FORMAÇÃO E TRABALHO DOCENTES: IMPLICAÇÕES DA POLÍTICA EDUCACIONAL NA PROFISSIONALIZAÇÃO DOS PROFESSORES MELLO, Elena Maria Billig1 – UFRGS/PPGEDu [email protected] Área temática: Educação: Profissionalização Docente e Formação Agência Financiadora: CNPq Resumo Pensar sobre a política de formação e trabalho docentes e suas implicações na profissionalização dos professores no atual contexto, para que se tenha clareza das concepções básicas que aí se enredam, bem como dos movimentos e das conexões que se desenrolam, é um desafio atual. Para tanto, com o objetivo de refletir sobre o presente contexto político educacional e suas influências no trabalho docente e na formação dos profissionais da educação, a fim de levantar possibilidades de transgredir a atual política de profissionalização docente, é que se propõe este texto. Para tanto, as partes que compõem este estudo reflexivo estão interligadas: inicialmente, apresentam-se, na configuração do cenário atual em que se insere a política educacional brasileira e suas influências, concepções que possibilitam a compreensão das mesmas; após, problematiza-se a temática no sentido de refletir sobre os movimentos, as conexões e os alcances da política educacional de formação e trabalho docentes; e as considerações finais procuram mostrar movimentos de transbordamentos possíveis desta/para esta política. As idéias propostas se convergem nas seguintes concepções básicas, que se relacionam: política educacional, formação docente, trabalho docente e profissionalização dos professores. Para tanto, nesta abordagem qualitativa, tem-se como suporte teórico basilar autores que discutem a temática central deste texto, como: Cunha, Deubel, Fanfani, Oliveira, Rua, Scheibe, Veiga, entre outros. A preocupação se dá não só no sentido de mostrar o que está posto; ao contrário, deixar em aberto para possibilidades de enxergar e ir além do instituído no que diz respeito à atual política educacional de profissionalização docente. Palavras-chave: Política Educacional; Formação de Professores; Trabalho Docente; Profissionalização Docente. 1. Introduzindo a temática: configuração do cenário atual Falar sobre política educacional remete-nos às concepções de política e política social, para isso nos valemos de autores que tão bem tratam sobre o assunto. Azevedo (1997, p. 5) referenda que as políticas públicas são: “[...] definidas, implementadas, reformuladas ou desativadas com base na memória da sociedade ou do 1 As reflexões aqui apresentadas são resultantes preliminares da pesquisa do Doutorado em Educação sobre a temática profissionalização e valorização do magistério público, que atualmente a autora realiza sob a orientação da profª Dr. Maria Beatriz M. Luce. A autora é bolsista de doutorado do CNPq. 11518 Estado em que têm lugar e que por isso guardam estreita relação com as representações sociais que cada sociedade desenvolve sobre si própria”. Rua (1998) concebe política pública como o conjunto de procedimentos formais e informais que expressam relações de poder e que se destinam à resolução pacífica dos conflitos quanto a bens públicos e, geralmente, envolve mais do que uma decisão e requer diversas ações estrategicamente selecionadas para implementar as decisões tomadas. Para melhor explicitar o significado da expressão política pública, autores como Deubel (2002), Frey (2000), Stoer e Magalhães (2002, 2005) coadunam três conceitos em inglês que se distinguem: “polity”: refere-se à estrutura estável institucional, à ordem do sistema político, delineada pelo sistema jurídico; “politics”: envolve a atividade de organização e luta pelo controle do poder, ou seja, o processo/jogo político em si, geralmente de caráter conflituoso; “policy/policies”: designam os propósitos e programas, os conteúdos concretos, as ações, isto é, a configuração dos programas políticos, os problemas técnicos e o conteúdo material das decisões políticas. Couto (2001, p. 34) utiliza-se desses termos ingleses, ao referir-se que a polity “é a estrutura constitucional do Estado”, “que define as condições do jogo político propriamente dito”, ou seja, a politics; sendo que as policies “decorrem do desfecho de conflitos, negociações e acordos, travados entre os participantes dos diversos âmbitos decisórios da polity”. Assim para Couto (2001, 34-35): Polity, politics e policies correspondem, portanto, a diferentes níveis da vida estatal. O primeiro, à sua estrutura; o segundo, o seu funcionamento; o terceiro, aos seus produtos. A estrutura diz respeito às regras de relacionamento entre os atores e às organizações em que eles atuam – ou às instituições propriamente ditas. O funcionamento tem a ver com a atividade política, que se desenrolaria de uma forma ou