ÍNDICE
AGRADECIMENTOS.......................................................................... 2
APRESENTAÇÃO E CONTEXTUALIZAÇÃO.................................. 3
SITUAÇÕES DE VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS............ 6
VIOLÊNCIA POLICIAL ...................................................................... 6
2. CONDIÇÃO CARCERÁRIA............................................................ 9
3. VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER .............................................11
DISCRIMINAÇÃO CONTRA OS SEROPOSITIVOS E
PORTADORES DO VIH/SIDA......................................................... 14
VIOLAÇÃO DO DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO,
REUNIÃO E MANIFESTAÇÃO........................................................ 18
VIOLAÇÃO DO DIREITO À HABITAÇÃO: DESPEJOS
FORÇADOS......................................................................................... 23
RECOMENDAÇÕES.................................................................................................. 26
1) VIOLÊNCIA POLICIAL........................................................................................ 27
Sobre a Violência Policial, recomendamos ao Governo Angolano e ao Comando
Geral da Polícia Nacional o seguinte:..........................................................................27
2) CONDIÇÃO CARCERÁRIA.......................................................... 28
Sobre a condição carcerária, recomendamos ao Governo Angolano, a ProcuradoriaGeral da República e a Direcção Nacional dos Serviços Prisionais o seguinte:..........28
3) VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER............................................ 28
Sobre a violência contra a mulher, recomendamos ao Governo Angolano e a
Assembleia Nacional o seguinte:................................................................................. 28
4) DISCRIMINAÇÃO CONTRA OS SEROPOSITIVOS E
PORTADORES DO VIH/SIDA......................................................... 29
Sobre a discriminação contra os seropositivos e portadores do VIH/SIDA,
recomendamos ao Governo Angolano, as Autoridades do Sistema de Saúde Pública e
a Assembleia Nacional o seguinte:.............................................................................. 29
5) VIOLAÇÃO DO DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO,
REUNIÃO E MANIFESTAÇÃO........................................................ 31
Sobre a violação do direito à liberdade de expressão, reunião e manifestação
recomendamos ao Governo Angolano e Assembleia Nacional o seguinte:.................31
6) VIOLAÇÃO DO DIREITO À HABITAÇÃO E DESPEJOS
FORÇADOS......................................................................................... 32
Sobre a violação do direito à habitação e despejos forçados recomendamos ao
Governo Angolano, a Procuradoria Geral da República e a Assembleia Nacional o
seguinte:....................................................................................................................... 32
CONCLUSÃO..................................................................................... 35
1
AGRADECIMENTOS
Este relatório é um ponto de convergência do trabalho realizado por várias
pessoas. Contribuíram para a feitura deste relatório a senhora Nadejda
Marques, ex- investigadora e consultora da Human Rights Watch, os
senhores Fernando Macedo, Presidente de Direcção da AJPD, a senhora
Lúcia Silveira, Gestora do Programa de Reforma Penal, a senhora Delma
Monteiro, Gestora do Projecto de Advocacia dos Direitos dos
Seropositivos. Agradecíveis são também os Oficiais de Programa da AJPD
nomeadamente as senhoras Sandra Furtado e Maria Henda, o senhor
Carlos Teixeira, e o pessoal administrativo nomeadamente os senhores
Carlos Alberto e Joaquim Gonçalves. A todos estas pessoas endereçamos o
nosso muito obrigado.
A AJPD também gostaria de agradecer o apoio de algumas Organizações
da Sociedade Civil com as quais tem estabelecido parcerias sobretudo a
SOS-Habitat, Associação Luta pela Vida (LPV) e a associação Acção
Humana.
Agradecemos igualmente a Embaixada dos Estados Unidos em Angola
por ter financiado a implementação deste Projecto denominado “ Relatório
Anual dos Direitos Humanos 2005”.
2
1. APRESENTAÇÃO E CONTEXTUALIZAÇÃO
1. A Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD) é uma organização
angolana, de âmbito nacional, constituída, nos termos da lei, em 2000 e tem
como objectivos estatutários contribuir para a participação activa, consciente e
responsável dos cidadãos angolanos no processo de consolidação do Estado
democrático de direito, da paz, do desenvolvimento e do respeito aos direitos
humanos em Angola.
Com vista a alcançar este objectivo a AJPD tem implementado vários
projectos e programa nomeadamente «o Programa de Reforma Penal», «o
Projecto de Advocacia dos Direitos dos Seropositivos»; o «Projecto de
Reforma Constitucional, Eleições e Educação Cívica» implementado em
Cabinda em parceria com o NCC e Secretariado Provincial do FONGA
naquela província.
Ainda no âmbito dos seus objectivos a AJPD tem procurado pesquisar,
documentar, e denunciar situações de violação de Direitos Humanos em
Angola.
Depois de ter publicado em Dezembro de 2005, «o Relatório de Direitos
Humanos: Um olhar sobre o Sistema Penal Angolano, Agosto de 2000Outubro de 2005», a AJPD publica o presente relatório anual de Direitos
Humanos referente ao ano de 2005, intitulado «ANGOLA: A VIOLAÇÃO
DOS MEUS DIREITOS ESCONDIDA NA PACIFICAÇÃO DO PAÍS E
NA EXPECTATIVA DAS PRÓXIMAS ELEIÇÕES».
Desde o fim do conflito militar em 2002, Anagola começou a trilhar pelos
caminhos do processo de pacificação e de consolidação do Estado de Direito
e da Democracia e consequentemente a legitimação das suas instituições.
3
Neste contexto, os angolanos esperam ansiosamente a realização do segundo
pleito eleitoral. No entanto, ao longo do referido processo continuam a
verificar-se várias violações dos direitos humanos no país.
2. Embora o respeito pelos Direitos Humanos seja um dos pressupostos do
Estado de Direito Democrático, a situação de violação dos direitos humanos
em Angola é ainda bastante preocupante. Agentes da Polícia Nacional
continuam a espancar e a prender de forma arbitrária ou sem fundamento
legal, e executam sumariamente angolanos suspeitos de cometerem crimes.
Fiscais do Governo Provincial de Luanda, a coberto de porem ordem a venda
ambulante na cidade maltratam cidadãos indefesos.
A condição das cadeias em Angola continua precária e viola as principais
normas nacionais e internacionais de Direitos Humanos. Nessas instalações,
os presos estão sujeitos a maus-tratos, tortura, espancamentos e outros
tratamentos humilhantes e degradantes. Até a feitura desde relatório existiam
nas cadeias angolanas cerca de 8.300 reclusos (Cf. Relatório dos Direitos
Humanos no Sistema Penal Angolano).
Agentes da polícia e fiscais do Governo Provincial de Luanda são também
responsáveis pelo uso de força desproporcional contra civis no processo de
despejos e demolições de residências. Além de verem os seus bens
apreendidos e/ou destruídos, muitos angolanos que habitam tanto nas regiões
urbanas de grandes centros, como por exemplo em Luanda, mas também nas
regiões rurais, são agredidos, espancados e presos arbitrariamente e sem
observância das Normas e Procedimentos Administrativos vigentes no país.
A violência contra a mulher também continua a atingir índices elevados.
Muitas mulheres e meninas angolanas sofrem ainda discriminação de natureza
familiar e estrutural. Esta situação é mais grave ainda, na medida em que
existem poucos diplomas legais específicos que protegem os direitos da
mulher. Por exemplo, Angola ainda não possui legislação específica que
aborde casos de violência sexual ou violência doméstica. Além disso, as leis
tradicionais vigentes em Angola, muito implementada algumas regiões,
continuam a ser discriminatórias em relação as mulheres.
Os seropositivos e portadores do VIH/SIDA também sofrem com a falta de
um programa de assistência médica e tratamento de abrangência nacional. O
tratamento e a distribuição dos medicamentos anti-retrovirais inicialmente
centralizados em Luanda, agora são administrados, timidamente, no Kunene e
em Cabinda, o que significa que os seropositivos das demais províncias
precisam de se deslocar a aquelas províncias, pelos seus próprios meios, sem
qualquer assistência governamental. Por exemplo, muitos seropositivos que se
4
deslocam a Luanda, estão sujeitos à contratempos que podem ser fatais tais
como a distribuição de medicamentos expirados, o adiamento de suas
consultas devido ao grande número de pacientes e a falta de recursos materiais
e humanos para atendê-los.
Ainda é lamentável constatar que, embora a Lei Constitucional em Angola
consagra o direito à liberdade, continuam a verificar-se incidentes de
desrespeito e abuso contra os direitos de liberdade de expressão, associação e
reunião. Além das divulgadas denúncias de abusos e ameaças sofridos por
jornalistas em diversas regiões do país, observamos o uso arbitrário e
desnecessário da força contra defensores de direitos humanos e membros de
associações da Sociedade Civil sempre que estes promovem críticas e
protestos contra as políticas públicas ou contra forma de governação ou ainda
contra práticas/actos de servidores públicos que atentem contra os direitos
fundamentais.
Existem várias situações que concorrem para que continue a haver violações
de direitos humanos.
O presente relatório não abrange todas as violações dos direitos humanos que
foram cometidos em Angola ao longo do ano de 2005. Documentamos
somente aquelas violações e abusos de que a AJPD tomou conhecimento e
em que foram vítimas grupos/ pessoas com os quais a nossa associação teve
contacto durante a implementação das suas actividades. Por exemplo, não
incluímos neste relatório, dentre outras, as violações aos direitos da criança,
que, como se sabe, Angola, segundo as estatísticas de algumas Organizações
Internacionais, se encontra entre os países que mais violam os direitos das
crianças.
Narremos violações de direitos humanas ocorridas em algumas províncias do
país, com maior incidência em Luanda. No entanto, isto não significa que
aquelas províncias que não forem citadas não existam violações de direitos
humanos. Também não relataremos com acuidade os casos praticados em
zonas de conflito, como é o caso de Cabinda.
Para elaborar o presente relatório, a Associação Justiça, Paz e Democracia
visitou algumas cadeias e esquadras do país, entrevistou centenas de detidos,
autoridades prisionais e policiais, jornalistas, professores, estudantes
universitários, defensores de direitos humanos, membros de igrejas durante
nos finais do ano 2004 e todo ano de 2005.
Por último, para protecção da integridade física e moral dos entrevistados,
quando necessário, os seus nomes foram mantidos em sigilo ou modificados.
