ISBN 978-85-8015-053-7 Cadernos PDE VOLUME I I Versão Online 2009 O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE Produção Didático-Pedagógica CADERNO TEMÁTICO Disponível em: e-professor.blogspot.com/2009_10_01_archive.html Acesso em: 10/06/2010 REPENSANDO A PRÁTICA PEDAGÓGICA DOS PROFESSORES QUE ATUAM NO CURSO DE FORMAÇÃO DOCENTE – MODALIDADE NORMAL, TENDO O TRABALHO COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO. 2 SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDE UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA – UEL AUTORA: MAGALI TELES DA SILVA CALSAVARA PDE- PEDAGOGIA NRE-APUCARANA ORIENTADORA: Prof.ª Ms. ZULEIKA APARECIDA CLARO PIASSA LONDRINA 2009/2010 3 “Toda sociedade vive porque consome; e para consumir depende da produção. Isto é, do trabalho. Toda a sociedade vive porque cada geração nela cuida da formação da geração seguinte e lhe transmite algo da sua experiência, educa-a. Não há sociedade sem trabalho e sem educação”. LEANDRO KONDER, 2000, p. 112. 4 DEDICATÓRIA Aos meus pais (in memorian), João e Faustina (D. Mariquinha), primeiros educadores que conheci. A minha primeira Profª. D. Zuleika David C. Cassar, de quem tive a honra de ser aluna, aprendendo as primeiras letras e com que aprendi a ver o mundo pela magia das palavras, a descobrir a beleza da poesia, da música e cuja convivência suscitou verdadeiras vocações, pois o núcleo inspirador dos meus primeiros anos foi certamente minha própria experiência como aluna do Curso Normal, época em que o ensino assumia uma perspectiva idealista e a prática pedagógica dependia quase que exclusivamente da “vontade” e do “conhecimento” dos professores. Mas que não deixava de ter um forte componente afetivo. E que revivo agora. Trem de ferro (Manuel Bandeira) Café com pão Café com pão Café com pão Virgem Maria que foi isto maquinista? Agora sim Café com pão Agora sim Café com pão Voa, fumaça Corre, cerca Ai seu foguista Bota fogo Na fornalha Que eu preciso Muita força (...) A mestra cantava o refrão e nós respondíamos como se fosse um eco, imitando o apito do trem. Alçando vôos pela vida afora e isso nos fazia sonhar. Pontes, pastos, bois e riachos. Cidades inteiras. Éramos o próprio trem... Éramos poetas... A todos que se dedicam a nobre tarefa de educar. 5 AGRADECIMENTOS Aos meus pais (in memorian) com quem aprendi a valorizar o trabalho, o estudo e a ter fé na vida. Aos meus familiares pela compreensão e apoio. A professora Zuleika Aparecida Claro Piassa pela dedicação e comprometimento na orientação deste caderno temático. Aos participantes do GTR pelas contribuições para o aprimoramento desta produção didática. Aos professores da UEL, em especial a Profª. Drª. Marta Regina Gimenez Favaro, pelas contribuições nas discussões e reflexões. A Equipe Técnica Pedagógica do PDE/SEED pela assessoria. Aos colegas/amigos do curso PDE e do Grupo de Pedagogia pelas trocas e companheirismo. Ao CRTE do NRE-Apucarana pela assessoria tecnológico-pedagógica. A amiga e ex-aluna Afife Fontanini por todos os momentos que compartilhamos juntas. 6 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO.......................................................................................................7 Texto 1: O conceito de Trabalho como princípio educativo na sociedade contemporânea. CIAVATA FRANCO, Maria. O trabalho como princípio educativo da criança e do adolescente. Tecnologia Educacional, ABT, Rio de Janeiro, 21(105/106/:25-29), mar/jun.1992. Reflexões sobre o conceito de Trabalho como Princípio Educativo na Sociedade Contemporânea............................................................................................................8 Texto 2: Concepções afirmativas e negativas sobre o ato de ensinar. DUARTE, Newton. Concepções afirmativas e negativas sobre o ato de ensinar (1993), pp.203-208. Resgate crítico da produção teórica sobre o assunto em questão....................................................................................................................................15 Texto 3: Referencial Teórico: “Trabalho Educativo: O Ato de Estudar!”. CALSAVARA, Magali Teles da Silva. Trabalho Educativo: O Ato de Estudar!, GTR – maio/2010. Reflexões sobre os conceitos de: Ciência. Cultura e Tecnologia...............................................................................................................................32 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ................................................................................45 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................49 7 APRESENTAÇÃO O presente caderno temático foi produzido no Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE 2009), sob a orientação da Profª. Ms. Zuleika Aparecida Claro Piassa do Departamento da Educação da Universidade Estadual de Londrina (UEL), como requisito parcial do Programa de Formação Continuada 2009, no intuito de subsidiar a prática educacional dos professores do Curso de Formação Docente. Os temas abordados tem como objetivo possibilitar aos docentes uma reflexão sobre a prática pedagógica tendo o trabalho como princípio educativo, bem como aprofundamento de conceitos, tais como : a ciência, a cultura e a tecnologia. O material apresenta uma coletânea de textos e propõe temáticas para reflexão envolvendo experiências vivenciadas que articulem teoria e prática, tendo o trabalho como princípio educativo e possam servir para programar ações que contribuam para a formação dos futuros profissionais. O material está organizado da seguinte maneira: apresentação de três textos de fundamentação teórica e para aplicabilidade no processo ensinoaprendizagem: um filme, slides e a utilização das TICs. Este caderno temático marca o compromisso que assumimos com a melhoria da qualidade da educação pública e pelo reconhecimento do direito de todos os cidadãos de acesso à cultura, a informação e ao conhecimento, tendo como referência o posicionamento de Nérici para traduzir a sua importância. “O material didático é uma exigência daquilo que está sendo estudado por meio de palavras... a fim de torná-lo concreto e intuitivo, e tem um papel destacado no ensino de todas as disciplinas”. Imídeo Giuseppe Nérici (1983:318) A Autora. 8 TEXTO 1 Reflexões sobre o conceito de Trabalho como Princípio Educativo na Sociedade Contemporânea Disponível em: mundo-do-trabalho.blogspot.com/2009/10/o-mund... Acesso em: 07/06/2010 9 Convido-o (a) a dialogar com os autores através da leitura e transcrição dos textos. No primeiro momento de intervenção metodológica, a análise do texto destacará a importância de se pensar em que medida o trabalho é princípio educativo, pergunta que orientou muitas discussões nos de 1980, para elaboração da nova Constituição e da nova LDBEN que tramitou no Congresso, proposta pela sociedade civil organizada. É de fundamental importância a contribuição de Kuenzer (2002) para essa reflexão , quando destaca a necessidade de rever a pedagogia orgânica do taylorismo-fordismo, um princípio educativo ainda existente em nossas escolas, promovendo a divisão entre o trabalho manual e o intelectual. O vídeo apresentado no Seminário ”Educação e o Mundo do Trabalho”, nos ajudará a pensar essas questões e poderá nos orientar enquanto professores, a uma melhor compreensão, nas formas de vivenciarmos as nossas relações sociais e materiais na escola e desta maneira contribuir para um novo conceito de educação, bem como abrir novas perspectivas de trabalho na escola, fundamentado em uma outra dimensão da função social da educação, na sociedade atual, mais coerente com as possibilidades e limites da escola. Após a leitura do texto abaixo e apresentação do vídeo “Educação e o Mundo do Trabalho”, disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=YEcdUUGHdgw – 1ª parte, http://www.youtube.com/watch?v=JRcfxkTkOIE&feature=related - 2ª parte. Discuta com seus colegas as seguintes questões: 1- É possível pensar o trabalho de modo que o sujeito seja uma dimensão da realidade social? 2- Qual o papel da educação nesse processo? 3- O trabalho enquanto ação que praticamos, muda as nossas vidas? Mas muda como? 10 O conceito de contemporânea trabalho, como princípio educativo na sociedade O trabalho como princípio, educativo (1) Maria Ciavatta (2) “A hora da chegada é também a hora da partida” (Milton Nascimento) 1. Introdução Gostaríamos de iniciar esta reflexão pensando sobre nossos trabalhos na vida familiar, na vida profissional, no trabalho organizativo do Movimento. Pensar sobre as ações que executamos nesses trabalhos, o que pensamos e o que sentimos em relação a cuidar da casa, dos filhos, da roupa, da comida; cuidar da terra, dos animais, executar serviços administrativos, de transporte e tantos outros; preparar reuniões, escrever textos e tudo o mais que nos cabe em diferentes situações. Cada um de nós assume diferentes papéis e continua sendo o mesmo e não sendo o mesmo, na medida em que essas diferentes ações nos modificam ao serem executadas. O verso de Milton Nascimento, certamente sem nenhuma intenção filosófica, expressa a dialética que é um fato permanente no mundo natural e em nossas vidas. A concepção dialética tem por princípio o movimento de transformação de todas as coisas, de modo que afirma que “o ser é e não é ao mesmo tempo”, porque se transforma. O trem da chegada é o mesmo trem da partida... Uma outra reflexão preliminar importante é ver como o trabalho vem sendo debatido nas últimas décadas no mundo ocidental. Desde meados dos anos 80, a sociologia pôs em questão a centralidade da categoria trabalho para as análises sociais (Offe,1989). Mas esta não era apenas uma questão das ciências sociais. Já no final da década, acompanhando a evidência da crise de emprego que se anunciava na Europa ocidental e a desintegração do mundo socialista, um alto funcionário do Estado americano (Fukuyama,1992), proclama o “fim da história”. Mais recentemente, o grupo Krisis lançou um manifesto sobre o “fim do trabalho”. No entanto, toda evidência do mundo, vivida por nós, deixa claro que a sobrevivência do ser humano depende de meios de vida obtidos mediante o trabalho ou algum tipo de ação sobre os recursos naturais, sobre o meio em que vivemos. Nesse intercâmbio com a natureza, o ser humano produz os bens de que necessita para viver, aperfeiçoa a si mesmo, gera conhecimentos, padrões culturais, relacionase com os demais e constitui a vida social. Sem nos alongarmos sobre a história do trabalho, nas formas de escravidão, de servidão e de trabalho assalariado na sociedade burguesa, queremos dizer que o trabalho, como atividade fundamental da vida humana, existirá enquanto existirmos. O que muda é a natureza do trabalho, as formas de trabalhar, os instrumentos de trabalho, as formas de apropriação do produto do trabalho, as relações de trabalho e de produção que se constituem de modo diverso ao longo da história da humanidade. É inocência pensar que o trabalho é sempre bom. Ele o é em certas condições. Mas quais são estas condições? Duas vertentes contraditórias sobre o que pensamos, sentimos e vivenciamos (mesmo inconscientemente) em relação ao trabalho fazem parte do ideário cultural de nossa sociedade. 11 Uma dessas vertentes tem origem no pensamento religioso, segundo o qual o trabalho dignifica, valoriza e enobrece o homem, ao mesmo tempo em que disciplina o corpo e eleva o espírito. De outra parte, no Brasil, como em outros lugares do mundo, temos conhecimento e repudiamos as condições de trabalho de milhões de trabalhadores, condições que são de privação na vida pessoal, na vida familiar e nas demais instâncias da vida social. São condições advindas das relações de exploração do trabalhador, de alienação ou de expropriação de seus meios de vida, de seu salário, da terra onde vive e de suas possibilidades de conhecimento e de controle do processo do próprio trabalho. Estas breves reflexões iniciais são importantes para se pensar em que medida o trabalho é princípio educativo. O trabalho, enquanto ação que praticamos, muda as nossas vidas. Mas muda como? Partimos da idéia de que o trabalho pode ser ou não educativo dependendo das condições em que se processa. 