de outra, fossem quais fossem as instituições vigentes, muito embora as condições desse desenrolar variassem consideravelmente, dependendo do tipo de arranjo constitucional em vigor. Os produtos são aquilo que o Estado gera, seja para se autogerir e manter-se, seja para responder às demandas sociais existentes – filtradas e interpretadas de acordo com as condições em que se desenrola a politics. A princípio, temos aí uma gradação em termos do que condiciona o quê: as regras institucionais condicionam o jogo político, que condiciona o conteúdo das políticas. Ao referirmo-nos à política educacional, assentamo-nos na área social, ou seja, a política educacional é compreendida dentro do contexto da política pública social, recebendo influências na sua formulação e implantação. Para melhor entender o contexto brasileiro em que a política educacional é formulada e implementada, incorporamos as idéias de Batista (2007, p. 398) ao colocar que as políticas 11519 públicas sociais “encontram-se condicionadas, na atualidade, por dois importantes fatores: um de cunho estrutural” e outro “de cunho conjuntural”. O primeiro fator “diz respeito à própria formação do Estado brasileiro”, em que as representações de cunho autoritário estão “presentes em nosso sistema de dominação, atribuindo significados à definição social da realidade e, conseqüentemente, orientando os processos de decisão, formulação e implementação das políticas”. Enquanto que o segundo, de cunho conjuntural, “refere-se à crise do modelo capitalista de produção que, orientado pela doutrina do novo liberalismo, adota como uma das suas estratégias de recuperação a redefinição do papel do Estado, cuja conseqüência principal é a diminuição de sua intervenção, especialmente em políticas de corte social”. (BATISTA, 2007, p. 398) As colocações acima nos remetem novamente às idéias de Couto (2001) ao colocar que as decisões em nível de polity são de caráter soberano, de longo alcance, caracterizadas pela estabilidade e generalidade; enquanto que as policies são decisões de governo, de curto prazo e alcance, ou seja, são decisões ligadas à conjuntura, diferentemente da polity que são decisões ligadas à estrutura do Estado. Nesse contexto, encontra-se a política educacional. Azevedo (1997, p. 59) expõe que “[...] é necessário se levar em conta os processos que conduzem à definição de uma política no quadro mais amplo em que as políticas públicas são elaboradas”. Nesse sentido, tomando-se inicialmente a política educacional como exemplo, não se pode esquecer que a escola e principalmente a sala de aula, são espaços em que se concretizam as definições sobre a política e o planejamento que as sociedades estabelecem para si próprias, como projeto ou modelo educativo que se tenta por em ação. O cotidiano escolar, portanto, representa o elo final de uma complexa cadeia que se monta para dar concretitude a uma política – a uma policy – entendida aqui como um programa em ação. Política que, nesta forma de compreensão, diferenciase do significado de politics: das relações políticas, ou da política-domínio2 (LAFER, 1975). Isto não significa desconhecer que uma policy – o programa de ação – seja construída em função de decisões políticas – da politics ou da políticadomínio – refletindo, assim as relações de poder e de dominação que se estabelecem na sociedade. Para Azevedo (1997), a educação é, historicamente, a mais estratégica das políticas da área social. Com isso, a política educacional é parte de uma “totalidade maior” que deve ser pensada “em sua articulação com o planejamento mais global que a sociedade constrói como 2 “Segundo LAFER (1975), a política-domínio é o ponto em que se opõem os diversos programas de ação, já que é sempre preciso escolher entre diversas alternativas de solução (p.23)”. (AZEVEDO, 1997, p. 59, nota de rodapé). 11520 seu projeto e que realiza através da ação do Estado”. A autora (1997, p. 60) referenda que: “São, pois, as políticas públicas que dão visibilidade e materialidade ao Estado e por isto, são definidas como sendo ‘o Estado em ação’ – (Jobert e Muller, 1987)”. A política educacional voltada à formação e ao trabalho docentes recebe influências deste contexto sócio-político. Precisamos refletir sobre questões basilares que compõem todo este movimento de constituição das políticas públicas voltadas à área educacional, no que diz respeito à formação e ao trabalho do professor, no sentido de entendermos o processo de profissionalização aqui proposto. Que concepções de formação e trabalho docentes subjazem as políticas atuais? De que forma, os governos se apropriam dessas concepções? Como as políticas são pensadas e implementadas? Essas e outras reflexões são imprescindíveis para a