5
SITUAÇÕES DE VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS
1. VIOLÊNCIA POLICIAL
A violência policial em Angola constitui uma das violações aos direitos
humanos mais frequentes. No ano de 2005, a AJPD documentou mais de
vinte casos de prisão arbitrária, detenção ilegal, uso excessivo de força e
execuções sumárias. Embora estes dados não possam servir como indicador
global nem tampouco como base comparativa com os anos anteriores, a
AJPD acredita que os índices de violência policial se mantiveram estáveis nos
últimos meses com tendência de agravamento caso o processo de
remodelação da Polícia Nacional não perdure e não se discipline e ou sancione
os agentes que cometam actos que atentem contra os direitos dos cidadãos.
Ao mesmo tempo, a AJPD reconhece que a Polícia Nacional tem dedicado
considerável atenção a promoção, a educação e a reabilitação de seus quadros
no âmbito de implementação do Plano acima referido. No entanto,
dificuldades tais como baixos salários atraso no pagamento, falta de um plano
de cargos e salários e a prevalência de uma impunidade generalizada
contribuem para o sentimento de insatisfação, abuso de poder e corrupção
dentro dos quadros de polícia.1
Em Benguela, um grupo de oficiais, sargentos e agentes da terceira unidade da
Polícia de Intervenção Rápida (PIR), denunciou em Julho deste ano sofrer
maus-tratos impostos pelo superintendente local e comandante da Unidade, o
senhor Sebastião João “Manico”. Os maus-tratos incluíam o trabalho forçado
1
Ver, por exemplo, A Capital, “Funcionários da Polícia Nacional não se revêem na prometida remodelação”;
Luanda; 26 de Março a 2 de Abril, 2005.
6
na criação do gado bovino, suíno e caprino. Os oficiais estariam ainda sujeitos
à ameaças, extorsão e outros castigos.2
Em meados deste ano de 2005, cortes nos salários dos operadores de
computadores, escriturários, agentes e trabalhadores civis gerou considerável
onda de protestos na Polícia Nacional.3 Agentes expulsos da Polícia Nacional
por práticas indecorosas e extorsão também organizaram uma contestação
pública sobre a autoridade da instituição.4
Por outro lado, espancamentos e outras formas de abuso por parte da Polícia
Nacional e de agentes da fiscalização do Governo da Província de Luanda, são
bastante comuns. Agentes da polícia espancam, torturam e até mesmo
executam suspeitos dos mais diversos tipos de infracção ou crime, sem
observância do princípio da presunção da inocência previsto na Lei
Constitucional vigente no país. Sem qualquer mandato judicial fazem buscas e
apreensões além de promoverem práticas de extorsão e intimidação contra
cidadãos comuns ou indefesos.
No dia 11 de Dezembro de 2004, no São Paulo, Raimundo Makala, de 38 anos
estava em companhia de seu tio Noé Kangunlungo quando foram abordados
por agentes da polícia que supostamente fiscalizavam a actividade de
vendedores ambulantes. Após pedirem os documentos de identificação, os
agentes teriam empurrado e bofeteado Raimundo Makala.5
Em Fevereiro de 2005, a Polícia Fronteiriça de Santa Clara, no município de
Namakunde, na província do Kunene, teria maltratado e matado dois rapazes
supostamente acusados de exercício ilegal da actividade comercial na
fronteira.6 Três meses depois, em 13 de Maio de 2005, o facto tornou-se a
repetir com o jovem J. P., morto no posto fronteiriço depois de ter sido
submetido a várias torturas.7
2
Angolense, “O drama dos polícias escravos,” Luanda, 2 a 9 de Julho, 2005.
3
Angolense, “Revolta na direcção de logística da polícia;” Luanda, 2 a 9 de Julho, 2005.
4
A Capital, “O que persegue a mais recente onda de expulsão na Polícia Nacional?”, Luanda, 25 de Junho a 2
de Julho, 2005.
5
Angolense, “Popular espancado por polícias no São Paulo”,Luanda, 15 a 22 de Janeiro, 2005.
6
Entrevista da AJPD com activista dos direitos humanos, Cunene, Maio de 2005.
7
Entrevista da AJPD com activista dos direitos humanos, Cunene, Maio de 2005. Para maiores informações
sobre a actividade dos policiais nas zonas fronteiriças, ver também, “Lundas: As pedras da morte. Os
diamantes fatais de Angola: Abusos de direitos humanos nas províncias das Lundas”, 2005.
7
No dia 19 de Abril de 2005, em Malange, António Tchahingo, professor, foi
detido pela polícia sem mandato de captura tendo permanecido mais de 6 dias
na Comarca de Malange, sem interrogatório nem julgamento. Dias depois
faleceu aparentemente por inanição.8
A brutalidade da acção policial é fato tão corriqueiro que, as vezes, é
accionada por motivos banais. Por exemplo, no Kwanza Sul, no dia 8 de
Junho de 2005, agentes da Polícia Nacional espancaram com puretes o
cidadão Manuel António supostamente por este ter mudado de faixa na
estrada sem accionar o pisca da sua viatura.9
Facto semelhante sucedeu com o cidadão Miguel Katanha, em Maio do
mesmo ano. Miguel Katanha foi espancado e algemado pela Polícia Nacional
após ter sido interceptado por um agente enquanto conduzia a sua motorizada
e supostamente cometera uma infracção de trânsito no município do Porto
Amboim, na província do Kwanza Sul.10
Em Setembro de 2005, o músico Cláudio Paulo Sebastião, de 17 anos,
conhecido como Amizade, foi encontrado morto depois de a sua casa ter sido
invadida por um grupo de cidadãos armados, supostamente pertencentes à
Polícia Nacional. Testemunhas afirmaram que os indivíduos armados
invadiram a sua casa no município do Sambizanga, em Luanda, tiraram-lhe da
cama e executaram-no por fuzilamento em frente a parede da casa de uma
vizinha.11 Até ao momento de elaboração deste relatório, ainda não tínhamos
tomado conhecimento da existência da instauração de um inquérito policial
para apuramento dos factos.
Agentes da polícia tampouco mediram as consequências quando em 17 de
Outubro de 2005, prenderam um garoto de oito anos em decorrência de
comuns desentendimentos na hora do intervalo em sua escola. O garoto,
Milkin Neto, filho do reconhecido radialista, Miguel Neto, foi retirado de sua
casa por agentes da polícia com armas em punho quando almoçava com sua
família e levado para uma Esquadra de Polícia.12
8
Entrevista da AJPD por telefone com jornalista e activista dos direitos humanos, Malange, Abril de 2005.
9
Entrevista da AJPD com activista dos direitos humanos, Kwanza Sul, Junho de 2005.
10
Entrevista da AJPD com activista dos direitos humanos, Kwanza Sul, Junho de 2005.
11
Ver, A Capital, “Houve engano policial ou haverá fogo debaixo do fumo? Luanda, 1 a 8 de Outubro, 2005.
Ver, A Capital, “Agentes da Polícia invadem residência para prender um rapaz de oito anos! ;” Luanda, 15 a
22 de Outubro, 2005.
12
8
2. CONDIÇÃO CARCERÁRIA
O Sistema Prisional, a condição das cadeias e das esquadras em Angola
constituem ambientes onde ocorrem as mais graves violações aos direitos
humanos no país neste período de transição da guerra para a paz.13 Como foi
descrito em recente relatório da AJPD sobre o Sistema Penal angolano, são
diversas as formas de violação e abuso aos quais estão submetidos muitos
cidadãos angolanos14 que constituem a população carcerária angolana.15
Um primeiro problema revela-se ao analisarmos as estruturas físicas e
instalações das penitenciárias. A falta de instalações condignas para albergar
detidos é cada vez mais visível, por exemplo na província do Bengo, os
detidos e presos estão albergados nas instalações da antiga indústria da
açucareira, noutras províncias são albergados em armazéns ou em contentores
sem as devidas adaptações. Além do mais, muitas destas instalações,
degradadas pelo tempo, são agravadas pela escassez de recursos e pessoal
capacitado. É comum a falta de electricidade e de água potável.
A AJPD constatou, por exemplo, que na província do Kunene, a cadeia do
município de Kwanhama não tem condições para albergar detidos, as pessoas
fazem necessidades fisiológicas num barril de plástico, não têm acesso a água
potável e não possui sistema respiratório. Semelhante situação foi constatada
na cadeia do Kuvelai onde por falta de instalações os detidos são amarrados
em árvores e a cadeia municipal da Kahama que funciona num contentor de
20 pés uma pequena janela para passar ar.16
De facto, os detidos sujeitos à superlotação das cadeias e penitenciárias são
frequentemente submetidos a tratamentos desumanos e degradantes violando
desta maneira as Regras Mínimas para Tratamento dos Reclusos e
instrumentos jurídicos internacionais de direitos humanos. Devido a
superlotação, grande parte dos detidos são obrigados a dormir no chão,
13
Aqui se referem às esquadras de polícia que possuem celas onde também ficam detidos transitoriamente
cidadãos acusados de crimes.
Segundo dados fornecidos pelos Serviços Prisionais de Angola, em Outubro de 2005, existiam cerca de
8300 pessoas nas cadeias do país.
14
15
Neste relatório não trataremos especificamente dos demais problemas associados ao sistema penal tais
como a morosidade dos julgamentos, a falta de juízes dentre outros. Para maiores informações sobre esse
tema, ver “Relatório de Direitos Humanos: Um olhar sobre o Sistema Penal Angolano”, AJPD, Luanda,
Outubro, 2005.
16
Visita da AJPD aos respectivos locais, Kunene, Maio de 2005.
