NANOCIÊNCIA E NANOTECNOLOGIA: Percepções docentes e contribuições para o Ensino Médio Izabela Paulini-Jesus1; Araci Asinelli da Luz2; Francisco Filipak Neto3 1 Graduada em Licenciatura e Bacharelado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Paraná, Brasil – [email protected] 2 Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo, Brasil. Professora Associada do Departamento de Teoria e Prática de Ensino da Universidade Federal do Paraná , Brasil – [email protected] 3 Co-orientador Doutor em Biologia Celular e Molecular pela Universidade Federal do Paraná, Brasil. Professor Adjunto do Departamento de Biologia Celular da Universidade Federal do Paraná, Brasil – [email protected] Modalidade: Comunicação Científica RESUMO Conhecer sobre Nanociência e Nanotecnologia (N&N) é fundamental para que os cidadãos sejam conscientes do que consomem e utilizam, além de se posicionarem criticamente frente à temática e participarem de forma efetiva da sociedade. Assim, torna-se imprescindível investigar o nível de conhecimento e percepções de professores a respeito da N&N, visto que estes são disseminadores dos conhecimentos na escola. Com o objetivo de pesquisar a esse respeito, foram coletados dados junto a professores do ensino médio de escolas públicas estaduais e federais de Curitiba, utilizando-se de um questionário semiestruturado. As análises de questões discursivas de 29 professores mostram que mais da metade dos professores pesquisados (62%) apresentam conhecimento básico a respeito da N&N, isto quer dizer, têm noções da dimensão em nanoescala e/ou conhecem algumas aplicações da Nanotecnologia. Do restante, cerca de 21% apresentaram conhecimentos equivocados, com informações não pertinentes à dimensão nanométrica e 17% revelam desconhecer o assunto. Comparativamente, há mais professores com algum conhecimento no ensino médio regular (72%) do que no ensino médio técnico (55%). Além disso, os professores com respostas equivocadas são mais frequentes no ensino técnico (28%) se comparados ao ensino regular (9%). As disciplinas mais indicadas pelos pesquisados para se desenvolver tópicos na N&N foram a Química, seguida pela Biologia e Física. Notavelmente, quase metade dos professores também indicaram as disciplinas de Sociologia e Filosofia para se trabalhar a temática. Assim, verifica-se a possibilidade da N&N despontarem como temas relevantes junto às Ciências Naturais no contexto educacional do Ensino Médio na Educação Brasileira. Palavras-chave: Nanociência; Nanotecnologia; Docente; Ensino de Ciências Naturais; Ensino Médio. 1 A Educação e a Nanociência & Nanotecnologia A relevância do ensino de tecnologias e aspectos relacionados a ela vem sendo enfatizada principalmente pelo movimento Ciência, Tecnologia e Sociedades (CTS) desde a década de 1970 (ANGOTTI; AUTH, 2001). Tanto que as propostas de currículo sugeridas pelo MEC1 para o ensino médio também seguem essa tendência. As Orientações Curriculares para o ensino médio são documentos disponibilizados pelo MEC, desde 2006, em três volumes: Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias; Linguagem, Código e suas Tecnologias; e Ciências Humanas e suas Tecnologias. Nota-se que em todos os fascículos a questão das tecnologias associadas é realçada. Especialmente a Nanotecnologia aparece apenas no primeiro volume citado como um tema atual e relevante (BRASIL, 2006, p. 56), sugerindo que este seja pesquisado em revistas de divulgação científica (Ibidem, p.122). Neste volume estão contidos os conteúdos curriculares das disciplinas Biologia, Química, Física e Matemática, embora seja enfatizado bastante na literatura que essa temática é interdisciplinar, envolvendo as ciências exatas e da natureza articulada às ciências humanas e sociais (PEREIRA, C. R. DA S. et al., 2009). O documento base produzido pelo MEC para o ensino médio técnico afirma que: “formar profissionalmente não é preparar exclusivamente para o exercício do trabalho, mas é proporcionar a compreensão das dinâmicas sócio produtivas das sociedades modernas” (BRASIL, 