FORMAÇÃO E TRABALHO PROFESSORES EM TEMPOS DE HEGEMONIA NEOLIBERAL Adriana de Fátima Franco - UTP [email protected] Adolfo Ignacio Calderón - UTP [email protected] Maria de Fátima Rodrigues Pereira - UTP [email protected] Esta mesa redonda tem o pressuposto da indissociabilidade entre a formação e o trabalho docente. Traz elementos para compreendermos as políticas de formação de professores e o trabalho docente no contexto da hegemonia das políticas neoliberais e do decorrente processo de mercantilização da educação. Nas últimas três décadas, a formação e o trabalho de professores tem sido objeto de debates, pesquisas, políticas, regulamentações. O tema, hoje, sem dúvida, adquiriu centralidade para a educação formal. Vem sendo tratado no conjunto das reformas curriculares, das políticas de avaliação e das de financiamento produzidas no contexto histórico da reorganização produtiva do capital monopolista. Sobre ele, muito tem sido escrito no Brasil e em outros países. Insiste-se no estudo deste tema a que muitos já se dedicaram. Entende-se que, se a pretensão é conhecer para além de uma visão idealista e fenomenológica, a formação e o trabalho dos professores, é preciso desvelar as relações reais. Ou seja: a formação (educação) e o trabalho de professores explicam-se no conjunto das múltiplas determinações históricas- uma rica totalidade- de uma dada formação social. Trabalho e educação são relações sociais que expressam a produção da existência humana. Em todos os modos de produção da existência há trabalho humano e educação. Estas duas atividades são especificamente humanas, têm caráter de centralidade e andam imbricadas. O modo de produção capitalista, sistema produtivo alienado coercitivamente e/ou por consentimento aos interesses da burguesia, entre outros empreendimentos criou os sistemas escolares, tem definido a formação especifica dos professores para atuarem nas escolas. Criou instituições, programas de estudos, estágios, certificações, normatizações que vêm regulamentando e avaliando o trabalho educativo formal. Na ordem burguesa, educação e trabalho dizem respeito a interesses antagônicos: aos do capital e aos do trabalho, pois, tanto podem concorrer pra manterem a ordem social como para superá-la. A natureza do trabalho do professor caracteriza –se pela não-separação entre saber (o saber enquanto meio de produção é-lhe indispensável seja em menor ou maior grau) e trabalho, teoria e prática, mesmo quando se proclama a sua separação. Assim, a formação de professores é estratégica em toda e qualquer formação social, e por isso é preciso dizer como ela é feita e com que intenções ou finalidades. Nas sociedades, sob o modo de produção capitalista, em que o trabalho é subsumido pela burguesia, o trabalho do professor, em virtude da necessidade da posse de meios de produção mesmo em sistemas e estruturas com interesses burgueses, pode ser uma mediação na superação das relações sociais de produção conduzidas, ou nas quais a burguesia tem a hegemonia. Ciência e técnica são fundamentais ao trabalho do professor e, portanto, à sua formação. Nas últimas décadas, um conjunto de leis, decretos, resoluções e pareceres foram definindo, disciplinando, controlando e desonerando o Estado da formação de professores segundo as grandes decisões feitas nas conferências mundiais. Assim, um número nunca antes produzido de regulamentações foi formatando, cercando, disciplinando, controlando a formação de professores e os sentidos foram: a) acentuação da fragilização da formação dos professores agora entregue, em sua maioria, à iniciativa do empresariado e conformada, portanto, à obtenção do lucro; b) conseqüente desapropriação dos professores dos seus instrumentos como as teorias, os conteúdos, os métodos (instrumentos de trabalho); c) interferência da lógica da produtividade através dos financiamentos e processos de avaliação; d) barateamento em tempo e recursos da formação e dos espaços de trabalho dos professores, as escolas estão pobres de espaços, livros, laboratórios e quando os há os professores não sabem usá-los e não têm suportes pedagógicos para tal; e) desconfiança da ciência e da filosofia como conhecimentos necessários à escola; f) defesa da razão instrumental e das respostas imediatistas-princípios da organização do mercado. Ou seja, se durante as décadas de 1960 e 1970 a formação de professores ainda assentava em princípios da ciência – agora se inverte o eixo estruturante da formação. Não são as disciplinas, os conhecimentos, mas a flexibilidade de lidar com situações que vêm do mundo da produção e do consumo. Fecha-se o cerco. A formação é formatada na razão instrumental. Ela torna-se rígida nos eixos estruturantes das demandas e flexível nas respostas dentro dessas demandas. Por isso, também o ataque à formação nas universidades que, em princípio, pelo seu ethos, se reporta à ciência e a conhecimentos