compreensão do contexto conjuntural e estrutural em que as políticas educacionais são elaboradas e implementadas, assim como para refletirmos que este processo político é também conflituoso, envolvendo disputas de poder. Segundo as colocações de Oliveira (2008), as reformas educacionais têm se configurado, na América Latina e no Brasil, como uma nova regulação, a partir de três eixos que se caracterizam na política educacional atual: a gestão/administração escolar, tendo a escola como núcleo; o financiamento e a avaliação. Nesse conjunto, a autora alerta o paradoxo que existe no modelo regulatório, pois junto à autonomia proposta vem o controle sobre o trabalho docente e a maior responsabilização dos professores no desempenho e êxito dos alunos: O paradoxo desse modelo regulatório é que ao mesmo tempo em que cresce a autonomia dos sujeitos também cresce o controle sobre eles. Esse modelo de autonomia está centrado em maior responsabilização dos envolvidos que têm de responder pelo que fazem, como fazem e para que fazem. Sendo assim, aumenta a responsabilidade dos trabalhadores docentes sobre o êxito dos alunos, ampliando os raios de ação e competência desses profissionais. O desempenho dos alunos passa a ser algo exaustivamente mensurado, avaliado sistematicamente por instrumentos que não são elaborados no contexto escolar. Da mesma maneira, são muitas as demandas que chegam a esses trabalhadores como provas e exigências de sua competência para responder às prescrições de ordem orçamentárias, jurídicas, pedagógicas e políticas. (OLIVEIRA, 2008, p. 7) Com essas colocações percebemos o quão é importante problematizarmos socialmente os movimentos atuais da política educacional para a formação e o trabalho docentes, compreendendo a relação entre polity, policy e politics no contexto atual. 11521 2. Problematização temática: política educacional para formação e trabalho docentes Apreendemos que as exigências que se fazem aos professores em relação à sua formação, tanto inicial quanto continuada, dão-se hoje de um modo em que o compromisso e a responsabilidade recaiam na figura do professor apenas, eximindo o Estado do seu dever de proporcionar espaço-tempo para esta formação, ou então, de cumprir com o previsto legalmente. Isso se justifica quando entendemos as influências dos organismos multilaterais, entre eles o Banco Mundial, em relação às reformas neoliberais que se desencadearam a partir da década de 90 no Brasil. Basta um profissional docente cumpridor das tarefas básicas em nome da eficiência e da eficácia da educação mais elementar, contando também com o trabalho voluntário da sociedade civil, quando os professores não apresentam as competências almejadas, inclusive impondo a ampliação das funções docentes. Esta “cobrança” acirrada pela formação dos professores, como uma das condições à profissionalização docente, é percebida a partir de duas perspectivas: uma racional-técnica, em que o importante é a formação do profissional técnico, que sabe fazer de forma pragmática e prescritiva seu trabalho e aplicar as competências previamente adquiridas; outra sócioreflexiva, em que a formação se dá na relação teórico-prática, ligada à prática social concreta e à experiência, no desvelamento dos conflitos cotidianos com base nos saberes da docência, (re)construídos coletivamente, percebendo o ato educativo como um ato político. Na primeira perspectiva, a profissionalização docente preocupa-se com a produtividade do sistema educativo e dos professores, com os resultados das avaliações externas; com a regulação, o desempenho técnico e a performatividade desses profissionais, como no dizer de Oliveira (2003, p. 31), trata-se de uma “profissionalização ideal, talvez fundada nos anseios desses trabalhadores que, imersos em condições de trabalho precárias e tantas vezes extenuantes, encontrariam alento para suas insatisfações numa literatura normativa e prescritiva”. Para Ball (2004), a performatividade tem um efeito insidioso na natureza do trabalho profissional, porque age em retroação sobre a prática para reorientá-la em direção a determinados resultados, em que o desempenho do profissional é o alvo principal. A profissionalização real, por perceber que a realidade educacional é influenciada pelo contexto sócio-político local e global, concebe o trabalho e a formação docentes como facetas 11522 muito complexas a serem compreendidas isoladamente da política educacional mais ampla, ou seja, da polity e policy. Nesse contexto, as policies são propostas e implementadas, colocando os professores, muitas vezes, na condição de mero ator, com outros papéis e outras exigências formativas. Ao professor resta submeter-se ao “jogo” e cumprir com suas responsabilidades fazendo uso de competências; ou então, subverter o “jogo”, contando com o apoio de entidades representativas, com a organização coletiva em entidades sindicais docentes, no sentido de melhoria nas condições de trabalho, “que contribuam à produção de uma proposta substantiva de valorização dos profissionais do ensino; no resgate do status sócio-econômico dos professores, [...] compatível com sua relevância social; no estabelecimento de seu estatuto ético-epistemológico [...]”