2007, p.45). Assim, entende-se que independentemente do curso técnico escolhido, o estudante, futuro profissional, deve ser capaz de interagir de forma crítica na sociedade. A Nanociência estuda os fenômenos relacionados à escala nanométrica e maneiras de manipular materiais atômicos, moleculares e macromoleculares (RAMSDEN, 2005). Um nanômetro (nm) corresponde à bilionésima parte do metro e, comparativamente, a largura de um fio de cabelo humano mede aproximadamente 75 000 nm (SHEW, 2008). O termo Nanotecnologia foi publicado pela primeira vez por Norio Taniguchi em 1974 em seu artigo intitulado “On the Basic Concept of Nanotechnology” (TANIGUCHI, 1974 apud RAMSDEN, 2005), embora Richard Philips Feynman tenha falado sobre esse tema em 1959, mas não utilizado o termo Nanotecnologia, numa palestra da Sociedade Americana de Física (SHEW, 2008). Enfim, a Nanotecnologia refere-se à manipulação de materiais em dimensões nanométricas para criar ou aprimorar produtos e processos. Com relação à produção global de materiais nanoestruturados, estima-se que 58 mil toneladas sejam gerados por ano, entre 2011 e 2020 (MAYNARD, 2006). Materiais em nanoescala apresentam características bastante diferenciadas se comparadas ao mesmo material de tamanho superior. Por exemplo, o ouro em macroescala é praticamente inerte, mas em tamanho nanométrico torna-se altamente reativo (SERVICE, 2004). Na literatura há propostas de aulas com aspectos da Nanociência & Nanotecnologia (N&N) na educação: sugerem a inserção da N&N na Biologia Celular (PEREIRA, C. R. DA S. et al., 2008); sugestões de aulas de Química que abordem aspectos da N&N (SILVA, S. L. A. et al., 2009; REBELLO et al., 2012) e 1 MEC - Ministério da Educação 2 até mesmo nas aulas de ciência do ensino fundamental (PEREIRA, F. D. et al., 2010). Alunos, acadêmicos e professores da Romênia acreditam que diferentes enfoques da N&N devem ser inseridos principalmente como tópicos extracurriculares em atividades laboratoriais e, para isso, os experimentos podem ser conduzidos com equipamentos de mensuração e computadores interativos (GORGHIU, L. M.; GORGHIU, G., 2012). Desta forma, o ensino da N&N é necessário visto que estas, por si só, não constituem um avanço para a sociedade se não forem acompanhadas pelo desenvolvimento da sociedade como um todo (RATTNER, 2005). Parte desse desenvolvimento se dá através da educação na escola e a ação docente é fundamental para este processo. Assim, torna-se imprescindível investigar o nível de conhecimento e percepções de professores de ensino médio, regular e técnico, a respeito da N&N, visto que estes são disseminadores e mediadores na construção dos conhecimentos. Conhecer sobre a N&N é fundamental para que os cidadãos sejam conscientes do que utilizam e consomem, também para que tenham argumentos para se posicionarem criticamente frente à temática. Assim, podem interferir no processo de produção, desenvolvimento e aplicação de nanomateriais. Este trabalho também se justifica pelo fato de existirem escassas pesquisas em educação a respeito, além do tema não possuir visibilidade nos currículos, livros didáticos e na sala de aula. Metodologia Os indivíduos alvo da pesquisa foram 29 professores que lecionam no ensino médio em escolas públicas estaduais e federais na cidade de Curitiba. O instrumento utilizado para a obtenção de dados foi um questionário semiestruturado e autoaplicável. Instituições estaduais e federais foram selecionadas segundo o critério de tipicidade: escolas com as modalidades de ensino médio regular e ensino técnico integrado e pós-médio. As escolas também foram escolhidas segundo a facilidade de acesso e disponibilidade e acolhimento das instituições. Professores do ensino regular foram questionados em escolas estaduais e os do ensino técnico em instituições estaduais e federais. Visto que a N&N é um campo que abrange várias áreas de conhecimento, todos os docentes foram convidados a participar da pesquisa. A critério da direção das escolas, os questionários foram entregues aos coordenadores e estes apresentaram o questionário