Incidência de Talassemia Minor em Estudantes Universitários
Resumo
Adão Carlos Bertoncin, Daniela Cristina Alexandre Simon
Ciaco, André Luiz Ré, Everton Eugênio Siqueira
As hemoglobinopatias são as doenças hereditárias mais
comuns em nosso país devido à intensa miscigenação
da população. A beta talassemia é muito comum em
descendentes de civilizações da região do mar mediterrâneo,
ela é classificada clinicamente em beta talassemia maior
quando está em homozigose, beta talassemia intermediária,
quando em homozigose mas com manifestação mais branda
e beta talassemia minor quando heterozigota, em que o
paciente apresenta em geral, uma leve anemia. O objetivo
deste trabalho foi verificar a incidência de beta talassemia
em estudantes do curso de fisioterapia da UNIFAE. As
amostras com resistência globular osmótica aumentada
foram analisadas através de eletroforese em acetato de
celulose em pH alcalino, dosagem de hemoglobinas
A2 e Fetal. O resultado foi de 2,3% de beta talassemia
minor (duas amostras positivas) do total das 84 amostras
analisadas. Esses resultados foram comparados com outras
cidades da região Sul e Sudeste e foi considerado normal,
já que a beta talassemia é a hemoglobinopatia mais comum
nessas regiões pelos maciços contingentes imigratórios de
italianos.
Palavras-chave
Talassemia, Hemoglobinopatias,
Anemia Hereditária
Beta-talassemia;
Autores
Adão Carlos Bertoncin
Biomédico (UNIARARAS), Mestre em
Ciências Médicas (UNICAMP), Professor
do Centro Universitário das Faculdades
Associadas de Ensino -FAE, Anhanguera
Educacional e Faculdades Integradas
Einstein de Limeira.
e-mail:
[email protected]
Daniela Cristina Alexandre Simon Ciaco
Dentista
(UNIFENAS),
Especialista
em Biologia Molecular e Histologia
(UNIFESP), Professora Assistente do Centro
Universitário das Faculdades Associadas
de Ensino -FAE
e-mail:
[email protected]
André Luiz Ré
Biomédico (UNIARARAS), Mestre em
Saneamento Ambiental (MACKENZIE),
Professor das Faculdades Integradas
Einstein de Limeira
e-mail:
[email protected]
Everton Eugênio Siqueira
Aluno do curso de fisioterapia do Centro
Universitário das Faculdades Associadas
de Ensino -FAE
e-mail:
[email protected]
Recebido em 16/novembro/2010
Aprovado em 15/dezembro/2010
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Pensamento Plural: Revista Científica da
, São João da Boa Vista, v.4, n.2, 2010
Incidência de Talassemia Minor em Estudantes Universitários
Introdução
As hemoglobinopatias são decorrentes de alterações
de genes estruturais responsáveis pelo aparecimento das
hemoglobinas variantes e/ou em genes reguladores, resultando nas talassemias. São prevalentes em muitas regiões
do mundo, mas atingem a população brasileira de forma
significativa. (BERTTHOLO, 2005).
A organização mundial de Saúde (OMS) estima que
270 milhões de indivíduos tenham genes que causam o
aparecimento de hemoglobina anormal. Segundo estudos
epidemiológicos, a prevalência mundial está estimada em
7% da população e a cada ano ocorre entre 300 a 400
mil nascimentos de crianças homozigotas para anemia falciforme ou talassemia. (MELO-REIS et al., 2006).
No passado, apenas áreas tropicais e subtropicais do
mundo tinham alta prevalência dessas anomalias, cuja explicação se baseia no efeito protetor que tinham os portadores heterozigotos falcêmicos e talassêmicos contra as
infecções endêmicas de malária. Devido ao aumento dos
movimentos migratórios ocorridos em diversas regiões,
essas variantes acabaram por se difundirem em áreas do
continente americano e do norte da Europa. (WAGNER,
2005)
A talassemia pode ser dividida em dois grupos, a alfa
talassemia e a beta talassemia, isso depende da globina
que está em quantidade reduzida. A beta talassemia foi
introduzida no Brasil pelos contingentes imigratórios italianos que vieram para o Sul e Sudeste a partir da segunda
metade do século passado. A maioria desses imigrantes
procediam da região do Vale do Pó e do Sul da Itália,
onde a prevalência dessa patologia é alta. Na população
do estado de São Paulo, que recebeu imigrantes italianos
principalmente de Veneto (Veneza, Pádua, Treviso, Rovigo, Verona), Lombardia (Mântua, Milão) e Emília Romana (Ferrara, Bolonha, Parma, Módena), regiões que são
consideradas com alta prevalência de beta talassemia, a
frequência de heterozigotos dessas hemoglobinopatias é
mais alta do que em outras regiões como norte, nordeste
e centro-oeste do país. É importante lembrar que a beta
talassemia é muito frequente entre descendentes de sírios,
judeus, gregos e chineses. (RAMALHO, 1986).
