FACOM - nº 16 - 2º semestre de 2006
Investimento no cinema brasileiro
na Retomada (1994-2003)
por André Piero Gatti
RESUMO
52
O presente texto tem como objetivo fazer
um retrospecto do investimento de recursos
incentivados na produção cinematográfica
como um todo. Com isso, se pretende avaliar
a real capacidade do atual sistema de apoio à
realização de filmes na consolidação de uma
indústria cinematográfica propriamente dita.
PALAVRAS-CHAVE
Lei do Audiovisual, Lei Rouanet, Leis de
incentivo, Industrialização, Produção
cinematográfica
ABSTRACT
The purpose of this work is to make an
overview of the state sources, through
the laws that support the Brazilian film
production. We want to understand
if such model is able to develop an
industrialization of the cinema
in the country.
KEYWORDS
Audiovisual’s Law, Rouanet Brazilian Law,
Incentive Laws, Industrialization, Brazilian film
production
Historicamente, é clara e notória a relação que a indústria cinematográfica
manteve com o Estado brasileiro. A historiografia clássica é repleta
de trabalhos sobre o tema. No período que se inicia no ano de 1990
desenvolveu-se uma idéia de que o ciclo histórico de relações entre cinema
e Estado se encontrava praticamente rompido e, o que era pior, de uma
maneira que se apontava como definitiva. Na realidade, identificou-se
o fato de que se tratava de um curto período de transição, entre 1990 e
1993, cujos efeitos foram devastadores. Neste meio tempo, houve a edição
da lei n°8.405/92, a primeira Lei do Audiovisual, cujos vetos presidenciais
a tornaram praticamente inócua no aspecto de financiamento a produção
cinematográfica e audiovisual. A partir de 1993, com a ascensão presidencial
de Itamar Franco, identifica-se um reatamento das relações entre o setor
cinematográfico e o Estado. Este diálogo voltaria a colocar as negociações
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políticas da indústria cinematográfica em patamares
não muito diferentes daqueles dos estágios de relações
anteriores, notadamente durante o Regime Militar. Mais
uma vez, procurou-se uma interlocução junto ao poder
estabelecido no sentido de construir um novo projeto
para a indústria de sons e imagens em movimento.
Para melhor compreensão do ciclo, é necessário se
tentar entender de que maneira a máquina pública
apoiou à atividade. Isto se deve ao fato que somente a
partir da presença do Estado no campo cinematográfico
foi possível acontecer novamente a existência do filme
local. Apenas com este interesse do poder instituído
foi possível se tornar palpável o objeto de estudo
da circulação e recepção da mercadoria audiovisual
destinada à comercialização nas salas de exibição.
No período estudado, identificou-se o interesse do
poderes executivo e legislativo na atividade audiovisual.
Isto pode ser notado principalmente pela edição da
nova Lei do Audiovisual (lei nº 8.685/93) e, pelos
valores investidos, através das leis de incentivo fiscal
no seu conjunto, das dotações oriundas do próprio
Ministério da Cultura (MinC) e de outros organismos
federais, como o Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico Social (BNDES), Banco do Brasil (BB),
Caixa Econômica Federal (CEF), por exemplo.
Outro fator que acenou este interesse de investimento
governamental foi feito através de diferentes aportes
de recursos. Sabe-se que o capital também fluiu de
maneira indireta, ou seja, não baseado apenas nas leis de
incentivo. Isto porque algumas empresas públicas foram
capazes de irrigar o setor com recursos dos seus ricos
departamentos de marketing. Nesta situação, o exemplo
maior é o da Petrobrás que, através da sua subsidiária
BR Distribuidora, passou a investir significativamente
na atividade de produção, distribuição e exibição do
audiovisual independente brasileiro, através de recursos
incentivados e de verbas não incentivadas.
Pode-se atestar que o investimento no setor aconteceu
de maneira direta na atividade objetivada pelos agora
investidores. Dessa maneira, foram dispensados os
grandes gastos com a atividade meio no seio da máquina
do governo. Além disso, evitou-se o que poderia ser
considerado como um dirigismo cultural, em que as
contrapartidas do beneficiado são mínimas.
A situação da ausência de um órgão específico para o
setor perdurou até a constituição da Agência Nacional
do Cinema (Ancine), já que a secretaria responsável pelo
setor audiovisual pode ser vista como um órgão “enxuto”,
pois conta apenas com algumas dezenas de servidores.
