Aquisição lexical no desenvolvimento normal e alterado de linguagem
– um estudo experimental
Descritores: Transtornos do desenvolvimento da linguagem; Terapia da linguagem; Vocabulário
Introdução
A aquisição lexical requer o estabelecimento de uma correspondência entre a forma
fonológica de uma palavra e sua representação semântica (conceito). Essa correspondência,
estabelecida inicialmente pelo processo de mapeamento rápido, é fortalecida a partir da
experiência com a nova palavra, num processo de mapeamento lento, caracterizado pelo
acréscimo de informações perceptuais, contextuais, sintáticas e pragmáticas ao conceito
inicialmente estabelecido(1-3).
Alterações no processo de aquisição lexical constituem um marco inicial das Alterações no
Desenvolvimento da Linguagem (AEDL): crianças com AEDL apresentam déficits semânticos
significativos. Elas cometem mais erros lexicais e requerem maior número de exposições e
maior suporte contextual do que crianças normais para adquirir novos itens lexicais(1,4-8).
O objetivo deste estudo foi investigar a aquisição lexical de crianças normais e com AEDL
em três situações que reproduziam contextos freqüentemente usados na intervenção
fonoaudiológica.
Métodos
Esta pesquisa foi aprovada pela Comissão de Ética da instituição de origem sob número
500/03. Os responsáveis por todos os sujeitos assinaram Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido.
Os sujeitos foram 21 crianças com AEDL (GP) e 30 em desenvolvimento normal (GC), todas
com três anos, que foram selecionadas de acordo com critérios específicos (GC: idade,
ausência de queixas e desempenho adequado em triagem fonoaudiológica e em prova de
vocabulário expressivo(9); GP: idade e diagnóstico de AEDL) e randomicamente designadas a
um dos subgrupos: G1-brincadeira simbólica, G2-jogo, G3-livro de história.
O procedimento experimental consistiu em três sessões de interação, durante as quais
cinco novas palavras foram apresentadas em quantidade controlada aos sujeitos de cada
subgrupo, na presença dos respectivos referentes, também desconhecidos. Tanto as novas
palavras (não-palavras baseadas na fonologia apresentada por crianças falantes do Português
Brasileiro da idade estudada, dissílabas, CV e posição variável de sílaba tônica) quanto os
referentes (objetos incorporados a campos semânticos específicos, sem remeter a objetos
familiares) foram criados especialmente para este estudo, e julgados por quatro fonoaudiólogos
quanto à semelhança com palavras e objetos reais.
O desempenho dos sujeitos foi analisado considerando a situação de interação (Etapa I) e
tarefas de nomeação, compreensão (o referente-alvo deveria ser apontado dentre quatro
objetos: o alvo e três distratores) e reconhecimento (a criança deveria decidir, dentre três nãopalavras, qual designava corretamente o referente-alvo; para evitar interferência de memória
operacional, cada palavra era apresentada individualmente) das novas palavras em pós-teste
realizado a cada sessão (Etapa II). Assim, foram criados dois critérios para determinar se as
novas palavras foram adquiridas: na Etapa I, ocorrência de pelo menos duas produções
corretas ao longo das três sessões; na Etapa II, respostas corretas nas tarefas de nomeação e
reconhecimento na terceira sessão. A tarefa de reconhecimento foi excluída dessa análise, pois
muitos sujeitos dos dois grupos tiveram dificuldades em compreendê-la e executa-la.
Para discussão dos dados, a pesquisa foi dividida em três estudos.
O nível de significância adotado foi de 5%.
Resultados e Discussão
Estudo 1
O Estudo 1 analisou o desempenho do GC no procedimento experimental. Para esse grupo,
as características particulares de cada tipo de contexto parecem ter influenciado aspectos da
aquisição lexical, pois o GC3 teve desempenho pior do que os outros subgrupos nas medidas
referentes à Etapa I (p<0,05) e na tarefa de compreensão da Etapa II (p=0,000), refletindo a
influência da presença física dos referentes, da demanda atencional e do nível de maturidade
simbólica necessários para a aquisição.
O GC, de maneira geral, apresentou melhores habilidades de compreensão que de
nomeação (p=0,000), corroborando pesquisas que indicam que as pistas disponíveis em tarefas
receptivas compensam a representação inicial limitada, constituída a partir do mapeamento
rápido das palavras(3,10).
O GC evoluiu ao longo das sessões em relação às variáveis que indicaram aquisição
(produção espontânea na Etapa I; compreensão e nomeação na Etapa II), sugerindo que as
crianças desse grupo foram eficientes em extrair informações contextuais para adquirir as
palavras.
Durante as sessões de interação, houve ocorrência de imitações e produções espontâneas,
e essas variáveis correlacionaram-se entre si (p=0,000). A imitação foi uma estratégia usada
heterogeneamente entre os sujeitos, tanto com função auxiliar na aprendizagem quanto com
função social. O desempenho na tarefa de compreensão foi a única variável que se
correlacionou a todas as outras. A correlação entre compreensão e Produção Espontânea
Correta (PEC) sugere que, pelo menos para o tempo e a quantidade de apresentações dos
novos itens lexicais considerados, essas variáveis tenham sido medidas das possibilidades dos
sujeitos acessarem as novas palavras em contextos facilitadores, mais do que da aprendizagem
dessas palavras.
