FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES NO BRASIL: A CONTRIBUIÇÃO
DO COLÉGIO DE APLICAÇÃO JOÃO XXIII NO DESENVOLVIMENTO DE UMA
POLÍTICA PÚBLICA NACIONAL
Oliveira, Daniela; Rabello, Sylvia
UFJF. C.A.João XXIII
[email protected]; [email protected]
Resumem
Este texto tem como objetivo apresentar e refletir sobre as experiências do Colégio de
Aplicação João XXIII da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Brasil, na
implementação do Programa Gestão da Aprendizagem Escolar – GESTAR II, desenvolvido
por nós em 2010/2011 e em 2013. Tratou-se de um programa de formação continuada em
serviço, na modalidade semipresencial, destinado a professores dos anos finais do ensino
fundamental (6º ao 9º anos) das escolas públicas, nas áreas de Língua Portuguesa e
Matemática, desenvolvido em parceria com o Ministério da Educação (MEC). Partindo das
avaliações do grupo de professores/formadores da UFJF envolvidos e dos tutores/cursistas,
observamos tanto os avanços a partir da formação proposta, como também os obstáculos para
o desenvolvimento desta política, dentre os quais se destacam o acúmulo de tarefas sobre os
docentes participantes e a não valorização desta formação para fins de promoção na carreira
dos professores. Concluímos que o Colégio de Aplicação João XXIII/UFJF está se
constituindo no campo da formação continuada de professores, vocação inequívoca das
unidades de educação básica das universidades brasileiras. Evidenciamos a necessidade de se
repensar alternativas para o desenvolvimento de programas de formação continuada para os
professores do Brasil.
Palavras-chave: Formação Continuada de Professores – Programa GESTAR II – Colégios de
Aplicação
Introdução
O debate sobre a formação continuada de professores tornou-se pauta de destaque
nas discussões sobre políticas educacionais no Brasil desde os anos de 1990. O aumento dos
investimentos na formação inicial e continuada de professores tornou-se política estratégica
do governo federal brasileiro, como se percebe na “Política Nacional de Formação de
Profissionais do Magistério da Educação Básica”, cuja finalidade é organizar a formação
inicial e continuada dos professores das redes públicas de ensino. Instituída pelo Decreto
6.755 (2009), tal política reflete claramente o compromisso do Ministério da Educação
(MEC) com a organização da formação continuada de professores da educação básica, ao lado
de outras políticas importantes que tratam da formação inicial, como é o caso do incremento
da Universidade Aberta do Brasil (UAB) (Decreto n. 5.800, 2006) e da criação da Rede
Nacional de Formação Docentei (2004).
Não obstante verificarmos que os objetivos explícitos da política de formação inicial
e continuada dos professores brasileiros se apóiam em princípios desejáveisii pesquisas
demonstram que alguns dos programas implementados a partir da Rede Nacional de
Formação Docente se pautaram numa perspectiva aligeirada e compensatória, em serviço e a
distância, como é o caso do Proinfantil, Proformação, Pró-licenciaturaiii entre outros (Freitas,
2007; Oliveira, 2008; 2009; Lamare, 2011).
O programa GESTAR – Gestão da Aprendizagem Escolar, criado em 2001
conjuntamente pelo Fundo de Fortalecimento da Escola (Fundescola), o MEC e o Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), no âmbito do Plano de Desenvolvimento
da Educação, visava atender inicialmente, as escolas públicas das regiões Norte, Nordeste e
Centro-Oeste, com foco nos professores em exercício no 2º a 5º anos do Ensino Fundamental
– o GESTAR I. Seu sucessor, o Programa GESTAR II, iniciou-se em 2004, com foco nos
professores do segundo segmento do Ensino Fundamental. Em 2008, em parceria com a
Secretaria de Educação Básica (SEB/MEC) e as Instituições de Ensino Superior (IES), o
GESTAR II passou a formar professores em todas as regiões do país (Guia Geral, 2010).