9
inclusive no banheiro, próximo ao buraco das sanitas.17 Como exemplo da
superlotação que afecta as cadeias em Angola, citamos a Cadeia Central de
Luanda, que tendo capacidade oficial para 500 reclusos abriga actualmente
cerca de 2.800 reclusos, mais que cinco vezes da sua capacidade máxima.18
Constatação semelhante foi feita pelos deputados da 9.ª Comissão da
Assembleia Nacional de Angola (Comissão dos Direitos Humanos, Petições e
Reclamações dos Cidadãos) aquando da sua visita a Unidade Penitenciária
Militar da Huíla, observaram que a referida Unidade tem capacidade máxima
para 20 reclusos, mas mantinha cerca de 48 pessoas reclusas em condições
deploráveis.19
No ano de 2005, à semelhança dos últimos cinco anos em que a AJPD
pesquisa e documenta abusos cometidos nas prisões em Angola, também se
constatou que agentes penitenciários aplicam a tortura e espancamentos como
forma de investigação e obtenção de confissão.20 Em 2005, a AJPD
documentou sérios casos de violação aos direitos humanos e tortura de
cidadãos detidos na Cadeia do Kwanza-Sul.21
Outras violações constatadas nas cadeias são a falta de alimentação adequada e
assistência médica insuficiente para os reclusos. Na Penitenciária do Condueje,
a AJPD constatou que os detidos têm acesso apenas a uma refeição por dia.22
Em 7 de Dezembro de 2004, cerca de sete presos morreram na Cadeia da
Muxinda, na província da Lunda Norte, por asfixia e devido a superlotação no
número de detidos na cela.23
Em 2 de Setembro de 2005, o cidadão Domingos Maurício, de 37 anos,
trabalhador informal foi detido em sua casa por agentes da polícia nacional
sob acusação de posse ilegal de armas. Inicialmente foi detido e encaminhado
para a Sub-Unidade de Luanda Sul e posteriormente transferido para o
Comando da 7a. Divisão da Polícia onde foi encontrado morto após uma
semana de prisão ilegal. Segundo a versão oficial, o cidadão em causa terá
morrido vítima de tuberculose. No entanto, segundo o exame médico
17
Entrevista da AJPD na Cadeia Central de Luanda; 26 de Janeiro de 2005.
18
Dados dos Serviços Prisionais de Angola, Luanda, 20 de Outubro, 2005.
19
Ver “Estado da Penitenciária Militar da Huíla é lastimável”; Website de notícias: www.angonoticias.com.ao
20
Entrevista da AJPD na Cadeia Central de Luanda, 26 de Janeiro de 2005.
21
Visita e entrevistas da AJPD com jornalistas e activistas que visitaram a Cadeia do Kwanza Sul, Junho de
2005.
22
Entrevista da AJPD, Luanda, Outubro, 2005.
23
Emissões da Rádio Ecclésia e Rádio LAC, Luanda, Dezembro de 2004.
10
realizado pela Direcção Nacional de Investigação Criminal (DNIC),
Domingos Maurício, teria sido vítima de um choque traumático, como
consequência de agressões físicas com objectos contundentes.24
Outro problema grave que continua a existir é do excesso de prisão
preventiva. A prisão preventiva tem prazos previstos por lei. No entanto, os
prazos são demasiados alargados para quem se presume inocente. Os detidos
também são continuamente acusados fora do prazo máximo ordinário
previsto na Lei da Prisão Preventiva sem serem notificados conforme impõe a
Lei a da Prisão Preventiva.25
Além disso, a efectivação das garantias dos arguidos previstas no Código de
Processo Penal é pouco vísivel, por exemplo no que se refere ao recurso a
providência do Habeas Corpus e o internamento em celas separadas. Por um
lado, muitos juízes continuam a recusar a dar provimento ao habeas corpus sem
nenhuma fundamentação legal, por outro lado, detidos em regime de prisão
preventiva são mantidos nas mesmas celas com cidadãos condenados.
Além disso, em suas visitas aos estabelecimentos prisionais de Angola, a
AJPD constatou que muitos reclusos que poderiam gozar de liberdade
condicional continuam alheios a esse direito por falta de organização dos
processos e da apresentação da certidão de sentença ou mesmo de falta de
transporte ou outros aspectos logísticos.26 Por exemplo, na Cadeia do Péu
Péu, há 90 Km de Ondjiva, muitos cidadãos permanecem na cadeia mesmo
depois de cumprirem os prazos de condenação, por falta de transporte e de
comunicação.
Embora, a Direcção Nacional dos Serviços Prisionais tem se mostrado mais
receptivos ao acesso aos reclusos e à visita de advogados e membros da
Sociedade Civil às prisões, vários familiares queixaram-se a AJPD de que são,
na ocasião das visitas familiares, submetidos a extorsões e outras formas de
desrespeito e abuso aos direitos humanos.27
3. VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
24
Ver, ofício da AJPD sobre o caso, ofício Ref. No. 775/DG, 9 de Setembro de 2005 dirigida ao ProcuradorGeral da República. Ver também Semanário A Capital, “Agentes da Polícia acusados de espancarem preso
até a morte;” Luanda, 10 a 17 de Setembro, 2005.
25
Violação ao Artigo 25.º da Lei de Prisão Preventiva. Ler também o recente Relatório da AJPD sobre
Sistema Penal.
26
Visitas e entrevistas da AJPD às cadeias em Luanda, Kunene, Kwanza Sul, 2005.
27
Entrevista da AJPD com familiares de detidos, Luanda, 2005.
11
Desde 1986, Angola faz parte da Convenção para Eliminação de todas as
Formas de Discriminação Contra as Mulheres (CEDAW). No cumprimento
das obrigações relativas a esse tratado, Angola apresentou em 2005 o seu
relatório periódico sobre a condição das mulheres angolanas.28 Nesse
relatório, está claro que a situação da mulher angolana é bastante alarmante.
As mulheres angolanas são continuamente submetidas a maus-tratos, agressão,
violação e até mesmo assassinadas. Muitas vezes, os responsáveis pelos actos
criminosos são os maridos ou outros membros da família. Neste contexto,
destacamos também que é extremamente preocupante o facto de ainda não
existir em Angola uma provisão jurídica específica que permita a polícia actuar
em casos de violência doméstica.29
Jovens meninas de 13 a 14 anos foram angariadas por fazendeiros e
empresários rurais com promessas de ganharem muito dinheiro em fazendas
do interior de Angola. Postos lá, para além da desmedida exploração laboral a
que foram submetidas, muitas foram convertidas em escravas sexuais,
confinadas a prostíbulos e destinadas a satisfazer orgias e festins de patrões e
visitantes. Caso ficassem concebidas, eram expulsas das fazendas e abandonas
ao estigma do opróbrio cultural.30
Logo no início do ano de 2005, as senhoras Francisca Kangula e Nhama Luísa
foram assassinadas na província da Huíla pelos seus respectivos maridos após
terem sido violentamente espancadas.31 Sobre esses casos, a AJPD não obteve
nenhuma informação sobre a instauração dos respectivos processos contra os
acusados, até a data da elaboração deste relatório.
Segundo dados da Organização da Mulher Angolana (OMA), são feitos cerca
de 20 registros de abuso ou violência cometidos contra as mulheres. Destes
casos, geralmente, 15 são novos e 5 são reincidências.32 Este número é, no
entanto, aparente, uma vez que a maioria das mulheres subestima as suas
possibilidades e ignora seus direitos.33
28
Disponível em http://www.bayefsky.com/reports/angola_cedaw_c_ago_1_3_2002.pdf
Ver, por exemplo, artigo 79.º da Lei sobre a Polícia que diz que a organização não deve interferir em
conflitos civis ou privados, excepto na medida em que tal for necessário para manter a ordem pública.
29
Ver ofício da Associação Construindo Comunidades (ACC), “Julgamento do Caso de Cárceres Privados e
Torturas (Gambos) Exijamos Todos Justiça e Igualdade Perante a Lei!”, Lubango, Outubro de 2005.
30
31
Jornal de Angola, “ Duas mulheres morrem por espancamento no Lubango”, Luanda, 14 de Janeiro de 2005.
32
Entrevista AJPD com representante da OMA, Luanda, Outubro de 2005.
33
Ver, por exemplo depoimento da Senhora Diana Martins, 27 anos ao semanário Angolense. Angolense; “Há
cinco anos que sou vítima de violência doméstica;” Luanda, 23 de Abril, 2005.
12
De facto, a violência sexual e doméstica contra mulheres e meninas indefesas,
embora cometida de forma sistemática e generalizada, é pouco documentada
em Angola. Poucos são os casos apresentados à polícia ou levados a juízo. No
geral, as mulheres temem relatar casos de violência sexual ou doméstica
devido ao forte estigma cultural a que estão sujeitas.
Um caso que comoveu a opinião pública em Junho de 2005, foi o da jovem
I.L, 22 anos, que denunciou ter sido espancada por seu então namorado
Hélder Dias dos Santos, filho do Primeiro-Ministro da República de Angola,
Fernando Dias dos Santos.Hélder teria perseguido a vítima em ambiente
público, puxado seus cabelos e atirado-a contra um portão de ferro.34 Após o
incidente que chocou a opinião pública, Hélder teria ainda se gabado de sua
impunidade.35
No Kunene, Graciano Ndeuyepa, Chefe da Secção Municipal de Educação de
Namacunde, violou no Complexo Hoteleiro do Oihole, naquela província
uma jovem de 18 anos, agente do ensino na povoação do Oihole.36 Os
familiares da vítima procuram resolver o caso na justiça, mas não foram bem
sucedidos.
As mulheres também estão sujeitas aos abusos e violações descritas em outras
partes deste relatório. Por exemplo, nas cadeias, as mulheres mesmo grávidas,
além de conviverem com as péssimas condições prisionais são submetidas à
mau-tratos e violência física e psicológica.37
No dia 18 de Maio de 2005, Eva Francisco Pascoal, de 40 anos de idade, foi
detida por agentes da polícia nacional sem qualquer notificação na Comuna do
Wenji Maka, sita na Calemba II, Município do Kilamba Kiaxi, em Luanda.
Eva Pascoal encontrava-se concebida e teria perdido o bebé devido aos maustratos sofridos na esquadra de polícia.38
As mulheres também formam grande parte dos vendedores ambulantes. São
as mulheres quitandeiras, zungueiras ou kinguilas que sofrem com os abusos
cometidos por agentes da polícia nacional e de fiscais do Governo Provincial
de Luanda nas ruas dos centros urbanos em Angola, sem contudo receberem
34
Angolense, “Uma jovem marcada pela violência do filho do primeiro-ministro”, Luanda, 18 a 25 de Junho,
2005.
35
Angolense, “Filho do Primeiro-Ministro regozija-se pela impunidade,” Luanda, 2 a 9 de Julho, 2005.
36
Entrevista da AJPD no Kunene, Maio de 2005.
37
38
Angolense; “Cadeias do Bengo são desumanas”, Luanda, 19 a 26 de Março, 2005.