A beta talassemia heterozigota ocorre virtualmente em
todas as etnias, mas é rara na população branca do norte
da Europa. Esse tipo de talassemia é comum na Grécia,
Itália e entre cipriotas gregos e turcos, onde a prevalência em algumas regiões chega a 15-20%. Em algumas
partes da Índia, Tailândia e em algumas áreas do sudeste
da Ásia, a prevalência chega a 5-10%. Nos negros norte-americanos é de cerca de 0,5% e nos antilhanos, cerca de
1%.(BAIN,1997).
Um estudo realizado no Brasil revelou que existem por
volta de 10 milhões de brasileiros heterozigotos com os
genes da Hb S, Hb C e da beta talassemia. (BACKES et al.,
2005). Estima-se que para cada três milhões de crianças
que nascem anualmente no Brasil, 90.000 serão heterozigotos para talassemia, 63.000 do traço falciforme, 1.500
de anemia falciforme, 970 de doença falciforme e 260 serão portadores de beta talassemia maior (SILVA FILHO et
al., 2002). Por causa da colonização europeia da região
sul e sudoeste do país a beta talassemia atinge 1% a 6% do
euro-descendentes. (BACKES et al., 2005)
As anemias hereditárias não têm cura, mas podem ser
controladas quando diagnosticadas precocemente e tratadas adequadamente com os meios disponíveis. Nesse aspecto, é essencial haver a participação e conscientização
da família. A maioria dos pacientes e famílias que têm doPensamento Plural: Revista Científica da
enças genéticas desconhece sua fisiopatologia e também
não tiveram uma investigação adequada para o diagnóstico correto, tanto clínico quanto laboratorial. Portanto,
o aconselhamento genético torna-se imprescindível para
esse fim, e a contextualização do mesmo deve ser feita na
educação dos afetados e de seus familiares. (MELO-REIS et
al., apud BRUNONI, 2006)
Em muitos países com alta prevalência da beta talassemia foram instituídos programas de prevenção do aparecimento das mesmas, ou por aconselhamento genético de
casais heterozigotos, ou pelo diagnóstico pré-natal seguido
por aborto. Os resultados foram impressionantes. Um bom
exemplo é em Chipre que houve uma redução de 97% dos
nascimentos de crianças com talassemia maior em relação
ao esperado, entre 1974 a 1984. Outro exemplo comovente é em Sardenha, Itália, que desde a implantação do
programa em 1975 até 1991, último ano para o qual há
informação, os nascimentos de crianças com talassemia
maior foram reduzidos a praticamente zero. Os poucos
que ocorrem são devidos à falta de informações sobre a
doença e como prevení-las. (SALZANO, 2002).
Revisão literária
A molécula de hemoglobina
Os glóbulos vermelhos do sangue (eritrócitos) são anucleados, pois perdem seus núcleos pouco antes da liberação da medula óssea, local onde são produzidos na vida
adulta. Os eritrócitos jovens chamados de reticulócitos,
ainda contêm um pouco de RNA mensageiro, porém este
desaparece após poucos dias da liberação. Por 120 dias,
as hemácias circulam no sistema sanguíneo, contendo
proteínas, sendo aproximadamente 70% de hemoglobina.
(GELEHRTER; COLLINS, 1992).
A hemoglobina é um tetrâmero composto de quatro
cadeias polipeptídicas. No adulto ela é composta de duas
globinas chamadas de Į e duas globinas chamadas de
ȕ. Cada uma destas globinas está associada a um grupo
hemo, que contém um átomo de ferro e oxigênio o que
permite que essa proteína desempenhe a função vital de
transportar oxigênio nos eritrócitos. (JORDE, et al., 2000)
As cadeias Į são produzidas por dois genes no cromossomo 16 que são muito similares uma a outra e as cadeias
ȕ são codificadas por um gene no cromossomo 11 em uma
região com mais de 60 mil pares de base (60kb). Portanto
o indivíduo adulto normal teria dois genes ȕ e quatro genes
Į normais. Contudo, a rígida regulação destes genes garante que sejam produzidos números praticamente iguais
de cadeias Į e ȕ. (JORDE et al., 2000).