Assim, o Programa GESTAR II se colocou como uma política do governo federal
para o atendimento tanto no que se refere às prescrições legais quanto às necessidades
técnicas e éticopolíticas para a formação continuada de professores. Este Programa, no âmbito
da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), foi desenvolvido pelo Colégio de Aplicação
João XXIII (CA), Unidade de Educação Básica vinculada a esta Universidade. O CA, como
os demais estabelecimentos de ensino de educação básica inseridos em universidades públicas
brasileiras, tem realizado um papel cada vez maior na área de formação de professores, para
além da oferta de ensino regular nos níveis fundamental e médio. Como os demais Colégios
de Aplicação (CAp) vinculados às Instituições Federais de Ensino Superior, o CA vem se
integrando à vida universitária e tornando-se um espaço de transformação e renovação da
prática pedagógica, assumindo, ao longo de sua existência, a responsabilidade com o tripé
ensino, pesquisa e extensão, sustentáculos do compromisso éticopolítico e social das
Universidades.
No campo da formação inicial de professores, o CA tem destacada atuação como
campo de estágio curricular para as licenciaturas da UFJF, além de desenvolver projetos de
monitoria, treinamento profissional e iniciação científica voltados a estudantes de graduação
das diferentes licenciaturas. Na formação continuada de professores o CA oferece cursos de
Aperfeiçoamento e de Pós-Graduação lato sensu. Além disso, o Colégio atua na pesquisa e na
extensão, majoritariamente através de projetos voltados também à formação de professores.
No Programa GESTAR II/UFJF, embora se esperasse que o papel do CA fosse,
fundamentalmente, o de executor e não o de formulador da política, visto que o material
didático do programa foi produzido e distribuído previamente pelo MEC, isto não ocorreu,
devido à contribuição prestada na tríplice tarefa de reflexão, proposição e execução de
políticas para a formação continuada de professores.
Este texto tem como objetivo apresentar e refletir sobre as experiências do Colégio
de Aplicação João XXIII da Universidade Federal de Juiz de Fora, Brasil, na implementação
do Programa Gestão da Aprendizagem Escolar – GESTAR II/UFJF, desenvolvido por nós em
2010/2011iv e em 2013v. Tratou-se de um programa de formação continuada em serviço, na
modalidade semipresencial, destinado a professores dos anos finais do ensino fundamental (6º
ao 9º anos) das escolas públicas, nas áreas de Língua Portuguesa e Matemática, desenvolvido
em parceria com o MEC.
1. Caracterização do Programa Gestão da Aprendizagem Escolar – GESTAR II
O fundamento legal do Programa GESTAR II encontra-se na Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (1996) que, em seu art. 87, § 3º, inciso III, prevê o oferecimento
de programas de capacitação para professores em serviço, além do Decreto 6.755 (2009), que
instituiu a Política Nacional de Formação dos Profissionais do Magistério da Educação
Básica.
O caráter semipresencial do Programa, de acordo com o Guia Geral, é fundamentado
pela teoria e pelos pressupostos da educação a distância – estudo individual, fortalecendo a
autonomia do aluno –, com apoio dos cadernos de Teoria e Prática (TP) e dos encontros
presenciais. Segundo o Guia Geral, as ações integrantes do Programa visam
garantir a qualidade do processo de ensino-aprendizagem por meio de ações sistêmicas e
estratégias de estudo individual e de atividades presenciais, individuais ou coletivas,
coordenadas pelo formador/tutor municipal ou estadual. (Guia Geral, 2010, p. 15)
Para atender às indicações prescritas para o programa, as atividades individuais a
distância são realizadas com apoio do material impresso que é distribuído aos cursistas e aos
tutores.
Conforme orientação do Guia Geral do Programa GESTAR II, o curso envolveu a
participação de professores formadores, professores tutores e professores cursistas, além da
equipe de coordenação do programa em âmbito local e nacional. “Professores formadores” é a
designação utilizada para os professores ligados à UFJF, que ministraram os cursos de
formação na sede do Projeto, em Juiz de Fora. “Professores tutores”, são aqueles pertencentes
à rede estadual ou municipal e designados pela respectiva Secretaria de Educação que,
posteriormente, além de desenvolverem trabalhos em suas próprias salas de aula, tiveram a
incumbência de organizar e repassar a formação aos “professores cursistas”. Estes últimos são
aqueles professores que permaneceram em seus municípios de origem, recebendo a formação
dos tutores e atuando em sala de aula (Guia Geral, 2010).
