a proteção, foram realizadas sempre sob o manto da caridade, da solidariedade ou da filantropia, marcadas por uma “responsabilidade” de fundo ético ou religioso. A Constituição de 1988 deu enorme guinada em direção à concepção da proteção social como direito. A partir daquele ano, a assistência social ganhou o status constitucional de política de seguridade social, passando a ser um direito do cidadão, e não um “favor” do Estado ou de entidades filantrópicas. Essa concepção, porém, só foi regulamentada na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que, em 1993, consolidou um novo modelo de proteção social para o Brasil. Cinco anos depois da promulgação da 8 | ONGs e o Combate à Extrema Pobreza Constituição, a LOAS traçou novos caminhos para viabilizar a estruturação de um sistema de garantia de direitos. No entanto, o antigo demorou a dar lugar ao novo e ainda permaneceu, como protagonista das ações na área, a antiga série histórica. A série histórica é constituída de um conjunto de instituições que atuam de forma muito marcada por ações e metodologias que não reconhecem o Estado como a inteligência do processo de definição e condução das estratégias de proteção social. Em 2013, a Constituição completa 25 anos, e a LOAS, 20 anos. Porém ainda falta muito para que possamos consolidar a política de assistência social como direito universal, e não um espaço pontual de ajuda, caridade ou filantropia. Vamos rever a história desde 1989 até hoje. A Legião Brasileira de Assistência (LBA) ainda era uma estrutura muito sólida quando a Constituição de 1988 foi promulgada. As estruturas estaduais e municipais estavam dependentes de “lógicas” e arranjos políticos; dependiam dos recursos financeiros da Legião e de seus programas totalmente centralizados, formulados nos gabinetes em Brasília. A LBA cresceu tanto que ficou mais complexo e difícil cuidar de sua estrutura do que da missão que a instituição precisava cumprir. No entanto, é sempre oportuno lembrar que foi dentro da LBA que surgiram os primeiros e principais debates que levaram os constituintes a entender que a assistência social precisava ser compreendida e executada como um direito. A LBA não foi apenas um espaço de clientelismo, politicagem e corrupção. Houve muita vida inteligente ali, pensando um novo caminho para a assistência social; existiram profissionais que formularam um caminho pelo qual a área deixaria de ser refém dos projetos políticos eleitorais. Conheci muitos técnicos de qualidade na LBA, que ajudaram a pensar e formular o texto da LOAS. Entre 1988, então governo Sarney, e 1993, governo Itamar Franco, quando a LOAS foi promulgada, muita água rolou sob a ponte que erguia uma política de atendimento social. O governo Sarney propôs o “Tudo pelo Social”; o governo Collor entregou aos brasileiros o “Minha Gente”; e o governo Itamar criou os “Comitês de Cidadania”. LINHA DO TEMPO Marcos da assistência social 1988 A nova Constituição Federal define o grande marco regulatório da Política Nacional de Assistência Social (PNAS). A assistência social é política pública de seguridade social, não contributiva e direito do cidadão. 1993 Promulgação da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que regulamenta os artigos da Constituição que tratam da questão. ONGs e o Combate à Extrema Pobreza | 9 Esses programas nacionais foram criados como “marcas” para cada governante, sem uma avaliação da diversidade social do país e sem um compromisso real com a diminuição da pobreza. Todos traziam implícito em sua divulgação e execução o viés da concessão, do favor ou da benesse. Essa característica pode ser atribuída às três esferas de governo, que sempre fizeram questão de personalizar ações sociais, vinculando seu nome a programas anunciados mais como benesses do que como direito do cidadão. Além 1996 1995 É implantado o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), substituindo o Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS). É realizada a I Conferência Nacional de Assistência Social, precedida de conferências municipais, regionais e estaduais. 10 | ONGs e o Combate à Extrema Pobreza disso, havia o recorrente mau uso da máquina pública, que vinha à tona na forma de escândalos, como no período Collor, em que, sob a presidência da primeira-dama, a LBA se transformou em caso crônico de polícia. Esse foi um tempo em que os presidentes da LBA e os ministros da área social ocupavam os cargos não por mérito ou por trazerem um projeto para gestão social, mas por razões que eu diria que “a própria razão desconhece”. Experimenta-se o processo de estadualização dos repasses dos recursos do Fundo Nacional de Assistência Social como etapa de transição para sua municipalização. São implantados o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), já na lógica da descentralização e da articulação federada. 1997 Início do processo de municipalização das ações e dos recursos da Política Nacional de Assistência Social (PNAS). Aprovação, no CNAS, da primeira Política Nacional de Assistência Social. Também é realizada a II Conferência Nacional de Assistência Social, precedida de conferências municipais, regionais e estaduais. Erros e acertos: a caminho da consolidação do direito à proteção social E m 7 de dezembro de 1993, a LOAS foi promulgada pelo presidente Itamar Franco. Não foi fácil chegar ao texto final dessa lei. Muitas concessões precisaram ser feitas para equacionar as estruturas históricas, consolidadas pela prática da caridade, com uma nova estratégia que propunha a construção de uma rede de proteção social sob a responsabilidade do Estado, de acordo com a Constituição de 1988. A primeira proposta de texto da LOAS nem sequer seguiu para o plenário do Congresso Nacional, e, depois de uma longa negociação, foi produzido um “texto possível”. De lá para cá, os caminhos para a consolidação do direito à proteção social não têm sido simples, e muito menos fáceis de trilhar. Em 1995, o então presidente Fernando Henrique Cardoso 1999 1998 Aprovação, no CNAS, da Norma Operacional Básica, conhecida como NOB 1. Aprovação da segunda Política Nacional de Assistência Social pelo CNAS. Publicação da Norma Operacional Básica, conhecida como NOB 2, pelo CNAS; são instaladas as Comissões Intergestores Tripartite (nacional) e Bipartites (estaduais). Inicia-se a implantação dos núcleos de apoio à família, que, em 2004, serão definidos como Centros de Referência de Assistência Social (CRAS). ONGs e o Combate à Extrema Pobreza | 11 extinguiu a LBA por decreto, sem se preocupar em preencher o lugar vago. A LBA deveria acabar? Deveria mudar? Muitos responderiam que sim a essas perguntas. Mas essas questões nem sequer foram formuladas. Um decreto selou o destino de uma instituição histórica, extinguindo-a da noite para o dia, sem nenhum planejamento para garantir o conhecimento acumulado durante décadas. Seus servidores foram redistribuídos, inclusive para ministérios de outras áreas, e muitas histórias e experiências, que deveriam ser registradas e consideradas, se perderam. O fim da LBA poderia ter sido um ótimo momento para que Estados e municípios criassem suas estruturas para as ações da área social, e isso seria possível com os servidores da LBA e da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem). 2001 III Conferência Nacional de Assistência Social, precedida de conferências municipais, regionais e estaduais. Início do processo do Cadastro Único dos Programas Sociais (CadÚnico). 12 | ONGs e o Combate à Extrema Pobreza Porém, naquele distante 1995, o governo federal dava sinais de que não acreditava no modelo de proteção social definido pela LOAS, e não houve um plano para organizar e implantar estruturas que viabilizassem uma gestão de fato descentralizada. Com o fim da LBA, a assistência social se vinculou ao recémcriado Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS). Nesse ministério, a Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS) assumiu as atribuições e a missão da LBA e do também extinto Ministério do Bem-Estar Social. A secretaria do MPAS acabou tendo dificuldade de encontrar um caminho inovador em relação à atuação da LBA e, durante o ano de 1995, tateou em busca de seus rumos. Além disso, a secretaria convivia de perto com um programa que se desenvolvia 2003 É aprovado, na IV Conferência Nacional de Assistência Social, o Sistema Único de Assistência Social (SUAS). 2004 É aprovada pelo CNAS a segunda Política Nacional de Assistência Social, instituindo o SUAS. paralelamente às ações governamentais na área social ― o programa Comunidade Solidária, sob o comando da primeira-dama Ruth Cardoso. O Comunidade Solidária era definido como inovador e revolucionário no fazer social, pois propunha a participação de toda a sociedade na construção de um projeto de desenvolvimento local e atuava efetivamente no município, fomentando a mobilização social. No entanto, a SNAS e o Comunidade Solidária operaram separados por um abismo imenso, divorciados em suas práticas e concepções, sem dialogar. Sobretudo, não refletiam o que a LOAS nos indicava. O programa Comunidade Solidária não identificava nas entidades sociais, conhecidas como “rede histórica”, o caminho para a reorganização da proteção social no Brasil e fomentou diretamente a organização de uma ampla frente de parceiros que começaram a surgir a partir de 1995. Nesse período, temos movimentos distintos em relação às entidades sociais ― identificadas como arcaicas e representativas do modelo caritativo ― e às novas ONGs ― identificadas como um modelo inovador de participação e organização social. Hoje não tenho nenhuma dúvida de que esse debate mostrou-se um equívoco, pois em um país com inúmeras contradições sociais era plenamente possível que se constituísse uma ampla rede parceira do Estado no enfrentamento da pobreza e na organização das proteções. 2005 A Norma Operacional Básica é pactuada na Comissão Intergestores Tripartite (CIT) e aprovada no CNAS, após consulta pública e ampla discussão por todo o país. O CNAS organiza amplo debate nacional sobre o artigo 3º da LOAS, buscando a definição real para as entidades de assistência social. As Comissões Intergestores Bipartites (CIB) habilitam os municípios aos novos modelos de gestão (inicial, básica e plena); são aprovados o Plano Decenal – SUAS e os critérios e metas nacionais para o Pacto de Aprimoramento da Gestão Estadual. Ocorre a V Conferência Nacional de Assistência Social, precedida de conferências municipais, regionais e estaduais. Nessa conferência é definida a fotografia da assistência social e é aprovado o Plano Decenal da Assistência Social no Brasil. ONGs e o Combate à Extrema Pobreza | 13 Esse encontro de agendas a cada dia está sendo mais possível, sobretudo após aprovação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e da nova lei do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (Cebas). Ainda em 1995, quando da extinção da LBA, aconteceu em Brasília a I Conferência Nacional de Assistência Social, prevista na LOAS. A conferência havia sido convocada pela Presidência da República e, em todo o Brasil, foi iniciado amplo debate, com a efetiva participação da sociedade, sobre a agenda necessária para consolidar a LOAS e a política de assistência social, que ganhava seus primeiros contornos como direito, e não como favor. No ano seguinte, 1996, começou o processo de estadualização da assistência social, ainda totalmente contaminado pelos procedimentos 2006 São aprovados a Norma Operacional de Recursos Humanos do Sistema Único de Assistência Social, NOB-RH, e os critérios e as metas nacionais para o Pacto de Aprimoramento da Gestão Estadual. 