No cromossomo 11 é encontrado o gene épsilon, que
é expresso na fase embrionária; o gene gama, que se duplicou durante a evolução e que dá origem a cadeias que
diferem em apenas um resíduo, que é a glicina para um
gene (Ȗ G) e a alanina para o outro (Ȗ A); e os genes delta e beta. As cadeias que os genes gama, delta e beta
produzem são cadeias de polipeptídios muito parecidas
umas com as outras. Cada uma tem 146 aminoácidos,
e a cadeia gama difere da beta em 39 aminoácidos e a
cadeia delta difere apenas 16 da beta. Existe também um
pseudogene beta, isto é, um segmento de DNA que apresenta sequência homóloga a genes funcionais, mas que se
tornaram inativos durante a evolução. (RAPAPORT, 1990).
Ontogenias das hemoglobinas.
Hemoglobinas Embrionárias:
Existe uma única hemoglobina no começo da vida ute-
, São João da Boa Vista, v.4, n.2, 2010
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BERTONCIN, A. C. CIACO, D. C. A. S. RÉ, A. L. SIQUEIRA, E. E.
rina com cadeia Į, isto é, a hemoglobina Gower (Į2 İ2)
e três desprovidas dessa cadeia, ou seja, as hemoglobinas
Gower 1 (İ2 ȗ2 ), Portland (Ȗ2 ȗ2) e Portland 2 (ȗ4). A síntese das cadeias que fazem parte da maioria dessas hemoglobinas, İ e ȗ, praticamente acaba após os três primeiros
meses de gestação, porém em alguns recém nascidos normais podem existir esses tipos de cadeias em pouca quantidade ou em grande quantidade em crianças com certos
tipos de aberrações cromossômicas. (RAMALHO, 1986).
Hemoglobinas Fetais
A hemoglobina fetal possui duas cadeias Į e duas cadeias Ȗ o que as difere das hemoglobinas A. A produção
de cadeias Į começa durante a vida fetal e continua desde
então; já a produção de cadeias Ȗ desaparece logo após
o nascimento quando começa a produção da globina ȕ
que a substituirá. Ao nascimento a hemoglobina fetal ainda constitui aproximadamente 75% do total de hemoglobina, mas o nível cai abaixo de 5% perto dos seis meses de
idade; um adulto normal sintetiza apenas traços de Hb F.
(RAPAPORT, 1990).
gene alterado. (NAOUM, 1997). A beta talassemia também é heterogênea. Em alguns grupos da doença, o gene
beta não está deletado é o chamado ȕ+, a repressão da
atividade é incompleta e resulta de quantidades reduzidas
de síntese de RNA mensageiro. Isso ocorre também na hemoglobina Lepore, de modo que esta também atua como
um mutante da patologia. Em grupos da doença em que o
gene é totalmente deletado o chamado ȕ0, o RNA mensageiro não é produzido ou não é funcionante. No tipo įȕ0,
o gene também está deletado. A hemoglobina fetal também pode estar um pouco aumentada na beta talassemia
como uma resposta compensatória à ausência de globinas
beta. (NORA; FRASER, 1991). Em geral, os tipos mais comuns entre as betas talassemias são as formas heterozigotas como ȕA/ȕ0, ȕA/ȕ+ mediterrâneo, ȕA/ȕ++ africano,
ȕA/ȕ+ silenciosa, ȕA/ ȕ0 com hemoglobina A2 normal. As
formas homozigotas correspondentes são as ȕ0/ȕ0, ȕ+/
ȕ+ mediterrâneo, ȕ++/ȕ++ africano, ȕ+/ȕ+ silenciosa,
ȕ0/ȕ0 com Hb A2 normal, e ȕ+/ȕ+ com Hb A2 normal.
(NAOUM, 1997).
Fisiopatologia
Hemoglobinas do Adulto
Existem três tipos de globinas que codificam as hemoglobinas adultas. As globinas alfa e beta, que formam a
hemoglobina A1 que constitui 95% da hemoglobina em
um adulto normal; e as globinas delta e alfa, que codificam a hemoglobina A2 que constituem cerca de 2% da
hemoglobina. (NORA; FRASER, 1991).