Além destes sujeitos, foco da ação do Programa, o GESTAR II é coordenado pelo
MEC através de parceria com a Secretaria de Educação Básica (SEB), responsável pela
Coordenação Nacional do Programa, elaboração de diretrizes e critérios para a organização
dos cursos, e pela reprodução e distribuição do material. Outro parceiro são as IES, cuja
responsabilidade é a formação e orientação do professor formador, além de subsidiar as ações
dos tutores e certificar os professores tutores e cursistas. Finalmente, as Secretarias de
Educação, que são os órgãos coexecutores do Programa, cuja tarefa consiste em acompanhar e
executar as atividades na região, selecionar os participantes com o perfil requerido,
disponibilizar espaço físico e estrutura necessária, responsabilizar-se pela locomoção,
hospedagem e alimentação dos tutores nos encontros de formação presencial (Guia Geral,
2010).
Um aspecto importante é que o programa prevê a concessão de bolsas, de acordo
com a Resolução n. 24 de 16 de agosto de 2010 (2010), para os ocupantes dos seguintes
cargos: coordenador-geral: lotado na IES responsável, é o articulador de todos os envolvidos
no Programa; coordenador-adjunto, com a função de assessorar o coordenador-geral;
supervisor de curso/pesquisador: tem como tarefa avaliar o desempenho dos tutores; professor
formador e professor tutor.
O Programa, desenvolvido em cerca de 10 meses, totaliza uma formação continuada
de 300 horas. É constituído por dois cursos específicos, nas duas áreas temáticas (Língua
Portuguesa e Matemática): o Curso de formação de professores-tutores – com carga
presencial de 104 horas e de 196 horas a distânciavi; e o Curso de formação de professores
cursistas – com carga presencial de 120 horas e de 180 horas a distância (Guia Geral, 2010).
As oficinas coletivas acontecem de forma periódica e objetivam detalhar o conteúdo
dos Cadernos TP, através de reuniões envolvendo dinâmicas e discussões sobre a prática
cotidiana e estratégias de ensino-aprendizagem com os colegas de grupo. O tutor tem papel
fundamental nas oficinas, ao motivar os cursistas a lerem os TP e orientá-los ao estudo
individual, a partir de leituras e reflexão sobre pontos a serem aprofundados. Também cabe ao
tutor participar das oficinas que ocorrem nas IES responsáveis pela formação, pois é neste
espaço que ele tem orientação para desenvolver as atividades no seu município (Guia Geral,
2010).
O plantão pedagógico é outro espaço garantido para o atendimento individual das
dificuldades específicas dos cursistas orientados pelo tutor. Nos plantões, é possível discutir
as estratégias de aprendizagem do professor em sala de aula e esclarecer as dúvidas quanto a
implementação do Programa. Finalmente, o GESTAR II prevê o acompanhamento
pedagógico, que ocorre em sala de aula em sessões nas quais participam o tutor, o
coordenador local e demais professores cursistas (Guia Geral, 2010).
Esta forma de organização permitiu a interação dos diversos sujeitos envolvidos no
programa em momentos distintos (Lima, 2012). Os professores tutores, indicados pelos
municípios/estado, participaram das ações formativas presenciais na UFJF. Sua tarefa, em
seguida, implicou em atuações diferenciadas: desenvolver atividades em sala de aula a partir
do material discutido e analisado no encontro presencial além de organizar o repasse do curso
para os professores de seu município. Os resultados dessas ações retornaram à Universidade,
através de trabalhos apresentados aos professores formadores e dos portfólios que foram
expostos no Seminário de Avaliação.
A forma como o Programa se organiza segue as características definidas por Gatti e
Barreto (2009, p.202) como “modelo em cascata”. Neste modelo, os tutores exercem duplo
papel ao receberem a formação na IES responsável e ao repassarem os conteúdos aos
professores cursistas, envolvendo assim, a capacitação de um maior contingente de
profissionais.
A formação de um grande número de professores pelo GESTAR II pode ser
considerada uma importante ação do poder público no cumprimento do direito dos
profissionais da educação à constante atualização, e/ou dever do Estado e das instituições
contratantes no oferecimento destes cursos. Por outro lado, podemos destacar que, devido a
emergência da formação continuada de professores, foco das políticas atuais para a melhoria
da educação básica, tais programas, muitas vezes, por formarem grande contingente a custos
reduzidos e a distância, cuja qualidade e criteriosidade podem ser comprometidas,
caracterizariam uma formação continuada de caráter compensatório (Oliveira, 2012).