Denúncia da SOS-Habitat em Memorando enviado ao Procurador-Geral da República e as algumas
Organizações da Sociedade Civil, Luanda, 24 de Maio, 2005.
13
a protecção das autoridades ou de associações de defesa dos direitos das
mulheres.
Como veremos a seguir, no capítulo sobre a discriminação contra os
seropositivos e portadores do HIV/SIDA, as mulheres portadoras do referido
vírus são expulsas de suas casas. Muitas vezes, perdendo inclusive a custódia
dos filhos. Em 2005, A. J. foi expulsa de sua casa depois de diagnosticada
seropositiva. O seu esposo, tendo se recusado a prestar ao exame de sangue,
requereu junto a Justiça a custódia da filha do casal. O juiz teria dado como
ganha a causa ao esposo por considerar que a defesa não respeitou os devidos
prazos processuais.39
4. DISCRIMINAÇÃO CONTRA OS SEROPOSITIVOS E
PORTADORES DO VIH/SIDA
Nos anos de 2003 e 2004, aprovaram-se respectivamente em Angola, dois
diplomas específicos de protecção dos direitos dos seropositivos,
nomeadamente o Regulamento sobre o VIH/Sida, Emprego e Formação
Profissional; e a Lei sobre o Vírus da Imunodeficiência Humana –VIH e
Sindroma de Imunodeficiência Adquirida – Sida.
Neste contexto legal, a AJPD, em parceria com a Embaixada Britânica em
Angola, elaborou em Março de 2005, a “ Carta Angolana sobre Direitos
Humanos e HIV/SIDA” com o fim de divulgar os direitos humanos no
contexto da luta contra o VIH/SIDA, contra a descriminação as pessoas
portadoras do VIH. Tal documento teve ampla aceitação e rapidamente
passou a constar das principais iniciativas de formação e treinamento em
matéria do HIV/SIDA em Angola.
Em termos gerais, durante as suas visitas nos estabelecimentos hospitalares, a
AJPD constatou que há, em geral, falta de condições de assistência e de
funcionamento, até mesmo falta de condições higiénicas e de tratamento.
Maior parte dos hospitais, sobretudo os municipais, encontra em situação
degradante, com frequentes falta de energia eléctrica e água potável.
Nesse contexto somam-se outros factores que favorecem a disseminação do
VIH/SIDA em Angola. Por exemplo, embora o governo tenha algumas
Entrevista da AJPD com A. P, Luanda, Março, 2005. Ressaltamos que Angola possui somente uma
instância de recurso que é o Tribunal Supremo cujo período médio para apreciação dos processos é de
aproximadamente um ano.
39
14
campanhas educativas e de formação sobre o VIH/SIDA,40 as altas taxas de
analfabetismo dificultam o impacto das intervenções educativas e de formação
de forma que essas mensagens não são transmitidas de maneira suficiente ou
numa linguagem acessível às camadas mais humildes da população angolana.
Além destas situações, outras barreiras culturais e religiosas aliada a falta de
informação e de políticas públicas consistentes, assim como a prática e
comportamentos de risco da população, como o lundulamento, a actuação dos
médicos tradicionais e a circuncisão em grupo contribuem para a
disseminação da do HIV/SIDA.
Lundular, embora uma prática reduzida, ainda existe em diversas regiões do
país e consiste na adopção das viúvas pelos irmãos mais novos do esposo
falecido. Em caso de não haver um irmão mais novo. A adopção se dá não
somente em termos financeiros de forma a sustentar a viúva mas também,
pelo menos uma vez, em manter relações sexuais. Desconhecendo-se a causa
da morte do esposo falecido e a condição de saúde da esposa e do filho/
sobrinho que a adopta, essa prática facilita a propagação do HIV/SIDA.
Os médicos tradicionais, muitas vezes, em seus ritos provocam cortes no
corpo em diferentes indivíduos utilizando o mesmo objecto cortante. Essa
também é a prática nos momentos de circuncisão em grupo que podem
contribuir a disseminação do HIV/SIDA sobretudo nas zonas rurais de
Angola.
Em Angola, a preocupação de muitos seropositivos ou portadores do HIV/
SIDA é a centralização do atendimento e distribuição da terapia antiretrovirais em Luanda, Kunene, Huíla e Cabinda. Desta forma, pessoas
seropositivas que habitam nas demais províncias do país são obrigadas a se
deslocarem sobretudo à Luanda ou para o estrangeiro. Em consequência,
todas as despesas – deslocação, estadia e alimentação – são da
responsabilidade do cidadão seropositivo, sem qualquer assistência formal por
parte das Instituições de Saúde Pública do Estado. Muitos acabam por viver
da boa vontade de algumas pessoas ou de algumas empresas.
Ressaltamos aqui que o Hospital Esperança em Luanda, o único hospital
público em Angola especializado em VIH/SIDA que atende aos seropositivos
é um hospital dia, isto é, não aceita internamentos.41
Destacamos aqui o programa sobre o HIV/SIDA nas escolas e o programa de distribuição de cestas
solidárias aos seropositivos.
40
Autoridades da Saúde Pública solicitaram ao Hospital Esperança que desse prioridade ao atendimento dos
pacientes oriundos de outras províncias.
41
15
Quando se deslocam a Luanda para tratamento, muitas vezes, os seropositivos
são ainda punidos pelas suas empresas que descontam no salário os dias
ausentes.42 Estes actos constituem uma violação aos artigos 4.º e 8.º da Lei
8/94 Lei sobe o Vírus de Imunodeficiência Humana – VIH e a Síndroma de
Imunodeficiência Adqurida- Sida, segundo os quais nenhum trabalhador deve
ver a sua situação laboral prejudicada devido ao sua estado serológico relactivo
ao VIH/SIDA ou ainda “ as ausências do trabalhador infectado pelo VIH/
SIDA no local de trabalho para receber assistência e medicamentosa por um
período não superior a 120 dias, consideram-se justificadas por motivo de
doença, nos termos da legislação em vigor.
Um outro problema constatado este ano está ligado com a distribuição de
medicamentos anti-retrovirais vencidos. Em pelo menos duas ocasiões nos
últimos dois anos foram distribuídos medicamentos vencidos aos
seropositivos. Os medicamentos distribuídos atendem de um a três meses de
tratamento. Em Agosto e Setembro de 2005, o Hospital Esperança distribuiu
medicamentos com vencimento em Agosto de 2005.43
Além disso, em Outubro de 2005, grandes quantidades de embalagens de
testes rápidos de HIV teriam desaparecido do Hospital Esperança
possivelmente com a conivência de seus próprios funcionários.44 Essa situação
é ainda mais preocupante quando se observa que o mesmo hospital se recusa
a fornecer os tais testes rápidos às associações e organizações que têm feito
reconhecido trabalho em defesa dos seropositivos e portadores de HIV/
SIDA, tais como Luta pela Vida (LPV). Até ao momento de elaboração deste
relatório, os directores do Hospital Esperança não haviam prestado qualquer
esclarecimento público sobre o caso.
A AJPD visitou seis províncias além de Luanda nos últimos doze meses,
sendo elas: Cabinda, Lunda Norte, Lunda Sul, Cunene, Huíla e Benguela.
Embora todos os governadores de província tenham sido bastante receptivos
aos trabalhos de formação e promoção dos direitos dos seropositivos
desenvolvidos pela AJPD somente o Governo do Cunene revelou projectos e
estratégias para lidar com o HIV/SIDA. De facto, em Fevereiro de 2005, deuse a primeira missão conjunta entre membros do Grupo Técnico de Trabalho
da ONU sobre HIV/SIDA, representantes do Instituto Nacional de Luta
42
Entrevista da AJPD com seropositivo na província da Huíla, Maio – Junho, 2005.
Entrevistas da AJPD com seropositivos em Luanda, Agosto e Setembro, 2005. A AJPD teve inclusive
acesso aos medicamentos distribuídos nessa época. Ver também, A Capital, “ Consomem anti-retrovirais
expirados”, 17 a 24 de Setembro, 2005.
43
A Capital, “Sumiram embalagens de teste rápidos no Hospital Esperança”, Luanda, 15 a 22 de Outubro;
2005.
44
16
contra o SIDA e a rede angolana do HIV/SIDA (ANASO) no Cunene.45 Os
demais governadores afirmaram estarem a espera de instruções do governo
central para controlar a situação.46
Em três das províncias visitadas, Cabinda, Cunene e Lunda Sul, a AJPD
constatou problemas de discriminação contra os seropositivos devido a
quebra de confidencialidade nos hospitais públicos locais em clara violação ao
direito à confidencialidade previsto nos artigo 5.º da Lei 8/04 alínea f),
segundo o qual “ Toda a pessoa infectada pelo VIH/SIDA tem direito a (…)
confidencialidade em relação à informação referente ao seu estado de saúde”. Segundo o
artigo 22.º da referida lei, é proibida a realização de testes para o diagnóstico
de infecção por VIH/SIDA de forma obrigatória, salvo nos casos
excepcionalmente especificados na lei.
No entanto, as pessoas quando procuram os hospitais são frequentemente
testadas para o HIV/SIDA sem o seu prévio conhecimento. Os resultados
dos exames tampouco lhe são revelados e quando positivos passam a fazer
parte de uma lista interna dessas instituições. Funcionários dessas instituições
quebram a confidencialidade dos pacientes e divulgam a terceiros os nomes
das pessoas infectadas pelo vírus. Essas pessoas, por sua vez, passam a sofrer
discriminação sem ao menos conhecer as razões de tal comportamento. Isso
agrava a situação de se encontrarem sem assistência médico-psicológica para
abordarem a sua condição de saúde.47
As formas de discriminação contra os seropositivos e portadores do HIV/
SIDA são drásticas e vão desde a demissão à expulsão do lar ou do seio
familiar. Muitos cidadãos vêem os seus bens a serem saqueados pelos seus
familiares sem nenhuma protecção do Estado. É o caso da jovem F. que
depois de o seu marido ter morrido de Sida os familiares do seu esposo
levaram forçadamente os bens que haviam em casa.
A prática mais recente tem sido a de que clínicas privadas que prestam
serviços a algumas empresas, examinam e reportam o estado de saúde dos
funcionários aos departamentos de recursos humanos das empresas. Essas
O Cunene, província angolana de fronteira com a Namíbia é a região mais afectada pelo HIV/SIDA no
país. Segundo o Relatório Trimestral de Maio – Junho de 2005 do Alto Comissariado das Nações Unidas para
os Direitos Humanos, a prevalência do vírus no Cunene é de 25%.