Beta Talassemia.
Os distúrbios de hemoglobina são classificados em
anomalias estruturais, na quais a molécula de hemoglobina é alterada, e as talassemias na quais as hemoglobinas
são estruturalmente normais, mas em quantidade reduzida.
(JORDE et al., 2000)
Em 1925 T.B. Cooley e P.Lee relataram um paciente
com grave quadro de anemia, esplenomegalia e alterações ósseas, e denominaram essa forma grave de anemia
como anemia de Cooley&Lee em homenagem a seu descobridor. Posteriormente foi observado que essa patologia
era frequente em países banhados pelo mar Mediterrâneo
como, por exemplo, Itália, Grécia, Síria e Líbano então a
anemia de Cooley&Lee passou a ser chamada também de
anemia do Mediterrâneo e mais tarde passou a ser denominada como talassemia, já que mar em grego é conhecido por “thalassa”. (NAOUM, 1997).
Nesta patologia não existe nenhuma hemoglobina
anormal, mas ocorre insuficiência na síntese de um dos
tipos de cadeia, mais frequentemente a cadeia ȕ ocorrendo
à beta talassemia cuja origem é pouco conhecida. Já se
acreditou na hipótese de uma mutação em um gene regulador, a qual perturbaria o funcionamento do gene que
sintetiza essa globina por volta da época do nascimento,
mas atualmente, esta hipótese é pouco provável. De fato
até parece existir uma anomalia do gene estrutural, porém
acarretando a formação de quantidades insuficientes de
RNA - mensageiro. (BERNAD, 1989).
A beta talassemia é considerada herança autossômica recessiva, porque são necessários dois genes anormais
para se ter um fenótipo detectável clinicamente. Porém
o termo dominante ou recessivo é difícil de ser aplicado,
porque em alguns casos de beta talassemia menor ou heterozigota apresentam claros distúrbios clínicos, ao passo
que outros casos não. Recentemente, formas dominantes
da doença têm sido identificadas resultando em fenótipos
de talassemia intermediária em portadores de um único
28
Beta talassemia homozigota ou anemia de
Cooley&Lee.
A doença aparece cedo na infância, entre dois e seis
meses de idade, quando a síntese de globinas beta não
começa. Estes pacientes desenvolvem uma grave anemia
apresentando uma alteração no estado geral revelando
anemia microcítica, hipocrômica, hipersiderêmica moderadamente regenerativa, o que justifica a eletroforese de
hemoglobina em acetato de celulose que demonstra à
hemoglobina A diminuída quando a mutação leva a uma
ȕ+, ou ausente quando ȕ0; a confirmação do diagnóstico
é feita através da dosagem de hemoglobinas A2 e fetal já
que ambas revelam-se com valores aumentados (ver tabela
1.0). (BERNAD et al., 2000).
Se essa condição de anemia grave não for tratada
pode ocorrer um retardo no crescimento, expansão da
medula óssea que produz alterações esqueléticas incluindo na mandíbula superior, ossos da bochecha e um afinamento dos ossos longos. A esplenomegalia e as infecções
são comuns e se não tratados podem acarretar a morte de
pacientes durante a primeira década de vida. A beta talassemia pode variar de gravidade dependendo da natureza
da mutação (ver tabela 2.0) (JORDE et al., 2000).
A concentração das globinas alfa que estão desreguladas é que geram a talassemia. Com a síntese de um tipo
de cadeia não há como formar um tetrâmero normal já
que a outra globina está em déficit, portanto a globina alfa
sintetizada forma um homotetrâmero (moléculas com quatro cadeias apenas do tipo sintetizado) que se acumulam e
precipitam nas membranas dos eritrócitos danificando-os
(JORDE et al., 2000). Estes precipitados lembram corpúsculos de Heinz ligados à membrana celular das hemácias.
Os eritrócitos jovens contendo esse precipitado podem ser
destruídos na própria medula óssea provocando uma eritropoise ineficaz. As hemácias que entram em circulação
são rapidamente removidas por fagócitos mononucleares
no baço. Em algumas condições de estresse da medula,
alguns eritrócitos jovens formam hemácias com Hb Fetal,
isso diminui o excesso de cadeias alfa livres e estes eritrócitos sobrevivem mais tempo. (RAPAPORT, 1990).