Pode-se afirmar que o momento da criação da legislação
é aquele em que começam a se reconstituir novamente
os tecidos entre a produção e a sociedade como um
todo. Os mecanismos legais de proteção e de fomento
existentes são a prova disto. Houve uma clara tentativa
de se atualizar o escopo legislativo do setor com a
legislação de outros países que resistiram à intervenção
monopolista das empresas transnacionais controladoras
da circulação internacional de produtos audiovisuais.
Deve-se destacar o fato de que, no transcorrer do
período histórico abordado por esta pesquisa (19932003), utilizou-se o material disponibilizado pelo
MinC, principalmente, através do seu sítio eletrônico
(www.minc.gov.br e www.cultura.gov.br). Neste
foram encontradas algumas incongruências e dados
divergentes, entre os números fornecidos pelas fontes
oficiais da questão do audiovisual. A despeito deste
fato, crê-se que é possível se traçar uma evolução da
política de investimentos do projeto de construção
industrial, baseado no mecanismo das leis federais
de incentivo à cultura. Isto porque os dados, mesmo
quando corrigidos, não apresentaram discrepâncias
que fossem capazes de modificar a compreensão do
valor montante das inversões de capital que foram
realizadas na atividade. Como não se sabe a metodologia
adotada, pode-se tributar a diferentes metodologias
como motivos para as apontadas discrepâncias. Entre
os materiais disponibilizados destacam-se as seguintes
fontes: Economia da Cultura, (pesquisa encomendada à
Fundação João Pinheiro), Relação de Filmes Nacionais
Lançados no Período 1995 a 2000, Relatórios MinC
1995,1996,1997,1998,1999 e 2000, Relatório de
Atividades da Secretaria do Audiovisual, Cinema, som e
vídeo:1995-2002, Relatórios Ancine 2002 e 2003. Outros
materiais como notícias veiculadas na imprensa, boletins,
textos das categorias e das personalidades também
foram utilizados.
Um breve retrospecto da evolução dos gastos estatais
pode demonstrar a intenção que o Estado brasileiro
dedicou a cultura e ao audiovisual. De 1985 a 1990, é
clara a tendência estável, isto é, durante o Governo
Sarney, quando oscilou de R$ 208 milhões a R$ 197
milhões. Isto porque em 1990 e, mais ainda depois, em
1991, ou seja, no início do Governo Collor, houve uma
queda drástica para R$ 131 milhões, seguida de outra
redução rediviva, em 1992, para R$ 108 milhões. Com o
Governo Itamar Franco, os gastos voltaram a subir um
pouco: R$ 222 milhões em 1993, para depois alcançarem,
em 1995, R$ 245 milhões.
A tese defendida é o fato de que o Estado veio a
aumentar os seus gastos com a cultura e, no caso do
audiovisual, esta situação também pode ser entendida
como correlata. A Perquisa Economia da Cultura
53
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identificou que a partir de 1990,
de uma maneira geral, os Estados
brasileiros passaram a investir mais
decididamente na área cultural. A
citada pesquisa traz a seguinte
reflexão sobre o investimento dos
estados na cultura:
54
Verifica-se que os Estados da
Federação brasileira apresentam
comportamento de gastos crescentes
até 1992, quando aplicam o maior
volume de recursos, exatamente o
oposto do ocorrido com o Governo
Federal que, neste ano, apresenta o seu
menor volume. A partir deste exercício,
as aplicações dos estados entram em
queda, até alcançar seu menor valor
em 1995 (deve-se considerar que
essa diminuição tem forte relação
com a queda dos gastos do Estado
de São Paulo que, no cômputo geral,
representa um percentual bastante
importante do conjunto dos gastos
da esfera estadual), contrastando com
a recuperação dos gastos do Governo
Federal e dos Municípios, a partir
de 1993. Apesar da queda ocorrida
no final do período, os Estados
apresentam, no entanto, uma taxa de
crescimento médio anual, nos 11 anos
da série (1985-1995), de 4,82%.1
Ainda que a pesquisa Economia
da Cultura não tenha os números
especificados do índice dos gastos
realizados com a cultura do
audiovisual, no que diz respeito aos
investimentos dos Estados brasileiros
na atividade, fica patente que estes
instrumentos foram importantes
no processo de composição dos
recursos destinados à produção
como um todo. Esta situação pode
ser observada pelo crescimento da
produção do curta-metragem e de
outros produtos audiovisuais ditos
culturais em Estados sem grande
tradição na confecção de obras do