aos professores em reuniões pedagógicas, sem a presença dos pesquisadores. Anteriormente ao preenchimento do questionário, os pesquisados receberam uma cópia do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e foram instruídos a lê-lo, elucidando todas as questões envolvidas na participação da pesquisa, incluindo o anonimato dos indivíduos e das instituições. Os questionários preenchidos foram devolvidos em até uma semana após a entrega. A primeira parte do questionário foi composta por informações pessoais, tais como: idade, sexo, tempo de docência; escolaridade; disciplinas ministradas no ensino médio regular e/ou técnico; cursos do ensino técnico em que leciona e 3 para quais modalidades de ensino técnico. Na segunda seção do questionário, há perguntas abertas e fechadas sobre o conhecimento a respeito da N&N. Parte das questões fechadas foi de múltipla escolha e 24 questões foram estruturalmente baseadas na escala Likert (LIKERT, 1932), na qual os professores avaliaram afirmações e optaram por uma das cinco alternativas2. A questão final do questionário tinha o seguinte enunciado: “com base nas questões anteriores, o que você entende por Nanociência e Nanotecnologia?”. As respostas dessa questão foram analisadas por meio da metodologia proposta por Aguiar e Ozella (2006) e assim categorizadas em núcleos de significação. As questões abertas permitem aprofundar aspectos propostos nas questões fechadas do questionário. Resultados e Discussão O investimento nas instituições foi de 60 questionários e apenas 29 deles retornaram preenchidos. Destes 29, 15 foram preenchidos por professores da rede estadual e 14 da federal, com pelo menos 1 representante de cada disciplina, exceto de Educação Física e Sociologia: 1 de Artes; 7 de Biologia; 1 de Espanhol; 2 de Filosofia; 2 de Física; 1 de Geografia; 3 de História; 4 de Inglês (sendo que um destes também é professor de Português); 3 Matemática; 3 Português; 3 Química. O número de anos em que os indivíduos pesquisados trabalham no ensino médio e técnico foi categorizado e descrito na Tabela 1. Tempo de Número docência de (anos) docentes Menos de 4 6 5-9 6 10-14 6 15-19 5 20-24 4 24-30 1 Tabela 1. Tempo de docência no ensino médio dos pesquisados 3 Quanto à escolaridade, cinco professores têm doutorado, oito mestrado; doze especialização e quatro graduação. Nenhum dos docentes relaciona o prefixo nano à milionésima parte do metro ou à negação, mas relacionam esse prefixo as palavras: anão (n=2), pequeno (n=10), bilionésima parte do metro (n=15) e outra (n=2). Ambos os professores que assinalaram a opção outra não explicaram o significado de nano, 2 (1) concordo totalmente; (2) concordo parcialmente; (3) não sei opinar; (4) discordo parcialmente; (5) discordo totalmente. 3 O total de professores soma 28 indivíduos porque um dos entrevistados não informou esse dado. 4 mesmo um deles afirmando que já ouviu falar um pouco sobre a temática. Os nove docentes que afirmaram já ter ouvido muito sobre N&N lecionam as disciplinas de Química, Física, Biologia, Filosofia e Inglês, e apenas um deles relaciona o prefixo nano a anão, os demais associam à bilionésima parte do metro. É interessante notar que pouco mais da metade dos professores (51,7%) tem noções de escalas de comprimento, aspecto imprescindível para se entender em que universo se dá a N&N. Entre os professores que já ouviram falar da N&N (n=24), a internet (n=17, 70,8%), a televisão (n= 16, 66,67%) e as revistas (n=12, 50%) são os meios de comunicação mais citados como fontes de informação4 (Figura 2). Uma pequena parcela (n=3, 4%) dos professores já verificou a presença de nanomateriais em embalagens de produtos. Uma das professoras citou ainda que se informa sobre o tema através de colegas de profissão. Já na Turquia5 a maior parte da obtenção de conhecimentos a cerca da N&N, se dá por meio de amigos, escolas e conferências (32,2%), seguida pela internet (17,5%), programas de rádio-tv (13,4%) e livros de ficção científica (12,9%) (EKLI; SAHIN, 2010). Figura 1. Fontes de informação em que os professores