Fórum Jurídico INSTITUTO DO CONHECIMENTO AB Julho | 2014 | Direito do Trabalho A Livraria Almedina e o Instituto do Conhecimento da Abreu Advogados celebraram em 2012 um protocolo de colaboração para as áreas editorial e de formação. Esta cooperação visa a divulgação periódica de artigos breves e anotações nas plataformas electrónicas e digitais da Livraria Almedina. Para aceder, clique aqui. COMENTÁRIO AO ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA N.º 10/2014, DE 28 DE MAIO (PROCESSO N.º 1051/11.5TTSTB.E1.S1, REVISTA, 4.ª SECÇÃO; DR I SÉRIE, 30 DE JUNHO DE 2014) – UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA: INCAPACIDADES POR ACIDENTES DE TRABALHO E DOENÇAS PROFISSIONAIS Sofia Serra, Advogada, Abreu Advogados Em sede de apreciação e julgamento do recurso interposto no âmbito do processo n.º 1051/11.5TTSTB.E1.S1, entendeu o Supremo Tribunal de Justiça ser pertinente a prolação de acórdão de uniformização (deferido com parecer favorável do Ministério Público), nos seguintes termos: A expressão “se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho” contida na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, refere-se às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente. A questão objecto do referido recurso foi a de saber se a bonificação prevista na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de trabalho e Doenças Profissionais (TNI) é ou não de aplicação taxativa. No caso concreto, a situação prende-se com um acidente de trabalho no qual foi vítima um praticante desportivo profissional que ficou afectado de uma incapacidade permanente parcial (IPP). A junta médica requerida pela Seguradora considerou, por maioria, que a dita IPP era de 8,039%, mediante aplicação da tabela de comutação específica dos praticantes desportivos profissionais e tendo em conta o factor de bonificação de 1,5, decorrente do artigo 5.º das Instruções Gerais da TNI. Com base neste juízo de valor, o Tribunal de 1.ª Instância condenou a Seguradora no pagamento da respectiva pensão anual e vitalícia ao sinistrado. Inconformada, a Seguradora recorreu para a Relação de Évora, que veio a proferir Acórdão em sentido divergente por considerar inaplicável, ao caso concreto, o factor de bonificação de 1,5 previsto no artigo 5.º das Instruções Gerais da TNI. Esta decisão veio a ter pleno suporte no Acórdão ora em análise. Antes de mais, e para que se compreenda o sentido da decisão do Supremo Tribunal de Justiça, é crucial ter presente o disposto nas Instruções Gerais da TNI. Nos termos do n.º 1 das Instruções Gerais da TNI, esta “tem por objectivo fornecer as bases de avaliação do dano corporal ou prejuízo funcional sofrido em consequência de acidente de trabalho ou de doença profissional, com redução da capacidade de ganho”. (continuação na página seguinte) www.abreuadvogados.com 1/3 Fórum Jurídico INSTITUTO DO CONHECIMENTO AB COMENTÁRIO AO ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA N.º 10/2014, DE 28 DE MAIO (PROCESSO N.º 1051/11.5TTSTB.E1.S1, REVISTA, 4.ª SECÇÃO; DR I SÉRIE, 30 DE JUNHO DE 2014) – UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA: INCAPACIDADES POR ACIDENTES DE TRABALHO E DOENÇAS PROFISSIONAIS (CONTINUAÇÃO) Nos termos do n.º 2, as “sequelas (disfunções), independentemente da causa ou lesão inicial de que resultem danos enquadráveis no âmbito do número anterior, são designados na TNI, em notação numérica, inteira ou subdividida em subnúmeros e alíneas, agrupados em capítulos”. Por outro lado, decorre do n.º 3 das mesmas instruções que “a cada dano corporal ou prejuízo funcional corresponde um coeficiente expresso em percentagem, que traduz a proporção da perda da capacidade de trabalho resultante da disfunção, como sequela final da lesão inicial, sendo a disfunção total, designada como incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, expressa pela unidade” e, nos termos do n.º 4, “os coeficientes ou intervalos de variação correspondem a percentagens de desvalorização, que constituem o elemento de base para o cálculo da incapacidade a atribuir”. Chegando ao n.º 5 – este com maior relevância para a presente análise – refere-se o seguinte: “Na determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número: a) Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG x 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor; (…)”. É nesta alínea, e mais concretamente no que se entende quanto à formulação “se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho”, que o Acórdão em apreço se focaliza1. Ora, para determinação do sentido que o legislador quis dar àquele segmento normativo, o Supremo Tribunal de Justiça alicerçou-se em três elementos: histórico, literal e sistemático. De um posto de vista histórico, o Supremo Tribunal de Justiça relembra a norma antecessora da actual alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da TNI. Dispunha o n.º 5 das instruções gerais da Tabela aprovada pelo Decreto-Lei n.