. (MELLO, 2008, p. 75). Quanto às políticas de formação docente, os estudos de Veiga (2002) também mapeiam duas perspectivas de análise dessa formação no Brasil: a do tecnólogo do ensino e a do agente social. A primeira perspectiva é caracterizada a partir das políticas oficiais, propostas pelas diretrizes curriculares para a formação inicial de professores da educação básica; enquanto que a segunda é a proposta defendida pelos movimentos sindicais, científicos, acadêmicos, pelas entidades representativas dos professores. O tecnólogo do ensino é que predominou na política de formação de professores, definindo-se pela “lógica do poder” instituído, adequando-se ao “mercado globalizado” (VEIGA, 2002, p. 72), como um reprodutor de conhecimentos, preocupado com os meios, as estratégias de ensino, em vista da eficácia na consecução dos objetivos. Sua formação centrase no desenvolvimento de competências para o exercício técnico-profissional, baseada no saber fazer para o aprendizado do que se vai ensinar, torna-se pragmatista, simplista e prescritiva, pois está ligada a um projeto de sociedade neoliberal e às orientações do Banco Mundial, com ênfase nos resultados, nos padrões de rendimento, na relação custo/benefício, vinculando educação e produtividade, “uma visão puramente economicista” (p. 72). A formação do agente social perpassa a concepção de educação como “uma prática social e um processo lógico de emancipação” e de qualidade para todos. Para isso, em conformidade com Veiga (2002, p. 85), requer do professor: a) construção e domínio sólido dos saberes da docência; b) unicidade entre teoria e prática, c) ação coletiva; d) autonomia profissional; e) dimensão sociopolítica da educação e da escola; f) valorização profissional, percebendo-se que o magistério é uma “tarefa complexa e inerentemente política”. 11523 Fanfani (2007) afirma que a sociedade espera mais do que a escola pode produzir, pois a ela, atualmente, tem sido atribuído um caráter multifuncional que não corresponde ao volume e à qualidade dos recursos que a ela são destinados. Além do que os professores enfrentam um duplo desafio de atender mais alunos (massificação, no dizer do autor) e a outros alunos que provém de setores socialmente excluídos como “consecuencia de las transformaciones en los modos de producción, la concentración en los sistemas de distribución de la riqueza y las inéditas facetas de cuestión social contemporânea”. (FANFANI, 2007, p. 337). No Brasil, a Constituição Federal de 1988 é referência, em seu artigo 206, inciso V, à valorização dos profissionais da educação. A Emenda Constitucional n° 53/2006 ratifica a necessidade e premência dessa valorização para todos os profissionais da educação, alterando o inciso V, do artigo referido anteriormente, em que a valorização dos profissionais da educação escolar seja garantida através de “planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas” e, o inciso VIII acrescenta o “piso salarial nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal”. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9.394/1996 traz o Título VI específico aos Profissionais da Educação, artigos 61 a 67, referindo-se à formação e à valorização desses profissionais. Outro ordenamento legal, que tem como um dos objetivos centrais a “melhoria da qualidade do ensino”, que “poderá ser alcançada se for promovida, ao mesmo tempo, a valorização do magistério”, é o Plano Nacional de Educação (PNE), Lei nº 10.172/2001. Explicita que essa valorização envolve uma “política global do magistério”, a qual compreende, simultaneamente, “- a formação profissional inicial; - as condições de trabalho, salário e carreira; - a formação continuada”. Destacamos alguns objetivos do PNE (2001): 1. Garantir a implantação dos planos de carreira para o magistério e a criação de novos planos, garantindo, igualmente, os novos níveis de remuneração em todos os sistemas de ensino, com piso salarial próprio, de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo CNE; 2. Implementar, gradualmente, uma jornada de trabalho de tempo integral, quando conveniente, cumprida em um único estabelecimento escolar.3. Destinar entre 20 e 25% da carga horária dos professores para preparação de aulas, avaliações e reuniões pedagógicas. [...]12. Ampliar, a partir da colaboração da União, dos Estados e dos Municípios, os programas de formação em serviço que assegurem a todos os professores a possibilidade de adquirir a qualificação mínima exigida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, observando as diretrizes e os parâmetros curriculares. 