pesquisados obtêm informações a respeito da N&N. A internet realmente propicia inúmeras possibilidades de aprendizado sobre N&N, as quais variam de vídeos a textos, informais e acadêmicos. As notícias sobre Nanotecnologia do jornal Folha de São Paulo mostra que, no início (2007) as perspectivas dessa tecnologia eram apresentadas como “revolucionárias”, como meios de melhorar a vida humana. Posteriormente, o jornal passou a exibir alguns aspectos relacionados aos riscos da nanotecnologia 4 Os docentes assinaram mais de um meio de comunicação, portanto, foram quantificados quantos professores assinalaram cada meio de comunicação. 5 A pesquisa foi realizada com acadêmicos e professores de Ciência e Tecnologia que trabalham na escola básica. 5 e as inovações nesta área passaram a ser apresentadas esporadicamente (AMORIM, 2008). Entre os professores questionados 58,6% (n=17) concordam totalmente que a N&N deve ser discutida no ensino fundamental, 37.9% (n=11) concordam parcialmente e 3,4 % (n=1) não opinou. Quando a mesma afirmação é feita para o ensino médio, o percentual de professores que concordam totalmente aumenta para 79,3% (n=28). Na literatura, a maioria das propostas de introdução da N&N é para o ensino médio (como citado anteriormente), mas também há sugestões de materiais didáticos com tópicos básicos voltados para o ensino fundamental (PEREIRA, F. D. et al., 2010). Quase todos os professores (n=28, 96,5%) consultados acreditam que o tema deve ser introduzido em livros didáticos. Na Física, o livro didático de Barreto Filho e Silva (2010) intitulado Física aula por aula, apresenta relações entre os conteúdos e aos avanços tecnológicos recentes, como a nanotecnologia, em textos dispersos ao longo do livro (DOMINGUINI et al., 2012). Na Química, a análise dos livros do PNLD6 2012 revela que a maioria dos livros não apresenta este conteúdo ou não o faz de maneira apropriada, e mesmo a obra que melhor trata o assunto, o tema não faz relações com o cotidiano dos estudantes (GONÇALVES FERREIRA RODRIGUES et al., 2012) Durante a formação inicial dos docentes, 48,3% dos professores concordam parcialmente com o desenvolvimento de tópicos da N&N durante o curso de licenciatura (n=14) e 41,4% (n=12) concordam totalmente. Esse dado revela alguma das carências durante a formação inicial e continuada desses professores. A nanociência é um dos temas sugeridos pelos professores de Química para discussão durante a formação continuada dos docentes da rede pública do estado do Paraná (SILVA, M. R. DA; BARBOZA, s/d). Investigando a presença da N&N durante as aulas já lecionadas pelos professores que afirmam conhecer sobre esse tema, 70,8% não têm suas aulas influenciadas pelos seus conhecimentos a respeito do tema. Já falaram alguma vez em sala de aula sobre o tema 29,2%. Nos dados obtidos há relatos de que a N&N é trabalhada em sala de aula: na aula de Geografia “quando falo das partículas muito pequenas”; na aula de Biologia “é o conhecimento da Nanotecnologia que dá suporte para o uso de diversas mídias em sala de aula”; na aula de Física durante a “discussão sobre os avanços das ciências e a descrição de novos fenômenos naturais” e também “na discussão da ciência e tecnologia”; além da aula de Química, quando a professora afirma que o tema é trabalhado “sim, pois a atomista é muito menor do que a Nanociência” e também é mencionado “a relação entre o tamanho dos materiais e suas propriedades”. Chama a atenção uma das professoras de Biologia lamentar por não desenvolver o tema, quando afirma que “[a N&N] deveriam influenciar, mas eu não domino o assunto”. Apesar de quase 30% dos professores afirmarem abordar o tema em sala de aula, apenas quatro professores de instituições federais revelam que os alunos já questionaram sobre: as utilizações e as aplicações da nanotecnologia; se já existem remédios que podem ser guiados até o local doente do corpo; e até 6 PNLD - Programa Nacional do Livro Didático 6 mesmo se a nanociência pode causar câncer. Apesar de a N&N ser de forte interesse dos estudantes (SÁ; SANTIN