Estudo 2
O Estudo 2 analisou o desempenho do GP no procedimento experimental, em comparação
com o GC. Para o GP, não foram verificadas diferenças entre os subgrupos de exposição em
todas as variáveis analisadas (p>0,05). Quando comparado ao GC, o GP apresentou pior
desempenho tanto na Etapa I quanto na Etapa II do procedimento experimental, e as crianças
do GC aprenderam significantemente mais palavras do que as do GP (p=0,001). Os sujeitos
com AEDL foram comparativamente inábeis em identificar e utilizar as pistas oferecidas para
adquirir novas palavras, mesmo em contextos ostensivos e na presença de referentes
concretos.
Alguns aspectos citados em várias pesquisas como habilidades difíceis para crianças com
AEDL podem justificar os resultados encontrados: habilidades reduzidas em reconhecer e
assimilar informações contextuais relevantes para o significado, alterações no armazenamento
das informações fonológicas, qualidade ruim das representações lexicais resultantes desses
dois processos, e alterações nos processos envolvidos no acesso lexical(11-13).
Os sujeitos do GP tiveram melhor desempenho na tarefa de compreensão do que na
nomeação (p=0,000), sugerindo que a produção de novas palavras, mais do que a
compreensão, é o maior impedimento para o sucesso de sujeitos com AEDL na aquisição
lexical(14).
Embora tenha apresentado desempenho pior do que o GC, o GP teve perfil evolutivo
semelhante, indicando que essas crianças são igualmente capazes, porém menos eficazes, em
extrair do contexto as informações necessárias para a aquisição lexical. Dessa forma, tanto
para crianças normais quanto para crianças com AEDL, a prática favorece o fortalecimento das
representações, melhorando gradualmente a velocidade e a precisão do acesso e da produção.
Ao longo das sessões de interação, houve ocorrência de imitações e produções
espontâneas também entre os sujeitos do GP, e essas variáveis correlacionaram-se entre si
(p=0,000). A imitação foi uma estratégia usada heterogeneamente por esses sujeitos tanto com
função auxiliar na aprendizagem quanto com função social. Não houve correlação entre as
variáveis da Etapa I e as da Etapa II.
Estudo 3
O Estudo 3 correlacionou as habilidades dos dois grupos em adquirir palavras e o domínio
lexical medido em prova de vocabulário expressivo.
Quando os sujeitos foram agrupados por desempenho na prova de vocabulário, os
resultados dos grupos GC e GP foram discrepantes: para o GC, os sujeitos com vocabulário
acima do esperado para a idade aprenderam significantemente mais palavras do que aqueles
com vocabulário dentro do esperado (pelo critério estabelecido para a Etapa II); para o GP, os
sujeitos, em média, aprenderam poucas palavras, e esse resultado não foi influenciado pelo
domínio lexical demonstrado na prova de vocabulário expressivo.
A análise de correlação, entretanto, mostrou correlação positiva entre essas habilidades nos
dois grupos, e ainda com a quantidade de intervenção fonoaudiológica anterior recebida pelo
GP, o que sugere que o vocabulário existente ajuda a formação de novas representações
lexicais facilitando as comparações e os contrastes de características semânticas e lexicais e
tornando o processo de adicionar palavras mais rápido e eficiente. Assim, a prática em adquirir
palavras influenciou positivamente o desempenho nessa tarefa.
Esses resultados corroboram estudos que sugerem que a avaliação do vocabulário
expressivo e a estimativa das habilidades de aquisição lexical servem propostas diferentes: a
prova de vocabulário é um bom instrumento para a verificação do domínio lexical, e as tarefas
de mapeamento rápido fornecem informações sobre falhas específicas no processo de
aquisição lexical(7).
Conclusão
Foram observadas diferenças na qualidade e na quantidade das produções de crianças com
AEDL e crianças em desenvolvimento normal, entretanto, os processos envolvidos e as
influências das variáveis estudadas foram semelhantes para os dois grupos: em ambos
ocorreram imitações e produções espontâneas (habilidades correlacionadas); em ambos a
compreensão foi melhor do que a produção de novas palavras; e em ambos a prática em
adquirir palavras influenciou positivamente o desempenho nessa tarefa.
Para crianças com AEDL, aprender palavras é uma tarefa difícil, porém os sujeitos
apresentaram potencial para aprendizagem, sugerindo que eles necessitariam de mais tempo e
maiores experiências com as palavras para que elas fossem incorporadas ao seu vocabulário.
Assim, maior suporte contextual, com uso de pistas semânticas e fonológicas, e a ênfase de
poucos itens lexicais em situações orientadas podem ajudar na superação dessa dificuldade
inicial.
A variabilidade de desempenho observada em ambos os grupos sugere que a aquisição
lexical é um processo individual e heterogêneo, que pode ser influenciado por uma série de
combinações de variáveis, envolvendo habilidades cognitivas e sócio-pragmáticas de cada
indivíduo, características do input lingüístico e do ambiente comunicativo, e que as habilidades
de cada criança com AEDL devem ser consideradas individualmente no processo terapêutico
para que este seja o mais efetivo possível.
Referências
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10. Nash M, Donaldson ML. Word learning in children with vocabulary deficits. J Speech Lang Hear Res.
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11. Alt M, Plante E. Factors that influence lexical and semantic fast mapping of young children with
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