2. O trabalho na sociedade capitalista O que é o trabalho? O trabalho humano efetiva-se, concretiza-se em coisas, objetos, formas, gestos, palavras, cores, sons, em realizações materiais e espirituais. O ser humano cria e recria os elementos da natureza que estão ao seu redor e lhes confere novas formas, novas cores, novos significados. De modo que o trabalho é o fundamento da produção material e espiritual do ser humano para sua sobrevivência e reprodução (Ianni, 1984). O trabalho ou as atividades a que as pessoas se dedicam são formas de satisfazer as suas necessidades que, por sua vez, são os fundamentos dos direitos estabelecidos na vida em sociedade. Que direitos são estes? São os direitos de toda pessoa e alguns especiais das crianças e dos jovens – direitos pelos quais os trabalhadores vêm lutando duramente nos últimos séculos. São os direitos civis ou individuais: direito à liberdade pessoal e à integridade física, à liberdade de palavra e de pensamento, direito à propriedade, ao trabalho e à justiça. São os direitos políticos, como o direito de participar do exercício do poder político como membro investido da autoridade política ou como eleitor. São os direitos sociais como o direito ao bem-estar econômico, ao trabalho, à moradia, à alimentação, ao vestuário, à saúde, à participação social e cultural, à educação e aos serviços sociais. Ora, o que presenciamos, em nossa sociedade, não é o compromisso básico e fundamental com esses direitos, não é o compromisso com o homem ou com a criança. Ou em outros termos, o sujeito das relações sociais em uma sociedade capitalista não é o homem ou a criança. O sujeito é o mercado, é o capital. O grande sujeito é a acumulação do capital. As condições de produção da mercadoria envolvem a divisão e a hierarquização do trabalho dos indivíduos, que vão fazer parte de um processo de trabalho que é coletivo. A divisão do trabalho não só potencia, dinamiza a capacidade produtiva mas, também, limita o trabalhador a tarefas cada vez mais" parciais", mais" simples", tarefas que restringem, no trabalhador, o uso de sua sensibilidade, de sua criatividade, para executar com rigor aquilo que a máquina pede. 12 Na cidade, conforme a herança do início do século passado, pelo taylorismo e o fordismo, com a divisão de tarefas e a administração científica do trabalho, acontecem as linhas de montagem e o trabalho mecanizado. Mais tarde, com o toyotismo e a automação, a microeletrônica, a cooperação, o modelo “flexível” de produção e de relações de trabalho. Em um caso ou em outro, os trabalhadores perdem a visão do todo, destinam-se a cumprir tarefas coordenadas de trabalho. Na produção flexível, são estimulados a socializar seu saber sob a ideologia de terem patrões e empregados (chamados de “colaboradores”) os mesmos interesses na produtividade e na competitividade da empresa. A história da sociedade industrial é uma história de lutas dos trabalhadores contra a imposição da disciplina do trabalho, da disciplina de quartel, da organização e racionalização dos processos de trabalho, que levam ao esvaziamento completo dos interesses e motivações pessoais no ato de trabalhar. Não obstante o universo maravilhoso da ciência e da técnica no mundo, hoje, não obstante toda riqueza gerada que, supõe-se, deve facilitar a sobrevivência do ser humano, temos de reconhecer que há uma extrema desigualdade na distribuição desses benefícios e, também, das formas históricas de trabalhar, de produzir esses bens. A introdução dos avanços tecnológicos (em termos de máquinas e equipamentos, do desempenho de funções diferenciadas, do uso de sementes geneticamente modificadas – todos frutos de relações sociais e não apenas questões técnicas), a distribuição das tarefas, as opções sobre o tempo livre, o estudo e o lazer trazem novas questões para discussão dos processos humanizadores no trabalho. No campo, pela secular opressão na apropriação da terra e pela dureza do trabalho braçal, por seu uso subordinado, ou nas minas embrutecedoras, nos lixões, nas cidades, há trabalhos que são como que alienação de vida, seja pela divisão social do trabalho (trabalho físico, manual ou intelectual, concepção e planejamento versus execução), seja pela desqualificação das tarefas, pela especialização, pela repetição, seja pela perda de controle do trabalhador sobre o próprio trabalho ou pela subordinação do esforço humano a serviço da acumulação do capital. Estas são formas de trabalho que se constituem num princípio educativo negativo, deformador e alienador. O que significa que o capitalismo educa para a consecução de seus fins de disciplina, subordinação, produtividade. 3. O trabalho como princípio educativo É falso, e há evidência disso, que todo trabalho dignifica. São de Lukács (1978) algumas idéias importantes para esta análise. A produção da existência humana e a aquisição da consciência se dão pelo trabalho, pela ação sobre a natureza. O trabalho, neste sentido não é emprego, não é apenas uma forma histórica do trabalho em sociedade, ele é a atividade fundamental pela qual o ser humano se humaniza, se cria, se expande em conhecimento, se aperfeiçoa. O trabalho é a base estruturante de um novo tipo de ser, de uma nova concepção de história. É a consciência moldada por esse agir prático, teórico, poético ou político que vai impulsionar o ser humano em sua luta para modificar a natureza (ou para dominá-la, como se dizia no passado, antes que se tomasse consciência da destruição que o homem vem operando sobre o planeta). Diferente dos animais, a consciência do ser humano é a capacidade de representar os seres de modo ideal, de colocar finalidades às ações, de transformar perguntas em necessidades e de dar 13 respostas a essas necessidades. Os seres humanos agem através de mediações, de recursos materiais e espirituais que eles implementam para alcançar os fins desejados. O que nos permite fazer a distinção entre duas formas fundamentais de trabalho: o trabalho como relação criadora, do homem com a natureza, produzindo a existência humana, o trabalho como atividade de autodesenvolvimento físico, material, cultural, social, político, estético, o trabalho como manifestação de vida; e o trabalho nas suas formas históricas de sujeição, de servidão ou de escravidão, ou do trabalho moderno, assalariado, alienado na sociedade capitalista. Há relações de trabalho concreto que atrofiam o corpo e a mente, trabalhos que embrutecem, que aniquilam, fragmentam, parcializam o trabalhador. Ocorre, ainda, um fenômeno insuficientemente estudado que é o processo de circularidade entre necessidade do trabalho precoce e o desemprego e a oferta de iniciação profissional. É possível perceber o crescimento do número de instituições assistenciais e programas governamentais que, à vista da necessidade de um contingente cada vez maior de pessoas desocupadas ou em trabalhos ambulantes, precários, oferecem-lhes oportunidade de algum aprendizado e os responsabilizam para criar novas formas de trabalho, de empreendimentos ou de serem “empregáveis”. É essa complexidade, na particularidade das situações vividas, que nos cabe examinar na sua expressão fundante, criativa e nas formas históricas, opressoras, do trabalho, inclusive do emprego assalariado, que está em queda e pode vir a desaparecer para dar lugar a outras formas de relações sociais na produção da vida. Algumas perguntas devem ser feitas. No caso da infância e da juventude, é preciso saber se esses meninos e meninas que trabalham na rua, ou" boys de empresas", necessitam, para seu desenvolvimento, de trabalho ou de educação? Ou em que medida a submissão precoce ao trabalho na empresa é educativa, é recurso de desenvolvimento de todas as suas potencialidades, ou uma acomodação? É possível harmonizar as necessidades imperiosas da sobrevivência com uma boa formação “em serviço"? O que ocorre no campo com o trabalho familiar, com o trabalho da mulher? Sua distribuição na vida doméstica e produtiva é compatível com as necessidades de desenvolvimento lúdico, físico e emocional das crianças e dos adolescentes? É possível manter nesses trabalhos o nexo psicofísico do trabalho profissional qualificado, de qualidade, que exige a participação ativa da inteligência, da fantasia, da iniciativa do trabalhador? Essas perguntas orientaram muitas discussões sobre a questão da educação politécnica, da escola unitária e do trabalho como princípio educativo nos anos 1980, para a elaboração da educação na nova Constituição aprovada em 1988, e para a nova LDB que tramitou no Congresso, proposta pela sociedade civil organizada. Ontem como hoje, do ponto de vista educativo, o esforço das forças progressistas deve caminhar no sentido da escola unitária (Gramsci, 1981), onde se possa pensar o trabalho de modo que o sujeito não seja o mercado e, sim, o mercado seja uma dimensão da realidade social (Frigotto,1980). Trata-se de pensar o trabalho em outro contexto social, no qual o trabalhador produza para si, e no qual o produto do trabalho coletivo se redistribua igualmente, projeto que se contrapõe à forma capitalista de produção e aponta para a constituição de novas relações sociais e de um projeto de homem novo. Trata-se de opor-se a uma visão reducionista, utilitarista, atrofiadora e, essencialmente, restritiva de formação humana. 14 Bibliografia CIAVATTA FRANCO, Maria. O trabalho como princípio educativo da criança e do adolescente. Tecnologia Educacional, ABT, Rio de Janeiro, 21 (105/106): 25-29, mar./jun. 1992. FRIGOTTO, Gaudêncio. É falsa a concepção de que o trabalho dignifica o homem. Entrevista. Comunicação, Belém, 7 de agosto de 1980. FUKUYAMA, F. El fin de la historia y el último hombre. Barcelona: Planeta, 1992. GRAMSCI, Antonio. A alternativa pedagógica. Barcelona: Ed. Fontamara, 1981. IANNI, Octávio. As formas sociais do trabalho. PUC-SP, 1984, p. 1. mimeo. LUKÁCS, George. As bases ontológicas do pensamento e da atividade do homem. Temas de Ciências Humanas, São Paulo, (4): 1-18, 1978. OFFE, Claus. Trabalho: a categoria chave? In: _______. O capitalismo desorganizado. São Paulo: Brasiliense, 1989. SAVIANI, Dermeval. A nova lei da educação. LDB, trajetória, limites e perspectivas. 8a. ed. São Paulo: Autores Associados, 2003. Notas 1-Síntese do texto discutido com os participantes do Seminário Nacional de Formação – MST, realizado na Escola Nacional Florestan Fernandes em março de 2005. 2-Licenciada em Filosofia, Doutora em Ciências Humanas (Educação), Professora Titular Associada da Universidade Federal Fluminense. 15 TEXTO 2 Resgate crítico da produção teórica sobre o assunto em questão Disponível em: escolaalfredozimmermann.blogspot.com/2009/11/... Acesso em: 07/06/2010 16 Com base na discussão precedente, impõe-se como uma necessidade, dado o processo de mudanças pelo qual vem passando a escola nos dias atuais, uma formação que permita ao professor pela incorporação da experiência e, sobretudo uma reflexão sobre a experiência, ou seja, um perfil de pesquisador/investigador da própria ação. De acordo com Freire (1996, p. 12), Por isso é que, na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática. Nesse sentido, achamos por bem trazer a contribuição de autores referenciados, propondo a socialização dos conhecimentos e dos saberes. Neste momento, realizaremos um processo de aprofundamento teórico, portanto é importante a leitura do “material didático” apresentado. Vejamos o que esses autores nos propõem, através do texto: ”Concepções afirmativas e negativas sobre o ato de ensinar”, de Newton Duarte, em que o autor analisa o ato de ensinar como parte integrante do trabalho educativo. Após ler e refletir sobre o texto, comente com o grupo: 1- O que podemos fazer no cotidiano escolar para construir uma escola coletivamente? 2- O que você considera uma concepção afirmativa sobre o ato de ensinar? 3- Você acredita que a Escola muda as pessoas? Hoje, é possível uma sociedade sem Escola? 