FILHO, 2009), apenas 13,8% dos professores questionados relatam o interesse dos discentes pelo assunto. Dentre as opções de disciplinas, conforme mostra a Figura 3, a Química foi a mais indicada (n=28, 96,5%) para se trabalhar a N&N, seguida pela Biologia (n=27, 93,10%) e pela Física (n=25, 86,1%)7. Um dos professores do ensino médio regular que assinalou a opção outras apontou as disciplinas específicas de cursos técnicos para se desenvolver a temática. Figura 2. Disciplinas indicadas pelos professores questionados para se trabalhar a N&N. É muito interessante notar que quase metade (41,38%) dos professores pensa que N&N deve ser discutida nas disciplinas de Sociologia e Filosofia, pois quando se fala de tecnologias, muitas das vezes, mostram-se apenas os benefícios e o avanço que elas trazem para a sociedade. Em geral, pouco se discute sobre as influências negativas dessa tecnologia na dinâmica da sociedade e as potenciais interferências destrutivas desta no cotidiano das pessoas. Os professores em sua maioria (82,1%) creem que a N&N tem benefícios e 62% entendem também que estas têm malefícios (Figura 3). Mas, quando indagados se os benefícios da N&N superam os malefícios, exatamente metade dos entrevistados prefere não opinar, 46,4% concordam com esta relação e 3,6% discordam parcialmente. Ainda não há um consenso se esta tecnologia traz mais impactos positivos ou negativos, mas deve-se adotar o Princípio de Precaução (GRUPO ETC, 2005). Apesar de mais da metade reconhecer que há prejuízos, 72,4% concordam totalmente que a sociedade deve continuar investindo em N&N. Além disso, os professores concordam totalmente (51,7%) e parcialmente (41,40%) com relação à Nanotecnologia ser necessária a sociedade. Quando se propõe que a Nanotecnologia deva ser amplamente divulgada e discutida pela sociedade, apenas um dos professores não se coloca quanto a esta questão, o restante dos 7 Os docentes puderam optar por mais de uma disciplina, portanto, foi quantificado quantos professores indicaram cada disciplina. 7 docentes concorda com a proposição. Ainda assim, 64,3% dos questionados concordam que a N&N deva ser de domínio dos cientistas, embora 28,6% discordem. Figura 3. Posicionamento dos professores quando perguntados se a N&N tem benefícios, malefícios e a relação entre eles. Indagados acerca do consumo de produtos que envolvem nanotecnologia, há professores (31%) que não acreditam que nanoprodutos estão presentes no dia-a-dia das pessoas, mas 62% reconhecem que estes materiais já fazem parte do cotidiano. Ainda, a maioria (86,2%) assume que são consumidores de produtos nanotecnológicos e 13,8% não sabem a respeito. Curiosamente, nenhum professor afirmou não utilizar/possuir nanoprodutos, assim como nenhum indivíduo pesquisado discordou da frase “as embalagens dos produtos devem explicitar a utilização de nanopartículas na sua produção”, mas três deles não opinaram. A questão final “Com base nas questões anteriores, o que você entende por Nanociência e Nanotecnologia?” possibilitou que as respostas fossem categorizadas em três núcleos de significação: Algum Conhecimento; Conhecimento equivocado e Desconhecimento. Comparando as respostas dos docentes de instituições estaduais, federais e todas juntas num grupo intitulado geral, percebe-se que, neste último grupo, 62% dos professores têm algum conhecimento, 21% respondeu com alguma incoerência e 17% desconhecem a respeito da N&N. Precisa-se considerar que os professores não responderam de imediato o questionário, mas tiveram cerca de sete dias para preenchê-los, portanto, não se sabe o quão espontâneas foram as respostas concedidas. Observa-se também que há mais professores que afirmam desconhecer o assunto em instituições estaduais e menos em federais, mas é nestas escolas que o número de professores que apresentavam conhecimentos equivocados nas respostas foi maior, como mostra a Figura 5. 