13. Desenvolver programas de educação a distância que possam ser utilizados também em cursos semi-presenciais modulares, de forma a tornar possível o cumprimento da meta anterior. 11524 Os prazos para formação docente em nível superior, previstos na LDB/1996, foram ampliados pelo PNE/2001, até 2011, ou seja, que “70% dos professores de educação infantil e de ensino fundamental (em todas as modalidades) possuam formação específica de nível superior, de licenciatura plena em instituições qualificadas” e “todos os professores de ensino médio possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura plena nas áreas de conhecimento em que atuam”. (PNE, 2001) O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE)3 é a política educacional mais recente, e tem suscitado também a discussão do PNE e a relação que se pode estabelecer entre eles, especialmente no que diz respeito à valorização do magistério público, pois, para o MEC, o PDE “pretende ser mais do que a tradução instrumental do Plano Nacional de Educação (PNE), o qual, em certa medida, apresenta um bom diagnóstico dos problemas educacionais, mas deixa em aberto a questão das ações a serem tomadas para a melhoria da qualidade da educação”. O PDE consiste, então, em um conjunto de ações e programas que têm como objetivo melhorar a qualidade da educação básica, organizados em torno de quatro eixos norteadores: educação básica, educação superior, educação profissional e alfabetização. O Decreto Presidencial n° 6.094/20074 é o documento legal que vem associado ao PDE, ou seja, dispõe sobre a implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, pela União Federal, em regime de colaboração com estados, municípios e Distrito Federal. Para a inclusão dos municípios, prioritariamente aqueles que apresentarem IDEB5 mais baixo, o Decreto estabelece a necessidade de adesão das prefeituras através da assinatura do “Termo de Compromisso” por parte do Prefeito Municipal, com a previsão da elaboração do Programa de Ações Integradas (PAR). O Plano de Metas “Compromisso Todos pela Educação” vincula-se ao compromisso assinado por 196 países em 2000, na Conferência de Dacar, promovida pela UNESCO e ao programa lançado em setembro de 2006, no Brasil, também denominado “Compromisso 3 O PDE está disponível no Portal do MEC - www.mec.gov.br O Decreto Presidencial n° 6094/2007 está disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20072010/2007/Decreto/D6094.htm 5 O IDEB é concebido como um indicador objetivo que permitirá o monitoramente da evolução da situação educacional, compreendendo metas intermediárias (a cada dois anos) e finais (2022). Dentre os estados e municípios brasileiros, aqueles que assinarem o termo de adesão ao Compromisso e, com prioridade, aqueles com IDEB mais baixo, receberão assistência técnica e financeira do MEC para elaboração de um diagnóstico e de um plano de ações articuladas (PAR), em conjunto com dirigentes locais, abrangendo as quatro dimensões. (LUCE, FARENZENA, 2007). A fórmula do IDEB encontra-se no Portal do MEC – www.ideb.inep.gov.br 4 11525 Todos pela Educação”. Prevê parcerias com: CONSED, UNDIME, UNESCO, UNICEF, iniciativa privada, ONGs, universidades públicas federais. O apoio técnico e financeiro do Ministério da Educação aos entes federados no cumprimento do Plano de Metas está orientado a partir de quatro grandes dimensões: a gestão educacional; a formação de professores e profissionais de serviços e apoio escolar; os recursos pedagógicos e a infra-estrutura física; práticas pedagógicas e avaliação. Em relação aos professores há referência à formação, à carreira e aos salários. Dentre as 28 diretrizes previstas no Decreto n° 6.094/2007, as que se relacionam mais diretamente à valorização e à profissionalização os professores são: [...] instituir programa próprio ou em regime de colaboração para formação inicial e continuada de profissionais da educação; implantar plano de carreira, cargos e salários para os profissionais da educação, privilegiando o mérito, a formação e a avaliação do desempenho; valorizar o mérito do trabalhador da educação, representado pelo desempenho eficiente no trabalho, dedicação, assiduidade, pontualidade, responsabilidade, realização de projetos e trabalhos especializados, cursos de atualização e desenvolvimento profissional; dar conseqüência ao período probatório, tornando o professor efetivo estável