gênero, como Ceará, Pernambuco
etc. O texto do MinC afirma que:
Para o conjunto dos 26 municípios O primeiro período (1990-1991)
das capitais de estados brasileiros, a é caracterizado pela implosão do
despesa total realizada na execução aparelho cultural estatal então
do Programa 48, isto é, de Cultura, anteriormente existente.3 O setor
é estimada, em reais de dezembro cinematográfico acabou sendo um
de 1996, para 1985 em 76,5 dos mais atingidos, pois foi neste
milhões de reais, registrando um momento que deixaram de existir
crescimento médio anual de 8,06% organismos como a Fundação
no período 1985-1995, alcançando, do Cinema Brasileiro (FCB) e o
em 1995, 179,5 milhões de reais. Conselho Nacional de Cinema
Apenas oito municípios de capitais (Concine), além de empresas estatais
dos estados brasileiros - São Paulo, como a Empresa Brasileira de
Rio de Janeiro, Salvador, Belo Filmes (Embrafilme).4 O segundo
Horizonte, Fortaleza, Curitiba, período (1992 - 2001) coincide com
Recife e Porto Alegre - são a edição das leis federais de incentivo
responsáveis por 88,83% do gastos à cultura, a Lei Rouanet e a Lei do
com Cultura do conjunto dos Audiovisual, cujos reflexos no campo
municípios de capital.2
cinematográfico começaram a ser
percebidos em 1994. Há um terceiro
(2001 – 2003) período legislativo
coincidente com a edição da MP
nº 2.228/01, que criou a Ancine, o
órgão regulador do audiovisual, este
ainda de curta vida.
Pode-se dizer que este quadro
de retomada de constituição de um
processo legislativo para indústria
audiovisual originou-se por volta de
1991, mobilização realizada por várias
categorias e personalidades ligadas ao
setor cinematográfico, que claramente
buscavam uma rearticulação política
junto ao Estado brasileiro. A finalidade
era a de recuperar o terreno perdido,
isto só aconteceu de fato em 1993.
Somente com o presidente Itamar
Franco no poder e Fernando
Henrique Cardoso, então Ministro
da Fazenda, alcança-se a edição da
Lei do Audiovisual,5 ainda que de
maneira provisória. Os instrumentos
legislativos Lei do Audiovisual
e Rouanet6 se transformaram
Legislação cinematográfica e nos principais mecanismos de
incentivos fiscais
alavancamento da atividade – eles
são os responsáveis pelo chamado
Para uma melhor compreensão, ciclo que ficou conhecido como da
entende-se que o período legislativo ‘Retomada do cinema brasileiro.7
cinematográfico deste trabalho pode Na Tabela
1 se encontram
ser dividido em três sub-períodos detalhados os aportes financeiros
distintos e complementares entre si. que alimentaram a produção.
A constatação do aumento dos
investimentos na cultura trata-se
de um dado curioso, pois contrasta
com os objetivos da política
macroeconômica
do
período,
que advogava uma intervenção
menor do Estado nas atividades
econômicas em geral. Esta situação
se configurou pelo fato de que o
setor cultural e o audiovisual fizeram
um exercício de pressão que acabou
rendendo alguns frutos para ambos.
No caso específico dos bens de sons
e imagens, pode-se afirmar que o
escopo legal alcançado foi mais uma
iniciativa de setores organizados
da sociedade civil. Portanto, o
Estado absorveu a política do
setor, pois aparentemente não se
tinha um projeto político estatal
com a finalidade de se incentivar
a produção e circulação de filmes,
vídeos etc.
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Tabela 1: Evolução das Inversões Públicas na Produção do Audiovisual (1995-2002)
Investimentos
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002 (1)
Total
Incentivo
Fiscal
28.347.902
75.550.880
113.615.462
73.181.958
59.400.244
55.831.444
100.694.421
43.055.853
549.677.984
16.260.928
51.233.048
75.607.335
39.093.362
35.931.645
28.312.509
41.487.618
7.926.592
295.853.037
4.030.992
6.819.036
3.848.491
3.999.707
3.865.016
5.92.993
15.225.127
5.979.529
48.860.891
8.055.982
17.498.797
34.159.636
30.088.800
19.603.582
22.425.943
43.981.496
29.149.733
204.964.056
Conversão Dívida
Externa (2)
-
-
-
-
952.653
5.505.668
540.217
3.191.673
10.190.212
Programa Mais
Cinema
-
-
-
-
7.041.667
2.125.000
-
-
9.166.667
11.703.668
13.929.500
15.537.710
15.038.980
77.029.401
Artigo 1º
Artigo 3º
Mecenato
Orçamento
da União (3)
1.600.000
3.835.840
9.822.212
5.541.491
Fonte: Relatório de atividades da Secretaria do Audiovisual: Cinema, som e vídeo (1995-2002), p.4., Relatório Ancine 2003, p.32.