O GESTAR II/UFJF assumiu o formato de um Projeto de Extensão e foi intitulado
“Curso de Aperfeiçoamento em Língua Portuguesa/Matemática para Formadores/Tutores e
para Cursistas”.
Assumimos este programa, no âmbito da UFJF, e desenvolvemos o projeto para duas
turmas: a primeira, em 2010/2011, atendendo a 13 municípios do Estado de Minas Gerais. A
segunda experiência, em 2013, atingiu 16 municípios vinculados à Secretaria de Estado de
Minas Gerais, sendo a maior parte da região metropolitana de Belo Horizonte, e um
município vinculado à Secretaria de Educação Municipal de Nova Serrana.
Muito embora a formulação do programa GESTAR II seja de responsabilidade do
MEC, sendo as IES executoras das ações, a equipe do CA desenvolveu um trabalho muito
articulado e particular. Destacam-se, entre outras contribuições relevantes: a análise do
material didático de Língua Portuguesa e de Matemática, feita pela equipe de professores
formadores e enviada como contribuições ao MEC; as ações de acompanhamento do
programa, através da avaliação do processo em todas as etapas; os resultados do programa nos
municípios/escolas envolvidos, atestados pelos portfólios e vídeos produzidos pelos tutores.
Além desses aspectos, o acompanhamento das etapas de desenvolvimento do curso pela
Coordenação garantiram o cumprimento do cronograma rigorosamente no prazo. Podemos
destacar, ainda, a publicação de artigos acadêmicos sobre a experiência, produzidos pelos
professores formadores e também por seus orientandosvii.
2. Reflexões sobre o programa GESTAR II/UFJF
Nesta seção, analisaremos as dificuldades e os avanços no desenvolvimento do
programa GESTAR II/UFJF, destacando as contribuições da equipe do CA para a formulação
e execução de políticas de formação continuada de professores.
Na primeira parte, relatamos os aspectos mais gerais, observados pela Coordenação
Geral e Adjunta do GESTAR II/UFJF em todos os encontros e reuniões com a equipe, e
sintetizadas nos relatórios apresentados ao MEC.
Na segunda parte, apresentamos os elementos destacados por toda a equipe do
GESTAR II/UFJF, composta pelos Coordenadores Geral e Adjunto, dois Coordenadores de
Língua Portuguesa e de Matemática, dois Formadores de cada disciplina e uma Professora-
pesquisadora. Nesta seção, destacamos as impressões e avaliações dos professores tutores e
cursistas, a partir dos relatos e das avaliações escritas que fizeram em cada encontro.
2.1. Observações Gerais sobre o GESTAR II/UFJF
A organização da demanda para o programa, originalmente, deu-se através do MEC,
via base de dados oriunda do conjunto das escolas estaduais e municipais brasileiras referente
à necessidade de formação continuada de professores. Assim, em 2010/2011, os tutores foram
selecionados diretamente pelo Ministério, que enviou para a Coordenação do programa da
UFJF todos os dados dos professores participantes, bem como dos municípios envolvidos. A
organização da demanda em 2013, entretanto, ficou sob a responsabilidade da UFJF e da
Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais – Escola Magistra (SEEMG/Magistra).
Esse modelo de organização pode explicar um pouco as dificuldades da SEEMG/Escola
Magistra em comprometer-se com as exigências para o desenvolvimento desta política, visto
que o contato ficou centralizado na Coordenação da UFJF e não no MEC.
Dentre os problemas mais relevantes destacamos, em especial, a que se refere à
cessão de horas para os tutores dedicarem-se exclusivamente ao GESTAR II, prevista nas
Disposições Gerais (2013) do MEC, necessária ao envolvimento e comprometimento desses
professores na execução das tarefas que lhes foram atribuídas. O fato de os tutores terem
direito à bolsa prevista pelo FNDE, como estímulo ao seu envolvimento com o programa,
levou a Coordenação Estadual supor que não seria necessário comprometer-se com a cessão
de horas de trabalho para o GESTAR II, acarretando grande sobrecarga de trabalho para os
professores tutores.