º 341/93, de 30 de Setembro, que, “na determinação do valor final da incapacidade devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número: a) Sempre que se verifique perda ou diminuição da função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho que ocupava com carácter permanente, os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados com uma multiplicação pelo factor 1,5, se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais” (…)”. Veja-se que o segmento relativo à perda ou diminuição da função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho que ocupava com carácter permanente desapareceu da redacção actual, não tendo qualquer equivalência na redacção actual, pelo que há que retirar desta substancial alteração legislativa as devidas consequências. De um ponto de vista estritamente literal, por reconvertibilidade de um trabalhador deve entender-se a susceptibilidade de adaptação de um trabalhador a determinada função ou actividade de trabalho. E quando a lei refere se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho, por posto de trabalho deve entender-se o conjunto de funções efectivamente exercidas pelo trabalhador na organização empresarial em que está inserido. Significa isto que a interpretação literal da expressão em análise resulta no seguinte: “a) Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG x 0.5), [se a vítima não puder retomar as funções que efectivamente exercia à data do acidente de trabalho] ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor”. (continuação na página seguinte) 1 Refira-se que, atendendo à idade do sinistrado (22 anos), o factor “idade”, também referido naquela alínea, é de imediato afastado. www.abreuadvogados.com 2/3 Fórum Jurídico INSTITUTO DO CONHECIMENTO AB COMENTÁRIO AO ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA N.º 10/2014, DE 28 DE MAIO (PROCESSO N.º 1051/11.5TTSTB.E1.S1, REVISTA, 4.ª SECÇÃO; DR I SÉRIE, 30 DE JUNHO DE 2014) – UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA: INCAPACIDADES POR ACIDENTES DE TRABALHO E DOENÇAS PROFISSIONAIS (CONTINUAÇÃO) A questão que se coloca é a seguinte: o elemento sistemático, neste caso em concreto, conduz a uma interpretação diferente daquela que resulta da letra da lei? O Supremo Tribunal de Justiça concluiu que não, chamando à colação os vários princípios e mecanismos previstos na lei para salvaguardar a reabilitação e reintegração profissionais do sinistrado, assegurando-lhe o direito à ocupação em funções compatíveis, não obstante a redução da capacidade de trabalho sofrida: esta é uma preocupação primária do legislador.2 Significa isto que, na determinação global da incapacidade a atribuir ao sinistrado, têm de se tomar em consideração as “efectivas possibilidades de reabilitação profissional do sinistrado face às suas aptidões e às suas capacidades restantes”. A este respeito uma importante distinção deve ainda ser sublinhada: os conceitos de coeficiente de incapacidade e de factor de bonificação não se confundem. Enquanto o primeiro corresponde ao resultado de uma valoração pericial do dano e do prejuízo funcional do sinistrado, o segundo corresponde a um momento posterior em que, verificando-se algum dos requisitos elencados no n.º 5 das Instruções Gerais da TNI, se pode mitigar o dano do sinistrado mediante a aplicação da bonificação aí prevista. Note-se, contudo, que, ao contrário dos coeficientes de incapacidade, cujos limites podem ser extravasados nos termos do n.º 7 das Instruções Gerais da TNI3, inexiste norma legal que permita interpretação semelhante no que respeita ao factor de bonificação. Assim sendo, quando a lei refere como pressuposto da bonificação prevista na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da TNI “se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho”, refere-se à impossibilidade de o sinistrado retomar o exercício das funções correspondentes ao posto de trabalho que desempenhava antes do acidente. Se o trabalhador, apesar das limitações funcionais de que seja portador em consequência do acidente de trabalho sofrido, regressar às funções que exercia antes do acidente, considera-se que foi reconvertido em relação ao posto de trabalho que tinha antes do acidente. Apenas quando esse regresso não se afigura possível se pode afirmar que a vítima não é reconvertível em relação ao posto de trabalho. No caso dos autos, o sinistrado retomou as funções que exercia antes do acidente, razão pela qual se concluiu – e bem, na nossa opinião – que o sinistrado foi reconvertido em relação ao seu posto de trabalho. Em sumário, determinou o Supremo Tribunal de Justiça que: “Não é possível bonificar, nos termos da alínea a) do n.º 5 daquelas Instruções Gerais, o coeficiente de incapacidade geral de um profissional de futebol decorrente de acidente de trabalho, de 22 anos à data do acidente, e que retomou, logo após a alta, as tarefas correspondentes ao posto profissional que ocupava antes do acidente.” 2 Ainda a este propósito é de referir o n.º 10 das Instruções Gerais da TNI, que refere que, “na determinação da incapacidade global a atribuir devem ser ponderadas as efectivas possibilidades de reabilitação profissional do sinistrado, face às suas aptidões e às suas capacidades restantes» e que «para tanto, sempre que seja considerado adequado ou conveniente, podem as partes interessadas ou o Tribunal solicitar parecer às entidades competentes nas áreas do emprego e formação profissional, sobre as efectivas possibilidades de reabilitação do sinistrado.” 3 Isto é: “sempre que circunstâncias excepcionais o justifiquem, pode ainda o perito afastar-se dos valores dos coeficientes previstos, inclusive nos valores iguais a 0.00, expondo claramente e fundamentando as razões que a tal o conduzem e indicando o sentido e a medida do desvio em relação ao coeficiente em princípio aplicável à situação concreta em avaliação.” 3/3 Este Fórum Jurídico contém informação e opiniões de carácter geral, não substituindo o recurso a aconselhamento jurídico para a resolução de casos concretos. 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