Dois pontos sobre a reforma de imigração estadunidense e a polarização entre
Democratas e Republicanos
Marco Aurélio Dias de Souza
Durante os últimos meses analistas, ativistas e políticos têm travado debates exaltados
em torno da reforma da imigração nos Estados Unidos, o que mostra que o projeto
(aprovado no dia 17 de julho no Senado e agora em debate no legislativo) continua
dividindo as opiniões da população. Nesse sentido, temos visto uma vasta gama de
argumentos favoráveis e contrários à reforma que se contrapõe e nubla a real leitura de
temas como a insegurança da fronteira, a inserção desses imigrantes (que seriam
legalizados) no Obamacare e os resultados da anistia para o mercado de trabalho
estadunidense. Em meio a tantos dados e argumentos contrários e favoráveis à reforma,
destacamos dois pontos essenciais que devem ser compreendidos: o debate em torno da
fiscalização da fronteira e o potencial futuro dos votos desses imigrantes legalizados e
suas respectivas comunidades.
Com relação à segurança da fronteira, o debate vem sendo travado, mesmo antes da
primeira eleição de Barack Obama1 (que passou seu primeiro mandato inteiro sendo
acusado por governadores Republicanos de estados fronteiriços de não ligar para a
criminalidade na região)2. Como podemos perceber pela entrevista feita por Rush
Limbaugh3 com o senador republicano Ted Cruz4 (publicada no dia 16 de junho), o
argumento conservador parte da ideia de que de nada adianta anistiar ilegais se eles vão
continuar atravessando a fronteira. Com isso o ponto central da resistência Republicana
ao projeto encontra-se em estabelecer uma ordem de prioridades, ou seja, primeiro
garantir uma fronteira fechada e segura, para depois anistiar os ilegais. Nesse sentido,
vale apontar que durante a experiência Republicana de reforma de imigração ocorrida
em 1986 (durante a administração de Ronald Reagan) foram anistiados 2 milhões de
ilegais sobre a promessa de que se reforçaria o controle das fronteiras, contudo, não se
teve nenhum grande resultado nesse sentido durante as décadas seguintes.
O intrincado debate sobre a ampliação da segurança na fronteira acabou polarizando de
um lado o Partido Democrata centralizado na figura de Janet Napolitano5, que defendia
que a fronteira atualmente era mais segura do que em anos anteriores, apontando que o
número de pessoas que entrou ilegalmente nos EUA caiu entre 760 mil e 1,4 milhões
em 2004 para 340 mil a 580 mil nos anos 2009-106. E de outro, intelectuais
conservadores, governadores Republicanos dos estados fronteiriços e pessoas ligadas à
segurança nesses estados7.
O fato, quando se analisam os dados da imigração nos Estados Unidos, mostra que
realmente durante a administração Obama ocorreu um maior controle sobre os
imigrantes ilegais, marcado pelas taxas de deportações que aumentaram durante a
gestão de Napolitano (de 389 mil em 2009 para 409 mil no ano passado), o que mostrou
que nos últimos cinco anos foram deportadas tantas pessoas quanto nos dez anos da
administração George W. Bush. Se a situação do controle da fronteira vem mostrando
progresso para a lógica do governo de Estados Unidos, o que tende a ser ainda mais
ampliado após a aprovação do projeto com o envio de 20 mil agentes suplementares aos
3.200 km da fronteira com o México (eles devem ajudar os 18 mil homens que já
controlam a travessia na região) e com a ampliação do bloqueio da fronteira terrestre,
que será praticamente cercada com barreiras a serem construídas em uma parte do Rio
Grande: qual o real motivo da polarização em torno da reforma?
O ponto central da oposição é exatamente a questão eleitoral em torno do peso que o
voto das comunidades da qual são oriundas esses ilegais para cada um dos dois
principais partidos do país. Para mostrar isso, partiremos da proposta de resistência
conservadora à reforma. Ao nos debruçarmos sobre publicações conservadoras como
a National Review (editada por Rich Lowry) e o Weekly Standard (editada por William
Kristol) percebemos que textualmente, antes da aprovação da reforma no Senado, elas
apontavam para que os senadores Republicanos impedissem (“matassem”) o projeto
antes de ele ir para a votação. O motivo dessa resistência encontrava-se na constatação
de que se o projeto fosse votado, ele seria aprovado, uma vez que muitos dos
Republicanos tinham sua base eleitoral nas comunidades latinas e asiáticas8 e votariam a
favor da reforma. A questão é, se o projeto atingia o anseio de ambos os partidos, por
que não aprová-lo?
A resposta a essa pergunta aparece quando observarmos novamente a reforma de
imigração Republicana de 1986, visto que, apesar dela não garantir nenhuma solução
real à questão da imigração, sua aprovação garantiu por um bom período de tempo a
imagem de que os Republicanos se importavam com os latinos e, consequentemente,
seu apoio eleitoral na eleição seguinte à aprovação da proposta. Nesse sentido, a disputa
entre Democratas e Republicanos centra-se em quem herdará os frutos dessa reforma e
dos novos imigrantes legalizados9.
Ao analisarmos esses dois pontos percebemos que a questão principal dessa reforma de
imigração vem sendo deixada de lado, ou seja, o fato de que existem atualmente nos
EUA cerca de 20 milhões de ilegais que não têm acesso aos direitos básicos, como
proteções trabalhistas, direito a participar de um sistema de saúde e previdenciário.
1
O projeto de imigração não aprovado ainda durante o governo George W. Bush tinha um grande enfoque
na ampliação do controle da fronteira.
2
Como no caso da governadora do Arizona Jan Brewer que gravou um vídeo junto às placas de aviso de
perigo da fronteira em 2010, dizendo que Barack Obama deveria fazer o trabalho dele.
3
Comentarista político conservador e apresentador do talk show Rush Limbaugh Show.
4
http://www.realclearpolitics.com/video/2013/06/19/cruz_gang_of_eight_bill_offers_the_same_empty_pr
omises_as_1986_reform.html
5
Napolitano era secretária de segurança interna, abandonando recentemente o cargo para se tornar
diretora da Universidade da Califórnia.
6
É necessário acrescentar que o período apontado como o de redução do número de ilegais que cruzaram
a fronteira é o mesmo do período de agravamento da crise econômica nos EUA, o que certamente
colaborou com essa redução.
7
Como exemplo a fala da Western States Sheriffs Association (WSSA) que defendeu a necessidade de se
proteger a fronteira sobre o argumento de que a fronteira continua violenta.
8
Como realmente acabou acontecendo na votação do dia 17 de julho.
9
Vale destacar também que a reforma proposta por George W. Bush no final do seu mandato foi barrada
de todas as maneiras possíveis pelo Partido Democrata.
Postado em 14/08/2013
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