Embora a primeira resolução da Escola Magistra sobre a cessão de horas para
dedicação exclusiva ao programa GESTAR II previsse que os tutores tivessem disponíveis 15
das 20 aulas semanais, esse aspecto não foi contemplado na prática, à exceção de 12 tutores
que tiveram sua carga horária reduzida sem perda de vencimentos. Assim, durante os
encontros, houve uma queixa generalizada sobre a sobrecarga de trabalho dos professores e as
dificuldades para cumprir as ações previstas no GESTAR II, além daquelas relativas ao seu
trabalho rotineiro em sala de aula.
Dessa maneira, o debate sobre a urgente e necessária formação continuada de
professores, entendida como direito do docente e responsabilidade do Estado reduziu-se à
obrigação individual do docente: para participar de uma política demandada pelo sistema de
ensino, cabe ao professor criar as condições para desenvolver o trabalho, sem o apoio formal
das instâncias governamentais.
É preciso registrar, de outro lado, que a mesma Secretaria garantiu, com qualidade, o
deslocamento dos tutores para a formação na UFJF, disponibilizando diárias para
hospedagem, alimentação e deslocamento. Também autorizou, pelo Diário Oficial do Estado
de Minas Gerais, a contratação de substitutos para os professores em formação, condição
mínima para a participação no programa, qual seja a liberação das atividades docentes nos
dias destinados à formação presencial que ocorreu sempre no município de Juiz de Fora.
A evasão de cursistas ao longo do programa merece uma observação. Embora
registremos o cancelamento da inscrição de alguns tutores em ambas as formações, as
desistências dos cursistas, em especial na turma de 2013, foram muito mais significativasviii.
Segundo a avaliação dos tutores, esse problema pode ser atribuído, em primeiro lugar, à falta
de informação dos cursistas sobre o programa GESTAR II quanto ao número de horas
presenciais e quanto às exigências em relação ao volume de atividades que deveriam
desenvolver para obter a certificação. Atrelado a este motivo, estaria também o certificação a
nível de Aperfeiçoamento, não previsto no plano de Carreira dos Docentes como condição
para ascensão funcional. Outro motivo seria a falta de disponibilidade de horas para dedicação
ao programa, o que deveria ser previsto na carga horária dos professores.
Segundo os relatos dos tutores, os professores cursistas, em sua maioria, não foram
consultados sobre o interesse em participar do programa, tendo sido inscritos pelos diretores
de escola sem a sua anuência. Isso fez com que o número de inscritos no programa fosse
muito maior do que o número de professores efetivamente frequentes e certificados.
Neste sentido, há uma percepção dos tutores de que houve falha na divulgação do
programa entre os professores, aliado ao fato de que alguns diretores de escola definiram que
somente um professor da instituição poderia participar da formação.
Considerando em conjunto as impressões dos tutores, registradas nos encontros
presenciais, quanto à estrutura de suporte para o trabalho nas escolas, as experiências foram
diversificadas. Há o relato de apoio, por parte da Escola Magistra e/ou das escolas e seus
gestores, por meio da disponibilização de salas bem equipadas, almoço e lanche para os
cursistas. Em contrapartida, houve registro de condições objetivas menos favoráveis, tanto
pela dificuldade de conciliar a carga horária dos tutores com o número de horas necessárias
para a formação, bem como dificuldades de liberação de tutores e cursistas pelos diretores nos
sábados em que havia formação presencial.
Deste modo, embora o MEC tenha se preocupado com a garantia das condições
efetivas de realização dessa formação, por exemplo, através do pagamento de bolsas para os
tutores e, como exigência para os parceiros do programa, no caso a Secretaria de Estado de
Educação de Minas Gerais e as Secretarias Municipais de Educação, de que os professores
tivessem tempo na sua carga horária para a realização das oficinas e estudos, na prática, tais
medidas se mostraram insuficientes.
Além disso, a valorização da formação continuada, com previsão de ascensão
funcional e mesmo de algum tipo de gratificação pecuniária não estão previstas nos planos de
carreira do magistério estadual mineiro, significando que esta formação, embora desejável,
direito do professor e dever do sistema, ainda permanece relegada a segundo plano.