Segundo Naoum (1999), os resultados da destruição
dos eritrócitos nos sinusóides esplênicos causam na beta
talassemia maior a anemia hemolítica com o aumento da
bilirrubina indireta e esplenomegalia, o que por sua vez,
Pensamento Plural: Revista Científica da
, São João da Boa Vista, v.4, n.2, 2010
Incidência de Talassemia Minor em Estudantes Universitários
pode resultar em hiperesplenismo. O hiperesplenismo leva
à destruição maior de eritrócitos, fato que acentua a anemia; destruição de leucócitos, fato que contribui para a
instalação de infecções e que é importante causa de óbito
e destruição de plaquetas que promove distúrbios de hemostasia (espitaxes). A somatória da ineficaz eritropoiese,
hemólise e hiperesplenismo resultam em uma anemia grave com diversas consequências para o organismo como
anóxia e estado hipermetabólico que, por sua vez, pode
acabar gerando febre, perda de peso, aumento do ácido
úrico e gota; alteração da função cardíaca e necessidade
de transfusões sanguíneas regulares que, além de causarem acúmulo de ferro em órgãos nobres, pode transmitir
hepatite e a AIDS, com consequências graves e fatais.
Beta talassemia intermediária
Termo clínico para designar uma beta talassemia homozigota que apresenta um quadro de sintomas intermediário entre as formas grave e discreta em que o paciente
pode sobreviver sem transfusões sanguíneas periodicamente. Não é uma condição constante, inclui variações individuais com poucas alterações clínicas até aquelas que,
possuem graves e variadas patologias e mesmo assim sobrevivem sem transfusões. A moderação do quadro nesse tipo de talassemia pode ser pela menor quantidade de
cadeias alfas despareadas reduzindo o desequilíbrio entre
as globinas, melhorando a manifestação da doença. (NAOUM, 1997).
Beta talassemia heterozigota ou talassemia minor
A beta talassemia heterozigota em geral é assintomática, em alguns casos pacientes podem apresentar discreta
esplenomegalia, e o diagnóstico se faz quando se detecta
uma anemia hipôcromica, com a ausência de deficiência
de ferro e outras causas. (VERRASTRO et al., 1998). O
diagnóstico é confirmado pelo aumento da concentração
de hemoglobina A2 (maior de 3,4%). Quando a hemoglobina A2 está aumentada a hemoglobina fetal está normal.
(OLIVEIRA, 1978).
Entre as diversas variedades de talassemia minor as
características hematológicas de uma forma geral são comuns a 90% dos portadores. As alterações mais comuns
são: concentrações de hemoglobina discretamente inferior
ao normal; o aumento compensatório de glóbulos vermelhos o que não corresponde ao volume eritrocitário, pois
possuem eritrócitos com microcitose e hipocromia; a redução do volume corpuscular médio (VCM) por não haver
correspondência entre os valores eritrocitários altos e os
hematócritos diminuídos; a redução da hemoglobina corpuscular média (HCM) pela escassa hemoglobinização;
aumento da resistência globular osmótica, em solução de
NaCl a 0,36% resultado de uma reduzida hemoglobinização; a leptocitose dos glóbulos vermelhos e alterações
morfológicas dos eritrócitos reconhecidos principalmente
por microcitose, hipocromia, dacriócitos, leptócitos, pontilhados basófilos, esquisócitos, e células em alvo.(NAOUM,
1997).
Diagnóstico da beta talassemia
O nível de hemoglobina está diminuído tanto para
portadores de beta talassemia quanto para outros tipos
de anemia. Portanto, para o diagnóstico correto dessa patologia é necessária a realização de exames laboratorias
mais completos. (ABRASTA). O diagnóstico neonatal da
beta talassemia possibilita o tratamento correto e o aconselhamento genético precoce, fazendo a conscientização
de portadores sobre o risco do nascimento de talassêmicos
Pensamento Plural: Revista Científica da
homozigotos. (DUCATTI, R. P. et al., 2001).
Hemograma
O hemograma é indispensável para o diagnóstico correto de talassemia por causa das alterações características
que ela produz. O sangue é colhido em tubo com anticoagulante, e não é necessário estar em jejum. (ABRASTA).