45
Entrevista da AJPD com os governadores e representantes dos governos provinciais de Cabinda, Lunda
Norte, Lunda Sul, Cunene, Huíla e Benguela. 2005.
46
Entrevistas da AJPD com pessoas seropositivas, familiares e representantes dos órgãos de saúde pública em
Cabinda, Cunene e Lunda Sul, 2005. Além da situação descrita observamos também que muitas pessoas
preferem tratar males menores em casa a procurar as instituições de saúde pública por temerem os exames
clandestinos de HIV/SIDA.
47
17
informações, caso revelem o estado serológico (positivo) de um funcionário
podem servir de pretexto para o seu afastamento ou demissão. Como
dissemos atrás, a demissão pode não ser expressa, mas o trabalhador é
submetido a diversos vexames ou situações que, devido a pressão psicológica,
ele é forçado a deixar o emprego.
Na Lunda Norte, a AJPD recebeu denúncias de que a empresa CATOCA,
uma vez diagnosticada a condição de seropositivo, fornece medicamentos para
seus funcionários para apenas seis meses e é temporariamente suspenso do
seu trabalho alegando que poderão retornar às suas funções quando seus
exames forem negativos. Ora, como ainda não se encontrou a cura para o
HIV/SIDA, essa abordagem consiste de facto numa demissão tácita dos
funcionários infectados.48
Situação semelhante acontece em Cabinda, onde uma das empresas que mais
gera emprego naquela região, solicita, duma maneira “cavilosa”, aos
candidatos a postos de trabalho para os seus quadros o exame de sangue,
excluindo das candidaturas aqueles que porventura sejam portadores do HIV/
SIDA49, constituindo assim uma violação ao direito à confidencialidade e ao
emprego.
Ainda em Cabinda, constatamos que o Hospital Maternidade de Kabasango,
não obstante os seus esforços de aconselhamento e testagem durante período
pré-natal, uma vez consumado o nascimento dos bebés encerra a sua
responsabilidade para com as mães seropositivas.50
De facto, a AJPD
constatou juntamente com a Organização Não-Governamental Acção
Humana que os hospitais em Angola frequentemente recusam operar pessoas
seropositivas.51
5. VIOLAÇÃO DO DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO,
REUNIÃO E MANIFESTAÇÃO
No último ano parece ter havido pouco ou nenhum avanço favorável ao
respeito do direito à liberdade de expressão e manifestação em Angola. Muitas
das condições descritas no relatório sobre o tema da organização internacional
Entrevista da AJPD na Lunda Norte, 2005. Embora tenha solicitado entrevistas com as autoridades da
CATOCA, até ao momento de elaboração deste relatório ainda não nos fora concedido tal encontro.
48
49
Entrevista da AJPD em Cabinda, Dezembro de 2005.
É importante ressaltar aqui que o Hospital Maternidade Kabasango não distribui medicamentos às mães
infectadas. Entrevista da AJPD em Cabinda, Dezembro, 2004.
50
51
Entrevista da AJPD com activistas e representantes da Acção Humana, Luanda, 2005.
18
Human Rights Watch, em 2004, com a qual colaboramos durante o processo
de pesquisa, prevaleceram também no ano de 2005.52 Os jornalistas angolanos
continuam a enfrentar ameaças e abusos físicos, sobretudo nas províncias,
onde os correspondentes de rádios privadas sedeadas em Luanda sofrem
pressões psicológicas das autoridades locais. Os protestos ou manifestações
contra políticas públicas, mesmo que autorizadas, continuam a sofrer
represálias. Críticas às políticas públicas ou a autoridades públicas são
excluídas dos veículos de mídia e publicações do Estado.
Embora o Projecto de Lei de Imprensa, em posse da Assembleia Nacional,
permita uma maior abertura, ainda são muitos os desafios enfrentados pelos
jornalistas em Angola. Na prática, os jornalistas continuam a ser intimidados
por agentes da Segurança do Estado. Publicações dos jornais, sobretudo
privados, continuam a ser apreendidas e recolhidas resultando em actos
práticos de censura 53 enquanto jornalistas membros do MPLA são
privilegiados no acesso à documentos e informações oficiais.54 Nesse
contexto, a falta de regulamentação da profissão de jornalista dificulta a
condição de trabalho sujeitando os profissionais também à corrupção e a
auto-censura.
Em Maio deste ano, jornalistas do Jornal de Angola denunciaram o facto de
terem sido instruídos em reunião com editores e sub-editores do órgão para
que não se publicassem críticas ao MPLA ou ao governo de Angola.55 De
facto, no início do ano lectivo, alguns jornalistas denunciaram à AJPD terem
sido molestados e e ameaçados por fazerem reportagens sobre o estado
deplorável das escolas de 2.º e 3.º níveis de Ondjiva, na província do Kunene.56
52
Human Rights Watch, “Democracia Inacabada: A Mídia e Liberdade Política em Angola.” Nova Iorque,
Julho de 2004.Disponível em http://hrw.org/portuguese/backgrounder/africa/2004/0704angola_port.pdf
Angolense; “Angola continua na cauda”, Luanda, 7 a 14 de Maio, 2005. No Kwanza Sul, também aconteceu o
mesmo facto.
53
54
Ib id.
55
Semanário Agora, ”Tesouras” de “Wadi” começam a funcionar”, Luanda, 7 de Maio, 2005. Ver ainda, Folha 8
“Liberdade de Imprensa sem evolução”, Luanda, 7 de Maio de 2005; e Jornal de Angola “SJA pronuncia-se
sobre a actividade da mídia”, Luanda, 3 de Maio, 2005. Ver também 2o. Relatório Trimestral: Maio – Julho
de 2005 do Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos que cita que o Vice-Ministro da
Comunicação Social, Manuel Miguel de Carvalho, teria alertado aos jornalistas estatais que quisessem
criticar o MPLA e o Governo deviam usar os semanários independentes.
56
Entrevista da AJPD com activista dos Direitos Humanos que preferiu anonimato, Kunene, Maio. 2005.
Além disso, em Agosto de 2005, o jornalista desportivo da Rádio Nacional de Angola (RNA) teria sido
demitido por questionar a paralisação do Campeonato Nacional de Futebol devido ao tornei alusivo ao
aniversário do Presidente Eduardo Santos. Até ao momento de elaboração deste relatório a versão da
emissora ainda não era conhecida.
19
O problema de violação do direito a expressão, manifestação e reunião parece
ser ainda mais grave no interior do país e nas províncias mais isoladas. No
Kunene, jornalistas denunciaram que recebem represálias do Governador e de
alguns directores provinciais sempre que veiculam notícias ou críticas
desfavoráveis a actual administração da província ou de outros partidos
políticos.57 Leitores dos jornais independentes sofrem represálias e são
automaticamente taxados de reaccionários ou contra-revolucionários.58
Todavia prevalece a impressão de que as autoridades estejam a outorgar status
privilegiado à Rádio Nacional na alocação das frequências radiotransmissoras
em Angola permitindo que o governo goze de um quase monopólio da mídia
nacional fora de Luanda.59 Isso porque o governo persiste no impedimento a
expansão do sinal da Emissora Católica de Angola (Rádio Ecclésia) ao arrepio
da Lei de Imprensa vigente.
De facto, não parece existir qualquer razão objectiva que sustente esse
prolongado impedimento a expansão da Rádio Ecclésia, as razões parecem ser
mais de carácter subjectivos. A título de exemplo, em 2003, a Rádio Ecclésia
sofreu muitas acusações graves proferidas pelo então Ministro da
Comunicação Social, Pedro Hendrick Vaal Neto. Mais recentemente, fontes
do jornal Agora teriam dito que a Rádio Ecclésia somente seria autorizada a
transmitir após a realização das eleições e se mudassem a sua linha editorial.60
Outras rádios da iniciativa privada encontram dificuldades semelhantes para a
sua abertura ou para a expansão de seu sinal.61
No dia 10 de Fevereiro de 2005, a AJPD recebeu a denúncia do senhor
Anselmo Conde, da Mpalabanda Associação Cívica de Cabinda, sobre o veto a
publicação de um comunicado de imprensa da organização sobre a realização
de uma marcha que comemoraria o aniversário do Tratado de Simulambuco
57
Entrevista da AJPD com jornalistas e activista dos Direitos Humanos, Luanda, Junho de 2005.
Ver testemunho de um leitor do Kunene, Semanário Angolense, “Quando um exemplar do SA chegou a custar
mil kwanzas”, 3 a 10 de Setembro, 2005.
58
Ver também, Human Rights Watch, “Democracia Inacabada: A Mídia e Liberdade Política em Angola.”
Nova Iorque, Julho de 2004. Disponível em: http://hrw.org/portuguese/backgrounder/africa/
2004/0704angola_port.pdf
59
60
Agora, “Ondas média e curta na Rádio Ecclésia, só após as eleições”, Luanda, 10 de Setembro, 2005.
61
Entrevista da AJPD com activista dos direitos humanos, Luanda, Junho de 2005. A AJPD recebeu
denúncia de que, por exemplo, a Rádio Vial, espera autorização para funcionamento em Luanda há mais de
cinco anos.
20
na Rádio Comercial de Cabinda (RCC), mesmo após terem sido pagas todas
as taxas correspondentes.62
A Lei de Reunião e Manifestações, Lei 16/91 de 11 de Maio, estipula que a
manifestação não carece de autorização e que os promotores devem apenas
comunicar ao Governo Provincial as intenções, data e local da manifestação.63
Entretanto, contrariamente ao que está estipulado, o Governo Provincial de
Luanda continua a violar esta norma da referida lei.