universais, ciosas do seu status de independência à submissão das organizações do mercado. Nesse cenário, convenientes seriam evidenciar os estudos existentes sobre a precarização do trabalho docente, nos quais se destacam três vertentes claramente definidas: a) estudos sobre a flexibilização dos contratos de trabalho, que tem em seu cerne discussões em torno da chamada acumulação flexível e o surgimento de estratégias para a flexibilização trabalhista, contratos temporários, parciais, terceirizados muitas vezes sem o amparo da legislação trabalhista; b) estudos sobre os processos pedagógicos e o saber fazer, focando as políticas educacionais e os impactos diretos ou indiretos no exercício da função docente, na gestão escolar, nas estruturas administrativas, nas jornadas de trabalho e no cotidiano do exercício da docência e c) estudos sobre a saúde do docente trabalhador e sobre as formas de regulação do exercício da docência e sua relação direta com a qualidade de vida dos professores, a saúde física e mental. Especificamente, sobre a primeira vertente, chama atenção a realidade do magistério público, marcado pela insegurança e instabilidade do trabalho temporário, e na maioria das vezes, sem nenhum direito trabalhista, como licença médica, férias, décimo terceiro salário. Os professores temporários ora estão empregados, ora desempregados. Inclusive, embora os contratos sejam anuais, em muitas situações, nada garante a vigência total do contrato, caso um professor efetivo reassuma suas aulas, fato que gera a fragmentação do trabalho pedagógico pela rotatividade dos professores e o desestimulo quanto às ações pedagógicas contra o fracasso escolar. Ressalte-se que o fato de ser professor efetivo, não significa que não realize um trabalho precarizado, uma vez que a dupla ou tripla jornada, resultante dos baixos salários, é uma realidade presente no trabalho docente. A precariedade do trabalho do magistério do setor privado é também fato de preocupação diante das estratégias de empresários da educação, pautadas pela maximização dos recursos e redução de custos, alicerçadas em esquemas contratuais que visam explorar ao máximo o trabalho docente, com claros reflexos para a qualidade de vida dos professores. O tema formação e trabalho de professores precisa ser entendido à luz de concepções a respeito de homem, de escola, de educação e de mundo de trabalho. O pensamento liberal traz como concepção a idéia de que o homem é um ser naturalmente humano, dotado de potencialidade e dons. A formação de professores olhada deste ângulo pressupõe que neste profissional esteja presente a semente do “bom professor”, o bom professor nasce marcado (com dons). Contrapondo-se a essas idéias, entende-se o homem enquanto ser sócio-histórico, isto é, o homem enquanto ser concreto, social, histórico, e cultural, que constrói sua humanidade na interação com outros homens, onde os processos psicológicos não são dados e, sim, construídos nesta rede. A esse respeito temos, ainda, que considerar um fato importante que diz respeito a relação dialética entre indivíduo e sociedade, síntese de um sistema ao mesmo tempo em que é produzido. Nesta perspectiva crítica, parte-se da compreensão de que aos professores cabe, na divisão social do trabalho, no atual modo de existência transmitir conhecimentos que foram sistematizados ao longo da história, pelos homens. Se a escola é a instância socializadora do conhecimento historicamente acumulado e se a finalidade da ação docente se concretiza na tarefa de ensinar e ensinar bem, temos que o trabalho docente revela relações sociais, valores e ideologia. Neste sentido, as relações, de produção de conhecimento existentes numa instituição escolar são únicas, resultado de múltiplos fatores, em uma realidade específica que adquirem forma própria, pela singularidade e historicidade dos indivíduos que a compõe. Assim, entender o professor enquanto totalidade, enquanto par dialético (professor-aluno), sendo necessário que, na reflexão sobre a prática da atividade docente, o professor não se exclua, antes considere para a relação professor-aluno, como algo que jamais poderá ser compreendido isolando cada um dos seus elementos (professor-aluno). É necessário que o professor se perceba como elemento constitutivo das práticas, percepções e sentimentos dos alunos. Portanto, pensar a intervenção junto a professores significa, também, pensar a totalidade institucional e, de forma mais ampla pensar a própria sociedade. Diante disso, é fundamental a construção de espaços para reflexão sobre os significados de suas ações, sobre a sala de aula enquanto um espaço de formação social da mente, sobre o papel do outro na constituição do sujeito, sobre a formação e o trabalho para tal na totalidade do tempo histórico sob a hegemonia de políticas neoliberais que fragilizam a formação e o trabalho dos professores.