(1) Atualizado até 11/02/2002
(2) Valor aprovado pelo Congresso Nacional
Observando-se apenas o investimento realizado
pela renúncia fiscal, verifica-se a sua capacidade de
otimização da produção audiovisual (ver Tabela 2).
A cifra de US$421.023.728 mostra que houve
um investimento de porte considerável na área do
audiovisual, pois a média de investimento por ano seria
superior a U$46 milhões. Tal número contrasta com o
investimento realizado no setor no período legislativo
imediatamente anterior (1980-1989), quando o
investimento do Estado no setor era da ordem de US$10
a US$13 milhões por ano, em média. Portanto, o valor
médio do investimento anual da União, agregado aos
investimentos realizados pelos estados e municípios,
seja por dotação direta, seja através de leis de incentivo,
redundam numa cifra que pode ser superior a U$ 65
milhões por ano. A situação paradoxal é que nunca
houve tanto investimento no setor, cujo desempenho de
mercado ficou aquém das médias históricas.
O valor aproximado de U$605 milhões se trata
de um custo direto que o Brasil teve com a indústria
do audiovisual no período da Retomada do cinema
nacional. Portanto, não se pode dizer que não houve
investimentos do Estado na área, e a conclusão a que
se pode chegar é que a solução para os problemas da
indústria audiovisual não depende apenas da injeção de
recursos estatais. No que tange à Lei do Audiovisual, os
esquemas fechados de captação com as suas portarias,
anexos e emendas, pode-se afirmar que a mesma se
encontra em ponto de saturação. Identificou-se uma
Tabela 2: Recursos Incentivados no Audiovisual
(1994-2002)*
Ano
R$
US$
1994
23.626.373
27.156.750 **
1995
28.347.902
31.151.540
1996
75.550.880
73.912.627
1997
113.615.462
105.195.890
1998
73.181.958
62.586.820
1999
59.400.244
32.101.480
2000
55.831.444
29.690.661
2001
100.694.241
45.770.010
2002
3.055.853
13.454.950 ***
Total
573.294.357
421.023.728
55
* Leis Rouanet e Audiovisual
** Apenas Lei do Audiovisual
*** Atualizado até 11/10/2002.
Fonte: Relatório de atividades da Secretaria do Audiovisual:
Cinema, som e vídeo (1995-2002), Relatório MinC, 2001.
Elaboração: Autor.
Obs: Valores em dólares são aproximações.
sensível queda na captação de recursos como atestam os
próprios relatórios do MinC.8
A respeito dos recursos oriundos das leis de incentivo,
pode-se afirmar que o seu principal mérito foi o fato
de que elas foram as responsáveis pela reativação da
produção de filmes em geral. Tanto que entre 1994 e
1999 foram produzidos cerca de 116 longas-metragens,
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80 documentários e um grande
número de curtas-metragens no
país. Neste período foram investidos
cerca de US$332 milhões na
atividade, envolvendo produção e
comercialização, este é o momento
do pico do incentivo direto. Um
número que não pode ser considerado
desprezível. Tomando-se como
exemplo o período de 1995 a 2002, de
acordo com o relatório SDAv/MinC,
foram apoiados 1.199 filmes, sendo
190 longas de ficção, 669 curtasmetragens e 340 documentários não
especificados quanto à duração.
No primeiro momento percebeu-se
algumas interessantes alterações no
sistema de produção apoiado pelos
incentivos fiscais. Isto devido aos
mecanismos de captação e de recompra
de cotas de investimento, tais situações
fizeram com que os custos iniciais de
uma produção média estivessem bem
acima dos patamares históricos. O
governo brasileiro enxergava que o
sistema de financiamento da cultura
necessitava de um realinhamento, que
foi feito primeiro junto à Lei Rouanet,
reformada em maio de 1995. No
horizonte também se encontravam
aspirações no sentido de provocar
modificações importantes para a Lei
do Audiovisual. Naquele momento, o
ministro da cultura Francisco Weffort
afirmava que:
O cinema e as atividades
audiovisuais vêm ocupando as
atenções do Presidente Fernando
Henrique desde há algum tempo.