Em Dezembro de 2004, os militantes do Partido de Apoio Democrático e
Progresso de Angola (PADEPA) foram fortemente repelidos pela Polícia
Nacional, munidos de armas e cães treinados, quando pretendiam manifestarse defronte à Embaixada dos Estados Unidos em Angola para pedir ao
Governo Americano que pressionasse o Governo Angolano a publicar as
contas e receitas oriundas da exportação de petróleo.64
No dia 24 de Fevereiro de 2005, o Governo Provincial de Luanda também
violou a Lei de Reunião e Manifestação ao impedir que o Movimento de
Estudantes Angolanos (MEA) realizasse uma manifestação com o fim de
pressionar o Governo angolano a adoptar o passe social de transportes para
os estudantes, mesmo depois de os manifestantes terem comunicado a
realização da manifestação segundo os procedimentos legais. Os
manifestantes foram intimados com um forte aparato policial constituído
pelas Brigadas Canina, Auto e efectivos normais.65
No Kunene, na povoação de Santa Clara, no dia 6 de Junho deste ano de
2005, a senhora Gaudência João foi espancada por um agente da Polícia
Nacional supostamente por ter participado em actividades da Frente Nacional
de Libertação de Angola (FNLA).66
No dia 4 de Julho de 2005, membros do Movimento de Estudantes
Angolanos (MEA) foram detidos arbitrariamente por agentes da Polícia
62
Entrevista da AJPD com activista de direitos humanos;Cabinda; 10 de Fevereiro; 2005. O tratado histórico
de Simulambuco foi estabelecido entre Portugal e Cabinda, firmado pelos príncipes, governador nobres e
notáveis e concedendo à Cabinda o status de protetorado português.
63
Segundo a Lei n.º 16/91 de 11 de Maio, Sobre o Direito de Reunião e de Manifestação, artigo os organizadores de
protestos devem informar as autoridades por escrito das intenções e objectivos do protesto com pelo
menos três dias de antecedência, identificando pelo menos cinco organizadores e incluindo informação
pessoal dessas pessoas tais como endereço e profissão. Ver também, “Democracia Inacabada: A Mídia e
Liberdade Política em Angola”, Human Rights Watch, Nova Iorque, Julho de 2004.
64
Entrevista da AJPD com Carlos Leitão, presidente do PADPA, Luanda, 17 de Maio. 2005.
65
Entrevista da AJPD com Mfuca Muzemba, presidente do MEA, Luanda, Julho de 2005.
66
Entrevista da AJPD com activista de direitos humanos, Kunene, Junho de 2005.
21
Nacional, junto ao edifício do Ministério das Finanças, na sequência de uma
reunião previamente acordada entre o Ministro e a direcção do MEA sobre os
trabalhos que estavam a ser feitos no sentido de os estudantes obterem os
passes sociais de acesso aos transportes públicos.
Os estudantes foram detidos no período da noite depois de estarem à espera
da vinda do Vice-Ministro desde o período da manhã. No mesmo dia, foram
igualmente detidos os senhores Luís do Nascimento, advogado do MEA e
Adriano Parreira, político e professor universitário que foi ao local prestar
solidariedade aos estudantes.67
Novamente, no dia 30 de Julho de 2005, no Largo das Escolas em Luanda,
membros MEA foram impedidos de realizar a sua manifestação para reclamar
e pressionar o Governo a conceder aos estudantes passe social de acesso aos
transportes públicos.68
Os estudantes afirmam que pretendiam marchar pacificamente até ao Palácio
Presidencial. No entanto, agentes da Polícia Nacional munidos de armas AKM
e a Brigada Canina espancaram e detiveram vários membros da direcção do
MEA e mais outros 20 estudantes. Entre os jovens detidos estavam Mfuca
Muzemba, presidente do MEA, Miguel Sebastião, Finda Ngongo, Albino
Alfredo, Luís Mendes, Lukoki Muzembo e Nikiavita.69
Os estudantes detidos teriam sido espancados e postos na esquadra de Polícia.
Ficaram presos durante cerca de doze horas e foram postos em liberdade após
a intervenção e assistência do advogado Luís Nascimento.70
No dia 31 de Julho de 2005, membros da Frente Para a Democracia (PDP)
teriam sido proibidos de lançarem panfletos no bairro do Benfica, Luanda.71
Nas províncias visitadas pela AJPD, constatamos que todas as manifestações
que não sejam promovidas pelo MPLA ou por pessoas ou organizações
afectas a esta organização política são repelidas, sem qualquer fundamento
legal.
67
Entrevista da AJPD com Mfuca Muzemba, presidente do MEA, Luanda, Julho de 2005.
68
Ib.id.
69
Entrevista da AJPD com Mfuca Muzemba, presidente do MEA, Luanda, Julho de 2005.
70
Ib.id.
71
Denúncia veiculada pela Rádio Ecclésia, Luanda Julho-Agosto de 2005.
22
6. VIOLAÇÃO DO DIREITO À HABITAÇÃO: DESPEJOS
FORÇADOS
Como denunciado pela secção portuguesa da Amnistia Internacional em Maio
deste ano, os despejos forçados são graves violações aos direitos humanos dos
angolanos.72 Embora a Lei das Terras tenha sido aprovada com o contributo
de diversas instituições angolanas todavia ainda não foi regulamentada. Essa
situação de vazio legal dá margem aos despejos forçados que proliferam tanto
nas zonas urbanas quanto nas zonas rurais pois entre vários aspectos a nova
Lei é ambígua no que se refere aos direitos ancestrais das comunidades rurais.
Os despejos são normalmente efectuados com uso de força desproporcional
muitas vezes realizados por agentes da Polícia Nacional e da fiscalização, sem
observância das Normas sobre os Procedimentos Administrativo vigentes em
Angola. Nesses incidentes, os despejados são agredidos, espancados e, as
vezes, presos sem fundamento legal.
No dia 7 de Janeiro, funcionários e fiscais da administração da Samba, sem
apresentação prévia de qualquer mandato emitido pela entidade competente,
demoliram e expulsaram de sua casa a senhora Beatriz C., desabrigando-a com
a sua respectiva família. A senhora Beatriz ocupava um terreno situado no
Cabo Lombo-Benfica desde 1979, a sua desocupação ilegal estaria a ser feita
em favor do senhor José Ferreira Tavares, General das Forças Armadas
Angolanas.73
No primeiro trimestre deste ano, no município de Viana, trinta e duas famílias
foram violentamente expulsas de suas casas que foram demolidas
supostamente com o apoio de agentes fiscais e da polícia embora a titularidade
das terras antes ocupadas ainda pendesse de litígio.74
É importante ressaltar que maior parte das demolições são feitas para
favorecerem altos funcionários das Forças Armadas Angolanas e projectos
habitacionais em que têm interesses altos funcionários do Estado.
Ver também, Amnesty International, “Angola: Expulsões forçadas em massa em Luanda”, Londres,
Novembro de 2003. Disponível em: http://web.amnesty.org/aidoc/aidoc_pdf.nsf/Index/
72
AFR120072003PORTUGUESE/$File/AFR1200703.pdf
73
Entrevista AJPD com activista do SOS-Habitat, Luanda, Maio de 2005.
74
Angolense, “Demolições deixam 32 famílias ao relento,” Luanda, 26 a 5 de Março, 2005.
23
Ainda no princípio do ano, no município de Cuanhama-Ondjiva, agentes do
Governo Provincial do Kunene expulsaram forçosamente cerca de 17 famílias
que tinham moradia no bairro Bangula.75
No dia 29 de Abril de 2005, um oficial superior das Forças Armadas
Angolanas (FAA) coordenou a retirada à força de várias famílias que
habitavam há mais de vinte anos nas terras nos bairros de Naipalala e Kafito,
no município de Cuanhama, na província do Kunene.76
Activistas e defensores dos direitos humanos que actuam na área de habitação
também são visados nas operações de despejo. Em 26 de Julho deste ano de
2005, agentes da Polícia Nacional, pertencentes a 5a. Divisão afecta a
Esquadra da Polícia da Calemba II no Kilamba Kiaxi, demoliram sem
mandatos prévios na comuna do Wenji Maka, as casas dos cidadãos João
Nsudisu, Zua Kassule, Arcanjo Miguel e Sebastião Manuel e Francisco
Mulemba. Sebastião Manuel e Francisco Mulemba depois de terem sido
fortemente espancados sofrendo ferimentos. Este facto fez com que a
associação SOS-Habitat, organização que tem se dedicado à defesa daquela
comunidade, escrevesse uma exposição ao Procurador-Geral da República
(PGR). No entanto, até ao momento de elaboração deste relatório a AJPD
não obteve nenhuma informação sobre as providências recomendadas pela
PGR contra os responsáveis pelos referidos abusos.
Ainda no mesmo dia 26 de Junho, Luís Araújo, presidente da SOS-Habitat,
Rafael Morais, membro da SOS-Habitat, Sérgio Ngoma e mais cinco cidadãos
pertencentes à Comissão de camponeses do Wenji Maka foram presos
acusados de invasão e perturbação da ordem pública quando tentavam
impedir a demolição de casas pelos agentes fiscais. Também foi detido
arbitrariamente o professor universitário Adriano Parreira que esteve no local
para solidarizar-se com as vítimas. A polícia teria ainda dispersado a população
com violência e disparos. Graças a pronta intervenção do advogado Luís
Nascimento, os activistas e populares foram soltos após seis horas.77 Tais
actos constituem violações aos direitos fundamentais dos cidadãos
consagrados na Lei Constitucional nos termos dos artigos 36.º n.º1 e 39.º,
segundo as quais nenhum cidadão pode ser preso sem ser informado, no
momento da sua detenção, das respectivas razões.
75
Entrevista da AJPD com activista dos direitos humanos, Kunene, Maio de 2005.
76
Entrevista da AJPD com activista dos direitos humanos, Kunene, Maio de 2005.
77
Ver Correspondência dirigida ao Procurador da República; oficio da SOS-Habitat; Luanda, 28 de Junho,
2005. Ver ainda, Angolense, “A detenção de dois defensores do povo;” Luanda, 2 a 9 de Julho, 2005.
24
No final de Setembro, um grupo de fiscais chefiado pelo Sr. Miguel, Chefe do
Gabinete da Fiscalização do Município de Viana, na província de Luanda,
agentes e sub oficiais pertencentes à VII Divisão da Polícia Nacional e agentes
da Polícia Militar, sem qualquer mandato ou notificação, demoliram cerca de
314 casas no bairro Cidadania. As famílias que residiam nestes bairro viram os
seus imóveis a serem usurpados e destruídos por agentes da Polícia. Além de
desabrigados, os familiares também tiveram seus bens privados, destruídos e
roubados.78 Até ao momento de elaboração deste relatório nenhum processo
havia sido formalmente instaurado contra os seus actores.