17 Cadernos CEDES Print ISSN 0101-3262 Cad. CEDES vol.19 n.44 Campinas Apr. 1998 doi: 10.1590/S0101-32621998000100008 Concepções afirmativas e negativas sobre o ato de ensinar Newton Duarte* RESUMO: O artigo postula a necessidade de uma concepção afirmativa sobre o ato de ensinar e analisa criticamente algumas concepções consideradas negativas em relação ao ensino como transmissão de conhecimento. Nesse sentido, defende que a Escola Nova e o Construtivismo estabelecem uma dicotomia entre a transmissão de conhecimentos pelo professor e a conquista da autonomia intelectual pelo aluno, secundarizando, assim, o ensino e descaracterizando o papel do professor. O artigo analisa, ainda, alguns postulados defendidos por Vigotski e seguidores, que iriam numa direção oposta à das idéias defendidas pela Escola Nova e pelo Construtivismo. Palavras-chave: Ensino, construtivismo, Vigotski Neste texto, além de argumentarmos pela necessidade de uma concepção afirmativa sobre o ato de ensinar, esboçaremos uma análise de algumas concepções que consideramos apresentarem um posicionamento negativo sobre esse ato. Na medida em que o ato de ensinar é parte integrante do trabalho educativo, entendemos ser necessário iniciar pela análise da concepção de trabalho educativo que adotamos formulada por Saviani (1995, p. 17): O trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens. Assim, o objeto da educação diz respeito, de um lado, à identificação dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que eles se tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, à descoberta das formas mais adequadas para atingir esse objetivo. Analisemos mais de perto alguns aspectos desse conceito. O que o trabalho educativo produz? Ele produz, nos indivíduos singulares, a humanidade, isto é, o trabalho educativo alcança sua finalidade quando cada indivíduo singular apropria-se da humanidade produzida histórica e coletivamente, quando o indivíduo apropria-se dos elementos culturais necessários à sua formação como ser humano, necessários à sua humanização. Portanto, a referência fundamental é justamente o quanto o gênero humano conseguiu se desenvolver ao longo do processo histórico de sua objetivação. Está implícita a esse conceito, a dialética entre objetivação e apropriação, que constitui o núcleo fundamental da concepção de Marx do processo histórico de humanização (cf. Duarte 1993, cap. I). 18 As "forças essenciais humanas", para usar uma expressão de Marx, resultam da atividade social objetivadora dos homens. São, portanto, forças essenciais objetivadas. Assim, não existe uma essência humana independente da atividade histórica dos seres humanos, da mesma forma que a humanidade não está imediatamente dada nos indivíduos singulares. Essa humanidade, que vem sendo produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens, precisa ser novamente produzida em cada indivíduo singular. Trata-se de produzir nos indivíduos algo que já foi produzido historicamente. Note-se que nesse conceito está formulada a necessidade de identificar os elementos culturais necessários à humanização do indivíduo. Existe aí um duplo posicionamento do trabalho educativo. O trabalho educativo posiciona-se, em primeiro lugar, em relação à cultura humana, em relação às objetivações produzidas historicamente. Esse posicionamento, por sua vez, requer também um posicionamento sobre o processo de formação dos indivíduos, sobre o que seja a humanização dos indivíduos. A questão da historicidade faz-se presente nesses dois posicionamentos. Afinal, uma concepção historicizadora da cultura humana não se posiciona sobre aquilo que considera as conquistas mais significativas e duradouras para a humanidade? Igualmente, uma postura historicizadora do indivíduo não estabelece como referência maior aquilo que historicamente já existe como possibilidades de vida humana, para fazer a crítica às condições concretas da vida dos indivíduos e estabelecer diretrizes para o processo educativo desses indivíduos? Esse conceito do trabalho educativo, tendo como referência o processo de humanização do gênero humano e dos indivíduos, aponta na direção da superação do conflito entre as pedagogias da essência e as pedagogias da existência. Cabe ao pedagogo e filósofo polonês Bogdan Suchodolski (1984), o mérito de ter caracterizado esse conflito como o cerne das disputas históricas entre as várias concepções de educação, de formação dos seres humanos. Saviani (1989), incorporando a contribuição do pedagogo polonês, analisou o conflito entre a pedagogia tradicional e a pedagogia nova como um conflito entre pedagogia da essência e pedagogia da existência, interpretando esse conflito à luz da passagem, da burguesia, de classe revolucionária à classe consolidada no poder e defensora da ordem estabelecida. Nosso objetivo aqui não é o de entrar nos detalhes dessa análise histórica, mas sim verificar quais as implicações desse conceito de trabalho educativo para a construção de uma pedagogia que vá além das pedagogias da essência e das pedagogias da existência. O conflito entre as pedagogias da essência e as pedagogias da existência, traduzido de forma esquemática, é um conflito entre educar guiado por um ideal abstrato de ser humano, por uma essência humana a-histórica e educar para a realização dos objetivos imanentemente surgidos na vida de cada pessoa, na sua existência. Em Duarte (1993, pp. 203-208), analisamos esse tema sob a ótica do conceito de alienação enquanto distanciamento e conflito entre as forças essenciais humanas, que vão sendo objetivadas em níveis cada vez mais elevados, e as condições concretas da existência da maioria dos indivíduos humanos. O conceito de trabalho educativo aqui adotado situa-se numa perspectiva que supera a opção entre a essência humana abstrata e a existência empírica. A essência abstrata é recusada na medida em que a humanidade, as forças essenciais humanas, são concebidas como cultura humana objetiva e socialmente existente, como produto da atividade histórica dos seres humanos. Produzir nos indivíduos singulares "a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto 19 dos homens", significa produzir a apropriação pelos indivíduos das forças essenciais humanas objetivadas historicamente. Esse conceito de trabalho educativo também supera a concepção de educação guiada pela existência empírica, na medida em que sua referência para a educação é a formação do indivíduo como membro do gênero humano (sobre a categoria de gênero humano numa perspectiva históricosocial vide Duarte 1993, cap. III). Ao adotar a referência da formação do indivíduo como membro da espécie humana (ou gênero humano), esse conceito de trabalho educativo está estabelecendo como um dos valores fundamentais da educação, o do desenvolvimento do indivíduo para além dos limites impostos pela divisão social do trabalho. E isso está explícito também nas críticas feitas por Saviani à pedagogia escolanovista, quando esta, em nome da democracia, do respeito às diferenças individuais, acaba por legitimar desigualdades resultantes das relações sociais alienadas. Passemos agora a um último aspecto desse conceito: a definição do trabalho educativo como uma produção direta e intencional. Decorre desse aspecto a afirmação de que concomitantemente com o posicionamento perante os elementos da cultura humana historicamente acumulada, é necessária a descoberta das formas mais adequadas de atingir o objetivo de produção do humano no indivíduo. O trabalho educativo é, portanto, uma atividade intencionalmente dirigida por fins. Daí o trabalho educativo diferenciar-se de formas espontâneas de educação, ocorridas em outras atividades, também dirigidas por fins, mas que não são os de produzir a humanidade no indivíduo. Quando isso ocorre, nessas atividades, trata-se de um resultado indireto e inintencional. Portanto, a produção no ato educativo é direta em dois sentidos. O primeiro e mais óbvio é o de que se trata de uma relação direta entre educador e educando. O segundo, não tão óbvio, mas também presente, é o de que a educação, a humanização do indivíduo é o resultado mais direto do trabalho educativo. Outros tipos de resultado podem existir, mas serão indiretos. Há um acento de valor positivo nesse conceito de trabalho educativo como produção intencional. Ele assume, enquanto um processo de desenvolvimento do ser humano, o fato de que a formação dos indivíduos seja elevada ao plano de um processo intencionalmente dirigido. Vale aqui assinalar a existência, nesse ponto, de uma decisiva confluência entre a pedagogia histórico-crítica e a psicologia históricocultural ("Escola de Vigotski"2), que desenvolveu um grande trabalho teórico e prático, guiado justamente pelo princípio de que cabe ao processo educativo dirigir o desenvolvimento psíquico do indivíduo e não caminhar a reboque de um desenvolvimento espontâneo e natural (cf. Davidov & Shuarev 1987; Leontiev 1978; Shuare 1990; Vygotski 1991 e 1993). Essa breve análise do conceito de trabalho educativo por nós adotado evidencia que esse conceito implica um posicionamento afirmativo sobre o ato de ensinar, isto é, trata-se de construir uma concepção pedagógica que contenha em seu cerne esse posicionamento afirmativo e que, conseqüentemente, se posicione polemicamente em relação às concepções negativas sobre o ato de ensinar. Citaremos, a seguir, três exemplos dessas concepções. O primeiro exemplo é o das teorias "crítico-reprodutivistas" (cf. Saviani 1989). É sabido que essas teorias não apresentam propostas relativas ao que-fazer do trabalho educativo, posto que consideram que o trabalho no interior da escola está irremediavelmente condenado a reproduzir as relações sociais de dominação. 20 O objetivo dessas teorias reside em revelar tal reprodução, fazer sua crítica e mostrar que antes da superação, em nível da sociedade como um todo, do modo de produção capitalista, não há possibilidade de se realizar um trabalho no interior da escola que não tenha como resultado objetivo, independentemente das intenções dos educadores, a reprodução da divisão social do trabalho, isto é, das relações sociais de dominação. Assim, sem dúvida, trata-se de um posicionamento negativo quanto às possibilidades de o trabalho educativo assumir um caráter humanizador ainda no interior da sociedade capitalista. Essas teorias sobre a educação não têm como objetivo construir nenhuma pedagogia. Assim, o desafio a ser enfrentado por qualquer concepção crítica da educação, que pretenda constituir-se numa pedagogia, consiste em manter-se crítica ao mesmo tempo que apresente uma proposta afirmativa sobre a formação dos seres humanos hoje. Um segundo exemplo de um posicionamento negativo em relação ao ato de ensinar é o de uma pedagogia, a pedagogia da Escola Nova. Contrapondo-se à Escola Tradicional, que tinha como centro do processo educativo a transmissão de conteúdos pelo professor, a Escola Nova propôs a chamada "Revolução de Copérnico da Educação", colocando como centro do processo educativo o aluno e o ato de "aprender a aprender". Aqui já não se trata, como no caso das teorias críticoreprodutivistas, de uma corrente que se recuse a apresentar uma proposta pedagógica. Trata-se, isto sim, de uma proposta pedagógica em cujo cerne encontra-se uma secundarização do ato de transmissão dos conteúdos escolares pelo professor. Não precisamos repetir aqui todos os argumentos apresentados por Saviani (1989) para mostrar que, na América Latina, os efeitos concretos da Escola Nova foram principalmente os de rebaixamento do nível de ensino destinado às classes populares. O que nos parece mais importante a destacar aqui é o fato de que, paradoxalmente, a Escola Nova, ainda que tenha se concentrado em sua análise da educação nos aspectos intra-escolares, secundarizando a inserção da educação na luta política no sentido amplo do termo, acabou por esvaziar a própria essência do trabalho educativo, transformando o processo de ensino-aprendizagem em algo desprovido de conteúdo. Como disse Saviani (1989, p. 86): Veja-se o paradoxo em que desemboca a Escola Nova; a contradição interna que atravessa de ponta a ponta sua proposta pedagógica: de tanto endeusar o processo, de tanto valorizá-lo em si e por si, acabou por transformá-lo em algo místico, uma entidade metafísica, uma abstração esvaziada de conteúdo e sentido. Nesse sentido, julgamos ser legítimo afirmar que apesar de colocar no centro de seu discurso o processo educativo, a Escola Nova assumiu um posicionamento negativo quanto à própria essência histórica e socialmente constituída do trabalho educativo. Como procuramos mostrar ao analisar o conceito de trabalho educativo aqui adotado, não se trata de preconizar que esse trabalho possua uma essência metafísica e a-histórica, mas sim de captar aquilo que no processo histórico, em particular a partir do surgimento do capitalismo, acabou por constituir o núcleo humanizador do trabalho educativo, sem desconsiderar-se que tal núcleo desenvolveu-se no interior das contradições que caracterizam todas as instâncias da prática social nas sociedades alienadas. A