A decisão que ele anuncia hoje
em Brasília, criando novos
mecanismos de fomento ao setor,
tem uma pequena história que
começou em Petropólis, no último
verão, quando o Presidente se
reuniu com Luiz Carlos Barreto,
Arnaldo Jabor, Cacá Diegues,
Miguel Farias, Marcos Altberg,
Marisa Leão, Gláucia Camargo e
com representantes do Ministério
da Cultura. Tinha início uma série
de conversas destes com cineastas,
no Rio e em São Paulo, e um amplo
esforço para identificar soluções.9
O resultado prático destas
propostas
foram
modificações
introduzidas na Lei do Audiovisual,
isto sem lhe alterar contudo a
estrutura. O grupo de interlocutores
acima convenceu o agora presidente
Fernando Henrique Cardoso a
atender às suas reivindicações, entre
estas medidas constava a ampliação
de dedução de 1% para 3% do
imposto devido, no caso de pessoas
jurídicas que realizem investimentos
na área. Além disso, dobrou-se o
limite, por projeto, de 1.700.000
para 3.400.000 UFIR’s. Também se
diminuiu a contrapartida do produtor,
que antes era da ordem 40% e que foi
reduzida para 20%. Aos investidores
foi permitida a dedução mensal e
não apenas ao fim do ano como era
originalmente previsto na Lei do
Audiovisual. Entende-se que neste
momento a política do MinC centrou
o seu foco no setor audiovisual, de
acordo com Francisco Weffort:
15% da demanda. Em resumo, a
lei do cinema e do audiovisual
funciona, mesmo nos limites atuais.
Mas precisa de ajustes que a façam
funcionar melhor[...]10
A partir do exposto pelo então
ministro Francisco Weffort, e ao
se observar a Tabela Recursos
Incentivados no Audiovisual (19942002) , não se poderá afirmar que
o Estado brasileiro não investiu na
atividade audiovisual no período
do governo de Fernando Henrique
Cardoso, principalmente. A busca
de um projeto de caráter industrial
parece clara e acordada com o
setor, que desta maneira garantia
um mínimo de filmes para que a
cinematográfica nacional pudesse
voltar a disputar o mercado
de exibição. Outras questões
candentes ficaram de fora desta
discussão. Destaca-se a cota de tela
regulamentada por MP anualmente
e sem um sistema de fiscalização
que garantisse o mínimo proposto
na lei. Neste período a cota de
tela variou entre 28 e 63 dias por
ano, e com uma regulamentação
desvantajosa para o cinema
Com estas medidas, o Presidente brasileiro notadamente no aspecto
Fernando Henrique pretende criar que se referia à regulação da exibição
uma avenida que ligue os produtores de filmes brasileiros nos complexos
de cinema e audiovisual às empresas de exibição múltipla, cuja cota
e ao mercado. Vejamos alguns máxima era acrescentada de apenas
números. Desde janeiro de 1995 uma semana por sala. O exemplo é
até julho deste ano, 33 projetos de simples, tendo como base a cota de 4
filmes aprovados no Ministério da semanas (28 dias), em um complexo
Cultura concluíram a captação de que tivesse 6 salas, estas exibiriam
recursos no mercado. Essa captação no total apenas 10 semanas de
totaliza 42 milhões de reais, muito filmes nacionais. Diferentemente do
mais do que a Embrafilme podia esquema tradicional que obrigaria
dispor para o cinema nos seus tais salas do citado complexo a exibir
melhores anos. Mas há que anotar 24 semanas de obras nacionais.
também que temos em carteira
No período 1995-1998, um dos
no Ministério, no mesmo período, pontos que se deve destacar na relação
222 projetos aprovados. Significa entre o mercado cinematográfico
dizer que o êxito atual, embora e o Estado brasileiro foi a extrema
considerável quando comparado liberalidade do mesmo em relação
com o passado, não vai além de ao campo. Pois, a legislação vigente
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era ainda basicamente restrita ao financiamento dos
filmes, via leis de incentivo fiscal. O mercado dominado
pelo filme importado encontrava muitas facilidades de
penetração no território nacional. De acordo com o
ministro Francisco Weffort:
As regras atuais não são de mercado aberto, são de
descampado total [...] Serão criadas políticas públicas para
as partes em que o cinema pode se tornar indústria [...] O
governo quer tratar isso como um negócio [...] Não temos
que pagar royalties por filmes que não têm público no
Brasil. Estamos propondo um mecanismo que vai onerar a
escolha, torná-la pensada. Ninguém quer inviabilizar nada.