2.2. Observações sobre o desenvolvimento do programa
O material didático do programa GESTAR II foi produzido e disponibilizado pelo
MEC. Cada área temática do GESTAR II é composta pelas seguintes publicações:1 Guia
Geral, 1 Caderno do Formador, 6 Cadernos de Teoria e Prática (TP), 6 Cadernos de Apoio à
Aprendizagem do Aluno (AAA), versão do professor e 6 Cadernos de Apoio à Aprendizagem
do Aluno (AAA), versão do aluno (Guia Geral, 2010).
O material de Matemática foi considerado muito bom pelos professores, que
identificaram alguns erros conceituais, porém, que não comprometiam o desenvolvimento das
atividades. Nas avaliações propostas pelo GESTAR II/UFJF, foram recorrentes os
comentários positivos sobre a recepção ao grupo pela equipe da UFJF.
Entretanto, no material didático de Língua Portuguesa, alguns problemas foram
apontados pela Equipe de Formadores do Gestar II/UFJF já em 2010/2011. Na avaliação dos
formadores, os cadernos de Língua Portuguesa são, no geral, bem elaborados e atendem bem
aos objetivos do programa. Os formadores apontaram, porém, que algumas questões
precisariam ser revistas, na medida em que implicam problemas conceituais graves. Visto que
o material não foi revisado, estas ocorrências foram problematizadas com os tutores, de forma
que não se reproduzissem, nos encontros com os cursistas, os desvios detectados.
Os professores tutores avaliaram que o material permitiu a adaptação de atividades e
suscitou a reflexão e a discussão sobre as práticas docentes. Para o grupo de formadores da
UFJF, o material destinado aos cursistas deveria ser autoexplicativo, incluindo os textos
teóricos nos capítulos. No entanto, vários tutores relatam que seus alunos, no cotidiano da sala
de aula, reivindicavam a utilização do “livro verdinho” e o “dia da atividade do GESTAR”, o
que indica que as aulas realmente se tornavam mais interessantes quando o programa estava
sendo desenvolvido.
Quanto à participação e aproveitamento dos cursistas frequentes, as avaliações
foram, em sua maioria, positivas. Relata-se a receptividade dos professores cursistas, o
acolhimento, compromisso e envolvimento com o programa; os diferentes recursos utilizados
para tornar o conteúdo mais claro e as discussões mais enriquecedoras e o bom convívio entre
os pares.
Nas avaliações dos tutores foi destacado que, embora a participação dos professores
cursistas na formação não fosse obrigatória, a postura dos participantes foi quase sempre
reflexiva, crítica e de envolvimento com as temáticas tratadas, o que garantiu um debate
importante e uma mudança de postura em sala de aula.
A escassez do tempo nos encontros presenciais foi considerada umas das grandes
dificuldades enfrentadas pelos professores. O tempo foi considerado curto para a realização
das ações previstas, para a interação com os demais colegas, para o estudo e aprofundamento
dos conteúdos e preparação do repasse nos municípios/escolas.
A questão do tempo surge, aliás, como uma reivindicação recorrente, isto é, os
professores tutores solicitaram que o GESTAR II pudesse ter sua carga horária ampliada, de
modo que os professores tivessem o certificado em nível de pós-graduação lato sensu
(Especialização). Essa demanda sinaliza uma avaliação positiva desses professores acerca de
sua experiência nesse programa de formação continuada e reivindica, também, um espaço de
valorização da carreira docente.
Considerações Finais
A implementação de uma política nacional com as características deste programa é
um grande desafio: embora o GESTAR II contribua para a consolidação de uma formação de
base comum nacional e atue fortemente para a melhoria da qualidade da educação,
especialmente naqueles locais onde não há possibilidade de proposição de uma política
própria, pode, entretanto, contribuir para um empobrecimento da formação, devido a seu
caráter homogeneizador, conforme nos aponta André (2015). Assim, é fundamental que estes
programas tenham flexibilidade para os ajustes necessários às especificidades locais e
regionais, especialmente num país tão grande e com tanta diversidade cultural como o Brasil.
Talvez a maior contribuição do programa GESTAR II/UFJF para a formação destes grupos de
professores seja exatamente essa possiblidade de atender as especificidades de cada local,
ainda que com limitações, principalmente de tempo.