após avaliação, de preferência externa ao sistema educacional local; envolver todos os professores na discussão e elaboração do projeto político pedagógico, respeitadas as especificidades de cada escola; incorporar ao núcleo gestor da escola coordenadores pedagógicos que acompanhem as dificuldades enfrentadas pelo professor; fixar regras claras, considerados mérito e desempenho, para nomeação e exoneração de diretor de escola. (BRASIL, 2007) São perceptíveis, nessas diretrizes, idéias relacionadas ao mérito, ao desempenho, à eficiência, que se assentam, sutilmente, na questão da meritocracia e da performatividade. As variadas experiências que estão em andamento no afã de melhor qualificar os professores para a educação básica ainda foram pouco debatidas e analisadas acerca do seu impacto na qualidade da formação de professores. É importante e urgente discutir a qualidade desses cursos semi-presenciais - ou quase plenamente virtuais ofertados por um conjunto bastante heterogêneo de instituições, e interrogar sobre as práticas que estão sendo privilegiadas na formação docente, sobre as experiências educativas que oportunizam. Cabe ressaltar o cuidado que é preciso ter no delineamento das ações futuras a diferenciação e explicitação do que se pretende como provisório e emergencial, para que, por diferentes conjunturas, isso não se torne política permanente configurando retrocesso, reiterando a lógica de desprofissionalização docente. (SCHEIBE, 2008, p. 6) A CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) “torna-se assim a agência reguladora da formação, que deve induzir e fomentar, em regime de colaboração com os Estados, os municípios e o Distrito Federal e com as instituições de 11526 ensino superior, formação inicial e continuada de profissionais do magistério.” (SCHEIBE, 2008, p. 3). Também foi instituído pela CAPES o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID – para fomentar a formação de professores das escolas públicas. A Portaria Normativa nº 38, de 12 de dezembro de 2007 dispõe sobre o Programa de Bolsa Institucional de Iniciação à Docência - PIBID. Como no dizer de Scheibe (2008, p. 3-4): Percebe-se, portanto, ampla mobilização visando a valorização dos profissionais da docência, principalmente após a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n. 9394, de 1996 (BRASIL, 1996), que representa um marco para o privilegiamento da formação docente em nível superior. A formação de professores como política estratégica nacional se consolida lentamente, ao lado de determinadas ações, no sentido de melhorar as condições de trabalho, de carreira e de remuneração dos docentes. Scheibe (2008) referenda também que a Universidade Aberta do Brasil (UAB) é percebida como um dos espaços para oferta de curso superior a distância, para a formação de professores6 em efetivo exercício do magistério na educação básica pública. Outra questão premente em relação ao trabalho dos professores é a luta por melhores condições de trabalho, e, para isso, os professores contam com as organizações sindicais, mesmo sendo recente no Brasil, em comparação com outras categorias profissionais. As primeiras associações profissionais de professores começaram a aparecer em meados do século XX, devido a dois fatores: o sindicalismo estar ligado ao Estado e à subjetividade docente. Quanto ao primeiro aspecto, este controle existia até a Constituição de 1988, e, quanto ao segundo aspecto, provém da concepção da profissão magistério como “vocação” (LAS REFORMAS..., 2005, p. 189), também, devido à feminilização da profissão. Outra conseqüência do tardio aparecimento é que o sindicalismo docente se divide entre as organizações sindicais representantes dos diferentes níveis da educação (organizações representativas da educação básica, organizações representativas da educação superior, de 6 Em relação aos vários programas de formação inicial e continuada de professores, na modalidade a distância, que fazem parte do PDE, salientamos: Pró-Infantil (2005, Programa de Formação Inicial para professores em exercício na Educação Infantil,); Pró-Formação (2004, Programa de Formação Inicial para professores em exercício no Ensino Fundamental, ); Pró-Licenciatura (2005, Programa de Formação Inicial para professores em exercício no Ensino Fundamental e no Ensino Médio); Pró-Letramento (2005, Programa de Formação Continuada de Professores das Séries Iniciais do Ensino Fundamental); PRODOCÊNCIA (2006, Programa de Consolidação das Licenciaturas, entre outros. Além dos cursos de graduação e pós-graduação oferecidos pela UAB (2005). Obs.: A data que aparece junto à denominação de cada programa se refere ao ano em que esse foi criado. Com isso, percebemos que a maioria dos programas foi incorporada ao PDE, pois já existiam antes da sua criação. 