1 Audiovisual Princípios As indústrias culturais não podem nem devem estar sujeitas às mesmas regras comerciais aplicadas aos demais produtos industrializados, porque agregam valores que não podem ser medidos apenas através dos preços de compra e venda. A comercialização dos produtos culturais, sejam nacionais ou estrangeiros, não pode estar atrelada exclusivamente aos aspectos econômicos, às leis do mercado, mas sim e fundamentalmente ao respeito à liberdade de circulação da cultura. Este caráter de exceção das indústrias culturais é sustentado pela necessidade estratégica, em um mundo globalizado, de mantermos a identidade cultural brasileira, de mantermos a nossa personalidade diante de nós mesmos e diante do mundo. A identidade cultural de um povo, de um país, se preserva e se constrói e se fortalece a cada dia com a alimentação e a potencialização de nossa língua, de nossas manifestações artísticas, do nosso comportamento peculiar, do nosso jeito de ver e pensar o mundo e a humanidade, da nossa capacidade de sermos nós mesmos e de mostrar esta capacidade aos outros povos. As análises e projeções mais sábias e confiáveis, desenvolvidas por especialistas independentes e por departamentos estatais, das próximas décadas indicam que as maiores atividades econômicas estarão relacionadas às indústrias culturais e à comunicação. Isto significa que o país que não desenvolver e não fomentar sua expressão cultural estará condenado a um papel secundário na economia global. Alguns países, entendendo e antecipando esta mega tendência econômica, já avançaram, já estão ocupando espaços vitais na circulação nacional e internacional de bens culturais. Das dez maiores indústrias francesas, seis são culturais. Das dez maiores indústrias inglesas, cinco são culturais. A maior receita direta dos Estados Unidos vem da indústria bélica e a segunda receita vem da indústria audiovisual, dos filmes que todo mundo compra e que ocupam 80% do mercado consumidor de cinema em todo o planeta. A indústria audiovisual é a segunda em receita nos Estados Unidos porque a estatística se refere apenas à venda dos produtos audiovisuais, mas com absoluta certeza é a primeira se levarmos em conta, como deve ser levado, a sua enorme capacidade de anunciar e vender outros produtos americanos, inclusive as armas. O audiovisual é a maior e mais importante indústria cultural. O país que não desenvolver e fizer circular nas próximas décadas sua expressão audiovisual (no cinema, na televisão, no vídeo, nas mídias digitais), estará fadado, condenado, a ser um país importador. Não apenas importador de filmes e outros produtos audiovisuais, mas também de uma infinidade de produtos e comportamentos que incidirão direta e gravemente na nossa economia. A adoção do caráter diferenciado, de excepcionalidade, para as atividades das indústrias culturais, é particularmente necessária e urgente no que se refere ao audiovisual. Os produtos da indústria audiovisual não podem ser tratados como mercadorias quaisquer de consumo, pois possuem um valor distinto das demais mercadorias comercializadas no mercado internacional: o valor da riqueza imaterial, da identidade nacional, da cidadania e da soberania. Esses produtos devem ser protegidos por leis de apoio específicas, incluindo subsídios públicos e benefícios governamentais. Internamente, tratando-se do nosso mercado consumidor de filmes, temos de garantir um espaço digno e abrangente para a expressão brasileira, sem excluir a circulação neste mercado de bons produtos de outros países, garantindo a reciprocidade de tratamento nestes países. Temos de criar uma rede de distribuição do produto nacional, sem que para isso tenhamos de fechar as 2 portas para a distribuição de produtos de outras procedências. Como foi feito com a Petrobrás, que era uma empresa deficitária até o momento em que criou a BR Distribuidora, espalhando milhares de postos de venda em todo o país. O Brasil extraía e refinava o petróleo e quem o vendia eram as multinacionais. Quando passamos a ter nossos próprios postos de gasolina a Petrobrás começou a apresentar lucros e algumas empresas estrangeiras se retiraram do negócio. Externamente, temos de conseguir mercados para o nosso produto, já que se trata de uma atividade internacionalizada, e lutar pela adoção de princípios e legislações nacionais e internacionais que garantam uma isonomia entre o atual cinema hegemônico, o dos Estados Unidos, e todos os cinemas nacionais, que garantam o direito de todo cidadão, brasileiro ou estrangeiro, ter acesso à pluralidade cinematográfica que existe no mundo. Esta posição está estribada no conceito da diversidade cultural, no direito de todos nós de termos acesso às manifestações culturais e artísticas de maneira ampla e irrestrita e não apenas a determinadas manifestações de determinados países. O conceito e a prática da diversidade cultural é o corolério do princípio da liberdade de expressão, sem a qual não podemos exercer plenamente o exercício da cidadania. Sugestões para um programa de governo: .Inserir a produção e difusão audiovisual no âmbito das atividades estratégicas nacionais. .Assumir o princípio de Acesso ao Bem Cultural, direito garantido ao cidadão pela Constituição Brasileira, como fundamento para desenvolver e gerir políticas que promovam a formação e ampliação de platéias e ações alternativas de acesso universal das pessoas aos produtos audiovisuais. .Instalar plenamente a Ancine-Agência Nacional de Cinema, criando condições excepcionais para o desenvolvimento de suas atividades. .Ampliar a participação do Ministério da Cultura no fomento à realização de filmes e programas televisivos de produção independente, estimulando a renovação e ampliação dos quadros profissionais, técnicos e artísticos. .Reformular as leis de incentivo fiscal no sentido de um aproveitamento mais amplo e direto dos recursos por parte dos realizadores e produtores independentes. .Criar e desenvolver uma política de formação de novos profissionais. .Inserir na educação básica (desde a escola primária) o ensinamento e a prática da linguagem audiovisual. .Regulamentar e fiscalizar o acesso da produção brasileira independente e dos cinemas nacionais à programação das emissoras de televisão, atendendo às disposições constitucionais e ao princípio da Diversidade Cultural. .Instituir a produção televisiva regional (art. 221 da Constituição). .Criar e fiscalizar a regulamentação específica para o produto audiovisual brasileiro, com o objetivo de preservar sua competitividade em relação ao produto hegemônico no mercado interno, prevendo mecanismos de isonomia competitiva. 3 .Discutir, junto a OMC-Organização Mundial do Comércio, o efeito das práticas monopolíticas e de dumping de comercialização do produto hegemônico no Brasil e, a exemplo de outros países, defender os princípios da Diversidade Cultural e da Exceção Cultural. .Desenvolver uma política externa sólida para o audiovisual brasileiro. .Empreender ações que estabeleçam o diálogo e tomada de posições com países de processos e princípios similares visando a internacionalização do produto nacional e reforçando a defesa dos interesses comuns. o.s. 19-09-2002