Os índices analisados no hemograma são números de
glóbulos vermelhos cujos valores normais variam de acordo com o sexo e com a idade. O hematócrito é definido
pelo volume de todas as hemácias de uma amostra, sobre o volume total desta amostra; os resultados variam de
acordo com o sexo e com a idade. No homem o valor normal é de 40 a 50% e na mulher de 36 a 45%. O valor de
hemoglobina quando menor que 12,5g/dl em um adulto é
considerado anemia. O VCM (Volume Corpuscular Médio)
é um índice que auxília na observação do tamanho das hemácias (anisocitose) e no diagnóstico de anemia; em caso
de microcitose o índice é menor que 80fl, para adultos; se
macrocíticas tem índice menor que 96 fentolitros. O HCM
(Hemoglobina Corpuscular Média) é o peso da hemoglobina na hemácia. A variação normal é 26 a 34 picogramas.
O CHCM (Concentração de Hemoglobina Corpuscular
Média) é a concentração da hemoglobina dentro de uma
hemácia, a variação normal é de 32 a 36g/dl. A coloração
da hemácia depende da quantidade de hemoglobina, podem ser classificadas em hipocrômicas (menor que 32 g/
dl), hipercrômicas (maior que 36g/dl) e normocrômicas (no
intervalo de normalidade). O RDW (Red Cell Distribution
Width) é um índice que indica a anisocitose (variação de
tamanho), sendo o normal de 11 a 14%, representando a
percentagem de variação dos volumes obtidos.
Resistência Globular Osmótica
O teste de RGO (resistência globular osmótica) é um
teste de triagem, mas não é um teste definitivo para o diagnóstico por que a resistência globular está aumentada tanto nas talassemias como nas anemias ferroprivas. Este teste
avalia a habilidade dos eritrócitos em incorporar água sem
ocorrer à lise; isto depende da relação entre superfície e
volume do glóbulo. Os esferoidócitos e esferócitos apresentam resistência osmótica diminuída; os micrócitos hipocrômicos e as células em alvo, por outro lado, apresentam
resistência globular osmótica aumentada. (LABORATÓRIO
MAURÍLIO DE ALMEIDA, 2005).
Outro método usado para o diagnóstico da beta talassemia é a eletroforese em acetato de celulose pH 8,4
a 8,6, já que a hemoglobina é uma proteína carregada
negativamente e migra em direção ao pólo positivo (ver
figura 10.0). Esse método identifica as hemoglobinas normais e grandes parte das variantes. (NAOUM, 1999). Porém, segundo Bertholo e Moreira (2005) o procedimento
eletroforético nem sempre apresenta resoluções suficientes
para correta caracterização de algumas mutações, como
na interação da Hb C com a beta talassemia. Nesses casos há a necessidade de metodologias moleculares como
análise Southern blot com o uso de enzimas de restrição,
sondas oligonucleotídeas alelo-especifícas (ASOs), reação
em cadeia da polimerase (PCR), amplificação gênica alelo-específica e sequenciamento gênico.
, São João da Boa Vista, v.4, n.2, 2010
29
BERTONCIN, A. C. CIACO, D. C. A. S. RÉ, A. L. SIQUEIRA, E. E.
Foi transferida aproximadamente 2ml de sangue para
um tubo cônico de centrifuga e adicionou-se 10 ml de
solução salina. Homogeneizou-se e foi centrifugado por
5 minutos a 2000 RPM. Descartou-se o sobrenadante e
repetiu o processo mais duas vezes. Após essa etapa foi
adicionado a metade do volume de concentrado de glóbulos de clorofórmio e metade de água destilada. (ex: para
1ml de concentrado adicionou-se 0,5ml de clorofórmio e
0,5ml de água destilada). Foi agitado vigorosamente para
provocar a lise das hemácias. Centrifugou-se por mais 10
minutos a 5000 RPM. Retirou-se a hemoglobina (parte superior) e usou-a para fazer a eletroforese.
Figura 1: Resultado de eletroforese em caso de beta talassemia
menor. (adaptado de http://www.ciencianews.com.br/hemoglobinopatias /hemoglobinopatias-index.htm)
!
"
A dosagem de hemoglobina A2 pode ser feita pelo método de fracionamento eletroforético das hemoglobinas A
e A2, seguida de eluição das frações em água e leitura
no espectrofotômetro. Ou fracionamento cromatográfico,
com eluições de frações e leitura no espectrofotômetro.
(NAOUM, 1999).
A dosagem de hemoglobina fetal pode ser feita pelo
método de resistência alcalina que detecta desde traços
até concentrações moderadamente altas de hemoglobina
fetal. (NAOUM, 1999).