8 Figura 4. Porcentagem de professores com algum conhecimento, com conhecimento equivocado e desconhecimento a cerca da N&N, das instituições investigadas. Padrão semelhante é encontrado quando compara-se os professores de modalidades de ensino diferentes; ensino médio regular e ensino médio técnico (Figura 6). A maior parte dos docentes de ambos os grupos possui algum conhecimento a cerca da N&N, mas também há uma menor parcela que assume desconhece-las. Comparativamente, há mais professores com algum conhecimento no ensino médio regular (72%) do que no ensino médio técnico (55%). Além disso, os professores com respostas equivocadas são mais frequentes no ensino técnico (28%) se comparados ao ensino regular (9%), embora tenham sido questionados menos professores do ensino médio regular (n=11) e mais do ensino técnico (n=18). Figura 5. Percentual de professores com algum conhecimento, com conhecimento equivocado e desconhecimento a cerca da N&N, nas modalidades de ensino investigadas. 9 Todas as respostas inclusas no núcleo Conhecimento Equivocado apresentam confusão com relação à questão da dimensão das estruturas estudadas, desenvolvidas e empregadas pela N&N. Verifica-se que parte dos professores têm conhecimentos equivocados sobre as dimensões em nanoescala: “Pesquisa, produção e aplicação de micropartículas e micromecânismos”; “É uma ciência que utiliza estruturas e dispositivos em escala diminuta (da ordem de 10-6 m)...”; “Nanociência é o estudo de estruturas muito pequenas que compõe uma partícula, átomos, elétrons...”. Quando se fala em N&N, é importante entender que nano não é um objeto, e sim uma medida. Em um micrômetro há 1000 nm, e um nanomêtro corresponde à ordem de grandeza entre 10-7 e 10-9 m ou a bilionésima parte do metro. Indicaram Desconhecimento sobre o assunto cinco professores: um leciona artes e não respondeu a esta questão, mesmo afirmando conhecer um pouco sobre a N&N; um professor de história nunca ouviu falar no tema e foi categórico ao afirmar: “Não tenho conhecimento sobre o assunto.”; dois especialistas, em matemática e inglês, revelam não ter conhecimento, mas acrescentam que tratase de um “conceito novo” e que a N&N “se liga a tecnologia”, respectivamente. Por fim, um dos professores revela que: [a N&N] ”é de pouco conhecimento do público, inclusive os professores”. As respostas citadas anteriormente não constituem um conhecimento propriamente dito a respeito da N&N. As respostas foram classificadas com Algum Conhecimento quando mencionavam as dimensões dos materiais em nanoescala ou ainda quando discorreram sobre as aplicações na N&N. Apesar das dezoito respostas inclusas na categoria algum conhecimento mencionarem a questão da dimensão, como por exemplo: “partículas extremamente pequenas” e “escala atômica e molecular”. Apenas cinco delas utilizaram com segurança os termos contendo o prefixo nano, como “nanométrica”, ”nanopartículas” e ”nanomateriais”. Os docentes familiarizados com esses termos são professores de Matemática, Química, Biologia e Inglês, tanto do ensino médio técnico quanto do regular. Fica claro que estes professores já utilizam os termos por se apropriaram dos conhecimentos em N&N, assim, possuem um nível superior de saberes sobre o tema. Notavelmente, entre os professores classificados com algum conhecimento verifica-se respostas mais elaboradas, como a de um professor de história: [a N&N faz] “parte dos estudos que procuram desenvolver recursos para melhorar a vida humana a partir da aplicação de tecnologia em estruturas muito pequenas. Essa tecnologia pode ser aplicada em muitas áreas como saúde, agricultura, produtos utilizados no dia a dia... ao mesmo tempo que trazem benefícios que eu nem conheço, penso que possibilitam formas de controle de indivíduos na vida em sociedade”. “Estudos relacionados à criação/desenvolvimento de estruturas nanométricas, suas aplicações e seu impacto nos seres vivos e no ambiente onde são produzidas e/ou descartadas” foi a resposta de um professor de inglês já consciente dos resíduos desta tecnologia e seus potenciais efeitos em organismos e no ambiente. Muitas vezes, apenas os pontos positivos da N&N foram referenciados, assim como se pode notar nas frases: “[...] e quando houver