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Internacional Journal of Cardiovascular Sciences. 2015;28(1):42-50
ARTIGO ORIGINAL
Envelhecimento e Alterações Cardíacas, Bioquímicas, Moleculares e
Funcionais: Estudo Experimental
Aging and Cardiac, Biochemical, Molecular and Functional Changes: an Experimental Study
Emiliana Barbosa Marques, Rogério Barbosa de Magalhães Barros,
Nazareth de Novaes Rocha, Christianne Bretas Vieira Scaramello
Universidade Federal Fluminense - Instituto Biomédico - Laboratório de Farmacologia Experimental - Niterói, RJ - Brasil
Resumo
Fundamentos: O envelhecimento abrange mudanças físicas e psicológicas que reduzem a capacidade de adaptação do
idoso à sociedade, sendo o maior fator de risco para doenças cardiovasculares.
Objetivo: Investigar alterações do sistema cardiovascular decorrentes do processo de envelhecimento em ratos.
Métodos: Parâmetros murinométricos/nutricionais, ecocardiográficos e hemodinâmicos foram determinados em ratos
machos com um, cinco e 12 meses de idade. A expressão de proteínas importantes na dinâmica do cálcio intracelular e
na sinalização da leptina foram investigadas em homogenato de coração de rato, bem como a atividade das ATPases
cardíacas. Os dados foram apresentados como média±erro-padrão e analisados pelo teste one way ANOVA (*p<0,05
vs. 1 mês e #p<0,05 vs. 5 meses).
Resultados: Enquanto o índice de massa corporal aumentou (0,46±0,01 g/cm2; 0,75±0,01 g/cm2*; 0,78±0,01 g/cm2*), o
coeficiente de eficácia alimentar (0,431±0,013; 0,035±0,003*; 0,003±0,001*#), a velocidade máxima desenvolvida em teste
de esforço (3,36±0,34 km/h; 1,38±0,04 km/h*;1,20±0,13 km/h*) e a frequência cardíaca (410,2±5,9 bpm; 375,9±7,6 bpm*;
376,6±3,3 bpm*) diminuíram com a idade. Foram observadas hipertrofia do ventrículo esquerdo e disfunção diastólica
em paralelo à redução da expressão do receptor para leptina (2,1±0,4; 1,9±0,2; 0,8±0,2*#) e da atividade da bomba de
cálcio da família SERCA (1 981±77 nmol Pi/mg de proteína/h; 2 385±205 nmol Pi/mg de proteína/h; 1148±152 nmol Pi/mg
de proteína/h#) no coração.
Conclusões: O envelhecimento está associado a risco cardiometabólico, sendo a infrarregulação de receptores para
leptina e a redução da atividade da bomba de cálcio no coração provavelmente mecanismos subjacentes à disfunção
diastólica do ventrículo esquerdo e a consequente intolerância ao exercício.
Palavras-chave: Envelhecimento; Disfunção ventricular esquerda; Sinalização do cálcio; Antropometria; Fenômenos
fisiológicos da nutrição
Abstract (Full texts in English - www.onlineijcs.org)
Background: Aging involves physical and psychological changes that reduce the elderly’s ability to adapt themselves to society,
which is the leading risk factor for cardiovascular diseases.
Objective: To investigate changes in the cardiovascular system resulting from the aging process in rats.
Methods: Murinometric/nutritional, echocardiographic and hemodynamic parameters were determined in 1, 5 and 12-month aged
male rats. The expression of proteins that are critical to intracellular calcium dynamics and leptin signaling, as well as cardiac
ATPase activity, was investigated in cardiac homogenates of rats. Data were expressed as mean ± standard error and analyzed by
ANOVA one-way test (* p <0.05 vs. one month and #p <0.05 vs. 5 months).
Results: Whereas the body mass index increased (0.46±0.01 g/cm2; 0.75±0.01 g/cm2*,0.78±0.01 g/cm2*), the food efficiency ratio
(0.431±0.013; 0.035±0.003*; 0.003±0.001*#), maximum speed during maximal exercise stress testing (3.36±0.34 km/h; 1.38±0.04 km/h*;
1.20±0.13 km/h*) and heart rate (410.2±5.9 bpm; 375.9±7.6 bpm*; 376.6±3,3 bpm*) decreased with age. Left ventricular hypertrophy
and diastolic dysfunction along with reduced leptin receptor expression (2.1±0.4; 1.9±0.2; 0.8±0.2*#) and SERCA-type calcium
pump activity (1 981±77 nmol Pi/mg protein/h; 2 385±205 nmol Pi/mg protein/h; 1148±152 nmol Pi/mg protein/h#) were observed
in the hearts.