Escola Nova não foi capaz de captar esse núcleo, isto é, não foi capaz de captar o que historicamente constitui- 21 se como a função clássica do trabalho educativo. Como disse Saviani (1995, p. 23): "Clássico na escola é a transmissão-assimilação do saber sistematizado”. O terceiro exemplo de um posicionamento negativo em relação ao ato de ensinar seria o das concepções pedagógicas que, como no caso do Construtivismo, respaldam-se em teorias psicológicas que valorizam as aprendizagens que o indivíduo realiza sozinhos, como qualitativamente superiores àquelas onde o indivíduo assimila conhecimento através da transmissão de outras pessoas. Dentro do próprio Construtivismo existem muitas variações quanto a essa questão. Algumas posições mais extremadas tendem a considerar o processo de desenvolvimento psíquico do indivíduo como independente da assimilação dos conhecimentos socialmente existentes. Essa posição encontra respaldo na concepção de Piaget sobre as relações entre desenvolvimento e aprendizagem. Como disse Vigotski (1988, p. 104), acerca da teoria de Piaget: É claro que esta teoria implica uma completa independência do processo de desenvolvimento e do de aprendizagem, e chega até a postular uma nítida separação de ambos os processos no tempo. O desenvolvimento deve atingir uma determinada etapa, com a conseqüente maturação de determinadas funções, antes de a escola fazer a criança adquirir determinados conhecimentos e hábitos. O curso do desenvolvimento precede sempre o da aprendizagem. A aprendizagem segue sempre o desenvolvimento. Semelhante concepção não permite sequer colocar o problema do papel que podem desempenhar, no desenvolvimento, a aprendizagem e a maturação das funções ativadas no curso da aprendizagem. O desenvolvimento e a maturação destas funções representam um pressuposto e não um resultado da aprendizagem. A aprendizagem é uma superestrutura do desenvolvimento, e essencialmente não existem intercâmbios entre os dois momentos. (grifo no original) Nesse caso não se trata apenas da secundarização da aprendizagem escolar em termos de suas influências sobre o desenvolvimento intelectual do indivíduo, mas de uma dicotomia mais acentuada, isto é, trata-se de separação dos dois processos e de uma total independência do processo de desenvolvimento, encarado como um processo de maturação do psiquismo individual. É evidente que tal concepção resulta numa desvalorização do processo de ensino. Becker (1993, p. 71), por exemplo, fundamentando-se em Piaget, explicita claramente sua concepção sobre quanto a pretensão de ensinar, isto é, de transmitir o conhecimento, prejudicaria o desenvolvimento cognitivo do aluno: Quando um professor ensina um conteúdo a seus alunos (...) ele atravessa todo o processo de construção do conhecimento obstruindo o processo de abstração reflexionante. Em nome da transmissão do conhecimento ele impede a construção de estruturas básicas de todo o conhecer, ou o a priori de toda a compreensão. É isto que Piaget quer dizer ao afirmar que toda a vez que ensinamos algo à criança, impedimos que ela invente esta e tantas outras coisas. Mas existem formulações que procuram atenuar tal dicotomia, apresentando o processo de ensino escolar como um processo de intervenção que visaria propiciar as condições para a construção autônoma, pelo indivíduo, do conhecimento. Salvador (1994, p. 136), assim expressa sua interpretação construtivista da ação educativa escolar: Numa primeira aproximação, a concepção construtivista da intervenção pedagógica postula que a ação educacional deve tratar de incidir sobre a 22 atividade mental construtiva do aluno, criando as condições favoráveis para que os esquemas de conhecimento — e, em conseqüência, os significados associados aos mesmos — que inevitavelmente o aluno constrói no decurso de suas experiências sejam os mais corretos e ricos possíveis e se orientem na direção marcada pelas intenções que presidem e guiam a educação escolar. Numa perspectiva construtivista, a finalidade última da intervenção pedagógica é contribuir para que o aluno desenvolva a capacidade de realizar aprendizagens significativas por si mesmo numa ampla gama de situações e circunstâncias, que o aluno "aprenda a aprender". (grifo no original) Essa passagem reforça, em muito, uma das hipóteses com a qual temos trabalhado em nossos estudos, qual seja, a de que o Construtivismo retoma em outras roupagens muitas das idéias fundamentais da Escola Nova. Mas neste momento não é sobre esse aspecto que nos deteremos e sim sobre a questão da valoração, como objetivo maior da educação escolar, o de "contribuir para que o aluno desenvolva a capacidade de realizar aprendizagens significativas por si mesmo". Em outra passagem, o mesmo autor expõe a mesma idéia de forma ainda mais enfática: Aprender a aprender, sem dúvida o objetivo mais ambicioso, mas irrenunciável, da educação escolar, equivale a ser capaz de realizar aprendizagens significativas por si só numa ampla gama de situações e circunstâncias. (grifo no original) Não se trata aqui de questionar a necessidade de a aprendizagem escolar desenvolver nos alunos a capacidade de realizarem aprendizagens de forma autônoma. O que estamos sim questionando é por que esse tipo de aprendizagem deve ser valorado como qualitativamente superior às aprendizagens que decorrem da transmissão de conhecimentos por outra pessoa. Relacionado a essa secundarização da transmissão de conhecimentos está o problema da definição do papel do professor no processo educativo. É interessante notar que no Construtivismo, a despeito das constantes afirmações de que o professor tem um papel importante no processo educativo (seria difícil afirmar-se explicitamente o contrário, posto que normalmente se escreve para professores), esse papel acaba por ser diluído de tal forma que se resume ao de alguém que acompanha o desenvolvimento e a aprendizagem da criança. Vejamos o que diz Freitas (1988, p. 108), acerca do papel da professora no ensino da escrita: O que questionamos é o papel da professora neste ensino. Entendemos que o processo de aprendizagem da escrita, assim como a aprendizagem de qualquer conteúdo, deve ser conduzido pela criança, cabendo à professora criar situações desafiadoras para que o processo ocorra e, eventualmente, orientando-a no caminho mais rápido, menos dispersivo, mais eficaz e interessante. (grifo nosso) Diga-se de passagem, que tal posição aproxima-se bastante do que afirmou o próprio Piaget (1984, p. 15), ao analisar o que considerava necessário mudar no terreno do ensino de ciências: 23 A primeira dessas condições é naturalmente o recurso aos métodos ativos, conferindo-se especial relevo à pesquisa espontânea da criança ou do adolescente e exigindo-se que toda verdade a ser adquirida seja reinventada pelo aluno, ou pelo menos reconstruída e não simplesmente transmitida. Ora, dois freqüentes mal-entendidos reduzem bastante o valor das experiências realizadas até agora neste sentido. O primeiro é o receio (e, para alguns, a esperança) de que se anule o papel do mestre, em tais experiências, e que, visando ao pleno êxito das mesmas, seja necessário deixar os alunos totalmente livres para trabalhar ou brincar segundo melhor lhes aprouver. Mas é evidente que o educador continua indispensável, a título de animador, para criar as situações e armar os dispositivos iniciais capazes de suscitar problemas úteis à criança, e para organizar, em seguida, contra-exemplos que levem à reflexão e obriguem ao controle das soluções demasiado apressadas: o que se deseja é que o professor deixe de ser apenas um conferencista e que estimule a pesquisa e o esforço, ao invés de se contentar com a transmissão de soluções já prontas. É interessante notar que tanto no Construtivismo como na Escola Nova, assumiram um acento de valor claramente negativo o verbo ensinar e a expressão "transmissão de conhecimentos". O professor é reduzido a um "animador", a alguém que fornece condições para que o aluno construa por si mesmo o conhecimento. Para não ser reduzido a um mero enfeite do processo educativo, pode até, "eventualmente", fornecer alguma orientação para o aluno. Adotando uma posição polêmica em relação a essas concepções negativas sobre o ato de ensinar e buscando contribuir para a construção de uma concepção educacional que adote um posicionamento afirmativo sobre o ato de ensinar, temos desenvolvido estudos visando a aproximação entre a pedagogia histórico-crítica e a psicologia histórico-cultural, também conhecida como Escola de Vigotski (parte desses estudos é apresentada em Duarte 1996). A essa altura, com certeza alguns estão formulando a seguinte pergunta: Mas se você acabou de afirmar ser o Construtivismo uma concepção negativa sobre o ato de ensinar, o que o leva a buscar na psicologia histórico-cultural elementos para uma concepção afirmativa sobre o ato de ensinar? Afinal, Vigotski não tem sido considerado como pertencente à corrente denominada Construtivismo? Nossa resposta a essa questão é a de que, a despeito da Escola de Vigotski vir sendo denominada, no Brasil, de socioconstrutivista e sociointeracionista, não concordamos com tais denominações e, mais do que isso, vemos decisivas divergências entre a concepção histórico-social de ser humano contida nos trabalhos da Escola de Vigotski e o paradigma construtivista-interacionista. Sabemos que essa posição esbarra de frente com a maioria do que tem sido escrito sobre Vigotski no Brasil. Rocco (1990, p. 26-27) diz que: (...) há muitos pontos em comum entre Vygotsky e Piaget, a começar pela linha cognitivista, construtivista-interacionista que se encontra na base teórica dos trabalhos de ambos. (...) Apesar de o termo (...) vir tradicionalmente ligado à obra de Piaget, acreditamos não ser impertinente, portanto, aplicá-lo às posições teóricas de Vygotsky e Luria, ressalvando tratar-se aqui, evidentemente, de um sócio-interacionismo, cujo enfoque principal é de raiz histórico-dialética, visto sob a luz da teoria marxista. 24 Posição similar é defendida por Oliveira (1993 pp. 103-104): Embora haja uma diferença muito marcante no ponto de partida que definiu o empreendimento intelectual de Piaget e Vygotsky - o primeiro tentando desvendar as estruturas e mecanismos universais do funcionamento psicológico do homem e o último tomando o ser humano como essencialmente histórico e, portanto sujeito às especificidades do seu contexto cultural - há diversos aspectos a respeito dos quais o pensamento desses dois autores é bastante semelhante. (...) Tanto Piaget como Vygotsky são interacionistas, postulando a importância da relação entre indivíduo e ambiente na construção dos processos psicológicos; nas duas abordagens, portanto, o indivíduo é ativo em seu próprio processo de desenvolvimento: nem está sujeito apenas a mecanismos de maturação, nem submetido passivamente a imposições do ambiente. Apenas para citar outros dois trabalhos de relativa divulgação, mencionamos Davis e Oliveira (1990) e Rosa (1994), onde também o pensamento de Vigotski é enquadrado no modelo interacionista-construtivista. Ainda que nossa hipótese não se restrinja à questão da denominação dessa escola, começaremos por essa questão, posto que o nome de uma escola é um dos elementos que definem sua especificidade perante outras. Além das denominações "socioconstrutivismo", "sociointeracionismo" e "sociointeracionismo-construtivista", a Escola de Vigotski foi chamada no Brasil também de "construtivismo pós-piagetiano" (Grossi e Bordin, 1993). Diga-se em primeiro lugar que nenhuma dessas denominações aparece nas obras de Vigotski, Leontiev, Luria, Galperin, Elkonin, Davidov, ou qualquer outro membro dessa escola. Esses autores preocuparam-se sempre em caracterizar essa psicologia naquilo que ela tem de diferenciador em relação a outras, ou seja, sua abordagem histórico-social do psiquismo humano. Por essa razão, as denominações que eles mais utilizaram para se autocaracterizarem foram a de teoria históricocultural e a de teoria da atividade, sendo esta segunda denominação empregada para caracterizar especificamente o trabalho de Leontiev e seus seguidores. O próprio Leontiev, num texto sobre essa corrente da psicologia, caracterizou como central o paradigma histórico do psiquismo por ela adotado, desde os trabalhos de Vigotski. Assim, acreditamos que não há porque não utilizar a denominação histórico-cultural, isto