14 | ONGs e o Combate à Extrema Pobreza 2007 Os Estados assinam com o governo federal os Pactos de Aprimoramento da Gestão Estadual da Assistência Social. Ocorre a VI Conferência Nacional de Assistência Social, precedida de conferências municipais, regionais e estaduais. antigos e pela série histórica da LBA. Os convênios que garantiam o financiamento das entidades, antes feitos pela LBA, passaram a ser realizados pelos Estados, mas os atores continuaram praticamente os mesmos. A confusão não foi pequena. Apesar disso, 1996 foi um ano importante para a assistência social, pois demarcou, mesmo com dificuldades e contradições, o abandono do modelo da antiga, histórica e “imexível” rede de Serviços de Ação Continuada, a rede SAC ― formatada para o atendimento em creches, asilos, abrigos e centros de reabilitação para pessoas com deficiência ―, em direção à busca de novas ideias e estratégias de proteção social. Nesse ano, foi implantado o Benefício da Prestação Continuada (BPC), para idosos e portadores de deficiência, e foi criado o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI). A gestão 2008 O PL-Cebas e o PL-SUAS são encaminhados ao Congresso Nacional. Até aqui o SUAS ainda não é lei. de Lúcia Wânia na SNAS, hoje senadora por Goiás, teve o mérito fundamental de estruturar o processo de descentralização, que começou pela estadualização e, por fim, municipalização das ações. Sua gestão também conduziu, no Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), a aprovação da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e a aprovação da Norma Operacional Básica (NOB). É muito importante destacar também que tanto o BPC como o PETI nasceram com liberdade em relação à rede SAC. Em 1997, foi realizada a II Conferência Nacional de Assistência, mas em caráter extraordinário e com mais dificuldades de mobilização social do que a primeira. Em 1999, a SNAS transformou-se em Secretaria de Estado de Assistência Social (SEAS), com 2009 É publicada a Resolução nº 109 (Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais) após amplo debate e pactuação na CIT e aprovação no CNAS. É realizada a VII Conferência Nacional de Assistência Social, precedida de conferências municipais, regionais e estaduais. ONGs e o Combate à Extrema Pobreza | 15 status de ministério. A gestão da secretária de Estado Wanda Engel foi então marcada pela ampliação do processo de municipalização; pelo aumento em larga escala do PETI; pela diminuição da idade mínima para ter direito de acesso ao BPC, que caiu de 70 para 67 anos; pela criação dos núcleos de apoio à família, hoje Centros de Referência de Assistência Social; e pela criação do Programa Agente Jovem de Desenvolvimento Social e Humano. O volume de ações, programas e projetos criados até 2002 demonstrou claramente que o Estado não estava organizado e preparado para a execução das ações, e sem dúvida alguma quem agregou experiências, trabalhadores e até mesmo espaços físicos para implantação foram as entidades e as organizações não governamentais. Entre 2000 e 2002, a SEAS coordenou também o Projeto Alvorada, um pacto nacional contra a pobreza, que envolveu diferentes ministérios. Esse esforço de trabalho desenvolvido nas cidades mais pobres do Brasil contou com a participação direta de entidades e organizações. A gestão da SEAS entre 1999 e 2002 avançou bastante e alicerçou muitas das bases da atual Política Nacional de Assistência Social (PNAS). No entanto, no primeiro ano da secretaria, em 1999, a III Conferência Nacional de Assistência Social não foi convocada, gerando grande desgaste entre o governo federal e os movimentos que defendiam o fortalecimento da assistência social. Apenas dois anos depois, em 2001, aconteceria essa conferência, na qual ficou evidente que a antiga luta entre as práticas de caridade, voluntariado e solidariedade e as novas concepções da proteção estatal como direito continuava 2010 O PL-Cebas é aprovado pelo Congresso. 16 | ONGs e o Combate à Extrema Pobreza 2011 O PL-SUAS é aprovado pelo Congresso. viva. Nesse momento, os dois lados entraram em sua maior rota de colisão desde a promulgação da LOAS. A III Conferência deixou marcas profundas e disputas acirradas que só foram resolvidas (se é que o foram) no movimento pelo projeto de lei do SUAS, a partir de 2008. A gestão da SEAS entre 1999 e 2002, apesar dos avanços, cometeu alguns equívocos, e o principal deles talvez tenha sido a municipalização aprisionada por programas sociais federais. Sempre defendi uma municipalização mais ampla, mas o governo acreditava na descentralização do financiamento, e não na liberdade federativa, para que os municípios pudessem definir suas ações. Foi nesse período que o governo federal estabeleceu a unificação das transferências de renda num cartão único, com base no Cadastro Único dos Programas Sociais, o CadÚnico. A partir daí, os municípios foram transformados em meros cadastradores do governo federal. A unificação era muito importante, mas foi entendida de forma errada tanto pelos gestores federais como pelos gestores municipais. Em 2003, com o novo governo eleito, foi criado o Ministério da Assistência e Promoção Social. Foi um ano de profundos retrocessos na política de assistência. Boas ações e processos adequados, já consolidados, foram desarticulados apenas porque eram do governo anterior. O grupo que estava no comando do ministério não era o grupo histórico na área, comprometido com o debate da Constituição, da LOAS e com o SUAS, que estava nascendo. Durante essa gestão, a Comissão Intergestores Tripartite (CIT) quase não se reuniu, os pagamentos atrasavam e o CNAS manifestava sérias preocupações com o andamento da política de assistência social. A gestão foi tão marcada pela ineficiência, que levou o governo a interferir para mudar rumos e estratégias. Além de tudo isso, o Programa Bolsa Família, que seria a marca do governo no combate à pobreza, ia sendo construído fora do Ministério da Assistência e Promoção Social. Nesse ano de 2003, bastante complexo para a área, foi realizada, em dezembro, a IV Conferência Nacional de Assistência Social. Foi aí que o SUAS nasceu com força, aprovado por uma mobilização ampla e coesa na conferência. Estávamos vivendo um sonho: tínhamos nosso Ministério da Assistência, mas o sonho durou pouco e, em janeiro de 2004, ele foi extinto. ONGs e o Combate à Extrema Pobreza | 17 Apressando o passo: Sistema Único de Assistência Social C om a aprovação do SUAS, a criação do Bolsa Família, o fracasso do Fome Zero e a urgência de uma política social unificada e forte, foi criado, logo a seguir, ainda no início de 2004, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), que passou a ser comandado pelo ex-prefeito de Belo Horizonte e deputado federal Patrus Ananias. Nesse mesmo ano, chegam à gestão nacional os maiores responsáveis pelo debate que garantiu que a assistência social fosse inserida no conjunto do sistema de seguridade social, na Constituição de 1988. Foi esse grupo também que estruturou o texto da LOAS, em 1993. E o MDS foi rápido. Unificou os programas sociais que estavam dispersos em vários ministérios e montou uma equipe integrada por profissionais que historicamente 18 | ONGs e o Combate à Extrema Pobreza defendiam a assistência social. Foram aprovadas pelo CNAS a Nova Política Nacional de Assistência Social e também uma nova Norma Operacional Básica, a NOB/SUAS. A NOB/SUAS é responsável por avanços significativos, como a implantação dos pisos de proteção no financiamento da assistência social e o respeito à diversidade nacional, mas é preciso apontar que, nos últimos três anos, até hoje, a agenda federal ainda permanece como prioridade na política de assistência social. No entanto, também não posso deixar de declarar que o MDS tem sido fundamental para os municípios. Costumo dizer que o financiamento do MDS não pode ser o ponto de chegada, e sim o ponto de partida para as ações locais da assistência, mas o que ocorre de fato é que o MDS é o grande financiador da área em todo o Brasil. Em 2005, a V Conferência Nacional de Assistência Social aprovou o plano decenal da assistência social e apontou a urgência da NOB de Recursos Humanos. A NOB-RH acabou sendo pactuada na CIT e aprovada pelo CNAS no final de 2006. Nessa gestão do MDS, a concentração da transferência de renda foi mantida, mas o Conselho Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social (Congemas), em parceria com a Secretaria Nacional de Renda e Cidadania (Senarc), conduziu a negociação que resultou na criação, em 2006, do Índice de Gestão Descentralizada (IGD), que mede a qualidade da gestão descentralizada do Bolsa Família e permite o repasse de um recurso mensal para que os municípios aprimorem seus serviços no cadastro das famílias. A VI Conferência Nacional de Assistência Social aconteceu em 2007. O grande destaque da conferência foi a participação da secretária nacional de Assistência Social Ana Lígia Gomes, que fez uma palestra exemplar e foi aplaudida de pé pela plateia por vários minutos. Ana deu o tom da VI Conferência: convocou todos para um momento de seriedade, responsabilidade e mudança. A VI Conferência proporcionou aos participantes um encontro profundo com a responsabilidade do Estado no desenho e na condução da proteção social. O ano 2008 representou uma espécie de reta final para várias administrações municipais. O MDS comemorou quatro anos. Ao mesmo tempo, o CNAS vivia seu momento de maior crise. Foi justamente essa crise que acelerou dois importantes avanços: o Projeto de Lei de Certificação de Entidades Beneficentes de Assistência Social (PL-Cebas) e o Projeto de Lei do Sistema Único de Assistência Social (PL-SUAS). Em 2009, a VII Conferência Nacional de Assistência Social foi amplamente aberta à participação de usuários ― um momento especial na história das conferências. Em 2011, assume o MDS a ministra Teresa Campelo, com a responsabilidade de conduzir o Programa Brasil Sem Miséria. É importante destacar, aqui, que o Brasil Sem Miséria nasce fora da assistência social. Entre 2008 e 2011 debates importantes sobre o PL-SUAS e o PL-Cebas avançam e garantem a segurança jurídica necessária para a consolidação de uma política de assistência social de caráter público. ONGs e o Combate à Extrema Pobreza | 19 E o momento das entidades e das organizações? A partir de 2005 o CNAS realizou uma série de debates sobre o artigo 3º da LOAS. O maior objetivo, sem dúvida, era a definição correta do que seria uma entidade de assistência social. Esse debate foi fundamental para que pudéssemos avançar em direção a um novo marco para que entidades sociais e organizações não governamentais pudessem trabalhar com uma centralidade na proteção social. Vale destacar que a NOB-RH, de 2006, a Tipificação da Assistência Social, de 2009, e o PL-Cebas, de 2010, integram as entidades sociais no fazer social do SUAS. A política de assistência social no Brasil saiu de um espaço de negação do papel das entidades no dia a dia para outro movimento, que considero fundamental, e que aqui prefiro identificar como integração do ideal com a realidade – e ela só é possível com o reconhecimento do trabalho realizado pelas entidades e pelas organizações assistenciais. Um Estado universalizante na proteção social sem a participação da rede 20 | ONGs e o Combate à Extrema Pobreza de entidades e organizações de fato se conforma em uma ideia e não em uma prática possível. Sem dúvida alguma, as entidades e as organizações não governamentais precisaram, precisam e vão continuar precisando de uma reorganização continuada para que suas ações vinculem-se ao SUAS e não ao ideário da filantropia. Aqui é fundamental um distanciamento do processo histórico daquela antiga assistência social caridosa para uma aproximação diária com uma política pública que deve ser reafirmada como dever do Estado e direito do cidadão. O Estado consegue identificar de forma clara que as entidades e as organizações sociais podem e devem ser parceiras desse movimento de organização do direito e da negação do favor. Estamos nesse processo de integração, mas observo a cada dia que existe enorme esforço de ambos os lados para que se avance nessa direção, sempre reconhecendo, no entanto, que a inteligência desse processo é de total responsabilidade do Estado. Encarando alguns problemas e propondo estratégias C hegamos até aqui com bastante esforço e muita luta. Faltaram estratégias e uma negociação mais ampla com a sociedade em vários momentos de nossa trajetória. Não está nada fácil fazer gestão social, e acho bem importante destacar alguns motivos para isso, para que possamos refletir, agir e mudar: • temos trabalhadores e técnicos com pouca referência teórica sobre as contradições do Brasil; • temos trabalhadores e técnicos imaturos politicamente, sem uma compreensão adequada do papel do Estado na garantia da proteção social; • a sociedade está descolada do dia a dia da gestão social; • existe uma preocupação em garantir inclusão em projetos e programas, mas não com uma inclusão social sustentável; • ainda vivemos a ausência de monitoramento e de cobrança por resultados. Poderia citar inúmeras outras questões que me preocupam, mas deixo aqui apenas essas, que já são bastante graves. • baixos salários para trabalhadores e técnicos; • as universidades estão divorciadas da realidade social do país, formando trabalhadores sem leitura do fazer social; ONGs e o Combate à Extrema Pobreza | 21 Temos um sério problema com os trabalhadores. Com formação precária, eles têm poucos recursos para lidar com os desafios da realidade social do Brasil. Não sabem compreender, por exemplo, nossos principais problemas e muito menos conseguem organizar estratégias de solução. Nesse ponto, a gestão passa a ser fundamental, pois somente ela pode desmontar o “jeitinho” de resolver os problemas dos pobres. Sem trabalhadores articulados, capacitados e com processo de supervisão técnica não existe gestão social. Sem avaliação, monitoramento e busca de resultados, a gestão social é nula. Tenho insistido que temos feito, na verdade, gestão da pobreza. Fazer gestão da pobreza é mais ou menos seguir o modelo “deixa como está para ver como é que fica”. A sociedade não cobra e também já não espera resultados na área social. Ela olha com distanciamento para o que está sendo feito. E isso é péssimo! Mas eu não estou desanimado! E você não pode desanimar! Nós não podemos desanimar! Ao contrário, a hora é de atuar. 