Objetivo
Verificar a incidência da Talassemia minor entre os estudantes do curso de fisioterapia do Centro Universitário
das Faculdades Associadas de Ensino de São João da Boa
Vista - UNIFAE.
Casuística e metodologia
Casuística
Foram coletados aproximadamente 5 mL de sangue e
colocadas em tubos contendo EDTA (ácido etileno-diaminotetracético) como anticoagulante, de 84 alunos do curso
de fisioterapia do UNIFAE com prévio consentimento.
Métodos
Resistência globular osmótica em solução de NaCl
#$
Colocou-se 5ml de solução salina 0,4% em um tubo
de ensaio e adicionou-se 20μL de sangue total. Homogeneizou-se a solução, deixando-a em repouso por 10 a 15
minutos, à temperatura ambiente. A leitura do resultado foi
realizada verificando se a solução estava transparente (eritrócitos hemolisados) ou opaca (eritrócitos resistentes). Para
ajudar no resultado, foi colocada por trás do tubo, distante
mais ou menos 2 cm, uma folha riscada com linhas pretas
bem visíveis. O resultado é positivo quando não consegue
se ver os riscos.
Todas as amostras positivas foram submetidas à eletroforese em acetato de celulose e realizado a dosagem de
Hb A2 e Fetal.
Preparação do hemolisado.
30
Eletroforese em acetato de celulose em pH alcalino
Embebeu-se a fita de acetato de celulose na solução
tampão, durante 15 minutos. Colocou-se quantidade
igual do tampão TEB em cada lado da cuba de eletroforese. Após posicionamento da fita de acetato de celulose
na cuba, foram adicionadas as amostras de hemolisado,
aguardando aproximadamente 60 minutos para ocorrer
a migração e separação das frações de hemoglobina do
hemolisado.
!
Adicionou-se 10μl do hemolisado na fita de acetato
de celulose com auxílio de uma seringa de cromatografia,
após a introdução na cuba de eeltroforese, aguardou-se
uma hora para ocorrer a separação das frações de hemoglobina, e posterior extração das frações. Para dosagem foi
realizada a leitura em um aparelho de espectrofotômetro
Cálculo: % Hb A = (DO Hb A / DO Hb A x 5 +DO
²
²
¹
Hb A ) x 100
²
Resultado
Das 84 amostras analisadas, 2 foram positivas para
beta talassemia minor, perfazendo um total de 2,3% das
amostras.
Discussão e conclusão
A população brasileira caracteriza-se por significativa mistura racial, com grande influência na dispersão de
genes anormais, como no caso das hemoglobinopatias
estruturais e talassemias. A distribuição das hemoglobinas normais está relacionada com os grupos raciais que
participaram na formação da população de cada região.
(VIVAS, 2006).
A incidência de beta talassemia minor na população
de estudantes de fisioterapia da UNIFAE é de 2,3%. Esta
incidência pode ser explicada pela colonização italiana da
cidade de São João da Boa Vista e das cidades circunvizinhas, e pela colonização de sua região que recebeu
durante sua formação grande contingentes de espanhóis,
italianos, portugueses e outros grupos europeus e asiáticos
que contribuíram geneticamente com mutações causadoras das hemoglobinopatias.
Na população estudada, a incidência de beta talassemia minor é equivalente ao encontrado em São José do
Rio Preto (2,52%) e maior que a incidência em Bragança
Paulista (1,2%). Em comparação a Porto Alegre (7,2%) a
incidência de nosso estudo é menor.
Em São José do Rio Preto a pesquisa ocorreu em 913
amostras de cordão umbilical de recém nascidos do Hospital de Base, 100 amostras foram identificadas tendo
alguma forma de hemoglobinopatia sendo 23 com beta
talassemia. As metodologias usadas foram as mesmas de
nossa pesquisa, como RGO, eletroforese em pH alcalino,
Pensamento Plural: Revista Científica da
, São João da Boa Vista, v.4, n.2, 2010
Incidência de Talassemia Minor em Estudantes Universitários
dosagem de hemoglobinas A2 e Fetal. Outros testes inespecíficos para beta talassemia foram feitos a fim de investigar outras hemoglobinopatias. (DUCATTI, 2001).