um maior desenvolvimento da área vamos colher bons frutos”; “Acredito ser um ramo da ciência que atualmente está sendo desenvolvido em prol da melhoria e qualidade de vida da sociedade”. A Ciência e a Tecnologia vêm sendo reverenciadas como 10 divindades pelas sociedades modernas (PEREIRA-DOS-SANTOS; FLEURYMORTIMER, 2000) e o mesmo esta ocorrendo com a N&N, que é vista, muitas vezes, apenas do ponto de vista favorável à sociedade. Considerações Finais Os dados levantados nesta pesquisa mostram que a maior parte dos docentes pesquisados possui algum conhecimento a respeito na N&N, mas ainda não de forma satisfatória, além de uma parcela de professores com conhecimentos equivocados e desconhecimento a cerca da temática. Há propostas de planos de aulas desenvolvendo tópicos de N&N na literatura, mas ainda não chegaram efetivamente aos livros didáticos. Possivelmente, haverá uma maior popularização da N&N quando os professores, que atuam como multiplicadores do conhecimento, desenvolverem esse tema nas escolas. Não basta apenas uma discussão dos conceitos, propriedades e utilizações, mas é imprescindível desenvolver o tema com profundidade, também nos campos da ética, política e sociologia. Apesar de as bases curriculares propostas pelo MEC indicarem o desenvolvimento do tema desde 2006, poucos foram os relatos de exposições sobre a N&N em sala de aula. Apesar da N&N serem recentes, para entende-la utiliza-se conhecimentos aprendidos na educação básica, por exemplo: a Teoria Atômica e relação entre a área de superfície e a velocidade de reação, na Química; as unidades de comprimento na Matemática; o tamanho relativo de órgãos, tecido, células, vírus (alguns da ordem de nm) na Biologia; além do magnetismo, mecânica e formas de energia na Física. Assim, entende-se que é necessário um investimento em todos os níveis da Educação: desde o ensino básico, até os cursos de graduação, para formar cidadãos críticos que efetivamente participem da dinâmica social. É importante que os estudantes conheçam a N&N e assim possam optar por carreiras profissionais envolvidas com ela, ou não, sempre baseando-se em seus conhecimentos, ou até mesmo selecionar os produtos que consomem. Estima-se que, em 2020, seis milhões de trabalhadores estarão envolvidos com a N&N no mundo (ROCO et al., 2010 apud LAURETH; INVERNIZZI, 2012) Mas se os professores clamam por mais tempo para estudar e preparar as aulas, como levar os conhecimentos da N&N de forma eficiente e adequada aos docentes de várias disciplinas? Quanto tempo levará para que os professores do ensino básico discutam esse tema com os estudantes, se atualmente na graduação, assim como no curso de formação continuada, pouco se fala em N&N? Esta temática entrará no currículo da educação básica? E se entrar, entrará em disciplinas isoladas ou de forma interdisciplinar? Espera-se que esse trabalho possa contribuir para o debate e a reflexão sobre estas questões. 11 REFERÊNCIAS AGUIAR, W. M. J.; OZELLA, S. Núcleos de Significação como Instrumento para a Apreensão da Constituição dos Sentidos. Psicologia, Ciência e Profissão, v. 26, n. 2, p. 222–245, 2006. AMORIM, T. DE. Nanotecnologia na Imprensa: Análise de Conteúdo do Jornal Folha de São Paulo. Revista Eletrônica dos Pós-Graduandos em Sociologia Política da UFSC, v. 4, n. 2, p. 20–36, 2008. ANGOTTI, J. A. P.; AUTH, M. A. CIÊNCIA E TECNOLOGIA : IMPLICAÇÕES SOCIAIS E O PAPEL DA EDUCAÇÃO. Ciência & Tecnologia, v. 7, n. 1, p. 15– 27, 2001. BARRETO FILHO, B.; SILVA, C. X. Física aula por aula. São Paulo: FTD, 2010. BRASIL. Orientaçoes Curriculares para o Ensino Médio - Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias. ,2006. Brasilia. BRASIL. Educaçao Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio. ,2007. DOMINGUINI, L.; MAXIMIANO, J. R.; CARDOSO, L. Novas Abordagens do Conteúdo Física Moderna no Ensino Médio Público do Brasil. IX Seminário de Pesquisa em Educaçao da Região Sul, 2012. EKLI, E.; SAHIN, N. Science teachers and teacher candidates’ basic knowledge , opinions and risk perceptions about nanotechnology. Procedia - Social and Behaviour Sciences, v. 2, p. 2667–2670, 2010. GONÇALVES FERREIRA RODRIGUES, L.; MARTINS INÁCIO, E.; MARINHO DE OLIVEIRA, A.; VINICIUS DE FERITAS MOTTA, M.; JOSÉ DA SILVA, M. Abordagem dos Temas Nanociencia e Nanotecnologia nos Livros de Química para o Ensino Médio. ,2012. 