é, não há por que buscar um critério para a denominação que seja externo ao esforço feito pela própria Escola de Vigotski de autocaracterização. Sejamos ainda mais claros: o divisor de águas para a Escola de Vigotski, quando da caracterização das correntes da psicologia, residia justamente na abordagem historicizadora ou não-historicizadora do psiquismo humano. Ora, para eles somente uma psicologia marxista poderia abordar de forma plenamente historicizadora o psiquismo humano. E não se trata apenas de uma das possíveis formas de se conceber o psiquismo, mas sim de que ele não pode ser plenamente compreendido se não for abordado como um objeto essencialmente histórico. Estamos perante a questão do critério de classificação das correntes da psicologia. Quando o critério é a historicização ou não do psiquismo, Piaget, Skinner e Freud estão muito mais próximos um do outro do que da psicologia da Escola de Vigotski. Procuraremos mostrar aqui que o interacionismo é um modelo 25 epistemológico que aborda o psiquismo humano de forma biológica, ou seja, não dá conta das especificidades desse psiquismo como um fenômeno histórico-social. Com isso, estamos defedendo que a psicologia histórico-cultural não é uma variante do interacionismo-construtivista. Não basta colocarmos o adjetivo social. A questão é a de que a especificidade dessa escola da psicologia perante outras não pode ser abarcada pela categoria de interacionismo nem pela de construtivismo. Para efeito dessa análise epistemológica, passaremos a empregar a expressão interacionismo-construtivista, como tradução de um mesmo modelo epistemológico, independentemente de ele ser chamado por algum autor através apenas do adjetivo interacionista ou do adjetivo construtivista. Entendemos como legítima essa nossa atitude, pelo fato de que ambos os termos têm a origem de sua utilização na mesma fonte, a obra de Piaget. São abundantes os trabalhos que fazem referência às origens, na obra de Piaget, do modelo epistemológico interacionista-construtivista. Limitando-nos a algumas obras recentes e de fácil acesso, mencionamos aqui os trabalhos de Azenha (1993), Davis e Oliveira (1990) e Rosa (1994). Com pequenas variações de terminologia, esses três trabalhos mostram que o modelo interacionista-construtivista apresenta-se por oposição a dois outros modelos epistemológicos: o empirismo e o inatismo (ou pré-formismo). Como explica Azenha (1993, pp. 19, 20 e 22): De um lado, o programa de pesquisa de Locke e seus sucessores, de Condillac a Skinner, conhecido como "empirismo" (...) A interpretação "empirista" do conhecimento supervaloriza o papel da experiência sensível, particularmente da percepção, que inscreveria direta ou indiretamente os conteúdos da vida mental sobre um indivíduo com extrema plasticidade. Essa plasticidade, por sua vez, seria decorrente de uma baixíssima indeterminação mental por ocasião do nascimento. (...) Do outro lado, a segunda resposta clássica à questão naufragaria no extremo oposto, admitindo, na origem, uma forte determinação ou dotação mental desde o nascimento. Dito de outra forma, outros programas de pesquisa partem de um compromisso ontológico com o inatismo ou o pré-formismo. (...) A solução da origem e processo do conhecimento, para Piaget, está numa terceira via, alternativa ao empirismo e ao pré-formismo. O Construtivismo seria solução para o estudo e desenvolvimento da gênese do conhecimento. De fato, não discordamos que a psicologia histórico-cultural também se oponha tanto às abordagens inatistas quanto às empiristas. Ocorre que há algo que pode unir pré-formistas, empiristas e interacionistas: o modelo biológico, naturalizante, a partir do qual é assumida uma posição perante essa questão. Para a Escola de Vigotski, mais importante do que apenas superar os unilateralismos na análise da relação sujeito-objeto, era buscar compreender as especificidades dessa relação quando sujeito e objeto são históricos e quando a relação entre eles também é histórica. Não é possível compreender essas especificidades quando se adota o modelo biológico da interação entre organismo e meio ambiente. Azenha (1991, p. 24) explicita que o interacionismo-construtivista de Piaget apóia-se nesse modelo biológico: ...a concepção do funcionamento cognitivo em Piaget é a aplicação no campo psicológico de um princípio biológico mais geral da relação de qualquer ser vivo em interação com o ambiente. Ser bem-sucedido na 26 perspectiva biológica implica a possibilidade de conseguir um ponto de equilíbrio entre as necessidades biológicas fundamentais à sobrevivência e as agressões e restrições colocadas pelo meio à satisfação dessas mesmas necessidades. A autora prossegue mostrando que nesse processo intervém dois mecanismos: a organização do ser vivo e a adaptação ao meio. Explica ainda que a adaptação se realiza através dos processos de assimilação e acomodação (ibidem, p. 25). Freitag (1991, p. 35) sintetiza de forma semelhante as idéias de Piaget sobre essa questão e diz que: Os mesmos mecanismos de assimilação e acomodação desenvolvidos pelos moluscos dos lagos, em termos puramente orgânicos, são desenvolvidos pelo homem no plano das estruturas cognitivas, destinadas a facilitar a adaptação do organismo humano ao seu meio. Assim, se empregarmos a categoria de interacionismo (que vimos resultar de um modelo essencialmente biológico) para caracterizar a Escola de Vigotski, estaremos tentando enquadrar essa escola sob um modelo que contraria a pretensão fundamental de construir uma psicologia histórico-cultural do homem. Além disso, parece-nos que, freqüentemente, essa questão é mal interpretada, pois ela afirma que trazer Vigotski para o interacionismo-construtivista seria trazer o social para essa corrente. O senso comum pedagógico expresso na matéria publicada pela Revista Nova Escola (lagoa 1994) já traduz isso dizendo que Vigotski seria "uma pitada social no Construtivismo". Acrescente-se que a concepção de social expressa nessa matéria não ultrapassa o estar fazendo algo junto com outras pessoas, isto é, não ultrapassa a existência de processos intersubjetivos. Uma leitura atenta de Vigotski revela que, apesar de tratar da questão da intersubjetividade, ele nunca reduziu o social a isso. Até porque a interação entre subjetividades era, para Vigotski, sempre uma interação historicamente situada, mediatizada por produtos sociais, desde os objetos até os conhecimentos historicamente produzidos, acumulados e transmitidos. Mas a idéia de que Vygotski viria para dar uma pitada social ao Construtivismo aparece também em trabalhos acadêmicos. Na contracapa do livro Construtivismo pós-piagetiano (Grossi e Bordin 1993), aparece o seguinte texto: Construtivismo pós-piagetiano é um novo e sólido paradigma sobre aprendizagem, o qual acrescenta aos dois pólos clássicos - o sujeito e a realidade - em torno dos quais era pensada a construção de saberes e conhecimentos, "a fascinação do estar juntos", isto é, os outros, o grupo e o social. Trata-se, portanto, da junção enriquecedora dos resultados dos estudos de Piaget, com os de Wallon, de Vygotsky, de Paulo Freire, de Sara Pain, às contribuições de Marx, Freud e da sociologia, da antropologia, da lingüística contemporânea. Deixemos de lado a questão do grau de abrangência que está sendo postulado para esse novo paradigma, bem como a questão da absoluta heterogeneidade epistemológica e sociológica dos autores citados. Atenhamo-nos à questão do que define o "pós"-piagetiano nesse paradigma. Seria justamente o acréscimo do social. Do ponto de vista pedagógico, essa questão mistura-se com a do papel da intervenção externa nos processos de aprendizagem do indivíduo. Rosa (1994, pp. 49-50) diz: 27 (...) é preciso admitir uma dificuldade que decorre da própria formulação teórica construtivista, especialmente da versão piagetiana à qual se tem dado maior ênfase. Ao colocar o sujeito como centro e, principalmente, ao vincular a aprendizagem à maturação biopsicológica, Piaget autoriza a inferência de que o processo de aprendizagem ocorre espontaneamente, isto é, independente da ação ou da "provocação" de um outro sujeito. (...) A esse respeito a teoria de Vygostky, indubitavelmente, se faz mais clara, ao atribuir especial importância ao meio social, ao adulto educador no processo de aprendizagem. A última autora citada avança nessa questão, pois reconhece que se trata de uma dificuldade decorrente da própria formulação teórica do Construtivismo. O que discordamos é que não se trata de passar a um construtivismo social ou de trazer o social para o Construtivismo, pois entendemos que o construtivismo piagetiano já contêm um modelo do social e esse modelo respalda-se no modelo biológico da interação entre organismo e meio ambiente. Não se trata de que Piaget tenha desconsiderado o social, mas de como ele o considerou. Leontiev (1978, pp. 149-150) expressou essa questão da seguinte forma: Do ponto de vista que nos interessa, as notáveis investigações de J. Piaget, consagradas ao desenvolvimento psíquico da criança, têm uma significação particular, dupla, na minha opinão. Penso, por um lado, na manutenção, na sua teoria geral do desenvolvimento, dos conceitos de organização, de assimilação e de acomodação como conceitos de base e, por outro lado, no fato de ele considerar o desenvolvimento psíquico como o produto do desenvolvimento das relações do indivíduo com as pessoas que o rodeiam, com a sociedade, relações que transformam e reorganizam a estrutura dos processos de cognição da criança. (...) A dualidade da concepção de Piaget cria uma série de dificuldades maiores, uma das quais encontra expressão no fato de a transformação social em questão não aparecer verdadeiramente a não ser em etapas relativamente tardias do desenvolvimento ontogênico e não concernir senão aos processos superiores. O problema não reside, portanto, em trazer o social para o construtivismo, mas em buscar outro modelo epistemológico, diferente do modelo biológico que está na base do interacionismo-construtivista. Os estudos até aqui realizados por nós, dos trabalhos elaborados pela psicologia histórico-cultural, apontam para o fato de que essa corrente adota um postura diferente tanto da Escola Nova quanto do Construtivismo, no que se refere ao ato de ensinar. Parece-nos que tal divergência pode ser encontrada tanto no que se refere ao processo histórico de desenvolvimento da consciência humana, como no que diz respeito à psicologia da aprendizagem. Luria (1979, p. 73) diz o seguinte: Diferentemente do animal, cujo comportamento tem apenas duas fontes 1) os programas hereditários de comportamento, subjacentes no genótipo e 2) os resultados da experiência individual - , a atividade consciente do homem possui ainda uma terceira fonte: a grande maioria dos conhecimentos e habilidades do homem se forma por meio da assimilação da experiência de toda a humanidade, acumulada no processo da história social e transmissível no processo de aprendizagem. (...) A grande maioria de conhecimentos, habilidades e procedimentos do comportamento de que dispõe o homem não são o resultado de sua experiência própria, mas adquiridos pela assimilação da experiência histórico-social de gerações. 