22 | ONGs e o Combate à Extrema Pobreza BIBLIOGRAFIA BRANDÃO, A. Proteção social e institucionalização da assistência. Serviço Social e Sociedade, n. 41. São Paulo: Cortez, 1993. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Senado Federal, 1988. ______. Lei Orgânica da Assistência Social. Brasília, 1993. COSTA. S.G Formação profissional e currículos de serviço social. Serviço Social e Sociedade, n. 32. São Paulo: Cortez, 1990. ______. Signos em transformação: a dialética de uma cultura profissional. São Paulo: Cortez, 1995. MORGADO, R. Contexto e desafios à implementação do Sistema Único da Assistência Social. Rio de janeiro: COMAER, 2007. PAULA, R.F.S. As coisas em seu lugar: diálogos sobre serviço social, assistência social, direitos e outras conversas. São Paulo: Giz Editorial, 2008. PELIANO, A. Comunidade Solidária: uma estratégia de combate à pobreza Palestra proferida na I Conferência Nacional de Assistência Social. Brasília. 1995. SPOSATTI, A. A menina LOAS: um processo de construção da assistência social. São Paulo. Cortez, 2005. YASBEK, M.C. A política social nos anos 90. Refilantropização da questão social. Cadernos do CEAS, n. 169. Salvador, 1996. ONGs e o Combate à Extrema Pobreza | 23 ENTIDADES SOCIAIS NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS SOCIOASSISTENCIAIS Maria do Carmo Brant de Carvalho É doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e pós-doutorada em Ciência Política Aplicada pela École des Hautes Études em Sciences Sociales de Paris (França). Iniciou sua trajetória profissional na Secretaria Municipal de Assistência Social. Atuou como professora titular na graduação e na pós-graduação em Serviço Social da PUC-SP, na disciplina de gestão social pública. Realiza consultoria para órgãos públicos e organizações da sociedade civil em projetos nas áreas de educação, habitação e assistência social. 24 | ONGs e o Combate à Extrema Pobreza A presença atuante das organizações da sociedade civil no trato da questão social não é um fenômeno novo. A história das sociedades registra a produção incansável de formas associativas para atuar na esfera pública em nome da reciprocidade, da filantropia, da solidariedade, da cidadania e da caridade para com os pobres. Esses motes (compaixão, solidariedade, cidadania, entre outros) alteram-se a seu modo e a seu tempo, mas, o que é mais importante, funcionam como princípios de regulação civil quando se referem à questão social. Esses princípios embasam uma infinidade de associações civis heterogêneas, multifacetadas e sem fins lucrativos. Elas atuam em diversos problemas e necessidades específicas; elegem clientelas locais, nacionais, mundiais; assumem propostas conservadoras ou progressistas. Algumas delas mantêm vínculos com as pastorais de igrejas, outras com o empresariado, outras ainda são braço solidário da própria comunidade e as mais recentes se reconhecem como defesa de minorias ou de causas de toda a humanidade. Por iniciativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE) e da Associação Brasileira de Organizações não Governamentais (Abong), foi feito um estudo para dimensionar o tamanho desse universo de associações no país. Intitulada “Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos/ Brasil (Fasfil)”, a pesquisa constatou um crescimento de 157% no número de instituições, passando de 107 mil em 1995 para 276 mil em 2002. Dessas 276 mil, 171 mil (62%) foram criadas a partir de 19901. A Fasfil 2002 revelou que aproximadamente 77% das instituições não contam com nenhum trabalhador remunerado, enquanto cerca de 2,5 mil entidades (1% do total) absorvem quase 1 milhão de trabalhadores. Em 2010, a Fasfil constatou a existência de 290.692 associações sem fins lucrativos. Destas, 30.414 (10%) atuam na área de assistência social, 36.921 (13%), na área de cultura e recreação e 42.463 (15%), no desenvolvimento e na defesa de direitos2. 1 Esta pesquisa identificou a existência de mais de 500 mil organizações sem fins lucrativos registradas no Cadastro Central de Empresas (Cempre) do IBGE. Foram descartadas as organizações a serviço de interesses corporativos, a exemplo de sindicatos, condomínios, partidos políticos, cartórios, clubes, entre outros. 2 Veja também o mapeamento das fundações privadas e associações sem fins lucrativos/Fasfil-2010, em http://www.ibge.gov.br/ home/presidencia/noticias/imprensa/ppts/00000011164912102012492305590017.pdf. ONGs e o Combate à Extrema Pobreza | 25 Refletindo sobre essa diversidade O universo de associações inclui desde as associações comunitárias e microlocais de entreajuda até organizações articuladas em redes globais que atuam no plano dos direitos humanos, na defesa do meio ambiente, na cooperação para o desenvolvimento, entre outros3. • Associações comunitárias — possuem uma relação de pertencimento com os habitantes de seu microterritório; por esse motivo, as ações desenvolvidas tomam quase sempre a característica de uma proteção/desenvolvimento mutualista. Regem-se pelo princípio da reciprocidade. Elas possuem pouca visibilidade, já que seu âmbito de ação é restrito ao microlocal. As motivações são múltiplas e específicas, porém sua característica básica é prestar serviços de proximidade conduzidos por grupos voluntários e sustentados com poucos recursos financeiros. São elas por excelência que movimentam os espaços comunicativos primários e as redes espontâneas de sociabilidade4. Essas organizações têm muita importância na proteção social dos indivíduos e na inclusão deles em redes de sociabilidade primária. Cumprem papel importante no fortalecimento de vínculos relacionais e de pertencimento ― problemas resultantes do crescente isolamento social na densa urbanização e da transformação produtiva, que reduziu as possibilidades de inserção no mercado do trabalho, meio privilegiado de agregação social. A legislação nacional tipifica de forma genérica as organizações do terceiro setor: organizações sociais (OS), entidades beneficentes de assistência social, organização da sociedade civil de interesse público (Oscip), fundações ou institutos empresariais com caráter público, sem fins lucrativos etc. Na literatura das ciências sociais encontramos uma tipificação bem mais extensiva: ONGs, associações de bairro, associações comunitárias, entidades assistenciais, entidades articuladoras, entre outras. 4 Podemos dizer que este agrupamento de associações se guia pela identidade territorial e, nesse sentido, trabalha em uma comunidade e para ela; age no campo da moradia, na conquista de creches e postos de saúde, na ampliação e aprimoramento do transporte público, bem como em um leque de reivindicações de infraestrutura urbana básica. 3 26 | ONGs e o Combate à Extrema Pobreza • Organizações sociais de prestação de serviços socioassistenciais para os segmentos mais vulneráveis da população (idosos, pessoas portadoras de deficiência, famílias em extrema pobreza) ou ainda prestação de serviços de educação, saúde, cultura. É importante assinalar que este agrupamento de organizações guarda, no seu conjunto, heterogeneidades quanto ao fazer social. Assumem posições conservadoras e ou progressistas. Uma parte significativa delas se constitui como verdadeiras empresas sociais muito próximas da produção de serviços via mercado. No geral são financiadas pelos governos ou ainda por fundações empresariais5. • Organizações sociais voltadas à defesa das minorias e ao fortalecimento da cidadania. São elas que, strictu sensu, recebem o nome de organizações não governamentais (ONGs), marcando diferenças com as demais entidades sem fins lucrativos. Caracterizam-se por ações de multiple advocacy e de empowerment destimadas às minorias (étnicas, de gênero ou faixa etária). Incluem-se aqui as ações voltadas à defesa do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável, um campo de ação fortemente articulado em redes locais, regionais, nacionais e supranacionais. Influenciam significativamente a agenda pública das nações em articulação com entidades das Organizações das Nações Unidas (ONU). • Entidades denominadas articuladoras. Na pesquisa “Os Bastidores da Sociedade Civil ― Protagonismos, Redes e Afinidades no Seio das Organizações Civis”, realizada pelo Cebrap (2006), fala-se de outro agrupamento importante: as entidades articuladoras que, segundo o estudo, podem ser consideradas “organizações civis de terceira ordem”. É o caso, por exemplo, da Abong, que congrega e articula outras entidades. De acordo com a pesquisa, o surgimento dessas entidades articuladoras é sinal do adensamento e da diferenciação do universo das organizações civis. A pesquisa cita igualmente os fóruns, por se inserirem na mesma lógica de coordenação da ação e agregação de interesses das articuladoras, trabalhando diretamente com organizações da sociedade civil grupadas por afinidades temáticas. No entanto, diferenciam-se delas por serem espaços de encontro e coordenação periódica. As fundações empresariais que atuam como financiadoras de organizações sociais ou como promotoras diretas de serviços aos grupos vulnerabilizados pela pobreza e pela exclusão buscam, nos ideários filantrópicos ou da cidadania, marcar sua responsabilidade social. 