Assim, podemos afirmar que a nossa atuação no programa GESTAR II/UFJF teve
muitos impactos positivos: possibilitou o desenvolvimento de pesquisas, gerou mudanças na
prática dos professores envolvidos, aperfeiçoou a reflexão sobre a gestão de políticas de
formação docente em larga escala, além de permitir uma grande troca de experiência entre a
Universidade e os professores que atuam nos sistemas públicos de educação básica mineiros.
Por outro lado, muitos obstáculos foram evidenciados no desenvolvimento desta
política: o acúmulo de tarefas sobre os professores participantes do GESTAR II, que nem
sempre tiveram a concessão de horas previstas nas Disposições Gerais para dedicarem-se
exclusivamente ao programa; entraves colocados pelos diretores de escolas, que em alguns
casos dificultaram a participação dos cursistas nos encontros presenciais; o número de horas
do programa (300h), concentrado em 10 meses de trabalho efetivo; a não valorização desta
formação para fins de promoção na carreira dos professores.
Segundo Lima (2012)ix, dentre as principais reivindicações dos professores tutores,
estão a ampliação dos espaços de socialização de práticas pedagógicas e de trocas de
experiências, reforçando o seu pleito de que houvesse um aumento no tempo de encontros
presenciais. A pesquisadora também verificou, como resultado da pesquisa, a questão da
pluralidade de funções assumidas pelos tutores.
Acreditamos que um incentivo aos cursistas, através da concessão de bolsa, por
exemplo, pudesse garantir uma permanência maior destes professores. Desde a nossa
experiência anterior com o GESTAR II (2010/2011), não obstante a certificação da UFJF em
nível de Aperfeiçoamento, o conjunto dos professores reivindica a titulação de Especialista,
dado o número de horas e as exigências formais do curso. Assim, pensamos que o programa
GESTAR II, em sua reformulação, para manter-se no seu caráter de Aperfeiçoamento, deveria
ter a exigência de um número menor de horas, de forma a possibilitar a participação dos
professores, em especial aqueles que atuam em grandes centros urbanos, nos quais
registramos o maior número de desistências.
Em síntese, e a partir da reflexão sobre esta experiência, podemos destacar os
seguintes desafios para o aperfeiçoamento ou elaboração de um programa nacional de
formação continuada de professores: 1) Garantir, de forma efetiva, a cessão de horas na carga
horária do professor para que possam desenvolver as ações de formação, criando mecanismos
que deixem claro para os gestores que a exigência deve ser cumprida na íntegra; 2) Buscar
mecanismos que possam garantir e incentivar a presença e a permanência dos cursistas: bolsa,
titulação que repercuta na carreira; 3) Ampliar o tempo de formação (em meses) ou diminuir o
número de horas a serem cumpridas; 4) Ampliar a carga horária dos encontros presenciais
para garantir a interação entre os tutores; 5) Reformular o material didático, tornando-o mais
autoexplicativos, priorizando alguns conteúdos e revendo conceitos.
É preciso enfatizar que, ao discutir, analisar, propor e executar todas as ações
previstas no projeto GESTAR II/UFJF, a equipe pôde, efetivamente, se tornar sujeito do
processo, avaliar sua prática e propor alternativas para a superação das dificuldades. Estes
elementos foram fundamentais para o sucesso do projeto, mas também como estímulo para
reafirmarmos a compreensão de que o CA é fundamental na formação de professores. E,
somente a partir da prática e da reflexão sobre ela, é que podemos, como formadores, intervir
com qualidade.
O Programa GESTAR II foi encerrado pelo MEC. Outras políticas de abrangência
nacional são desenvolvidas, mas destinadas aos professores alfabetizadores, como o Pacto
Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) e aos professores do ensino médio,
como o Pacto Nacional pelo Ensino Médio (PNEM). Embora destinados a segmentos
diferentes, estes programas mantêm semelhança, visto que também são desenvolvidos na
modalidade semipresencial e com a perspectiva de formação “em cascata”, ou seja, forma-se
um grupo que será multiplicador da proposta.