28 Este traço diferencia radicalmente a atividade consciente do homem do comportamento animal. (grifo no original) É muito instigante indagar sobre as razões que levariam tantos educadores e psicológos a desvalorizarem algo que constitui a especificidade da atividade humana perante o comportamento animal: a capacidade de acumular e transmitir experiência, conhecimento. Luria é bastante claro ao afirmar que a grande maioria de nossos conhecimentos provém da transmissão da experiência acumulada historicamente. Se é assim, por que a prática pedagógica deveria rejeitar tal transmissão, ou tê-la como um objetivo menor? Tornou-se tabu no meio pedagógico falar em transmissão de conhecimentos já existentes. Aceita-se até que tal transmissão possa existir, desde que seja apenas um momento para se alcançar o mais desejável, a aprendizagem por si só. Não há dúvidas de que tal concepção revela a força que o ideário escolanovista tem até hoje. Do ponto de vista da psicologia da aprendizagem, na perspectiva da corrente histórico-cultural, também não se justifica essa secundarização da transmissão de conhecimentos. Neste ponto, recorreremos ao conceito de Vygotski, de "zona de desenvolvimento próximo" (essa expressão tem sido traduzida também por "zona de desenvolvimento proximal" ou "área de desenvolvimento potencial"). Vigotski (1993, pp. 238-246) apresenta esse conceito no interior de uma análise das relações entre o ensino e o desenvolvimento intelectual na idade escolar. Ele inicia mostrando que ao analisar-se o desenvolvimento de uma criança é necessário não se deter naquilo que já amadureceu; também é preciso captar aquilo que ainda está em processo de formação. Assim, propõe a existência de dois níveis de desenvolvimento: o nível de desenvolvimento atual (também traduzido por nível de desenvolvimento real ou nível de desenvolvimento efetivo) e a zona de desenvolvimento próximo. Diz que o desenvolvimento atual de uma criança é aquele que pode ser verificado através de testes nos quais a criança resolve problemas de forma independente, autônoma. Já a zona de desenvolvimento próximo abarca tudo aquilo que a criança não faz sozinha, mas consegue fazer imitando o adulto. Vygotski (ibidem, pp. 238-239) apresenta o exemplo de duas crianças que revelaram o mesmo nível de desenvolvimento atual, no caso, ambas com idade mental de 8 anos. Portanto, naquilo que elas conseguiam fazer sozinhas, encontravam-se no mesmo nível de desenvolvimento. Mas, no que se refere aos problemas resolvidos com a ajuda de um adulto, uma das crianças conseguia resolver problemas que atingiam a idade mental de 9 anos, enquanto que a outra conseguia resolver problemas até a idade mental de 12 anos. Diz então Vigotski: Essa divergência entre a idade mental ou o nível de desenvolvimento atual, que se determina com a ajuda das tarefas resolvidas de forma independente, e o nível que alcança a criança ao resolver as tarefas, não por sua conta, mas sim em colaboração, é o que determina a zona de desenvolvimento próximo. Em nosso exemplo, esta zona se expressa para uma criança com a cifra 4 e para outra, com a cifra 1. Podemos considerar que ambas as crianças têm o mesmo nível de desenvolvimento mental, que o estado do seu desenvolvimento coincide? Evidentemente, não. Como mostra a investigação, na escola se dão muito mais diferenças entre estas crianças, condicionadas pela divergência entre suas zonas de desenvolvimento próximo, que semelhanças devidas a seu igual nível de desenvolvimento atual. Isto se revela em primeiro lugar na dinâmica de sua evolução mental durante a instrução e no relativo êxito desta. A investigação revela que a zona de desenvolvimento próximo tem um valor mais direto para a dinâmica da evolução intelectual e para o êxito da 29 instrução do que o nível atual de seu desenvolvimento. (ibidem, p. 239, grifo no original) Assim, o nível de desenvolvimento de uma criança é caracterizado por aquilo que ela consegue fazer de forma independente e por aquilo que ela consegue fazer com a ajuda de outras pessoas. Mas o potencial de aprendizagem das duas crianças, no momento analisado pela pesquisa, não era igual. Pode-se dizer que naquele momento uma delas tinha um potencial de aprendizagem maior, posto que sua zona de desenvolvimento próximo era maior. Isso mostra que existem limites para a zona de desenvolvimento próximo, isto é, não é tudo que a criança consegue fazer, mesmo com a ajuda de um adulto. Se formos resolvendo com ela problemas cada vez mais difíceis, chegará um ponto a partir do qual ela não conseguirá mais resolver os problemas, mesmo com nossa ajuda. Isso significa que teremos ultrapassado a zona de desenvolvimento próximo, isto é, teremos saído dos limites do desenvolvimento dessa criança nesse momento. Essa é a razão pela qual Vigotski emprega a palavra zona para caracterizar o segundo nível de desenvolvimento, isto é, trata-se da caracterização da diferente extensão que esse nível tem para cada criança, em cada momento de seu desenvolvimento intelectual. Um aspecto de fundamental importância é o das conseqüências desse conceito para a relação entre desenvolvimento e aprendizagem escolar. Vigotski critica a aprendizagem que se limite ao nível de desenvolvimento atual e postula que o bom ensino é justamente aquele que trabalha com a zona de desenvolvimento próximo, isto é, aquele que se situa no âmbito daquilo que a criança não consegue fazer sozinha, mas o consegue aprendendo com o adulto. Assim, temos aqui uma postura radicalmente distinta daquela adotada pelo Construtivismo. Na perspectiva de Vigotski, a grande tarefa do ensino reside em transmitir para a criança aquilo que ela não é capaz de aprender por si só. Ele valora de forma altamente positiva a transmissão à criança dos conteúdos historicamente produzidos e socialmente necessários. As aprendizagens que a criança realiza sozinha não são, evidentemente, descartadas nessa concepção. Mas é preciso ficar claro que tais aprendizagens não produzem desenvolvimento, elas atuam apenas no âmbito daquilo que já se desenvolveu na criança. Vigotski expressa isso de forma bastante clara: Quando observamos o curso do desenvolvimento da criança durante a idade escolar e no curso de sua instrução, vemos que na realidade qualquer matéria exige da criança mais do que esta pode dar nesse momento, isto é, que esta realiza na escola uma atividade que lhe obriga a superar-se. Isto se refere sempre à instrução escolar sadia. Começa-se a ensinar a criança a escrever quando todavia não possui todas as funções que asseguram a linguagem escrita. Precisamente por isso, o ensino da linguagem escrita provoca e implica o desenvolvimento dessas funções. Esta situação real se produz sempre que a instrução é fecunda (...) Ensinar a uma criança aquilo que é incapaz de aprender é tão inútil como ensinar-lhe a fazer o que é capaz de realizar por si mesma." (ibidem, pp.244-245, grifo nosso) Para concluir, gostaríamos de frisar que consideramos as idéias aqui expostas apenas uma contribuição para um esforço coletivo, que vem sendo realizado por muitos educadores neste País, de construção de uma concepção afirmativa sobre o ato de ensinar. Esperamos que tais idéias traduzam-se em impulso para a continuidade dessa construção. 30 Notas 1. A reflexão apresentada neste texto incorpora parte das análises que vêm sendo desenvolvidas num Projeto Integrado, por nós coordenado, intitulado "Elementos para uma teoria histórico-crítica do trabalho educativo", financiado pelo CNPq. Bibliografia AZENHA, M.G. Construtivismo: De Piaget a Emília Ferreiro. São Paulo, Ática, 1993. BECKER, F. A epistemologia do professor. Petrópolis, Vozes, 1993. DAVIDOV e SHUARE (orgs.). La psicologia evolutiva y pedagógica en la URSS (Antología). Moscou, Progresso, 1987. DAVIS, C. e OLIVEIRA, Z. Psicologia na educação. São Paulo, Cortez, 1990. DUARTE, N. 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Madri, Centro de Publicaciones del M.E.C. y Visor Distribuciones, 1993. * Unesp/Araraquara 32 TEXTO 3 Reflexões sobre os conceitos de: Trabalho, Ciência, Cultura e Tecnologia Disponível em: raquelsanches.wordpress.com/.../ Acesso em: 07/06/2010 33 No terceiro momento de intervenção metodológica pretende-se discutir as principais questões conceituais presentes no projeto, promovendo debates sobre os autores que o fundamentam teoricamente. Escolhi um texto do referencial teórico por mim elaborado, resultado do interesse e motivação que os temas despertaram em minha pessoa na continuidade dos estudos. Esse suporte pedagógico servirá para que no momento de integração do estudo, os participantes sejam convidados a realizar os seguintes procedimentos: 1. Releia o referencial teórico destacando os aspectos fundamentais. 2. Compare os aspectos fundamentais com os posicionamentos dos autores sobre o assunto. 3. Faça a análise e a verbalização de um conceito apresentado no referencial teórico do projeto. 4. Assista ao vídeo “Alienação X Trabalho”, disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=ICzur-O_WWU. Reflita sobre os conceitos analisados no material didático: trabalho, cultura, ciência e tecnologia. 34 Há um novo re-encantamento, porque estamos numa fase de reorganização de todas as dimensões da sociedade, do econômico ao político, do educacional ao familiar. Percebemos que os valores estão mudando, que o referencial teórico com o qual avaliávamos tudo não consegue dar-nos explicações satisfatórias como antes. A economia é muito mais dinâmica. Há uma ruptura visível entre a riqueza produtiva e a riqueza financeira. Há mudanças na relação entre capital e trabalho. Na política diminui a importância do conceito de nação, e aumenta o de globalização, de mundialização, de inserção em políticas mais amplas. Os partidos políticos tornam se poucos representativos dessa nova realidade. A sociedade procura através de movimentos sociais, ONGS, novas formas de participação e expressão. (MORAN, 1995, p.2) O desafio é, portanto, assegurar que essas transformações sejam fontes de oportunidades e possibilidades de aprendizagem. Portanto é fundamental a mudança de perspectiva na escola para mudar a sociedade, mas ao mesmo tempo, deve se considerar que a escola é reflexo da sociedade e que, assim, as duas, escola e sociedade, precisam mudar dinamicamente. E nesse sentido é preciso ter um novo olhar frente ao mundo. Só assim poderemos propiciar uma educação de qualidade. TRABALHO EDUCATIVO: O ATO DE ESTUDAR! Magali Teles da Silva Calsavara 1.O contexto onde a educação se realiza. 1.1 Reflexões sobre o conceito de Trabalho como Princípio Educativo. 1.2 Conceitos: Trabalho, Cultura, Ciência e Tecnologia. O projeto de intervenção busca analisar alguns conceitos, para um aprofundamento da compreensão do trabalho como princípio educativo, haja vista que o problema fundamental com que se depara o professor ao planejar e programar a ação educativa é adotar uma postura dialética, o que implica em considerar o fenômeno educativo na lógica fundamental do capitalismo com suas relações contraditórias e também conceber a realidade social como efetivo espaço de luta de classes, no interior da qual se efetua a educação, na tentativa de superar 35 o histórico conflito existente em torno do papel da escola de formar para a cidadania ou para o mercado produtivo. Essa análise Implica que o professor tenha uma visão dialética do homem e de seu mundo histórico-social, ou seja, conceber os dois termos da contradição (indivíduo – sociedade), uma vez que a educação opera como um processo que conjuga as aspirações e necessidades do homem no contexto objetivo de sua situação histórico social. Isso significa que o processo educacional está intimamente relacionado com a sociedade, recebendo da mesma, influências e solicitações. É, pois de suma importância que se concentre a atenção no papel da escola como um espaço de formação imprescindível nesse movimento inovador. Como exemplos podem citar as proposições de formação em serviço, formuladas recentemente, que concebe o professor como um profissional reflexivo (ALARCÃO1996, 2004); NÓVOA (p.19-33, 1995)SCHÖN77-1); ZACHNER, (1995, p115- 38); ALARCÃO, (1999, p.171-179);etc. “No Estado do Paraná essa preocupação assumiu uma dimensão maior,” a partir de 2003, com a política de retomada da Educação Profissional no Estado, quando assume um compromisso com a formação humana dos alunos, a qual requer a apreensão dos conhecimentos científicos, tecnológicos e históricos sociais pela via escolarizada pública revolução que o governo do Paraná vem implementando na educação pública desde 2003 trazendo de volta a função social da escola, como espaço de conhecimento por excelência, possibilitando referências históricas e ferramentas científicas para refletir sobre a realidade e os meios necessários para transformá-la É o contraponto à visão neoliberal, fragmentada e utilitarista, que imperou no Paraná de 1995 a 2002. (SEED2009). Retomando os conceitos expressos na fundamentação teórica até aqui apresentada, podemos afirmar segundo Freitas (2008, p.97), que “trabalho, em sentido geral, é a maneira como o homem se relaciona com a natureza que o cerca com a intenção de transformá-la e adequá-la às suas necessidades de sobrevivência (apropriação /objetivação). É pelo trabalho que o homem interage com a natureza modificando-a, produzindo conhecimento sobre a mesma, e modificando a si mesmo. Nessa perspectiva, segundo Frigotto, ”tornou-se uma espécie de lugar comum falar-se em crise do trabalho ou fim do trabalho; fim da sociedade do trabalho e emergência da sociedade do