5 ONGs e o Combate à Extrema Pobreza | 27 À guisa de síntese D e acordo com Joaquim Falcão (2005), há ao menos três fatores que são responsáveis pelo crescimento do terceiro setor no mundo ocidental: • a redefinição da natureza e das funções do Estado moderno; • a progressiva implementação da democracia participativa; • a expansão do setor de serviços, onde a maioria das ONGs, fundações e associações comunitárias atuam. Além disso, no caso brasileiro, contribui decisivamente para o crescimento do terceiro setor o fortalecimento da sociedade civil, do ponto de vista político e econômico. As organizações sociais possuem enorme relevância no novo arranjo e gestão da política social, um arranjo ancorado na parceria Estado, 28 | ONGs e o Combate à Extrema Pobreza sociedade civil e iniciativa privada. As parcerias público/privado, valorizadas no receituário neoliberal, ganham hoje, para governos de esquerda ou de direita, imprescindibilidade para viabilizar governabilidade social e implementar projetos e serviços sociais decorrentes de políticas públicas. Mesmo assim, a presença do terceiro setor na oferta de serviços públicos não tem adesão unânime. Ao contrário, em torno dele concentram-se resistências tão fortes quanto adesões. Porém, não há como esquecer a forte expressão política das organizações da sociedade civil articuladas em redes sociais e movimentos, a partir dos avanços na democracia e das demandas de participação, e sobretudo a partir das conexões virtuais possibilitadas pelas Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC). A presença das entidades sociais na política de assistência social E mbora a Constituição Federal determine desde 1988 que a assistência social é um direito do cidadão à seguridade social (proteção social), portanto, uma política de Estado, só muito recentemente avançamos e consolidamos uma nova e robusta regulação. É conhecido fato de que, até quase o final do século XX, a assistência social em nosso país não era reconhecida como missão do Estado; este atuava subsidiariamente junto ao que se pode chamar de sociedade providência que a assumia seguindo os padrões da benemerência, seletividade, tutela, filantropia. organização da atenção pública, redefinindo e especificando os serviços socioassistenciais de modo hierarquizado em proteção básica e especial, como uma nova ordenação da gestão das ações socioassistenciais baseadas em regulação e obediência ao pacto federativo. É nesse novo contexto que ocorre uma ruptura com a prática anterior, marcada pela ausência de uma política de Estado fundada no reconhecimento dos direitos de cidadania à proteção social. Em 2004 e 2005, respectivamente, foram aprovados a Política Nacional de Assistência Social (PNAS), e o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), que introduzem tanto uma nova ONGs e o Combate à Extrema Pobreza | 29 Se num passado não tão distante, a prática da assistência social era conduzida pela ideia de missão de uma sociedade providência subsidiada pelo Estado, uma práxis do favor, hoje ela é um direito. Atualmente um campo de ação do Estado. Nele, as entidades e as ONGs continuam a prestar serviços socioassistenciais, desde que reguladas e vinculadas ao SUAS. Ainda no Brasil é necessário reforçar: 1. Não é possível mais manter uma relação viciada entre organizações assistenciais civis que operam os serviços socioassistenciais vinculados ao sistema SUAS. A ruptura já ocorreu (consultar as resoluções quanto à tipificação dos serviços socioassistenciais, a inscrição no Cebas – Certificado de Entidades Beneficentes de Assistência Social, Lei nº. 12.101/2009, as alterações na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), Lei nº 12.435 de 2011). 2. As relações de parceria na ação pública se regem pela lógica do bem público e não pela lógica do privado ou do mercado. A lógica do bem público não é a lógica da benemerência, da compaixão ou mesmo da filantropia; é, sim, a lógica da cidadania. 30 | ONGs e o Combate à Extrema Pobreza “A política de assistência social é realizada por meio de um conjunto integrado de ações e de iniciativas públicas e da sociedade. Esta atua por meio de organizações e entidades de assistência social, que não possuem fins lucrativos, desenvolvem, de forma permanente, continuada e planejada, atividades de atendimento e assessoramento e atuam na defesa e na garantia de direitos. As entidades de assistência social fazem parte do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) como prestadoras complementares de serviços socioassistenciais e como cogestoras, participando dos conselhos de assistência social. As entidades de atendimento prestam serviços, executam programas ou projetos e concedem benefícios de prestação social básica ou especial dirigidos a famílias e indivíduos em situações de vulnerabilidade ou risco social e pessoal, conforme Resolução CNAS nº 109/2005, Resolução CNAS nº 33/2011 e Resolução CNAS nº 34/2011. As entidades de assessoramento prestam serviços e executam programas ou projetos dirigidos ao público da política de assistência social, prioritariamente para o fortalecimento dos movimentos sociais e das organizações de usuários e a formação e capacitação de lideranças, conforme Resolução CNAS nº 27/2011. As entidades de defesa e garantia de direitos prestam serviços e executam programas e projetos dirigidos ao público da política de assistência social, prioritariamente para a defesa e efetivação dos direitos socioassistenciais, a construção de novos direitos, a promoção da cidadania, o enfrentamento das desigualdades sociais e a articulação com órgãos públicos de defesa de direitos, conforme Resolução CNAS nº 27/2011.” Texto do site do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (www.mds.gov.br/assistenciasocial/entidades-de-assistencia-social). Acesso em: 12/set./2013. ONGs e o Combate à Extrema Pobreza | 31 Os serviços socioassistenciais e sua prestação por entidades vinculadas ao SUAS N o sistema SUAS, os “carros-chefe” na condução dos serviços socioassistenciais ― o CRAS e o CREAS ― são responsáveis, respectivamente, pela proteção social básica e especial. São unidades/ serviços estatais que operam não apenas na atenção direta às famílias, mas igualmente no arranjo/ constituição da malha de serviços socioassistenciais, sob sua coordenação, monitoramento e avaliação. Em 2009, foi aprovada pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), na Resolução nº 109, de 11 de novembro de 2009, a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais por níveis de complexidade do SUAS: Proteção Social Básica e Proteção Social Especial de Média e Alta Complexidade. Essa mesma resolução contempla as normas técnicas e os padrões, critérios referenciados pelo SUAS. 32 | ONGs e o Combate à Extrema Pobreza Com base nessa tipificação, os serviços socioassistenciais são desenvolvidos em parceria com organizações/entidades assistenciais sem fins lucrativos, vinculadas ao SUAS. Esses serviços são implementados nos territórios próximos ao cotidiano de vida da população. Os serviços socioassistenciais ― e não os benefícios ― são a parte mais substantiva da atenção assistencial. Caracterizam-se como serviços de proximidade nos territórios. Envolvem a produção de ações continuadas e por tempo indeterminado para resolver situações de vulnerabilidade social identificadas e monitoradas nos territórios em que se encontra a população demandante. É indispensável conhecer a tipificação para definir e implementar os projetos previstos e necessários. São serviços de proteção social, vigilância e defesa social, sempre na perspectiva territorializada e foco familiar. A integração desses serviços desenvolve um novo modelo assistencial coerente como SUAS; sem ela, não há uma ação de proteção social efetiva capaz de produzir redução de vulnerabilidades e inclusão social de parcela significativa da população brasileira. Como todos sabemos, os serviços são variados e comportam grande flexibilidade para adequar-se a necessidades e demandas do público-alvo no território. Como afirma Muniz (2005, p. 102), produzir um serviço é buscar uma mudança duradoura na situação de vida do cidadão em situação de vulnerabilidade social e privações as mais diversas. Exige, portanto, qualificação profissional. Não reproduziremos aqui a tipificação dos serviços socioassistenciais, amplamente divulgada, mas apenas destacaremos as possibilidades de parcerias com entidades assistenciais sem fins lucrativos. benefícios como o Programa Bolsa Família (PBF), prestação continuada (BPC), benefícios eventuais e outros da alçada de Estados e municípios. Família e território marcam a ação do CRAS: por isso, matricialidade familiar e territorialização constituem os eixos estruturantes de sua ação6. A proteção social básica tem caráter preventivo e processador de inclusão social. Destina-se a segmentos da população que vivem em condição de vulnerabilidade social: vulnerabilidades decorrentes da pobreza, da privação (ausência de renda, precário ou nulo acesso aos serviços públicos etc.) e/ou da fragilização de vínculos afetivos ― relacionais e de pertencimento social (discriminações etárias, étnicas, de gênero ou por deficiências). Quaisquer dos serviços socioassistenciais vinculados ao CRAS envolvem: 1. Na proteção social básica • assegurar acolhida a famílias e indivíduos em situação de vulnerabilidade social; O CRAS é a unidade de ação considerada a porta de entrada do SUAS: integra o Programa de Atenção Integral à Família (PAIF), outros serviços de proteção básica, a oferta de • prestar atendimento socioassistencial com o objetivo de desenvolver potencialidades, aquisições e fortalecimento de vínculos familiares e comunitários; Constitui ação central do CRAS, o Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família. 6 ONGs e o Combate à Extrema Pobreza | 33 • integrar-se no território com os demais serviços setoriais e organizações sociais que funcionam como artérias protetivas no território. Os serviços socioassistenciais de convivência e fortalecimento de vínculos podem e devem ser desenvolvidos em parceria com organizações da sociedade civil, pois possuem maior flexibilidade para pensar inovações e introduzir uma variedade de insumos e oportunidades, bem como expandir a rede de tais serviços. Os serviços socioassistenciais voltados à convivência e ao fortalecimento de vínculos realizam-se por meio de oficinas socioeducativas e culturais com grupos de famílias e também com adolescentes, jovens e idosos. Exigem programáticas diversas e estratégias que assegurem adesão, fortalecimento de vínculos, ampliação de capital cultural, assim como o desenvolvimento de novas habilidades e competências. Esses serviços são desafiadores, pois devem responder a demandas de seus grupos-alvo. Para conseguir a adesão dos grupos, é necessário escutá-los para oferecer um programa contextualizado, coerente e consistente. Da mesma forma, o Serviço de Proteção Social Básica no domicílio para pessoas com deficiência e idosos pode ser desenvolvido em 34 | ONGs e o Combate à Extrema Pobreza parceria preferencialmente com organizações comunitárias de alta proximidade no território. Esses serviços requerem formação e supervisão contínuas de responsabilidade do CRAS. 2. Na proteção social especial de média ou alta complexidade O Creas é a unidade responsável no sistema SUAS pelos serviços socioassistenciais de proteção especial. A proteção social especial é modalidade de atenção assistencial destinada a indivíduos e famílias que se encontram em situação de alta vulnerabilidade pessoal e social. São vulnerabilidades decorrentes de abandono, privação, perda de vínculos, exploração, violência, entre outras. A proteção especial inclui serviços de abrigamento de longa ou curta duração e serviços de acolhimento e atenção psicossocial especializada, destinada a assegurar vínculos de pertencimento e reinserção social. O abrigamento é oferecido em várias modalidades ― casa-abrigo, casa-lar, república, casa de passagem, albergues, entre outras ― com objetivo de atender diferentes grupos etários e situações/demandas distintas. São serviços que envolvem acompanhamento individual e maior flexibilidade nas soluções protetivas. São ações de natureza reabilitadora de possibilidades psicossociais com vista à reinserção social. Por isso mesmo, exigem atenção personalizada e processos protetivos de longa duração. Os serviços de proteção especial têm estreita interface com o sistema de justiça e serviços das demais políticas, sobretudo os de saúde, exigindo muitas vezes uma gestão complexa e compartilhada com o poder judiciário e outras ações do executivo. Os serviços socioassistenciais de proteção especial exigem especialização, competência e profissionalismo. SERVIÇOS DE PROTEÇÃO SOCIAL ESPECIAL DE MÉDIA COMPLEXIDADE a) Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (Paefi); b) Serviço Especializado em Abordagem Social; c) Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC); d) Serviço de Proteção Social Especial para Pessoas com Deficiência, Idosos e suas Famílias; e) Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua. SERVIÇOS DE PROTEÇÃO SOCIAL ESPECIAL DE ALTA COMPLEXIDADE a) Serviço de Acolhimento Institucional, nas seguintes modalidades: • abrigo institucional; • casa-lar; • casa de passagem; • residência inclusiva. b) Serviço de Acolhimento em República; c) Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora; d) Serviço de Proteção em Situações de Calamidades Públicas e de Emergências. ONGs e o Combate à Extrema Pobreza | 35 A rede de assistência social nos municípios A LOAS deixa explícito o lócus privilegiado das ações assistenciais: o município. Os benefícios temporários, a maioria dos serviços assistenciais e de programas/ projetos de enfrentamento da pobreza devem ser geridos pela esfera de governo municipal. As atribuições e competências das esferas de governo estadual e federal são predominantemente normativas, coordenadoras e implementadoras de uma política de assistência social. Confere-se à esfera de governo estadual os serviços assistenciais de maior complexidade ou ainda aqueles muito específicos, para os quais é mais recomendável sua execução em nível microrregional. No entanto, essa clássica divisão não é consensual. 