52o Congresso Brasileiro de Química- Recife. GORGHIU, L. M.; GORGHIU, G. Teachers’ perception related to the promotion of Nanotechnology concepts in Romanian Science Education. Procedia - Social and Behaviour Sciences, v. 46, p. 4174–4180, 2012. GRUPO-ETC. Nanotecnologia: Os riscos da Tecnologia do Futuro. Traduçao de José F. Pedrozo. Porto Alegre: L&PM, 2005. LAURETH, W. C.; INVERNIZZI, N. Acta Scientiarum Educando a força de trabalho em nanotecnologia no Brasil : demandas da indústria e oferta das universidades. Acta Scientiarum, Human and Social Sciences, v. 34, n. 2, p. 205–216, 2012. 12 LIKERT, R. A Technique for the Measurements of Attitudes. Archives of Psychology, v. 140, p. 1–55, 1932. MAYNARD, A. D. Nanotechnology: A Research Strategy for Addressing Risk. Woodrow Wilson International Center for Scholars, 2006. PEREIRA, C. R. DA S.; BASSO, N. R. DA S.; BORGES, R. M. R. Nanotecnologia e Citologia : avaliação de uma proposta de ensino visando à atualização curricular para o século XXI no ensino de Biologia por meio de unidades de aprendizagem. III Mostra de Pesquisa da Pós-Graduaçao PUCRS. Anais... , 2008. PEREIRA, C. R. DA S.; BASSO, N. R. DE S.; ROCHA FILHO, J. B.; BORGES, R. M. R. Nanotecnologia e Citologia na Formaçao de Professores de Ciências. VII Encontro Nacional de Pesquisa em Educaçao em Ciências - Florianópolis, 2009. PEREIRA, F. D.; HONÓRIO, K. M.; SANNOMIYA, M. Nanotecnologia: Desenvolvimento de Materiais Didáticos para uma Abordagem no Ensino Fundamental. Quimíca Nova Escola, v. 32, n. 2, p. 73–77, 2010. PEREIRA-DOS-SANTOS, W. L.; FLEURY-MORTIMER, E. Uma análise dos pressupostos teóricos da abordagem C-T-S (Ciência- tecnologia -Sociedade) no contexto da educaçao brasileira. Ensaio Pesquisa em Educaçao em Ciências, v. 2, p. 1–23, 2000. RAMSDEN, J. J. What is nanotechnology ? Nanotechnology Perceptions 1, p. 3–17, 2005. RATTNER, H. Nanotecnologia e a Política de Ciência e Tecnologia. II Seminário sobre Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente. Anais... v. 2, p.180–188, 2005. REBELLO, G. A. F.; ARGYROS, M. DA M.; LEITE, W. L. L. et al. Nanotecnologia, um tema para o ensino médio utilizando a abordagem CTSA. Quimica Nova Escola, v. 34, n. 1, p. 3–9, 2012. ROCO, M. C.; MIRKIN, C. A.; HERSAM, M. C. Nanotechnology research directions for societal needs in 2020: summary of international study. Journal of Nanoparticle Research, v. 13, n. 3, p. 897–919, 2010. Disponível em: <http://www.springerlink.com/index/10.1007/s11051-011-0275-5>. Acesso em: 7/3/2013. SERVICE, R. F. Nanotechnology Grows Up. Science, v. 304, n. June, p. 1732– 1734, 2004. Disponível em: <http://www.sciencemag.org/content/304/5678/1732.full>. . SHEW, A. Nanotech’s History: An Interesting, Interdisciplinary, Ideological Split. Bulletin of Science, Technology & Society, v. 28, n. 5, p. 390–399, 2008. 13 Disponível em: <http://bst.sagepub.com/cgi/doi/10.1177/0270467608322535>. Acesso em: 21/10/2012. SILVA, M. R. DA; BARBOZA, L. M. V. Formaçao Continuada dos professores de Química: Dilemas e Desafios. . Disponível em: <http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/970-4.pdf>. . SILVA, S. L. A.; VIANA, M. M.; MOHALLEM, N. D. S. Afinal, o que é Nanociência e Nanotecnologia? Uma Abordagem para o Ensino Médio. Química Nova Escola, v. 31, n. 3, p. 172–178, 2009. SÁ, M. B. Z.; SANTIN FILHO, O. Relações entre ciência, tecnologia e sociedade em livros didáticos de química. Acta Scientiarum. Human and Social Sciences, v. 31, n. 2, p. 159–166, 2009. Disponível em: <http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/ActaSciHumanSocSci/article/view/461>. Acesso em: 18/3/2013. TANIGUCHI, N. On the basic concept of nanotechnology. Proceedings of the International Conference on Production Engineering, p. 1823, 1974. 14