Por isso vamos discutir com o setor [...]11
Esta discussão foi gerada pelo fato de que o MinC fez
um levantamento da até então 395 salas informatizadas
existentes e descobriu que dos 288 filmes por elas
exibidos apenas 18 eram nacionais. Pior, em 1997, mais
de 100 filmes importados alcançaram menos de 5.000
espectadores e outros 80 menos de 10 mil espectadores.
A expressão corrente na imprensa era que o MinC estaria
incentivando o chamado ‘lixo cultural’. Já que naquela
época se pagava apenas a taxa de R$1.025 por filme de
longa metragem. A idéia era de fixar categorias de filmes
para taxação de importação, fato que só acontecerá com
a edição da MP n° 2.288/01 que criou entre outras coisas
a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria
Cinematográfica (Condecine). Logicamente, exibidores
e distribuidores de filmes importados foram contra tal
medida, esta por sua vez, em um primeiro momento,
também encontrou eco junto ao setor produtivo do
cinema brasileiro que depois viria a mudar de posição.
Os distribuidores tinham uma visão diferente desta
situação, de acordo com o gerente da Columbia,
Saturnino Braga:
Deixamos de lançar no cinema até 20 filmes porque eles
não se pagam. Alguns dos que adquirimos - como Nil
by mouth (de Gary Oldman) – já são lançados diretos
em vídeo.12
Outro executivo importante do setor de distribuição,
Jorge Peregrino,13 afirmou que:
Vamos acabar não podendo trazer mais filmes
alternativos. Mais e melhores blues (de Spike Lee)
e O apóstolo (de Robert Duvall) foram filmes que
tiveram menos de 10 mil espectadores no país, mas
que trouxemos porque eram obras de qualidade que
contribuem para a diversidade do mercado.14
Ainda de acordo com o executivo da Columbia:
Não se pode pegar uma lista de títulos e dizer que
é lixo cultural sem nem sequer assistir ao filme. Eu
repudio a figura do lixo cultural [...] Apenas 54 filmes
importados e lançados em 1997 ficaram abaixo dos 10
mil espectadores.15
A partir dos números de Saturnino Braga, o MinC
foi obrigado a rever a sua posição e recuar. Na época, o
secretário do Audiovisual, Moacir de Oliveira, afirmava
que se tentava achar uma solução para o setor como
um todo. Esta situação gerou um encontro entre
representantes do setor junto ao MinC, numa tentativa
de equacionar tal situação. Além do staff do ministério,
participaram deste encontro: Anibal Massaini, Leonardo
Monteiro de Barros e Mariza Leão, representando os
produtores, Iôna Macedo e, representando os exibidores
se encontravam Adalberto Macedo, Adhemar de
Olivieria e Roberto Darze. O fato é que o projeto de
Weffort seria amplamente derrotado e a sua posição
seria vista como uma formulação técnica errada.
Outra questão candente era que o produto audiovisual
quando exibido no vídeo, na TV paga e aberta deveria
pagar taxas relativas a inserção em cada um destes
segmentos do mercado. O próprio Secretário reconhecia
que este tipo de sonegação existia. O resultado desta
polêmica é que foi aberto um canal de interlocução
institucional , isto aconteceu com a instalação da
Comissão de Cinema do Senado Federal. Ainda em
1999, quando o presidente do Congresso era o senador
Antônio Carlos Magalhães. Este convidou o produtor
Luís Carlos Barreto para depor na Comissão, depois
dele várias outras personalidades estiveram presentes,
entre elas: Assunção Hernandez, Leopoldo Nunes etc.