36 | ONGs e o Combate à Extrema Pobreza Mãos à obra! A expansão dos serviços socioassistenciais depende do consórcio de entidades assistenciais, mas há critérios e exigências mútuas. Um primeiro critério e exigência: CRAS, Creas e entidades preparados para acordarem parcerias na prestação de serviços socioassistenciais7. • Qual o perfil da entidade social para postular a prestação de um serviço socioassistencial? • Quais experiências prévias devem atestar para candidatarem-se à prestação de serviços? Quais conhecimentos devem possuir para agirem em parceria no SUAS? • Quais modelos de parceria devem ser implementados? Podemos pensar em editais públicos para escolha? Os recursos de cofinanciamento postulados são suficientes para assegurar padrões de qualidade? • Quais medidas de formação, supervisão, monitoramento e avaliação devem ser garantidas pelos órgãos gestores? As respostas e as propostas precisam ser construídas em conjunto por agentes da política pública e entidades assistenciais. 7 Algumas pesquisas realizadas (Cenpec/ prêmio Itaú Unicef) sinalizam para as fragilidades mais frequentes no desempenho das organizações sociais: a ausência de focos de ação claros, quadros de pessoal compostos de voluntários ou quase voluntários pouco preparados, fragilidade de gerenciamento, voluntarismo na decisão de projetos, mais que decisões pautadas em conhecimento do contexto e da ação a realizar, falta de preparo para negociação, projetos pensados ano a ano. ONGs e o Combate à Extrema Pobreza | 37 Pensando o monitoramento e a avaliação na prestação de serviços socioassistenciais 1. O monitoramento e a avaliação são fundamentais, entre outras razões, para assegurar a contínua atualização de propósitos, avanços de processos, metodologias e programáticas com vista à maior efetividade das ações socioassistenciais. 2. Ainda são relativamente pouco usuais o monitoramento e a avaliação de organizações sociais no âmbito de serviços, programas e projetos apoiados com investimento público ou privado; a ausência de controle social tem sido o nó da pouca efetividade do gasto social. 3. Inclusão de indicadores para aferir impactos dos serviços/projetos no que se refere à emancipação dos grupos em situação de pobreza e precário acesso a bens e serviços; avaliar sua eficácia quanto ao desenvolvimento 38 | ONGs e o Combate à Extrema Pobreza de capacidades substantivas dos pobres (Amartya Sen, 2000); fortalecimento do tecido social. 4. Há clara tendência em transformar as organizações civis em operadoras de projetos sociais governamentais, isto é, em organizações que operam como braços da política pública e, portanto, com competência e profissionalismo para que realizem ações públicas. 5. As organizações sociais expressam um capital social próprio de suas sociedades civis cuja importância principal é significarem um campo de ressonância de demandas e laboratório de inovações. Como mapeá-las nos territórios de intervenção? E escutá-las, reconhecendo demandas, saberes e inovações que portam? BIBLIOGRAFIA CARDOSO, R. A construção de um novo diálogo. In: Gestão de Projetos Sociais. São Paulo: Associação Capacitação Solidária, 2001. CARVALHO, Maria do Carmo Brant de. Apostas contemporâneas nas Organizações Solidárias da Sociedade Civil: o Terceiro Setor. NEMESS Complex. Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Ensino e Questões Metodológicas em Serviço Social do Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social da PUC-SP CASTELLS, M. A era da informação: economia, sociedade e cultura –A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999, v. 1. ______. A era da informação: economia, sociedade e cultura –O poder da identidade. São Paulo: Paz e Terra, 2000, v. 2. COSTA, S. Movimentos Sociais, democratização e a construção de esferas públicas locais. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 12, n. 35, out. 1997. FALCÃO, J. Por um jornalismo cívico. In: IOSCHPE, E. B. Terceiro setor: desenvolvimento social sustentado. 3ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2005 FASFIL. As fundações privadas e associações sem fins lucrativos no Brasil, 2005/2010 {http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/fasfil/fasfil.pdf} e {ftp://ftp.ibge.gov.br/Fundacoes_Privadas_e_ Associacoes/2010/fasfil.pdf}. LAVALLE, A. G.; CASTELLO, G.; BICHIR, R. M. Os bastidores da sociedade civil: protagonismos, redes e afinidades no seio das organizações civis. São Paulo: Cebrap, 2006. SALAMON, L. Estratégias para o fortalecimento do terceiro setor. In: IOSCHPE, E. B. Terceiro Setor: desenvolvimento social sustentado. 3ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2005 THOMPSON, A. A. Do compromisso à eficiência? Os caminhos do terceiro setor na América Latina. In: IOSCHPE, E. B. Terceiro Setor: desenvolvimento social sustentado. 3ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2005 ONGs e o Combate à Extrema Pobreza | 39 INOVAÇÕES E MELHORES PRÁTICAS Maria Luiza Mestriner Possui graduação em Serviço Social pela Unaerp-Ribeirão Preto, e mestrado e doutorado em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP). Tem especialização em Gestão Social e Administração de Organizações do Terceiro Setor pela Fundação Getulio Vargas-SP. É pesquisadora do Centro de Estudos e Desenvolvimento de Projetos Especiais (Cedepe), da PUC-SP, e sócia-diretora da Ativa – Consultoria em Gestão Social. 40 | ONGs e o Combate à Extrema Pobreza A assistência social vem sofrendo mudanças profundas desde a última década do século passado, com a aprovação da Constituição Federal de 1988 e mais precisamente com a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), — Lei nº 8.742/93. Galgada ao patamar de política de proteção social, compondo com a saúde e a previdência o Sistema de Seguridade Social, ela assume novos reordenamentos, rompendo com o seu histórico conservadorismo ligado à filantropia e à benemerência e entrando no campo da política e do direito. Assim, ao ser considerada política de natureza pública e, portanto, laica, a questão mais complexa a ser enfrentada é superar a tradicional “cultura do assistencial” — que estabeleceu com os cidadãos relações de favor, clientelismo e tutela, numa prática circunstancial, secundária e imediatista, operando com frágil institucionalidade, de forma descontínua e em situações pontuais, que no fim mais reproduziu a pobreza e a desigualdade social, tornando os indivíduos ainda mais vulneráveis e subalternos. A nova Política Nacional de Assistência Social (PNAS/04) e a Norma Operacional Básica (NOB-SUAS/05) deram maioridade, identidade e novas perspectivas à assistência social, definindo concretamente o papel do Estado no exercício da coordenação da política, que, de forma democrática e participativa, integra as entidades de natureza privada, sejam de prestação direta de serviços socioassistenciais, sejam de assessoramento, sejam de defesa de direitos, estabelecendo diretrizes conceituais e políticas para sua qualificação. A Resolução do CNAS 191/05, que originou o Decreto Presidencial nº 6308/07 e a Lei nº 12.101/09, vai definir e regular (aperfeiçoando o artigo terceiro da LOAS) essa qualificação, colocando entidades e organizações sociais em consonância com a nova política, considerando não apenas a contribuição, mas também a participação efetiva no controle social e na construção de um novo modelo de proteção social. Conceituando e definindo regras e procedimentos, a resolução estabelece um sistema de relações público-privadas com capacidade crítica e propositiva e condições para enfrentar com grande força a resistência e os fatores históricos impostos. ONGs e o Combate à Extrema Pobreza | 41 Sobre a nova cultura institucional N esse contexto e sob a égide da NOB-SUAS/05 para o direcionamento de inovações, novas práticas e a integração harmoniosa ao Sistema Único de Assistência Social (SUAS), será fundamental que os serviços socioassistenciais que pretendem se integrar à rede socioassistencial construam uma cultura institucional e relacional com base sólida nos seguintes reconhecimentos: • da assistência social como política pública, descentralizada e participativa, com direção universal, não contributiva e direito de cidadania, capaz de alargar os direitos sociais de todos os brasileiros, de acordo com suas necessidades, independentemente de sua renda, apenas pela sua inerente condição de sujeito de direitos; • da primazia do dever do Estado no enfrentamento das expressões da “questão social”, colaborando para 42 | ONGs e o Combate à Extrema Pobreza a recuperação da sua capacidade de direção política e de reconstrução das bases de legitimidade social diante da sociedade e dos usuários dos seus serviços, programas e benefícios; • do caráter público das organizações sem fins lucrativos, que realizam de forma continuada serviços, programas e projetos de proteção social, de assessoramento e defesa de direitos socioassistenciais, não em substituição ao Estado, mas como parceiras e parte integrante da rede socioassistencial da política de assistência social; • do caráter público de corresponsabilidade e complementaridade entre as ações governamentais e não governamentais de assistência social, para uma atenção integral e efetiva, evitando fragmentação, paralelismo, superposição e dispersão de recursos; • do conceito democrático de fim público, que exige dos serviços socioassistenciais prestação de contas de suas ações, transparência e controle social, concretizados em mecanismos internos de gestão: direção colegiada, conselho de gestão, publicização de dados e informações, sistema de planejamento e avaliação, com destaque para o desafio da participação ativa do público beneficiário; • da gestão compartilhada entre os entes federados e entre o público e o privado, respeitando proposições de conselhos, fundos e planos municipais, e ainda de conferências oficiais e de fóruns da sociedade civil municipais, estaduais e nacional; • da hierarquização da rede pela complexidade dos serviços, na direção da proteção básica e especial, superando a fragmentação nas atenções, pelas diretrizes da matriz sociofamiliar e da territorialização, reafirmando um modo de gestão compartilhada, com cofinanciamento, referência unitária de nomenclatura, conteúdo, padrão de funcionamento e uniformização de conceitos na direção da classificação dos serviços específicos e sua colocação em rede; um novo paradigma — o da proteção social e defesa do caráter público — e garantia de direitos aos usuários, o que significa a superação do padrão minimalista de serviços, atenções e benefícios, que deverão ganhar padrão de qualidade, contando com orçamento, equipamentos adequados e profissionais especializados e atualizados; • da concepção de proteção social que faz da assistência social uma política de benefícios e serviços, uma dupla dimensão que ultrapassa a questão dos benefícios sociais. Como diz Aldaíza Sposati (2012), a assistência social está relacionada ao atendimento de “necessidades” por meio de ações efetivas. Significa o acesso aos serviços sociais como direitos, ultrapassando a fronteira dos benefícios; • de que a concepção de proteção social exige que a assistência social transite do campo individual • da concepção de proteção social que rompe com as noções de doação e benemerência, passando a ter ONGs e o Combate à Extrema Pobreza | 43 para o social, dizendo respeito a todos — indivíduos, grupos e comunidades —, e volte-se às necessidades e não