conhecimento, crise ou fim do emprego e era da empregabilidade. Também é usual considerar-se o trabalho apenas aquele que é diretamente remunerado” (Frigotto, 2005. p.11). Todavia, o trabalho, historicamente, é a ação que produz ou transforma os 36 bens da natureza para atender as necessidades humanas, por isso é indispensável em qualquer sociedade. À medida que o homem transforma a natureza, gera a si mesmo como ser social, conforme os diversos tempos e espaços. Pelo trabalho o ser humano produz a manutenção de vida biológica e social. Por outra parte, sua ação sobre a natureza torna-se um princípio educativo: Trata-se de aprender que o ser humano- como ser natural- necessita elaborar a natureza, transformá-la, e pelo trabalho extrair dela bens úteis para satisfazer suas necessidades vitais e sócias culturais. [...] Não se trata aqui de defender a exploração capitalista do trabalho infanto-juvenil, que mutila e degrada a vida da infância e da juventude. Trata-se de educar a criança e o jovem para participar das tarefas da produção, de cuidar da sua própria vida e da vida coletiva e partilhar das tarefas compatíveis com sua idade (FRIGOTTO, 2005, p.15). Os anos 1980 foram ricos de discussões se o trabalho é sempre educativo ou em que condições o trabalho (palavra cuja origem é tripalium, é tortura, sofrimento como lembra Nosella (1992) pode ser educativo). Vejamos o posicionamento de alguns autores sobre o assunto: Hobsbawn (1987), sobre o trabalho e sua relação com a educação, tece a seguinte consideração: Valemo-nos, também do conceito de mundo de trabalho, que inclui tanto as atividades materiais, produtivas, como os processos de criação cultural que se geram em torno da reprodução da vida. Seja com atividade criadora, que anima e enobrece o homem, ou como atividade histórica que pode ser aviltante, penosa ou que aliena o ser humano de si mesmo, dos outros e dos produtos de seu trabalho na forma de mercadoria (Marx, 1980, p.79 ss.). É a partir desta distinção básica que o trabalho é entendido como princípio educativo. Arroyo (1998) ressalta o impacto na formação humana e no conjunto das relações sociais ao pensar o trabalho como princípio educativo, quando afirma: ”O trabalho como princípio educativo situa–se em um campo de preocupações com os vínculos entre a vida produtiva e cultura, com o humanismo, com a constituição histórica do ser humano, de sua formação intelectual e moral, sua autonomia e liberdade individual e coletiva, sua emancipação. Situa se no campo de preocupações com a universalidade dos sujeitos humanos, com a base material (a técnica, a produção, o trabalho) de todas as atividades intelectuais e moral, de todo processo humanizador” (Arroyo, 1998, p.152). Assim, essas análises nos lembram que todo ato educativo tem uma intencionalidade política que vai além do aprendizado de aspectos pontuais e tem como horizonte maior uma opção política por um protótipo de ser humano (Arroyo, 1999, p.29). Nesse contexto, a proposta de intervenção pedagógica na escola, busca aprimorar o trabalho docente, bem como viabilizar ações que possibilitam a integração e articulação das mídias, ou seja, o acesso à tecnologia, bem como auxiliar na orientação para o seu uso. Pois como afirma Kearsley (1996, p.4), se queremos ver a tecnologia ter mais impacto nas escolas e nas organizações de treinamento, precisa ter como principal prioridade a preparação de bons professores. É preciso formá-los do mesmo modo que se espera que eles atuem. Daí a importância de se considerar na formação de professores todas as possibilidades de 37 uso da tecnologia em benefício da educação. Por isso concordamos com Candau, que diz “Acreditamos que” essas tecnologias, aliadas ao conhecimento e à experiência da prática docente, podem assegurar aos nossos alunos uma educação permeada pela diversificação de linguagens, dinâmica e aberta às inovações, no caminho do aprendizado permanente e articulado ao mundo contemporâneo. Diante do anteriormente exposto, torna-se necessário construir caminhos para os professores se apropriarem criticamente das novas tecnologias, conscientes de que há uma dicotomia a ser superada, a continuação de uma educação artesanal, paralelamente aos significativos avanços científicos e tecnológicos da sociedade, e que qualquer mudança dependerá de sua capacidade de manter permanente reflexão crítica a respeito da educação que recebe e da que transmite, considerando que a educação pode contribuir para diminuir desigualdades sociais, e melhorar a qualidade de vida dos indivíduos (Candau, 1997). No entanto a análise desta problemática somente adquire significado pleno quando é contextualizada. Segundo Moran (1995) “cada inovação tecnológica bem sucedida modifica os padrões de lidar com a realidade exterior, muda o patamar de exigências do uso”. Por isso adquirir acesso aos recursos tecnológicos, hoje em dia, é importante, uma vez que a sociedade utiliza cada vez mais a tecnologia, numa autêntica revolução científica e cultural. Moran (2000) em seu artigo “Ensino aprendizagem inovadoras com tecnologias, afirma que, hoje, nós professores, temos muitas opções metodológicas para organizar a comunicação com os alunos, seja no trabalho presencial ou virtual. Depende de cada docente integrar as várias tecnologias e/ou procedimentos metodológicos que melhor se ajustem em situações específicas.Com relação a isso, Cardoso (1991) afirma Vivemos hoje num tempo de abundante produção científica , de contínua inovação tecnológica e de mudanças sociais e culturais, o que leva os conteúdos escolares a estarem sujeitos a um ritmo acelerado de transformações,daí a necessidade dos professores terem à sua disposição canais que permitam a atualização de seus conhecimentos. Pois hoje a escola tem dupla tarefa educativa. A leitura atenta e reflexiva deve voltar a ser um dos desafios do docente na formação de seus alunos, por vezes tão desatentos e dispersivos. Assim, é preciso, estimular a atividade educativa e artística paralela aos cursos .Assistir a bons filmes em grupo, depois , propiciar momentos de debate , de reflexão e de expressão. Theodor Adorno, na sua produção teórica, defendia a idéia de que só 38 através dos conceitos a da auto reflexão crítica a razão consegue ir além dela mesma sendo capaz de expressar o inefável. Usar do conceito contra o próprio conceito para quebrar a trama do formalismo e fazer saltar o que permanece na sombra, na dor, na vida. Assim como faz Lars Von Trier no filme cinema utópico, eminentemente político. (Santos, 2003, p.225). Usar da tecnologia, a serviço da formação, da criação de novas experiências, com certeza poderá contribuir para nos conduzir a revisitar os nossos pontos de vista, os nossos conceitos e as nossas convenções científicas, investigativas, pedagógicas, profissionais. E nisso concordamos com Ivani Fazenda, ao dizer “Revisitar os nossos conceitos, não é, pois, uma questão de moda ou um desejo mais ou menos consciente das pessoas, mas um verdadeiro imperativo da sociedade emergente em que a educação deverá ter um papel de fundamental importância. Pois esta sociedade da globalização não pode ser ignorada. E nesse sentido se faz necessário, também uma melhor compreensão do conceito de cultura, pois como diz Jean - Claude Forquin (1993, p.123),” a questão das implicações educativas do pluralismo cultural só pode ser uma questão pertinente se tiver como base uma definição antropológica e sociológica do conceito de cultura “”. A noção de cultura, do ponto de vista antropológico, foi sendo construída a partir do século XIX, por meio de diferentes enfoques (Velho e Castro-1978). Em um conceito clássico do século XIX, a cultura é vista como civilização, como um todo complexo que inclui conhecimento, crenças, artes, leis, tecnologia, costumes, parentesco, religião, magia e muitas outras habilidades e capacidades adquiridas pelos seres humanos como membros da sociedade. A partir do século XX altera-se o conceito, “a idéia de civilização perde seu sentido de processo e passa a definir um estado – a sociedade ocidental- que deve ser atingido pelos ainda não civilizados” (Velho e Castro 1978, p.5). Essa visão etnocêntrica foi sendo revisada, e passou se a considerar que sociedades diferentes da sociedade ocidental, antes consideradas primitivas ou exóticas, com outras formas de vida social, muitas vezes souberam resolver melhor que nós certas contradições e dificuldades da organização da família, da educação, da sexualidade, da vida econômica e da vida simbólica em geral (Carvalho1989, p.20). Atualmente a cultura vem sendo entendida como um código simbólico que possui dinâmica e coerências internas, ”trazendo dentro de si as contradições existentes ao nível da sociedade propriamente dita” (Velho e Castro 1978, p.7) 39 Nesse estudo, a relação escola-família é de grande importância, pois permite estabelecer um vínculo mais estreito e uma melhor integração entre a escola e as culturas presentes no espaço escolar. (espaço escolar aqui compreendido como o que abrange a própria escola e as famílias dos alunos). Vera Maria Candau (1995, p.228) cita a opinião de Peter McLaren, relativa à educação do futuro, em que aponta o multiculturalismo crítico, como forma de resistência e mudança. ”O pluralismo, como filosofia do diálogo, deverá fazer parte integrante e essencial da educação do futuro.” (MacLaren1997, p.16). A opinião de MacLaren salienta o papel central desempenhado pelas relações sociais, culturais e institucionais para a transformação e não apenas uma simples acomodação à ordem social, uma vez que de acordo com essa visão, representações de raça, classe e gênero são compreendidos como sinais e significados alcançados através de lutas sociais, instáveis e mutantes, dependendo de como eles são articulados dentro de uma luta específica discursiva e histórica. Nesse sentido as diferenças são vistas como sendo produtos da história, da cultura, do poder e da ideologia. Por isso, segundo MacLaren, a justiça tem que ser continuamente criada e precisamos continuamente lutar por ela. As considerações em torno das categorias: ciência, tecnologia, cultura e trabalho poderiam estender-se muito mais, extrapolando, os objetivos deste projeto. Mas, sintetizando, é necessário que o educador considere fundamentalmente a proposta de construir a prática do diálogo no interior da escola, possibilitando assim que a mesma possa ser um espaço de organização da consciência coletiva daqueles que a vivenciam. Como essa tarefa é difícil, em face dos inúmeros obstáculos que se encontram ao tentar-se implantar uma proposta de tal natureza, é preciso transformar essa situação, por isso acreditamos e concordamos que a presença da ciência na constituição do saber pedagógico é inalienável em qualquer sentido. A escola é um dos únicos espaços institucionais dos jovens onde a ciência é objeto de trabalho. Sendo que a cultura tem um grau de relevância equivalente à ciência no currículo escolar. Como lembrou Kosik (1995), o sujeito que possui o sentido mais desenvolvido é a de possuir um sentido para tudo quanto é humano. Despertar os sentidos, portanto faz parte do desenvolvimento humano, de forma que o sujeito adquire uma visão global. Assim sendo, acreditamos que as categorias ciência, tecnologia, cultura e trabalho permitem compreender mais 40 elaboradamente a complexidade da existência humana. Á medida que espelhe os conflitos, ambigüidades, e contradições das mudanças tecnológicas. Sociais políticas, econômicas e culturais. (concepções e contradições-Cortez-2005.p.169) e, sobretudo enfrente a árdua tarefa de superar o consenso da teoria do capital humano por outro pautado na relevância da formação da totalidade das dimensões humanas. O que não significa apenas “qualificar o trabalhador, nem que competências, saberes, habilidades deverá dominar, mas como constituí-lo na totalidade de sua condição de trabalhador para o capital.” (Arroyo, 1999, p.29). 