Por sua vez, as leis de incentivo também foram
muito questionadas e acabaram se tornando o centro de
atenções da sociedade brasileira. Isto aconteceu quando
foi publicada a matéria: Caros, ruins e você que paga, de
autoria do jornalista Celso Masson16. De acordo com o
texto do citado:
Poucos países se esforçaram tanto quanto o Brasil para
ter uma cinematografia nacional. Nos últimos cinco anos
o governo federal abriu mão de 280 milhões de reais para
a produção de filmes, por meio de duas leis de incentivo
[...] Com esse dinheiro, seria possível dobrar o número
de bibliotecas públicas[...] Dessa comparação, surge a
seguinte pergunta: por que priorizar o cinema? Das 71
produções beneficiadas pela lei, entre 1995 e 1998, apenas
sete se pagaram. Os cineastas argumentam que os prêmios
57
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Tabela 3: Maiores empresas captadoras
58
Produtora
Captação (R$)
Nº de filmes
Total-Público
1 Diler & Associados
15.285.670,00
5
10.058.596
2 HB Filmes
15.504.342,00
2
4.680.016
3 O2 Filmes
8.787.558,00
2
3.208.708
4 Rio Vermelho Filmes
12.251.477,99
2
2.613.220
5 Video Filmes
14.218.409,08
6
2.163.936
6 Filmes do Equador
21.242.267,00
5
1.081.303
7 Conspiração Filmes
9.042.748,89
3
1.013.593
8 Sky Light Cinema
16.777.557,22
4
901.221
9 AF Cinema e Video
12.282.041,00
4
819.019
10 Morena Filmes
6.128.963,36
2
665.567
11 Ravina
5.731.286,44
5
346.338
12 Filmes de Brasília
4.017.781,43
1
230.972
13 Cinematográfica Superfilmes
5.451.605,40
5
203.994
14 Lagoa Cultural e Esportiva
4.935.000,00
1
177.401
15 Mapa Filmes do Brasil
3.931.438,98
1
138.032
16 Quimera
3.931.998,61
2
82.016
17 Bigdeni Filmes do Brasil
4.182.530,00
1
62.604
18 Meios de Produção e Comunicação
3.805.463,12
1
43.252
19 Raiz Produções Cinematográficas
3.860.639,40
3
16.272
3.969.633,79
1
2.302
175.338.411,71
56
28.508.362
20 Nova Era Produções de Arte
Total
obtidos no exterior como Central
do Brasil e O quatrilho, indicado
para o Oscar, atestam a vitalidade
do setor no Brasil. Infelizmente,
trabalho como esses, que são
ótimos e merecem todo o prestígio
e bilheteria que conquistaram são
exceções. Pertencem ao grupo dos
que se pagaram. A regra são os
outros 64, entre os quais se incluem
produções mambembes como
O Guarany, de Norma Benguell,
estapafúrdias como Tieta do Agreste,
de Cacá Diegues, ou canhestras
como For all - o trampolim da
vitória, de Luiz Carlos Lacerda,
orçado em 5,2 milhões e visto por
apenas 61.000 pessoas.17
Neste momento, o fator retorno
de público e de receitas se revelou
como um dos pontos mais frágeis
da Lei do Audiovisual e da política
cinematográfica desenvolvida pelo
Estado, através do seu braço executivo
par o setor Minc-SDAv. O fato é que
neste momento o custo médio de
produção de um filme no Brasil era
de US$ 1,5 milhão, enquanto países
como o México, Argentina e Espanha
apresentavam índices inferiores a este
valor. A realidade cambial viria a
mudar esta situação no caso do filme
aqui produzido.
brasileiros cada vez se pagam menos
nas bilheterias das salas de exibição.
Dividindo-se o número do
valor da captação pelo número de
espectadores, verifica-se que os
valores arrecadados nas salas de
exibição não cobrem os custos de
produção e lançamento da média
dos filmes. Percebe-se que grande
a maioria das empresas captou
mais de R$ 4,00 para gerar apenas
1 espectador. Tendo em vista que
o preço médio dos ingressos do
O
custo
da
produção período abordado é maior do que a
cinematográfica brasileira
cifra de R$ 4,00, os filmes brasileiros
não são exatamente lucrativos,
O sistema de incentivo fiscal condição sine qua non num regime
garantiu um alentado desenvolvimento econômico baseado no lucro.
para a o ramo de produção de filmes
Esta situação obriga que o sistema
de longa-metragem. Detendo-se sobre de incentivo seja necessariamente
a Tabela 3 Maiores empresas captadoras, revisto. Isto na medida em que ele não
destaca-se o fato de que os filmes tem gerado uma política industrial
FACOM - nº 16 - 2º semestre de 2006
para o setor propriamente dito. A configuração desta
situação veio a mudar na medida em que as empresas
majors, através do art.3º e a sua reorganização através
do art. 39º da MP 2.228/01, combinadas com a atuação
da Globo Filmes passaram a se inserir de maneira mais
agressiva no mercado de exibição de salas comerciais
brasileiras. Portanto, trata-se de uma situação que
ainda não se encontra exatamente consolidada.