aos necessitados. Esse movimento exige a elaboração de um referencial sobre o que é “estar protegido”, ou contar com proteção social, levando em conta um conjunto de condições “de preservação”, e não apenas a possibilidade de passar a consumir, também de acordo com Sposati; • do caráter contínuo e sistemático, planejado e integrado de serviços, programas, projetos e benefícios, como garantia de atenção integralizada e efetiva, evitando projetos esporádicos, descontínuos e ações paliativas; • da territorialização de rede socioassistencial sob os critérios de oferta de atenções baseada na lógica de localização dos serviços em proximidade ao espaço de vivência dos cidadãos e garantia da dimensão preventiva aos territórios de maior incidência de população em riscos e vulnerabilidades; • da porta de entrada unificada dos serviços para a rede socioassistencial de proteção básica pelos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e para a rede de proteção especial por centrais de acolhimento e controle de vagas. O reconhecimento dessas premissas, sem dúvida, faz emergir uma nova cultura institucional, dando a referência necessária para a atualização de missões e regimentos institucionais, bem como exige (principalmente de entidades e organizações sociais) uma capacidade gerencial inédita e a criação de novas metodologias e abordagens de ação — aspectos extremamente relacionados entre si. 44 | ONGs e o Combate à Extrema Pobreza Sobre a adoção de um sistema de planejamento e gestão estratégicos P ara fundamentar e aperfeiçoar continuamente o processo de intervenção social, levando-o a ganhos significativos de qualidade com resultados e impactos, deve-se adotar um sistema de planejamento e gestão estratégicos, com monitoramento e avaliação das ações por indicadores sociais e gerenciamento, de preferência informatizado. Para tanto, são necessários: VIGILÂNCIA SOCIAL A elaboração do planejamento deve ser fundamentada num processo de conhecimento amplo e sistemático do perfil dos usuários e dos seus territórios, garantindo a adequada intervenção na natureza e na dimensão de riscos e vulnerabilidades, com legitimidade e reconhecimento pelos parceiros da instituição e pela própria população atendida. Esse conhecimento, no entanto, não deve atingir só as situações de precarização, que trazem riscos e danos sociais, mas ser ampliado à rotina comportamental e às relações sociais, com vista a detectar cultura local, costumes, religiosidades, desejos e aspirações, identificando potencialidades e possibilidades individuais, familiares, grupais e comunitárias. ARTICULAÇÃO A articulação dos serviços — não só socioassistenciais, mas das várias políticas, ONGs e movimentos comunitários locais — ampliará esses conhecimentos com informações e com uma visão mais abrangente e abrirá caminhos para o exercício da intersetorialidade e da atuação em rede socioassistencial específica ou em conjunto — numa intervenção macro, que responda à complexidade das questões ONGs e o Combate à Extrema Pobreza | 45 comumente trazidas por famílias e territórios. ALIANÇAS ESTRATÉGICAS Essa articulação fomentará pactos e alianças para constante troca de informações e experiências, que subsidiarão as ações que devem ser tomadas em cada fase da realização do planejamento ou do reordenamento e que produzirão os efeitos desejados e esperados por todos. Austin (2009) afirma que as alianças estratégicas são fundamentais para as instituições hoje, mas envolvem grandes desafios, e enumera sete aspectos propulsores, denominados de 7Cs, a saber: • clareza de propósito; • compromisso com a parceria; • conexão com o propósito e as pessoas; • congruência de missão, de estratégia e de valores; • criação de valor; • comunicação; • contínuo aprendizado. ATUAÇÃO EM REDE A elaboração de diagnósticos sociais com abrangência comunitária, não só específicos, cria vínculos bastante 46 | ONGs e o Combate à Extrema Pobreza consistentes entre serviços para criação de redes territorializadas ou temáticas e subsidia intervenções conectadas entre si e efetivas. A apropriação de dados secundários ou de estudos realizados por institutos de pesquisa também complementa consistentemente as análises situacionais necessárias para o planejamento, embora nem sempre sejam encontrados de forma decodificada por microterritórios. PROCESSO PARTICIPATIVO O processamento e a sistematização de informações e identificação de indicadores de diagnóstico dependem de profissionais especializados, para que esses levantamentos não se reduzam a meros estudos estatísticos. Sua finalização deve passar por um processo de discussão ampla, também com a população, para que se contemplem aspectos subjetivos e culturais e se apreendam a sua visão e os seus reais interesses. A mobilização democrática na discussão da realidade local, per se, já se caracteriza como um procedimento pedagógico de qualificação da visão não só de problemas e demandas prioritárias, mas de possibilidades e potenciais para que todos se envolvam nos problemas e na superação deles. A participação e o protagonismo dos segmentos locais e dos usuários, partilhando da análise dos problemas na sua visão macro, vão agregar e qualificar esses interesses e desejos de classe — questão fundamental a ser considerada num trabalho socioeducativo. Essa participação, além de envolver forças locais, vai adequar a proposta ao interesse coletivo e possibilitar uma qualificação do conhecimento e uma ação local sobre as necessidades e interesses. Dessa forma, o planejamento estratégico de cada instituição responderá não só a sua especificidade de ação, mas estará contextualizado no microterritório, com possibilidade de complementaridade e suplementaridade harmoniosa entre os serviços, bem como de intervenção no coletivo. Com esse conhecimento, as instituições terão condições de equacionar indicadores de monitoramento que apontarão as adequações necessárias e a correção constante do curso das ações, para aperfeiçoamento sistemático durante a realização. O uso da tecnologia, para um cadastramento que possa oferecer o máximo de cruzamentos sobre dados obtidos dos usuários, facilitará o acompanhamento dos movimentos de conquista e a evolução das famílias, dos grupos e dos territórios, impedindo que se caia numa atenção paliativa e emergencial ou fragmentada e pontual. Se elaborado considerando os recursos financeiros, de equipamento e de pessoal capacitado e atualizado, o planejamento estratégico ganhará exequibilidade; e com o envolvimento de parceiros e usuários ganhará também legitimidade e reconhecimento público dos usuários e das forças locais. O caráter democrático adotado no processo de diagnóstico e planejamento facilitará ainda a composição de uma organização com estrutura de gestão participativa, prevendo a composição de conselhos de gestão, com representação de usuários e movimentos sociais, ou conselhos específicos de usuários em cada serviço, programa ou projeto, ampliando consideravelmente o exercício da participação, bem como a possibilidade de controle, avaliação e replanejamento institucional. ONGs e o Combate à Extrema Pobreza | 47 Sobre a construção de novas metodologias C om planejamento e gestão estratégicos, as instituições ganham condições concretas para construir metodologias e formas de intervenção dinâmicas e atualizadas, que possibilitem atuar na proteção social básica ou especial, realizando a atenção e a prevenção contra as situações de vulnerabilidades e riscos sociais, na direção do desenvolvimento de potencialidades do público-alvo e de ganho de autonomia. CONCEITUANDO METODOLOGIA Como escrevi na publicação Metodologia do trabalho social, de 2007, a metodologia é “o conjunto de processos, estratégias e procedimentos técnicos interventivos, organizados a partir de uma intencionalidade clara e precisa, eleitos a partir de pressupostos fundamentais, disponibilizados por ampla base teórico-metodológica e ético-política e processados numa adequação às diversidades regionais”. Conforme a NOB-SUAS/05, a proteção social deve possibilitar ao público-alvo “a conquista de condições de autonomia, resiliência, e sustentabilidade, protagonismo, acesso a oportunidades, capacitações, serviços, condições de convívio e sociabilização, de acordo com sua capacidade, dignidade e projeto pessoal e social”. MULTIDISCIPLINARIDADE E INTEGRAÇÃO DE ABORDAGENS Os processos educativo e de orientação devem ser enfatizados e desenvolvidos de preferência por atuação multiprofissional — homogênea e simétrica —, fundamentada num complexo de ações socioeducativas inclusivas, num mix de abordagens individuais, grupais e comunitárias. 48 | ONGs e o Combate à Extrema Pobreza É importante que essas abordagens sejam baseadas num conjunto de processos e técnicas planejadas e executadas pensando-se nas necessidades e potencialidades dos usuários e dos seus territórios e aperfeiçoadas continuamente por um sistema de acompanhamento e avaliação (com indicadores), com vista a resultados e impactos. PRESSUPOSTOS DO TRABALHO PROTETIVO O acolhimento É fundamental que se constituam espaços de vocalização de situações-problema, de angústias e ansiedades, com escuta empática, acolhimento, apoio seguro e possibilidade de trocas, que conduzam a uma análise crítica da sua causalidade e a um projeto de superação refletido e deliberado — individual, grupal ou coletivo. A reflexão-ação Abre-se, dessa forma, a elucidação do processo de formatação de problemas e dificuldades; paralelamente, há o reconhecimento e a valoração das potencialidades, para sua resolutividade, com inserção quer seja em benefícios, serviços, programas próprios, quer seja na rede socioassistencial ou intersetorial. O importante é suscitar processos de reflexão-ação — com iniciativas e protagonismos na construção do próprio projeto de inclusão social, respeitando sempre a concepção de matricialidade sociofamiliar e a territorialidade — que considerem que os indivíduos pertencem a grupos familiares, a segmentos com situações similares ou a grupos diversos e territórios comuns. Contribui-se, assim, para que famílias ampliem seu processo de reflexão, seu universo de conhecimentos e informações, e encontrem alternativas próprias às situações de vulnerabilidades, de acordo com suas possibilidades, passando a acessar recursos disponíveis na rede local ou externa. A pedagogia A metodologia e a pedagogia adotadas devem possibilitar que o apoio ONGs e o Combate à Extrema Pobreza | 49 A cidadania política Nesse processo, é importante considerar que as necessidades da população atendida não se dão somente no âmbito das exigências de reprodução social, ou seja, no plano econômico – financeiro (capacitação profissional e geração de renda), mas também nos planos político, cultural e social. e a orientação desenvolvidos não se façam meramente para os atendidos, mas num esforço conjunto, onde, sem perder suas especificidades, os profissionais, usuários ou segmentos locais, como parceiros, se encontrem numa experiência de conhecimento comum. O processo educativo não deve se caracterizar pelo “diretismo” habitual aos programas para segmentos populares, que se dão quase sempre de forma ajustadora e enquadradora, mas devem se constituir em “alavancas sociais”, confrontando a pobreza, a deficiência cultural, as posições submissas, indefesas e ingênuas de pessoas, grupos e movimentos, investindo privilegiadamente em tornar as pessoas críticas e criadoras de uma nova cultura e responsáveis pela escolha e construção de seus destinos. 