As denúncias de despejos forçados não consistem somente no facto de
agentes da Polícia Nacional actuarem como intermediários de diversas
iniciativas privadas, mas em alguns casos, os próprios agentes buscam o seu
próprio benefício com os despejos e apropriação indevida das terras. No
município da Samba, cerca de setenta famílias acusaram agentes do Comando
da IV Divisão de Polícia de ocupação irregular de terrenos sob
espancamentos, ameaças de demolições das casas que se encontravam em
terras que supostamente seriam reservadas para a construção de uma esquadra
policial, mas que se encontra sob litígio.79
No momento de elaboração deste relatório, a AJPD aguardava com bastante
expectativa o julgamento emblemático de cárcere privado e tortura na
Fazenda Kamphanda, no Lubango, na província da Huíla. Esse julgamento é
bastante esperado pois procura-se estabelecer um precedente de condenação
para os responsáveis por despejos forçados, tortura e outros maus-tratos e
cárceres privados.
Em finais de 2002, empresários compraram a fazenda Kamphanda, na
província Huíla. A aquisição das terras embora fosse juridicamente
questionável deu início a uma série de atrocidades cometidas contra as
comunidades locais. O novo gerente da fazenda com apoio de ex-militares
teria abatido os animais dos pequenos produtores que habitavam as terras da
fazenda. Cerca de oito famílias foram expulsas de suas terras. Além disso, o
gerente e os militares teriam instalado cárceres privados onde torturavam
contra cerca de vinte e duas pessoas entre elas mulheres, crianças e idosos.
Eles aplicavam choques eléctricos, chicoteavam e abusavam sexualmente das
Ver correspondência oficial da SOS-Habitat ao Exmo Sr. General Serra Van-Dúnen, Ministro do Interior
do Governo de Angola, Ref: 010/05 – DH; Luanda, 29 de Setembro, 2005.
78
79
Angolense, “Polícia acusada de usurpar terrenos,” Luanda, 15 a 22 de Outubro, 2005.
25
vítimas. Além disso, as vítimas, antigos habitantes da região, sofriam
espancamentos e eram privados de alimentos.80
Em Dezembro de 2005, houve várias detenções e demolições ilegais no
Benfica. Na Comuna Vila do Estoril, Município do Kilamba Kiaxi em Luanda,
nas Comunidades da Cambamba II e do Bairro 28 de Agosto, reincidindo na
prática de violações dos direitos humanos, contra essas comunidades que
foram vítimas de desalojamento e demolição ilegal, com recurso à violência,
durante o mês de Novembro. Ainda no mesmo mês, agentes da Fiscalização e
da polícia, e guardas da empresa privada de segurança VESGO, demoliram
todos os abrigos precários em que se realojaram as famílias
dessas comunidades, colocando as pessoas ao relento durante dias.
Em consequência na Cambamba II foram detidas 7 pessoas, duas mulheres e
5 homens e no Bairro 28 de Agosto foram detidas 2 pessoas, uma mulher e os
seus três filhos menores e um homem. Foram detidos igualmente as senhoras
Amélia José Faustino, Bela, Victor Braz da Silva, António José, Adão Manuel,
Olívio Ramos e Quartim Bimbi e Luís Araújo.
RECOMENDAÇÕES
Ver ofício da Associação Construindo Comunidades (ACC), “Julgamento do caso de Cárceres Privados e
Torturas (Gambos) Exijamos Todos Justiça e Igualdade Perante a Lei!”, Lubango, Outubro de 2005.
80
26
1) VIOLÊNCIA POLICIAL
Sobre a Violência Policial, recomendamos ao Governo Angolano e ao
Comando Geral da Polícia Nacional o seguinte:
a) Que se crie um órgão autónomo e independente de fiscalização e
controle da actividade policial em Angola que funcionaria como uma
Ouvidoria de Polícia. Os ouvidores de polícia devem ser autorizados a
conduzir investigações completas e independentes de denúncias de abuso,
violência policial ou comportamento irregular.
b) Que se implemente programas que visem melhorar as condições de
trabalho, remuneração, a auto-estima e a educação formal e sobre Direitos
Humanos e cidadania para os agentes policiais e Fiscais do Governo
Provincial de Luanda.
c) Que se criem programas que retirem das ruas os polícias que se
envolvam em actos de violência que resultem em morte, até que se investigue
as motivações de tal acção e se proceda à necessária avaliação psicológica do
envolvido.
d) Que se fortaleça o treinamento para todos os polícias em matérias
ligadas ao emprego de técnicas não letais como o tiro defensivo, formas de
abordagem e proibir o uso de armas de fogo em operações como despejos,
manifestações, greves, eventos desportivos ou que envolvam multidões. E que
se insista em técnicas alternativas de agir perante estas situação sem recorrer
em primeira instância aos meios violentos.
e) Que se promova campanhas públicas sobre a prática policial correcta
e ampla divulgação dos canais de denúncia dos abusos praticados pelos
agentes da polícia.
f) Que se implemente um programa eficaz de protecção das
testemunhas e das vítimas de violência policial, assim como as garantias de
investigação isenta e apuramento de todos os casos de ameaça à vida e
integridade pessoal das testemunhas. Nesse sentido, também dever-se-á
indemnizar as vítimas de abusos e violação de direitos humanos e suas
famílias por parte de agentes da polícia.
g) Que se criem meios de sancionar os agentes da corporação que
violem e maltratam cidadãos e que se tornem públicos os resultados dos
respectivos processos disciplinares de que os mesmos estiverem submetidos.
h) Assegurar e estimular formas de promoção dos polícias que na sua
actuação respeitem as normas internacionais e regionais de direitos humanos.
27
2) CONDIÇÃO CARCERÁRIA
Sobre a condição carcerária, recomendamos ao Governo Angolano, a
Procuradoria-Geral da República e a Direcção Nacional dos Serviços
Prisionais o seguinte:
a) Que se instaure inquéritos e se puna os agentes prisionais
responsáveis por abusos e violações dos direitos humanos nas cadeias;
b) Que se afaste imediatamente todo e qualquer agente penitenciário ou
polícia acusado de tortura, homicídio ou corrupção durante a fase de
investigação das denúncias;
c) Que se crie um sistema informático integrado que permita a gestão
racional dos dados respeitantes à situação de cada um dos reclusos incluindo o
nome de todos os presos, a hora e as razões da prisão assim como a
identidade dos polícias que efectivaram a detenção. O mesmo sistema deverá
servir a Direcção Nacional de Investigação Criminal (DNIC), os Serviços
Prisionais e a Procuradoria Geral da República. Nesse programa também deve
ser incluído referências, como por exemplo, transferências temporárias ou
permanentes, prisão provisória, notas dos médicos legistas, data de soltura
dentre outros;
d) Que se aprove imediatamente todos os diplomas legais que vão reger
a actividade do Provedor de Justiça e que se dê início imediatamente as suas
funções visando ao acesso dos cidadãos a um órgãos competente para
apreciar as suas reclamações e queixas;
e) Que se aprove novos diplomas legais para regular a actividade dos
serviços prisionais e que defina a separação das infra-estruturas para
condenados de penas mais graves daqueles condenados por faltas mais leves e
se instaure penas alternativas para estes últimos;
d) Que se reabilite as cadeias já existentes e se construa mais cadeias, ali
onde não existam, assim como se deva garantir o fornecimento de
electricidade, água, alimentação e assistência médica adequada. Deve-se criar
igualmente locais de lazer, formação e de acompanhamento com vista a
reabilitação e reinserção social dos reclusos.
3) VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
Sobre a violência contra a mulher, recomendamos ao Governo Angolano e
a Assembleia Nacional o seguinte:
28
a) Que se combata a violência contra as mulheres promovendo acções
que visem a protecção legal, inclusive com reforma de provimentos legais,
serviços de saúde, suporte psicológico e apoio a vítimas de violência;
b) Que se criem departamentos ou salas nas esquadras especializadas
para investigação de denúncias de violência contra mulheres e protecção das
vítimas que venham a testemunhar;
c) Que se promovam programas e campanhas públicas de educação e
consciencialização sobre violência sexual e doméstica e se desenvolva
publicações que evidenciem as proporções negativas do impacto da violência
na vida das mulheres;
d) Que se crie um Sistema de Saúde Pública e se estabeleça serviços de
planeamento familiar de qualidade e com cuidados obstetrícios de emergência
e que forneça serviços de prevenção e tratamento das doenças sexualmente
transmissíveis. Que se promova ainda programas de educação sexual que
contribuam para o aumento da consciência sobre os direitos sexuais e
reprodutivos e seus efeitos;
e) Que se efectue reformas legais que visem garantir e proteger de
modo específico os direitos da mulher, como por exemplo os casos das
empregadas domésticas e as “babas” (crianças que cuidam as crianças na
ausência dos país) o direito a propriedade sobretudo das mulheres chefes de
família;
f) Que se promova e melhore o acesso das mulheres e meninas à
educação sobretudo nas zonas rurais onde os problemas associados ao
casamento precoce agrava as condições de falta de oportunidades
educacionais e de emprego e altas taxas de mortalidade materna e infantil;
g) Que se investigue, processe e se aplique as sanções apropriadas aos
agressores responsáveis por casos de exploração sexual, venda de crianças e
violência doméstica.