Já em Bragança Paulista, a população analisada foi de
estudantes de escolas particulares e públicas, perfazendo
um total de 1150 alunos, destes 14 tinham beta talassemia
menor, sendo essa mais prevalente no grupo de escolas
consideradas de nível superior. A metodologia também foi
a mesma, porém, como esse estudo não foi apenas para
identificação de beta talassemia, testes para confirmação
de HbS e HbC foram realizados. (COMPRI, 1996).
No Hospital das Clínicas em Porto Alegre, as análises
foram realizadas em dois grupos, um com 58 pacientes
que tinham anemia não ferropênica e outro com 253 casos
controles, totalizando 293 amostras. Dos 58 casos 63,8%
tinham anemia hereditária; desses, 19 tinham beta talassemia. Dos casos controles 2 pacientes apresentavam a
mesma forma de hemoglobinopatia. A população estudada tinha acima de 2 anos de vida, de origem racial diversificada, porém em sua maioria eram brancos. Dos 35
casos com anemia não ferrôpenica 61,4% eram brancos
e dos casos controles (253) 80,4% eram caucasóides. As
metodologias usadas para diagnosticar as hemoglobinopatias foram às mesmas, diferenciando apenas de técnicas
de dosagem de ferritina sérica, dosagem de hemoglobinas
S e C e HPLC por serem pesquisadas outros tipos de hemoglobinopatias. (WAGNER et al., 2005).
descritos na literatura na região Sudeste (1,9%), a prevalência é
maior. Já em comparação com a região Sul (9,8%), é menor. (VIVAS, 2006).
Embora a forma homozigota da beta talassemia tenha uma maior
importância devido a seu índice de mortalidade, a investigação
da forma heterozigota da doença tem um caráter preventivo, para
se evitar novos casos de beta talassemia maior ou mesmo dos
duplos heterozigotos como beta talassemia e anemia falciforme.
(BACKES, 2005).
Em muitos países com alta prevalência da beta talassemia foram
instituídos programas de prevenção do aparecimento das mesmas,
ou por aconselhamento genético de casais heterozigotos, ou pelo
diagnóstico pré-natal seguido por aborto. Os resultados foram impressionantes. Os poucos que ocorrem são devidos à falta de informações sobre a doença e como preveni - la. (SALZANO, 2002).
A triagem de hemoglobinopatias representa então, uma análise
importante para prevenção, no entanto, o programa introduzido
pelo Ministério da Saúde em 2001 não caracteriza a talassemia.
(BACKES, 2005).
Portanto, neste estudo fica clara a importância de programas de
diagnóstico e prevenção da beta talassemia em regiões colonizadas por povos da região do mar Mediterrâneo, tanto pela sua
gravidade na forma homozigota quanto pela sua incidência. O
diagnóstico de beta talassemia menor tem caráter imprescindível
para a prevenção da forma mais grave dessa patologia.
Os resultados desse estudo, mesmo com casuística reduzida,
mostram ser coerentes com a literatura, pois, quando comparado
com a região Sudeste, a incidência da doença é maior, já quando
comparado à região Sul, a incidência da beta talassemia é baixa.
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Se comparados os resultados observados neste estudo com os
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Abstract
WILD, B; BAIN, B J. Investigação de Hemoglobinas Anormais e Talassemias. In: LEWIS, S. M; BAIN, B J;
BATES, I. Hematologia Prática de Dacie e Lewis. 9 ed. Porto Alegre: Artmed, 2006, cap.12, p.217 a 243
Hemoglobinopathies are the most common inherited diseases in our country because of the intense miscegenation
of the population. Beta thalassemia is very common in the descendants of civilizations in the Mediterranean Sea
region, it is classified clinically in beta thalassemia major when is homozygous, beta thalassemia intermedia, when
homozygous but with milder manifestation and beta thalassemia minor when heterozygous, in which the patient
in general, presents a mild anemia. This study investigated the incidence of beta thalassemia among UNIFAE
physiotherapy students. Samples with increased osmotic globular resistance were analyzed by electrophoresis on
cellulose acetate at alkaline pH, dosage and Fetal hemoglobin A2. The result was 2.3% beta thalassemia minor
(two positive samples) of all 84 samples. These results were compared with other cities in South and Southeast
region and was considered normal, since the beta thalassemia is the most common hemoglobinopathy in these
regions by the massive contingent of Italian immigration.
Key words
Thalassemia, Hemoglobinopathies, Beta-Thalassemia, Hereditary Anemia
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