50 | ONGs e o Combate à Extrema Pobreza A conquista de liberdade democrática, de participação na res pública, depende não somente de atenção a direitos relacionados à sobrevivência, mas de acesso à informação e ao conhecimento, à organização e à participação nos níveis crítico-propositivos de mudança da realidade local. As práticas de orientação e educação devem abrir canais cada vez maiores de comunicação, inter-relacionamento e mobilização grupal, de modo a favorecer as formas de ação conjunta e coordenada, iniciativas e movimentos de organização popular e/ou de representação política, seja de ordem executiva, seja reivindicatória. EIXOS METODOLÓGICOS Vale, na construção de metodologias, a consideração de dois eixos apontados pela (PNAS), que, numa dinâmica convergente, complementar e interdependente, podem dar estrutura positiva às práticas inclusivas: a centralidade no grupamento familiar e a contextualização nos microterritórios. Centralidade no grupamento familiar Considera-se que a unidade familiar, sendo apoiada no acesso a condições básicas e sustentáveis, pode construir projetos de vida, com vista a assumir suas competências e possibilidades de sustento, guarda, educação de crianças e adolescentes e mesmo a proteção de seus jovens, idosos ou portadores de deficiências. Há que se fazer avançar o caráter preventivo da proteção, fortalecendo laços e vínculos de parentalidade e de pertencimento entre seus membros, para que suas capacidades e buscas atentem para a concretização dos seus direitos. • fortalecendo a dimensão sociocultural, clareando papéis, suas representações e relações, num processo de firmação e resgate de sua identidade, história, valores, normas e comunicação com sua comunidade; • no investimento humano, com a atenção individual aos seus integrantes, possibilitando oportunidades de desenvolvimento de potencialidades — base para que a própria família consiga gerir seu processo de inclusão de forma autônoma; • no processo de socialização e pertencimento, estabelecendo relações e conexões horizontais e grupais, favorecedoras de encaminhamentos e soluções coletivas a problemas comuns, realização de projetos conjuntos e outros; Colocar o foco na unidade familiar permite que se apoie a desconstrução e reconstrução de conceitos sobre a família e suas formas de vida no território, facilitando o desenvolvimento dos seus membros nas várias dimensões previstas: • favorecendo sua integração e participação na organização social do microterritório, no encaminhamento de aspirações locais e na articulação de redes de apoio estimuladoras do processo de inserção social. • fortalecendo as relações intrafamiliares, os vínculos afetivos relacionais entre gêneros, faixas etárias e papéis, visando à educação e ao acolhimento, prevenindo e superando contingências que levem à violação de direitos e à violência; Estando o núcleo familiar, no entanto, em constante processo de mudança, a atenção a ele supõe uma relação ética, de respeito e reconhecimento, como referência afetiva e moral, seja em que formatação a família se apresente. ONGs e o Combate à Extrema Pobreza | 51 Contextualização nos microterritórios Já a contextualização nos microterritórios – chegar próximo à população, aos beneficiários e a sua realidade – significa introduzir novas oportunidades metodológicas. Significa a possibilidade de atuação regionalizada, com condições de conhecer melhor e se adequar à diversidade e às peculiaridades locais, e com novos padrões de gestão, adotando controle social próximo com ética e participação. Além disso, num contexto mais circunscrito, a ação articulada da rede socioassistencial e intersetorial será potencializada, em virtude da pressão organizada pelas demandas, e porque a integração se faz menos burocratizada e pode se envolver em mecanismos e movimentos comunitários. Nesse contexto ficam também mais favorecidos a identificação de prioridades, o estabelecimento de consensos representativos e legítimos, a aglutinação de forças para a ação e a aderência a valores como a participação e a solidariedade. Os microterritórios, ainda como espaços contraditórios — de confinamento e exclusão, de um lado, e de possibilidades de interação e pertencimento, de outro —, acabam constituindo palcos privilegiados para que conflitos possam ser expressos e consensos sejam pactuados visando à solução de problemas. 52 | ONGs e o Combate à Extrema Pobreza BIBLIOGRAFIA AUSTIN, J. Parcerias: fundamentos e benefícios para o terceiro setor. In: PASQUALE, P. P. Planejamento Estratégico e Alianças em ONGS. São Paulo: Editora Plêiade, 2009. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate À Fome. Secretaria Nacional da Assistência Social. PNAS/2004 NOB/ SUAS/2005. MESTRINER, M. L. Metodologia do Trabalho Social. 2007 PAZ, R. D. O. Qualificação das entidades e organizações de assistência social: considerações acerca do Art. 3# da Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS. In: STUCHI, C. G.. et alii. Assistência social e filantropia: cenários contemporâneos. São Paulo: Veras Editora, 2012. SPOSATI, A. Desafios do sistema de proteção social. In: STUCHI Carolina G. et alii. Assistência social e filantropia: cenários contemporâneos. São Paulo: Veras Editora, 2012. ONGs e o Combate à Extrema Pobreza | 53 PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO, RESULTADOS E ENVOLVIMENTO DA REDE: FORTALECENDO A GESTÃO DAS ENTIDADES Antônio Claret de Souza Filho 1 Marcos Arcanjo de Assis 2 Sociólogo, bacharel em Relações Internacionais e mestre em Administração Pública. Trabalha na Assessoria de Articulação, Parceria e Participação Social da Governadoria do Estado de Minas Gerais. Escreve regularmente para o sítio <www.antonioclaret.com>. 1 Bacharel e licenciado em Ciências Sociais, além de especialista em Elaboração, Gestão e Avaliação em Projetos Sociais pela UFMG. Mestre em Administração Pública pela Escola de Governo da Fundação João Pinheiro. Professor e gestor de projetos sociais. Atua na Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão do Governo de Minas. 2 54 | ONGs e o Combate à Extrema Pobreza O trabalho das entidades no desenvolvimento da política socioassistencial contribui para efetivar um modelo inovador de proteção social. As entidades são importantes parceiras do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) tanto na execução de projetos e serviços quanto no controle social e, por isso, precisam estar alinhadas aos recentes modelos organizacionais de planejamento e gestão de intervenções sociais. Formular estratégias na área do desenvolvimento social e da superação da pobreza é um desafio robusto quando consideramos a complexidade da sociedade atualmente. São múltiplas as causas e os determinantes sociais das situações de desproteção social. Soma-se ao repto a insuficiência de tecnologias sociais consistentes, que garantam, com um mínimo de certeza, que uma intervenção resolverá o problema sobre o qual pretende agir. Nesse contexto, novas formas de planejar e gerenciar intervenções sociais passam a incorporar a prática de governos e entidades do terceiro setor. Trata-se de um movimento de inovação quanto à maneira de promover o bem público, revendo-se os modelos adotados até então. O planejamento estratégico e a gestão com base em resultados são abordagens de gerenciamento de projetos sociais que se alinham a esse fluxo de inovação. Compreender os seus princípios e elementos é tarefa indispensável para as entidades que desenvolvem serviços e projetos sociais, em busca de um trabalho efetivo e promotor de mudanças na realidade. Neste texto, pretende-se apresentar sumariamente as características e os fundamentos do modelo de planejamento estratégico voltado para resultados como forma de despertar gestores e técnicos das entidades vinculadas ao SUAS para a importância de incorporar esses fundamentos em sua prática de trabalho. Na primeira parte, discorre-se acerca do conceito e dos elementos fundamentais do planejamento estratégico. Em seguida, os princípios da gestão para resultados e os componentes necessários para o planejamento de intervenções sociais são descritos. Na terceira parte, propõe-se refletir sobre a necessidade de a rede de parceiros das entidades se envolver nos processos de monitoramento e avaliação do trabalho desenvolvido pelas entidades. ONGs e o Combate à Extrema Pobreza | 55 Noções básicas de planejamento estratégico A dinamicidade dos ambientes nos quais as organizações atuam é um dos desafios que elas precisam enfrentar, independentemente de seu tamanho ou local e nicho de atuação. As sociedades passam por transformações rápidas e significativas, que impactam o trabalho das organizações. No caso do Estado e das entidades do terceiro setor parceiras, as mudanças sociais devem ser consideradas no processo de planejamento e gestão, tendo em vista a importância de criar uma linha de ação capaz não apenas de adaptar seu modo de funcionamento para responder às mudanças no curto prazo, mas também, e principalmente, de estabelecer um caminho por meio do qual ela possa alcançar objetivos no longo prazo. É nesse contexto que se inserem as ideias de estratégia e planejamento 56 | ONGs e o Combate à Extrema Pobreza estratégico e suas aplicações. Os conceitos e as ferramentas de estratégia possibilitam a construção de um caminho que antevê a relação da organização com o ambiente, favorecendo-a no alcance de resultados, objetivos, metas e missão. Há diferentes conceitos que podem ser utilizados para definir o que é estratégia. Entretanto, todos eles ressaltam a ideia de planejamento, de construção do futuro no ambiente e de alcance de objetivos, o que pode ser considerado, portanto, a essência da estratégia. Planejar, em linhas gerais, significa lançar um olhar à frente, visando estruturar tudo aquilo de que a organização dispõe (recursos financeiros, recursos humanos, tempo etc.) para construir um caminho que alcance objetivos e metas. Pensar o planejamento em uma perspectiva estratégica, por sua vez, consiste em aplicar a ideia do planejamento em relação ao futuro desejado pela organização do ambiente no qual ela se insere. Para tanto, o planejamento estratégico oferece ao gestor uma série de ferramentas de construção, organização e detalhamento da informação, desenhando o “caminho a ser seguido”. Porto e Silveira (2010) afirmam que um plano estratégico é simples e simboliza o percurso que a instituição definiu para progredir de um contexto real e presente para outro desejado, sempre considerando as condições de incerteza. No contexto do planejamento estratégico, três elementos devem ser considerados pela organização. A missão da organização é sua razão de ser, isto é, o objetivo último pelo qual ela existe; a definição da missão é extremamente importante para criar uma identidade organizacional que permita estabelecer um alinhamento do que a organização faz hoje com aquilo que ela pretende ser no futuro. Para determinar a missão de uma organização, deve-se levar em consideração o que ela faz, qual é o seu público e de que maneira desenvolve aquilo que lhe cabe. A visão possibilita a construção do planejamento estratégico: é preciso planejar uma rota a seguir para alcançar o ideal futuro. A visão é como um farol que indica o caminho a um navegador: se o farol está bem posicionado e lança sua luz na direção adequada, a viagem do navio tende a ser mais segura e a probabilidade de desvios diminui. Por fim, os valores da organização dizem respeito às crenças por ela adotadas como pressupostos de sua atuação, ou seja, aos elementos que fundamentam a sua prática no dia a dia e no longo prazo (estratégia). A visão de uma organização consiste no contexto futuro desejado. Trata-se, desse modo, de um prognóstico ideal a ser perseguido. ONGs e o Combate à Extrema Pobreza | 57 Ferramentas de planejamento e princípios da gestão por resultados U ma organização que planeja estrategicamente o seu trabalho deve se orientar por resultados factíveis e que reflitam a missão e a visão definidas. O resultado, neste caso, consiste na produção de mudanças na realidade a partir da entrega de um produto ou serviço pela organização, isto é, dos efeitos de uma intervenção no curto ou médio prazo (MUNIZ et al. 2010). A gestão por resultados deve, segundo Porto e Silveira (2010), orientar-se por alguns princípios. Primeiramente, é preciso mobilizar diferentes tipos de recursos e parcerias para desenvolver um trabalho em rede que possa maximizar o alcance dos resultados. O público-alvo deve participar diretamente do processo, deixando claro para a organização as demandas que devem ser consideradas para a definição dos resultados a serem perseguidos. 