De todo modo, os princípios que orientaram a prática desenvolvida no programa
GESTAR II/UFJF reforçam a importância do Colégio de Aplicação João XXIII na formação
continuada de professores. A partir das discussões travadas no âmbito desses projetos
consolidou-se o compromisso com a continuidade do atendimento desta vocação da escola e
da demanda efetiva dos professores de Juiz de Fora, dando origem à proposta do Curso de
Especialização em Educação no Ensino Fundamental, iniciado no ano de 2012 e que, no
presente momento, encontra-se em sua terceira turma.
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nacional.
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1996.
Recuperado
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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm, 15 agosto, 2015,
Lima, C. R. G. M. (2012) A experiência do GESTAR II em Juiz de Fora: o que dizem os
professores tutores? In D. Oliveira (Org.) Políticas de Formação Continuada de
Professores: contribuições para o debate. Juiz de Fora, MG: Editora UFJF.
Oliveira, D. M. (2008) A formação de professores a distância para a nova sociabilidade:
análise do “PROJETO VEREDAS” de Minas Gerais. Tese de Doutorado.
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Oliveira, D. M. (2009, outubro) Educação a distância e formação de professores em nível
superior no Brasil. Anais da Reunião Anual da Anped. Caxambu, MG, Brasil, 32.
Oliveira, D. M. (2012) Formação Continuada de Professores: Contribuições para o debate.
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gerais
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Resolução n. 24, de 16 de agosto de 2010 (2010). Estabelece orientações e diretrizes para o
pagamento de bolsas de estudo e de pesquisa a participantes dos programas de
formação inicial e continuada de professores e demais profissionais de educação,
implementados pela Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação
(SEB/MEC)
e
pagas
pelo
FNDE.
Recuperado
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20072010/2009/decreto/d6755.htm,
de
15
agosto, 2015.
Notas
i
As instituições de ensino superior públicas, federais e estaduais que integram a Rede Nacional de Formação de
professores tiveram a tarefa de produzir materiais de orientação para cursos à distância e semipresenciais, com
carga horária de 120 horas. Assim, as IES atuam em rede para atender às necessidades e demandas do Plano de
Ações Articuladas (PAR) dos sistemas de ensino.
ii
Promover a melhoria na qualidade do ensino; apoiar a oferta e expansão de cursos de formação inicial e
continuada; identificar e suprir a necessidade das redes de ensino por formação inicial e continuada dos
profissionais; promover a valorização docente; promover a atualização teórico-metodológico no processo de
formação dos profissionais (Decreto 6.755, 2009).
iii
Promover a melhoria na qualidade do ensino; apoiar a oferta e expansão de cursos de formação inicial e
continuada; identificar e suprir a necessidade das redes de ensino por formação inicial e continuada dos
profissionais; promover a valorização docente; promover a atualização teórico-metodológico no processo de
formação dos profissionais (Decreto 6.755, 2009).
iv
Coordenação Geral: Profa. Daniela Motta de Oliveira.
v
Coordenação Geral: Profa. Daniela Motta de Oliveira. Coordenação Adjunta: Profa. Dra. Sylvia Helena dos
Santos Rabello.
vi
Encontro de Formação Inicial: 40h; I Seminário de Acompanhamento: 24h; II Seminário de Acompanhamento:
24h; Seminário de Avaliação: 16h.
vii
OLIVEIRA, Daniela Motta de. Formação Continuada de Professores: Contribuições para o debate. Juiz de
Fora: Editora UFJF, 2012
viii
Na turma 2010/2011, cuja demanda foi das Secretarias Municipais de Educação mineiras, foram inscritos 24
tutores, e 22 concluíram o programa. Dos 377 cursistas confirmados, concluíram o curso 277; Na turma
2013/2014, demanda da Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais e de um município, foram inscritos
62 tutores de Língua Portuguesa e de Matemática; desses, concluíram 60 tutores. No entanto, dos 1190 cursistas
inscritos, certificamos apenas 495 professores. (Dados constantes do Relatório Final do Programa GESTAR
II/UFJF 2013).
ix
A Profa. Dra. Carmen Rita Guimarães Marques de Lima atuou nas duas edições do GESTAR II/UFJF na
função de pesquisadora. As experiências dos professores tutores foram documentadas através de formulários de
avaliação, preenchidos durante os encontros presenciais (no caso da primeira turma) e também pelos cursistas
(no caso da segunda turma). O texto referido foi publicado no livro organizado por Oliveira (2012).
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