Conclusions: Aging process is related to cardiometabolic risk, with cardiac leptin receptor downregulation and reduced cardiac SERCA2
calcium pump activity presumably being mechanisms underlying the left ventricular diastolic dysfunction and consequent exercise intolerance.
Keywords: Aging; Left ventricular dysfunction; Calcium signaling; Anthropometry; Nutritional physiological phenomena
Correspondência: Christiane Bretas Vieira Scaramello
Instituto Biomédico - Laboratório de Farmacologia Experimental - Rua Prof. Hernani Pires de Melo, 101 - São Domingos - 24210-130 - Niterói, RJ - Brasil
E-mail: [email protected], [email protected]
DOI: 10.5935/2359-4802.20150007
Artigo recebido em 03/07/2014, aceito em 08/12/2014, revisado em 16/12/2014.
Int J Cardiovasc Sci. 2015;28(1):42-50
Artigo Original
Introdução
Pessoas envelhecem, países envelhecem. Os anos 1970
ficaram marcados pela mudança epidemiológica no perfil
de mortalidade da população brasileira, quando as
doenças infecciosas e parasitárias perderam o primeiro
lugar como causa de mortalidade para as doenças
cardiovasculares. Emergiu-se para o perfil de mortalidade
do então “primeiro mundo”. A partir daí assiste-se ao
incremento indomável das doenças cardiovasculares
atribuído à urbanização, à mudança dos hábitos
alimentares, ao sedentarismo e ao envelhecimento1.
O envelhecimento populacional é um fenômeno mundial.
A redução das taxas de mortalidade e de fertilidade tem
proporcionado aumento quantitativo e proporcional de
idosos na sociedade. O envelhecimento é um processo
contínuo, quando ocorrem mudanças tanto físicas quanto
psicológicas, as quais acarretam perda da capacidade de
adaptação do idoso à sociedade2.
O envelhecimento é o maior fator de risco para doenças
cardiovasculares3. Além disso, medidas antropométricas
representam importante componente nutricional na
prática clínica e em grandes estudos epidemiológicos4.
Muitos estudos relacionam medidas antropométricas
com riscos de doenças cardiovasculares5,6.
As ações de educação em saúde têm por objetivo construir
a autonomia e a responsabilidade dos sujeitos no cuidado
com a sua saúde e de toda a comunidade, por meio da
transformação dos saberes, permitindo o exercício da
cidadania7. A educação em saúde é uma das formas mais
promissoras para a adoção de comportamentos saudáveis
e a modificação de condutas prejudiciais à saúde tanto
para o sujeito como para a família8.
Apesar de numerosos estudos na área de ciências
cardiovasculares abrangerem tanto seres humanos jovens
como idosos, ainda há muitas perguntas não respondidas
sobre a forma como as vias que regulam o envelhecimento
em modelos experimentais influenciam o envelhecimento
do sistema cardiovascular. A literatura carece de estudos
relacionando aspectos bioquímicos e moleculares da
homeostasia do cálcio no coração durante o processo de
envelhecimento diretamente com a função cardíaca e
parâmetros antropométricos/nutricionais, dentro de um
único modelo experimental avaliado nas mesmas idades9.
Zhou e Gal9, em seu artigo de revisão publicado em 2010,
comparam dados obtidos em estudos ecocardiográficos
realizados em camundongos com achados em seres
humanos mediante o processo de envelhecimento, no
Marques et al.
Envelhecimento e Alterações Cardíacas
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qual se observa a preservação da função sistólica com
comprometimento da função diastólica, além de
decréscimo da capacidade ao exercício. Entretanto as
inferências sobre os mecanismos moleculares subjacentes
à disfunção diastólica, envolvendo a via de sinalização
do cálcio no coração, basearam-se em estudos
desenvolvidos em coelhos e ratos mediante diferentes
protocolos experimentais, não necessariamente
relacionados ao processo de envelhecimento.
Lima e Menezes 10 discutem em seu trabalho que a
produção de conhecimento sobre a pessoa idosa longeva
é escassa. Esse achado suscita a necessidade de estimular
os profissionais e pesquisadores a correlacionar os objetos
de seus estudos com a realidade social de envelhecimento
populacional e do notável aumento de
ABREVIATURAS E
idosos longevos na população. O Brasil,
ACRÔNIMOS
mesmo não se destacando com o maior
índice de expectativa de vida, apresenta-se
•CEA – coeficiente de
como o país de maior predomínio de
eficácia alimentar
estudos sobre a população longeva.
•CNA – comprimento
Entretanto, observa-se que há
nasoanal
concentração de trabalhos com enfoque
•IMC – índice de massa
corpórea
basilar na abordagem clínico-curativa,
•SERCA – cálcio ATPase do
sendo pouco expressivos estudos
retículo sarcoplasmático
referentes ao fenômeno da longevidade
e às especificidades dos idosos longevos.