58 | ONGs e o Combate à Extrema Pobreza Outro princípio importante se refere à estruturação de um portfólio, isto é, ações e estratégias de intervenção que devem ser desenvolvidas para que os resultados sejam alcançados. Cada ação precisa ser planejada de modo a contribuir com uma parte do objetivo planejado. As pessoas envolvidas na gestão por resultados têm de adotar uma atitude empreendedora. Uma vez valorizados pela organização, o que muitas vezes ocorre por meio de estímulos e planos de incentivo ao bom desempenho no trabalho, os profissionais tornam-se mais criativos, comprometidos e responsabilizados com os resultados. Outro princípio diz respeito à gestão intensiva e em tempo real, ou seja, o acompanhamento sistemático da execução do portfólio, necessário para a tomada de decisão por parte dos gestores a fim de corrigir rumos, superar obstáculos e potencializar a consecução dos resultados. Quando orientado para resultados, o planejamento de ações e projetos de intervenção também conta com outras ferramentas importantes. Objetivos factíveis e mensuráveis, seja no nível mais amplo de propósitos de desenvolvimento, seja no nível mais específico do projeto ou ação, devem ser definidos como orientação estratégica do desenvolvimento da ação. Os resultados, entendidos como mudanças necessárias para chegar ao cenário futuro, ou seja, aos objetivos previstos, são traduzidos no nível prático pelo estabelecimento de metas. As metas se definem em termos de quantidade, qualidade e tempo e são mensuradas por meio dos indicadores. Para exemplificar, pensemos no seguinte resultado de um projeto desenvolvido por uma entidade: melhorar as condições de empregabilidade dos jovens de determinada comunidade. Para isso, estabelece-se como meta: no mínimo 50% (quantidade) dos jovens concluindo os cursos profissionalizantes (qualidade) em até um ano após o início do projeto (tempo). Os indicadores são instrumentos de medição que escolhem aspectos da realidade capazes de dizer como e para onde ela se move. Além dos resultados, devem ser definidos os insumos que serão empregados para o desenvolvimento da estratégia e o alcance dos resultados. Nesse caso, recursos físicos, financeiros, humanos, materiais, dentre outros, precisam ser criteriosamente planejados. No nível mais específico do planejamento dos projetos, encontram-se as atividades que consistem nas ações e medidas que devem ser realizadas para a consecução dos resultados. Cada atividade ou conjunto delas deve estar associado a um resultado previsto. Por fim, salienta-se ainda a importância de o planejamento estratégico estar atento aos fatores do ambiente interno ou externo ao projeto que podem afetar o alcance dos resultados: são os chamados pressupostos. Esses fatores fogem do controle da gestão do projeto, portanto, devem ser identificados previamente no planejamento e monitorados na execução. ONGs e o Combate à Extrema Pobreza | 59 As redes de monitoramento e avaliação do trabalho das entidades D iscorreu-se anteriormente sobre diferentes elementos que precisam ser considerados para o planejamento de intervenções sociais orientadas por resultados. Vale ressalvar que um planejamento consistente não implica necessariamente execução exitosa de uma intervenção. Isso porque existe uma distância entre a fase de planejamento e a de implementação, caracterizada 60 | ONGs e o Combate à Extrema Pobreza pelas diferenças entre tempo e contextos em que ocorrem e entre os atores que formulam e os que executam. Por isso, como se buscou evidenciar, o planejamento estratégico pretende encurtar essa distância, na medida em que estabelece cenários a serem conquistados no médio e curto prazo e resultados que orientam esse caminho. O planejamento é, então, somente uma das etapas do ciclo de vida das intervenções sociais. Antes dele, tem-se a concepção dedicada a analisar o contexto socioeconômico e político em que a intervenção será realizada, isto é, a diagnosticar os problemas e desafios sociais que serão enfrentados. O produto final dessa fase é uma lista de objetivos estabelecidos para a ação ou projeto. Após o planejamento, vem a fase de execução, na qual o que foi planejado é implementado e se monitora o desenvolvimento do plano de intervenção. Por fim, há a fase de avaliação: nela pretende-se checar em que medida as metas foram cumpridas e os resultados foram alcançados. As fases desse ciclo não são estanques, separadas formalmente umas das outras. Pelo contrário, sempre que necessário, deve-se retornar às fases anteriores a fim de corrigir entraves ou problemas e redesenhar atividades, com o intuito de avançar na busca dos resultados pretendidos. Trata-se, enfim, de um ciclo retroalimentado. Um dos princípios da gestão para resultados discutidos nos parágrafos anteriores é a mobilização de parcerias para a maximização dos resultados planejados. Nesse contexto, a ideia de identificar e organizar uma rede de parceiros que possa auxiliar no trabalho das entidades é fundamental. A noção de rede nos remete de imediato à imagem de um emaranhado de fios, de uma malha ou mesmo de uma teia de aranha. Esse conceito é utilizado para caracterizar estruturas e processos nas mais diversas áreas do conhecimento humano: rede de computadores, rede neural, rede telefônica, rede de transportes, rede socioassistencial. O termo rede, portanto, é utilizado para designar a interligação, ou entrelaçamento, de pontos/nós diversos. O objetivo do estabelecimento dessas conexões entre pontos é o de garantir que trocas sejam possíveis. Assim como as ligações, os elementos trocados podem ser concretos ou abstratos. A teoria social, quando trata de redes, ocupa-se das relações que têm certa perenidade e que são estabelecidas entre pessoas e/ou instituições. A sociedade só existe a partir das redes que os indivíduos estabelecem. São precisamente os laços que as pessoas constroem entre si que fornecem significado para a ação social, uma vez que o papel que cada elemento da rede desempenha só pode ser compreendido por sua interação com o outro. Se não há interação, não existe troca e não existe reciprocidade, assim não existe também ação social, nem rede. (CLARET FILHO, 2012). ONGs e o Combate à Extrema Pobreza | 61 O objetivo de organizar instituições e pessoas em estruturas que tenham o formato de rede é garantir o compartilhamento de recursos, informações, esforços e experiências para alcançar resultados comuns. Além disso, a rede se envolve no monitoramento (supervisão) das atividades das entidades, que devem contar com o apoio da rede para o acompanhamento e a avaliação de projetos e intervenções que realizam. Nos dois casos, a rede é fundamental para o efetivo controle social das organizações sociais que atuam no âmbito do SUAS. 62 | ONGs e o Combate à Extrema Pobreza Nesse sentido, no trabalho a ser desempenhado pelas entidades vinculadas ao SUAS, é preciso incorporar cada vez mais a prática do monitoramento e da avaliação. Essas fases vêm assumindo grande importância na gestão social com experiências de projetos anteriores, mostrando o que deu certo ou não, a fim de buscar uma atuação mais efetiva no campo em que atuam. Uma reflexão sobre essas duas etapas do ciclo de vida das intervenções sociais faz-se, por ora, necessária. O monitoramento e a avaliação caminham juntos no momento da execução de um projeto e não podem ser tomados como atividades isoladas. O monitoramento é essencial para que os gestores possam perceber o desempenho de suas ações na execução de um projeto. Funciona como um acompanhamento dos objetivos, informando os executores sobre a eficácia do projeto, entendida como o cumprimento das metas ou o grau em que resultados poderão ser alcançados. No monitoramento, constrói-se um sistema de indicadores do processo de implementação de um projeto e com base nele é possível redesenhar atividades, tomar outros caminhos, alocar recursos de maneira mais eficiente e garantir que o projeto alcance êxito. Por exemplo, num projeto na área de wducação, o monitoramento pode e ser útil para controlar o número de alunos beneficiários matriculados, acompanhar a evasão e descobrir os seus porquês, buscando medidas que a evitem, pode-se medir se o currículo proposto está sendo desempenhado no tempo previsto ou ainda se o rendimento dos alunos nos testes aplicados é satisfatório etc. Na contemporaneidade, há certa tendência em aumentar a racionalidade dos projetos sociais, desafio imposto à burocracia, à tecnocracia e aos empresários, munidos da responsabilidade de executar estratégias fundamentadas na superação dos erros passados e na continuidade do que foi exitoso. Políticas mais racionais são desenhadas com base em modelos metodológicos adequados de elaboração, monitoramento e avaliação, pois já não se podem perder os escassos tempo e recursos disponíveis para o desenvolvimento social de uma população. Avaliar é um processo intrínseco ao comportamento social. Os indivíduos, regularmente, examinam suas ações, com o intuito de ajustá-las no futuro. Não se deve persistir no erro nem “mexer em time que está ganhando”, diz a sabedoria popular. Por meio de modelos avaliativos, o julgamento do que deve seguir adiante ou ser interrompido é mais racional e consistente. Em outras palavras, a avaliação é uma maneira de distinção do que tem valor ou não. No caso dos projetos sociais, a avaliação é também uma atividade processual cujo objetivo é criar, coletar e compor dados sobre o desempenho das ações. Sob esse prisma, a atividade avaliativa não é autossuficiente ou isolada, mas sim uma dimensão intensamente ligada ao ciclo de vida das iniciativas da área social, servindo para mensurar: sua eficiência, com a finalidade de minimizar os recursos aplicados por uma ação política, maximizando os produtos que ela pode gerar; e sua efetividade, entendida como o impacto provocado por tais iniciativas na transformação da situação de vulnerabilidade social em que vive a população a que se destinam. ONGs e o Combate à Extrema Pobreza | 63 Notas finais E stabelecer a estratégia e aplicar as ferramentas de planejamento estratégico são práticas cada vez mais presentes no foco das organizações, dada sua importância crescente na resolução dos desafios organizacionais contemporâneos. Na área pública essa importância é mais significativa, levando em consideração que a atuação do Estado e de entidades do terceiro setor deve impactar diretamente as condições de bem-estar da sociedade. Nesse sentido, os conceitos e fundamentos aqui descritos devem ser incorporados sistematicamente às práticas de trabalho de gestores e equipe técnica dessas organizações e 64 | ONGs e o Combate à Extrema Pobreza embasar as intervenções desenhadas para alcançar os objetivos, especialmente os estratégicos. No ambiente em que atuam as entidades vinculadas ao SUAS, existe uma rede de parceiros que deve se envolver com o trabalho desempenhado por elas. Um papel fundamental da rede é monitorar e avaliar a atuação dessas organizações como forma de viabilizar o controle social e acompanhar os resultados promovidos. BIBLIOGRAFIA COHEN, E.; FRANCO, R. Avaliação de Projetos Sociais. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1998. FILHO. A. M. C. As novas redes sociais. In: Plano de capacitação, organização e estratégias intersetoriais em redes sociais e territórios vulneráveis. Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social de São Paulo. São Paulo, out. 2012. MUNIZ, R. M.; SILVEIRA, M. C.; BECHELAINE, C. O caminho em direção à gestão por resultados em Minas Gerais: uma análise dos Planos Mineiros de Desenvolvimento Integrado. In: GUIMARÃES T. B.; PORDEUS, I. A.; CAMPOS, E. S. A. Estado para resultados: avanços no monitoramento e avaliação da gestão pública em Minas Gerais. Belo Horizonte: UFMG, 2010 . PORTO, C. A. F.; SILVEIRA, J. P. O planejamento e a gestão estratégica e sua função em Minas Gerais. In: GUIMARÃES T. B.; PORDEUS, I. A.; CAMPOS, E. S. A. Estado para Resultados: avanços no monitoramento e avaliação da gestão pública em Minas Gerais. Belo Horizonte: UFMG, 2010. SILVA, P. L. B.; MELO, M. A. B. O processo de implementação de políticas públicas no Brasil. In: NEPP–UNICAMP. Cadernos nº 48, Campinas, 2000. VIEZZER, M. Conceitos Básicos e processos de planejamento. In: Relações de gênero no ciclo de projetos. São Paulo: Rede Mulher de Educação; GTZ, 1996. ONGs e o Combate à Extrema Pobreza | 65 66 | ONGs e o Combate à Extrema Pobreza