4) DISCRIMINAÇÃO CONTRA OS SEROPOSITIVOS E
PORTADORES DO VIH/SIDA
Sobre a discriminação contra os seropositivos e portadores do VIH/
SIDA, recomendamos ao Governo Angolano, as Autoridades do Sistema de
Saúde Pública e a Assembleia Nacional o seguinte:
29
a) Que se reelabore um programa nacional específico de atendimento,
fornecimento e de assistência médica e medicamentos aos seropositivos nas
suas respectivas províncias;
b) Que se defina códigos de ética e conduta profissional para os
provedores de saúde no âmbito nacional e especialmente aqueles que se
dedicam aos casos de HIV/SIDA nos quais conste meios suficientes de
sanção em caso de violação desses códigos e quebra de confidencialidade. E
que se adopte formas ou mecanismos de protecção e garantia de permanência
no local de trabalho dos seropositivos que venham a denunciar os actos de
descriminarão e estigma no local de trabalho;
c) Que se financie de forma adequada a assistência médica, o
tratamento e distribuição de medicamentos (antiretrovirais) para os
seropositivos no âmbito do sistema de saúde existente assim como promover
o treinamento prático e mudanças de atitude relativo ao HIV/SIDA em todos
os centros de saúde do país;
d) Que se aumente a abrangência do actual programa de assistência aos
seropositivos para incluir também formas de apoio aos seus familiares
sobretudo crianças ou órfãos de seropositivos. E que se criem lares de infância
para assistência e protecção das crianças seropositivas ou órfãos de
seropositivos;
e) Que se promova campanhas educacionais e programas de
consciencialização pública sobre o HIV/SIDA para grupos e famílias ao invés
de indivíduos que visem além de divulgar informação fortalecer os níveis de
sensibilização e compreensão reduzindo o nível de estigma e discriminação
associado com o HIV/SIDA;
f) Que se capacite os políticos, os educadores, os provedores de saúde e
lideranças locais, como as autoridades tradicionais e membros ONGs locais,
para que estes possam prestar informação as comunidades além da
solidariedade. E se implemente campanhas sobre VIH/SIDA nas línguas
nacionais;
g) Que se criem espaços com vista a garantir a terapia ocupacional dos
seropositivos com vista a protecção e promoção dos seus direitos;
30
h) Que a Assembleia Nacional, através da Comissão da Saúde, encontre
formas de fiscalizar a implementação das políticas com vista a protecção e
promoção dos direitos dos seropositivos.
5) VIOLAÇÃO DO DIREITO À LIBERDADE DE
EXPRESSÃO, REUNIÃO E MANIFESTAÇÃO
Sobre a violação do direito à liberdade de expressão, reunião e
manifestação recomendamos ao Governo Angolano e Assembleia Nacional
o seguinte:
a) Que se aprove nova legislação sobre a liberdade de expressão,
associação e reunião compatíveis com as Normas internacionais e regionais de
direitos humanos, e com os pressupostos fundamentais do Estado de Direito
democrático;
b) Que se investigue as alegações de abuso dos direitos civis ou
políticos, inclusive as ameaças feitas a jornalistas e activistas políticos e
processar os responsáveis por abuso, ameaça ou outra violação do direito à
livre expressão, associação e reunião;
c) Que se permita aos que os jornalistas tenham acesso a informações e
as suas fontes diante das instituições governamentais visando destacar a
transparência na Administração Pública e minimizar o sigilo oficial;
d) Que se assegure os direitos de todos os cidadãos angolanos exercer à
liberdade de associação e manifestação, em conformidade com as leis
Angolanas e os padrões internacionais, inclusive o direito de formar e aderir a
associações públicas e partidos políticos;
e) Que se acabe e denuncie sempre que a Policia seja usada para fins de
natureza política, sem fundamento legal, incluindo a eliminação de reuniões e
manifestações públicas pacíficas; e que os agentes da polícia nacional sejam
esclarecidos de que o exercício dos direitos e liberdades consagradas na Lei
Constitucional devem acontecer independentemente das convicções políticopartidárias, sexo ou religião, etc;
f) Que se estabeleça um processo justo e aberto para a concessão de
frequências de rádio e televisão e garanta a igualdade no processo de
concessão de licenças de transmissão e de expansão de sinal para todo o
território de Angola.
31
6) VIOLAÇÃO DO DIREITO À HABITAÇÃO E DESPEJOS
FORÇADOS
Sobre a violação do direito à habitação e despejos forçados
recomendamos ao Governo Angolano, a Procuradoria Geral da República e a
Assembleia Nacional o seguinte:
a) Que se seja suspendida e proibida todas as acções de despejos em
massa sem os referidos ordens de demolições. E quando houver motivos
legais para se efectuar demolições de residências, que as vítimas sejam
indemnizadas ou compensadas conforme a legislação em vigor no país;
b) Que seja promovida uma política habitacional que na sua
implementação tenha em conta o respeito pelos direitos humanos;
c) Que se crie um espaço de diálogo entre os Governos Provinciais e as
Organizações da Sociedade Civil especializadas na defesa do direito a
habitação, à terra com vista a garantir que as demolições e despejos forçados
sejam feitas com observância das normas nacionais e regionais de direitos
humanos e em conformidade com normas e procedimentos administrativos
vigentes no país;
d) Que sejam instaurados processos para investigação dos casos de
demolições e despejos forçados que foram realizados à margem da lei e que
resultaram em abusos e violações de direitos humanos. E que punam de
maneira exemplar os responsáveis por tais abusos e prover as famílias
despejadas com alojamento alternativo adequado e compensação financeira
pelos danos físicos e morais sofridos durante o processo de despejo;
e) Que a Assembleia Nacional constitua comissões de inquérito
competentes, assumindo os poderes de investigação que a Lei Constitucional
lhe confere para acabar com os actos da administração pública que constituam
violações de direitos humanos;
f) Que se promova um programa de titulamento das posses e
propriedades que priorize os moradores tradicionais e estabelecimentos
informais tanto nas zonas rurais;
g) Que seja promovido treinamentos e capacitação das autoridades
responsáveis pelos despejos e demolições para que sejam sempre respeitados
os direitos humanos e que o recurso à violência seja substituído por métodos
de resolução de conflitos.
32
ALGUNS SINAIS POSITIVOS
Nessa iniciativa, a AJPD registou alguns avanços importantes em matéria de
direitos humanos desde o fim da guerra em 2002. Primeiramente citamos o
esforço do Departamento Nacional de Direitos Humanos que desde o ano de
2003 se dedica a elaboração de um Plano de Acção Nacional de Direitos
Humanos. No último ano, foi instituído um Comité de Gestão composto por
membros de diversos ministérios, instituições estatais, partido políticos e
Organizações da Sociedade Civil com o objectivo de consultar, reflectir e
fornecer contribuições para a elaboração do Plano de Acção Nacional de
Direitos Humanos.
Um segundo avanço importante foi dado quando, em 19 de Abril de 2005, a
Assembleia Nacional elegeu, por maioria, para um mandato de quatro anos
para primeiro Provedor de Justiça da República de Angola, o ex-Ministro da
Justiça, Paulo Tjipilica. Posteriormente, o Provedor de Justiça encaminhou ao
Parlamento as propostas para o Estatuto e a Lei Orgânica da nova Provedoria.
Embora a Provedoria ainda enfrente problemas de ordem material, esperamos
que esses pormenores sejam atendidos prontamente.
De facto, observa-se da parte do Estado em promover acções com vista ao
fortalecimento das instituições de direitos humanos. No entanto, enquanto
não houver vontade política e um programa de melhoria dos recursos
humanos e de infra-estruturas das instituições que intervêm directamente na
defesa dos direitos humanos todos trabalho que tiver sido feito não terá
qualquer efeito na vida dos cidadãos.
De uma maneira geral, em Angola, actualmente, observa-se também um maior
envolvimento das Organizações da Sociedade Civil em questões ligadas aos
Direitos Humanos, mostrando cada vez mais interesse em manter parcerias
com instituições do Estado. Neste sentido, a AJPD celebrou um Acordo de
Cooperação com o Comando Geral da Polícia Nacional que tem como escopo
principal ministrar seminários sobre matérias de natureza técnico-jurídicas,
direitos humanos e cidadania aos comandantes das Esquadras de polícia, aos
chefes de divisões e agentes da Direcção Nacional de Investigação Criminal
(DNIC). Até à data da elaboração deste relatório já tinham sido ministrados
dois seminários estando previstos outros para o ano 2006. A AJPD elaborou
um Carta Angolana sobre VIH/SIDA e Direitos Humanos.
Ao mesmo tempo, a AJPD reconhece que a Polícia Nacional tem dedicado
considerável atenção a promoção, a educação e a requalificação dos seus
33
quadros. A celebração do acordo acaba por demonstrar este interesse por
parte do Comanda Geral.
Outro facto relevante no combate ao VIH/SIDA foi a inauguração, em
Setembro de 2005, do Instituto Nacional de Luta contra a SIDA, que entre as
várias atribuições terá de realizar um plano estratégico de luta contra a Sida e
desenvolver planos operacionais provinciais, envolvendo os respectivos
governos locais.
Não deixa de ser relevante também a institucionalização pelo Governo do
Programa de Corte de Transmissão Vertical que visa dar possibilidades que
mães seropositivas dêem à luz filhos seronegativos e a extenção da
administração da terapia Anti-retroviral a mais três províncias além de Luanda.
34
CONCLUSÃO
Nos últimos três anos, desde 2002, após o cessar da guerra que aflingiu os
angolanos por cerca de três décadas, Angola viveu períodos de alívio e alegria
eufórica. O fim da guerra constitui um passo importante para que os direitos
dos cidadãos consagrados na Lei Constitucional e na legislação internacional
começasse a ser respeitado.
Actualmente vivemos em um país onde já se observa uma maior organização
da Sociedade Civil. As pessoas já observam mais atentamente os seus direitos.
Existe uma certa abertura política propícia ao desenvolvimento de parcerias
entre o Governo e as Organizações da Sociedade Civil. De maneira geral,
nota-se ainda uma certa preocupação do governo e das autoridades em criar e
fortalecer instituições que fiscalizam e promovam as liberdades e os direitos
fundamentais em Angola.
No entanto, para que realmente possamos gozar dos benefícios de tão
almejada paz, é preciso denunciar publicamente e punir os responsáveis por
abusos e violações dos direitos humanos tanto nas instituições policiais
quanto nos serviços prisionais ou mesmos nos hospitais.
O sistema legal angolano precisa ser urgentemente revisto para incluir
questões de protecção aos grupos mais vulneráveis como mulheres e crianças.
Políticas nacionais de saúde e habitação precisam ser reeditadas e adaptadas à
realidade de transição, reconstrução e reabilitação da sociedade angolana.
Só assim, se farão notar mudanças mais significativas que ainda se fazem
necessárias pois a situação dos direitos humanos em Angola está longe de ser
ideal. Neste relatório apresentamos alguns dos abusos cometidos de maneira
generalizada por todo o território angolano.
É preciso que as autoridades e o governo angolano estejam abertos às críticas
construtivas e recomendações das organizações de defesa dos direitos
humanos. As recomendações previstas neste relatório visam tão-somente
contribuir para desenvolvimento, a manutenção da paz e a consolidação da
democracia no nosso país que deverá ter como um dos pressupostos
fundamentais o respeito pelos direitos humanos.
35
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