41 ROTEIRO DE DISCUSSÃO Filme: “O SOM DO CORAÇÃO” August Rush Doze anos atrás, em cima de um telhado iluminado pelo luar na Praça Washington, Lyla Novacek, uma jovem violinista bem criada e Louis Connelly, um carismático cantor-compositor irlandês, se uniram por acaso por estarem ao mesmo tempo escutando um músico de rua que tocava “MoonDance” e imediatamente se apaixonaram. Meio que compartilhando a linguagem musical, a conexão deles era inegavelmente verdadeira… apesar de breve. Após a noite mais romântica de suas vidas, Lyla jurou encontrar Louis novamente, mas, mesmo sob seus protestos, o seu pai a empurrou para que ela fosse realizar o próximo concerto dela - fazendo com que Louis assim acreditasse que ela não se importava com ele. Desestimulado, ele achou que seria impossível continuar tocando e finalmente abandou a música enquanto Lyla, com suas esperanças no seu amor perdido, foi levada a pensar meses depois que também havia perdido o bebê dela e de Louis que supostamente não teria nascido em um acidente de carro. Agora, a criança dada secretamente pelo pai de Lyla cresceu e tornou-se numa criança espirituosa e talentosa que ouve música em todo a seu redor no ritmo da vida e pode transformar o sussurro do vento do campo de trigo em uma bela sinfonia com ele próprio no comando, sendo ao mesmo tempo o compositor e maestro daquela melodia. Deixado órfão pela circunstância, ele mantém uma profunda e firme crença que seus pais estão vivos e o querem tanto quando ele os quer – se eles simplesmente pudessem achar uns aos outros. O talentoso músico mirim August deixa o orfanato para encontrar os pais, pois foi separado deles em seu nascimento. Para isso terá a ajuda de um misterioso estranho. 42 A primeira intervenção metodológica será a exibição do filme: ”O Som do Coração” que abordou o significado do conceito de trabalho educativo, que é o princípio central do projeto. Saber ver uma imagem, um filme é tão necessário quanto aprender a ler e a escrever. “... as imagens, assim como as palavras são as matérias de que somos feitos.” (Manguel, 2001). Para o desenvolvimento do trabalho, foi organizado um roteiro de discussão, destacando três momentos a seguir, que representam um modo de ler diferente, por exemplo, do que foi proposto. Momento A – Antes do filme Atividade cujo objetivo é levantar alguns indicadores e conhecimentos prévios dos professores (as) que contribuam para a compreensão do que se vai assistir. 1. Direção /produção/data ou outros indicadores importantes; 2. Gênero do filme; 3. Assunto/tema: ocasião em será discutido o título do filme para levantar hipóteses sobre seu tema; 4. Levantamento dos objetivos de leitura/de análise do que se vai assistir, relacionados a seguir, no momento B e apresentação do material didático elaborado, pela TV Pendrive e /ou texto impresso. Momento B - Durante o filme Em que os professores (as) assistem à película, cujo foco está nos objetivos estabelecidos no momento anterior. 43 1. O ato de estudar como trabalho educativo; 2. As várias relações de trabalho que aparecem no filme; 3. As práticas pedagógicas da escola; 4. A relação entre a cultura popular, cultura erudita e a escola; 5. O Bullying no contexto escolar e 6. O processo de gestão. É possível organizar o grupo que assiste ao filme, de forma que cada um preste mais atenção em um dos objetivos acima explicitados, anotando aspectos, para depois poder alimentar a discussão no momento C. É desejável que ao assistir o filme tenha algumas pausas, em que se retorne a fita em algum episódio ou que se repitam certos momentos, pois a finalidade de uma atividade como essa é sempre educativa e não recreativa apenas. Momento C – depois do filme 1. Refletir sobre as expectativas que tinham, a partir do título e outros indicadores discutidos no momento A. 2. Conversar sobre cada objetivo de análise do momento B, a partir das anotações feitas pelo grupo: O conceito de trabalho; A relação entre “escola e família”: de que forma os problemas financeiros das famílias afetam as crianças na escola, o problema de crianças que sofrem maus tratos, a porta da escola como um lugar de conversa das famílias, o diretor que vai até a casa de uma das crianças para ajudar etc; A escola como instituição; As práticas pedagógicas da escola; O papel do diretor da escola: sua função pedagógica, os vários afazeres na escola, o carinho com as crianças, a participação nas instâncias superiores, sua relação com as famílias, etc. 44 3. A forma como o roteiro do filme vai “costurando a vida dos personagens principais”. 4. As semelhanças e diferenças entre a realidade pedagógica mostrada no filme e a do Brasil. 5. Conversar sobre a atividade final do filme. 6. Discutir sobre a linguagem cinematográfica do filme. 7. E se os professores do grupo fizessem um filme sobre ensino /educação: Que tema escolheriam? Que roteiro inicial fariam? 45 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Ao realizarmos a implementação desta produção didático-pedagógica do PDE, uma das estratégias de ação que integram o projeto a fim de repensar a nossa prática educativa, estamos também consciente dos nossos limites, mas considero importante o reconhecimento de que essa proposta trouxe uma enorme renovação para o desenvolvimento da pesquisa e abre novas perspectivas para a formação continuada de professores, o que será possível através de um trabalho de reflexão crítica sobre as práticas e (re) construção permanente de uma identidade pessoal e profissional, em interação mútua. Para que isso aconteça realmente, precisamos unir esforços no sentido de derrubar barreiras atitudinais e pedagógicas ainda existentes no meio educacional. A partir do que analisamos até aqui, das contribuições teóricas bastante enriquecedoras feitas por vários autores e também pelas contribuições dos participantes do Grupo de Trabalho em Rede (GTR), realizadas durante a análise do material do Projeto de Intervenção Pedagógica e da Produção Didática, podemos afirmar que “Todo trabalho humano é educativo”. Esta análise pautou-se em pesquisa bibliográfica embasada nos textos elaborados e constatou que os mesmos atendem aos critérios de análise estabelecida pelo Programa de Desenvolvimento educacional (PDE). Nesse sentido, constata-se que o Projeto de Intervenção Pedagógica na Escola deve ser tomado como uma prática constante, pois através do mesmo temos a possibilidade de maior integração entre os profissionais da educação através de discussões, leituras, estudos e práticas inovadoras. Além disso, permite repensar sobre nossas próprias práticas educativas. O que demonstra uma preocupação e comprometimento que todo profissional deve ter no resgate da função social da escola, fator importantíssimo para a consolidação da melhoria do processo ensino-aprendizagem. No que diz respeito à qualidade de um projeto, afirma-se que devemos nos assegurar se este: a) Nasce da própria realidade na qual a comunidade escolar está inserida, tendo como suporte a explicitação das causas dos problemas e das situações nas quais os problemas existem; b) é passível de concretização, pois de nada adianta elaborar projetos mirabolantes que ficarão engavetados em algum canto da escola; 46 c) implica a articulação de todos os envolvidos com a realidade da escola; d) é construído de forma contínua e coletivamente, pois projetos isolados dificilmente atingem objetivos amplos e concretos. Na análise dos materiais apresentados, não pode haver dicotomia entre teoria e prática e isso estará evidenciado na organização do trabalho pedagógico não só em sala de aula, mas em toda estrutura escolar. Os objetivos de ensino e aprendizagem devem explicitar o que realmente o aluno deve aprender, para isso o professor deve estar ciente que o conhecimento científico deve ir além dos muros da escola (prática social final). Os objetivos específicos dentro do Plano de Trabalho Docente devem estar vinculados com a prática social do ensino profissional, mas para que isso realmente aconteça os profissionais devem ter conhecimento da Proposta do Curso e também das Diretrizes Curriculares Estaduais (DCE), para que se possam estabelecer relações entre ambas e com isso articular melhor a sua prática pedagógica em sala de aula, tendo como princípio teórico metodológico, o trabalho como princípio educativo, ou seja, a formação do sujeito em sua integralidade. Somente com esse embasamento sobre os fundamentos do Curso, os professores poderão estabelecer um elo entre as diferentes áreas do conhecimento, estabelecer relações entre os conteúdos das disciplinas tanto da base comum como das específicas, assim estarão melhorando a qualidade do processo ensino-aprendizagem e promovendo a interdisciplinaridade. Mais adiante destaco o seguinte trecho que uma das participantes do GTR diz: (...) “Com a leitura da proposta pedagógica do Curso de Formação de Docentes comecei a me inteirar do assunto. Também tivemos o NRE-Itinerante que esclareceu muitas dúvidas. Desde o início do ano estamos trabalhando de acordo com a perspectiva histórico-crítica e seguindo o plano de aula do Gasparin. Eu já tinha essa prática na Escola Municipal então não achei complicado planejar minhas aulas dentro dessa proposta, claro que encontramos algumas dificuldades, mas quando temos em mente que o objetivo maior é a melhoria da oferta da educação pública, fazemos com satisfação. Este depoimento reforçou em mim a idéia de que o verdadeiro mestre tem vivências pessoais significativas e que o trabalho escolar não pode realmente se efetivar sem esforço, dedicação e, principalmente, disciplina e é isso que irá marcar seus alunos. Só um professor que se alimenta dessas práticas, poderá fazer o mesmo com seus alunos”. 47 Para Gramsci, (1976), a disciplina, todavia, não pode ser entendida como se tivesse uma finalidade em si mesma. Nesse sentido não pode ser puramente exterior, baseada num conjunto de regras de conduta, normas disciplinares e hierárquicas, rígidas. Ao contrário, a necessidade da disciplina aparece não por mero autoritarismo ou arbitrariedade dos responsáveis pela condição do trabalho escolar, mas como condição indispensável para conduzir uma prática comprometida com o coletivo da escola, de uma escola onde o aluno se sinta feliz e co-responsável pelo êxito escolar, uma escola em que “cada aluno deve, sobretudo estar convencido de que a disciplina é a forma de melhor conseguir o fim visado pela coletividade” (Makarenko, 1978). A análise da produção didática justifica, também, a relevância do tema, tendo em vista a necessidade de uma concepção de educação que cumpra realmente sua finalidade. Uma concepção de ensino e currículo em que o trabalho, a ciência, a cultura e a tecnologia constituem os princípios fundamentais a partir dos quais os acontecimentos escolares devem ser trabalhados, para assegurar a perspectiva da escola unitária e de uma educação politécnica. Daí a necessidade de aprofundarmos e problematizarmos a questão: Como assumir na prática o trabalho como princípio educativo? Como um princípio ético-político. Os argumentos utilizados evidenciam que a metodologia apresenta estratégias que irão favorecer e estimular uma atitude reflexiva e a compreensão de que a prática social passa por uma alteração qualitativa. Possibilitando dessa maneira elementos que possam ser reelaborados por todos os que se preocupam com a educação, e que buscam uma ação concreta, transformadora, o que só poderá ser feito a partir das possibilidades de se tornarem os problemas em objetos de estudo e reflexão. Destaca-se ainda que a análise, dos encaminhamentos, metodologia e relevância desta produção, vem sendo fundamental, na tentativa de se construir uma prática educativa pautada na organização da consciência coletiva, através da ciência e também do diálogo. Os encaminhamentos sugeridos são sem dúvida, de grande valia para o aprimoramento da prática pedagógica frente aos desafios que a escola vem enfrentando para se adequar de modo satisfatório às inquietações do mundo globalizado. Nesse sentido, faz-se necessário, a formação continuada do educador no sentido mesmo de derrubar barreiras sobre o ato de ensinar, tendo o trabalho como princípio educativo. 48 Por meio deste texto, buscamos construir com todos aqueles que buscam melhoria da educação brasileira, partilhando reflexões, leitura e interpretação. 49 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS . ALVES, N. (org.) Formação de professores: pensar e fazer. São Paulo: Cortez, 1996. ADORNO, T.W. Dialética Negativa. Tradução de Newton Ramos de Oliveira. Documento inédito, 2003. ALARCÃO, I.I. (Org) Ser, professor reflexivo. In: Alarcão, I: Formação Reflexiva de professores: estratégias de Supervisão. Portugal: Porto, 1996, p.171-189. ALARCÃO, I.I. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. 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