Para se alcançar um estágio de auto-sustenção da
indústria faz se necessário aumentar a participação
do cinema brasileiro nos mercados auxiliares e
mercado nacional e externo. Entretanto, ainda não
se dispõe de uma infra-estrutura ágil e moderna para
dinamizar a atividade, que em tese caberia à Ancine,
MinC, MDIC e outros órgãos governamentais.
Além deste fator, a regulação do mercado através
de uma política maior como aquela proposta
embutida no projeto de criação da Ancinav ajudaria
sobremaneira ao desenvolvimento da atividade. Esta
que seria complementada com a regulamentação da
regionalização da produção da televisão brasileira.
A conjugação de fatores, como leis de incentivo,
Ancinav e regionalização, promoveria um certamente
um novo ciclo industrial para o audiovisual.
NOTAS
1
Economia da Cultura, p.3.
2
Idem, p. 7.
8
A União também viria a investir diretamente na atividade de
produção através do BNDES, além do fato de que muitas empresas
estatais investiram nas leis de incentivo.
9
10
Weffort, F., Cinema arte e indústria. www.minc.gov.br/1995.
Weffort, F. Op. cit. www.minc.gov.br/1995.
Decia, P. “Weffort prepara intervenção no mercado”. Folha de S.
Paulo, p. 4-3.
11
12
Decia, P. Op. cit., p. 4 – 4.
De acordo com Quem é quem no cinema, Jorge Peregrino; vicepresidente da UIP da América Latina, desde 1998, e presidente do
Sindicato de Distribuidores do Rio de Janeiro, o maior banco de dados
sobre o mercado de cinema no Brasil. Começou em 1974 em funções
burocráticas do governo federal, no antigo Instituto Nacional de
Cinema (INC), no Concine e na Embrafilme, onde foi superintendente
de controle da indústria, encarregado da fiscalização e cumprimento
da obrigatoriedade e da instalação do sistema de ingressos e do
banco de dados da empresa [...] Em 2000 a UIP iniciou a operação de
co-distribuição de filmes brasileiros com títulos como Villa-Lobos, uma
vida de paixão [...], p.103.
13
Decia, P., “Mercado se divide sobre taxar filmes estrangeiros”, Folha
de S. Paulo, p. 4–4.
14
Decia, P., “Mercado vê erro em taxa do “lixo cultural”, Folha de S.
Paulo, p. 8 –1.
15
Esta matéria foi escrita quando pipocou na imprensa o escândalo
do filme O guarany, cuja prestação de contas teria apresentando uma
“nota fria” de cerca de 800 mil reais, e Chatô, de Guilherme Fontes,
que apesar de ter captado expressivos valores se encontra ainda
inconcluso.
16
17
Masson, C., “Caros, ruins e você paga”, Veja, p.114.
Esta situação foi consubstanciada através da medida provisória n.º
151/90. O ex-cineasta e então secretário de Cultura, Ipojuca Pontes,
também se incumbiu de reduzir a obrigatoriedade de exibição de
filmes em 50%, através de ato de desregulamentação da indústria
cinematográfica.
3
Após a publicação desta MP, a Embrafilme passará pelo seguinte
trajeto legal: em 12 de abril de 1990, com a edição da lei n.º 8.029
ficava autorizada a dissolução ou privatização da empresa, e logo
depois, em 27 de abril, é a vez do decreto n.º 99.226. Ainda um último
ato legislativo afeta a Embrafilme: trata-se do Decreto n.º 575, de 23
de junho de 1993, que dispõe sobre a transferência de bens e haveres
e o contencioso judicial da distribuidora, concluindo a liquidação da
mesma.
4
5
A Lei nº 6.865, de 20 de julho de 1993, trata da dedução do imposto
de renda mediante aquisição de quotas representativas de direitos de
comercialização de obras audiovisuais de produtoras independentes
via do mercado de capitais e o Art. 3º trata da dedução de imposto de
renda mediante aplicação em co-produção. Sobre a Lei do Audiovisual
consultar o livro de Zaveruscha, V., Lei do Audiovisual passo a passo.
6
A lei nº 8.313 trata de incentivos fiscais através do Fundo Nacional
de Cultura (FNC).
O termo não tem um uso que pode ser considerado como
confortável, entretanto o mesmo será utilizado no sentido de que o
mesmo caracteriza a produção do período (1993-2003).
7
ANDRÉ PIERO GATTI
Prof. de História do Cinema Brasileiro da
FACOM-FAAP. Doutor em Cinema Brasileiro
ECA-USP e pesquisador cinematográfico.
59
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Investimento no cinema brasileiro