11527 professores e de servidores da educação, do setor público e do setor privado) (LAS REFORMAS..., 2005), o que ocasiona também certo enfraquecimento da própria classe. Segundo pesquisa da CNTE (LAS REFORMAS..., 2005), o sindicalismo docente brasileiro está estruturado sobre uma pluralidade de organizações nacionais representativas, como a ANDES – Sindicato Nacional que representa os docentes da educação superior e estatal pública, a educação superior privada e a educação tecnológica pública; e a própria CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação), que representa os docentes e servidores da educação básica pública e da educação superior privada. Autores como Fanfani (2007) e Oliveira (2006) têm feito crítica ao sindicalismo docente, principalmente a partir das reformas educacionais dos anos 1990, período de relativa estabilização da luta política sindical, com pouca movimentação dos trabalhadores e burocratização dos sindicatos, ocasionando com isso um distanciamento de sindicatos do magistério público do cotidiano escolar, mostrando-se pouco atentos às mudanças mais recentes e às repercussões dessas na subjetividade dos professores. Outra reflexão de extrema relevância diz respeito ao Piso Salarial Profissional Nacional para professores da educação básica pública, que foi uma reivindicação histórica dos professores desde 1994. A lei recém sancionada, Lei nº 11.738, de 16 de julho de 2008, já tem gerado muitas controvérsias com a previsão do piso de R$ 950,00 para jornada de 40 horas. 3. Considerações finais: movimentos de transbordamentos Assim, as possibilidades de fuga não têm receitas, dependem do acaso, de um tempo presente bem pensado, já que o futuro é um presente vindouro, ele não está à espera, mas é agenciado conforme se vive, não por identidades ou contradição, mas por semelhanças, diferenças, composições, decomposições, conexões, densidades, choques, encontros, movimentos, fluxos, cortes, forças. O futuro não pode ser previsto, o que potencializa a esperança e fortalece o agenciar-se do agora. (CARVALHO e MELLO, 2006, p. 58) É com este pensamento que alguns movimentos de transbordamentos são propostos na constituição da política de profissionalização docente como uma política de Estado e não apenas de governo: • potencialização da formação inicial e continuada de professores em um contínuo desenvolvimento pessoal, profissional e, como conseqüência, institucional e social; 11528 • implantação de redes colaborativas de investigação-formação entre professores e demais agentes educativos; • resgate da auto-imagem do professor, valorizando-o como sujeito que produz conhecimentos e saberes; • ressignificação da identidade profissional dos professores, que se “configura [como] uma forma de ser e fazer a profissão” (VEIGA, 2007); • valorização dos saberes da experiência dos professores, como início de um processo de envolvimento e comprometimento de ampliação e fundamentação teórica da prática educativa, na circularidade reflexiva do saber fazer consciente e dialético; • resgate do status sócio-econômico dos professores, compatível com sua relevância social; • construção de um estatuto ético-epistemológico que vislumbre o caráter deontológico e ético da profissão docente; • percepção da formação de professores como política estratégica que se complementa com a política de melhoria do trabalho docente em relação às condições de trabalho, à carreira e à remuneração; • possibilidade de espaços/tempos de reflexão crítica e vivência teórico-prática sobre a educação e a política educacional, subsidiando a prática sócio-educativa dos professores; • perceptibilidade de que a visão ingênua do Estado gerencialista está se impondo de forma sutil, remodelando as relações de poder e afetando as opções políticas para a formação e o trabalho docentes baseadas nas competências, na regulação, na produtividade, como no dizer de Ball (2005, p. 548), “o professor é ‘re-construído’ para ser um técnico e não um profissional capaz de julgamento crítico e reflexão”. • viabilização de espaços de garantia dos direitos docentes, na busca de alternativas de enfrentamento coletivo, de estudo e pesquisa, com a (re)constituição de entidades associativas docentes mais potentes, como: organizações sindicais, conselhos profissionais, associações educacionais e científicas; • percepção de que os processos de formação, profissionalização e valorização profissional dos professores continua sendo um percurso repleto de lutas, conflitos, contradições, hesitações, recuos, perspectivas e (re)começos. 11529 REFERÊNCIAS AZEVEDO, Janete Maria Lins de. 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