Diante dos resultados alcançados, observa-se a necessidade
de promover maior visibilidade à pessoa idosa longeva
e ao fenômeno da longevidade, considerando as
especificidades que emergem nessa etapa da vida. Nesse
processo, torna-se essencial a formulação e execução de
políticas públicas sociais e de saúde direcionadas a essa
população, bem como o estímulo à produção de
conhecimento sobre essa clientela.
Sendo assim, o objetivo do presente estudo é avaliar as
possíveis alterações bioquímicas, moleculares, estruturais
e funcionais do sistema cardiovascular, bem como o
risco cardiometabólico decorrentes do processo de
envelhecimento. Modelos animais permitem um paralelo
mecanístico com populações humanas, o que põe em
perspectiva o subsídio de ações de educação, prevenção
e tratamento por parte de equipes interdisciplinares para
a promoção do envelhecer com bem-estar.
Métodos
Avaliação do perfil murinométrico e nutricional dos
animais
Como matrizes para obtenção dos animais usados nos
experimentos, foram utilizados ratos Wistar, machos e
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Marques et al.
Envelhecimento e Alterações Cardíacas
fêmeas, fornecidos pelo biotério do Núcleo de Animais
de Laboratório (NAL) da Universidade Federal
Fluminense (UFF). Todos os ratos (matrizes e filhotes)
foram mantidos no biotério do Instituto Biomédico da
UFF e tiveram acesso livre à ração comercial Nuvilar®
(ração padrão do biotério) e à água. Os mesmos foram
mantidos em ciclo claro-escuro de 12 horas e temperatura
entre 21-25°C. Ratos Wistar fêmeas foram colocados em
caixas com machos na proporção de 2:1 e após o
nascimento, a prole foi ajustada para seis filhotes machos
por mãe. Os animais machos foram avaliados com
um (n=11), cinco (n=11) e 12 (n=4) meses de idade.
Parâmetros murinométricos e nutricionais foram
avaliados, a saber11:
(a) Peso corporal - o peso corporal foi monitorado
duas vezes por semana até o final da experimentação,
obedecendo-se sempre o mesmo horário de pesagem
para todos os dias analisados;
(b) Comprimento corporal - a medida do comprimento
nasoanal (CNA) foi realizada após anestesia do
animal com solução de tiopental (100 mg/kg) por via
intraperitoneal, utilizando-se fita métrica;
(c) Consumo alimentar - após o desmame, a ingestão
de ração dos animais foi monitorada duas vezes por
semana até o final do período de experimentação. A
quantidade de ração ingerida é igual à diferença entre
o peso da ração que restou na gaiola e a quantidade
total colocada inicialmente. Esses dados foram usados
para calcular a ingestão diária de acordo com a
fórmula: ingestão de ração (g)/número de dias;
(d) Coeficiente de eficácia alimentar (CEA) - é a
relação entre o ganho de peso em um dado período
e a quantidade de alimento consumido no mesmo,
sendo CEA = (PF – PI) / TA, onde PF é o peso corporal
final (g) do animal durante o período de
acompanhamento; PI o peso corporal (g) do animal
no início do período e TA a quantidade total de
alimento (g) ingerido no período. O coeficiente de
eficácia alimentar foi calculado entre o desmame e o
1º mês de idade (1 mês), entre o 1º e o 5º mês de idade
(5 meses) e entre o 5º e o 12º mês de idade (12 meses);
(e) Índice de massa corporal (IMC) - determinado a
partir da relação entre o peso corporal (g)/CNA (cm2).
Ensaios funcionais
Os animais com um (n=11), cinco (n=11) e 12 (n=4) meses
de idade foram submetidos a teste ergométrico de esforço
máximo12, a estudos ecocardiográficos13 e a plestimografia
de cauda14. Após cinco dias de adaptação, os ratos foram
submetidos a exercício em esteira para alcançarem o nível
de esforço máximo. A velocidade inicial foi 0,3 km.h-1
seguida por incrementos progressivos de 0,3 km.h-1 a cada
3 minutos até a exaustão dos animais.
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Artigo Original
Após no mínimo 72 horas do teste ergométrico de esforço
máximo, os ratos foram anestesiados com cetamina
(50 mg/kg) e xilazina (5 mg/kg) e submetidos a
ecocardiografia, sendo mensurados: fração de ejeção,
razão átrio esquerdo/aorta, massa do ventrículo
esquerdo e o tempo de desaceleração mitral, além da
espessura relativa da parede, espessura da parede do
septo intraventricular, espessura da parede posterior do
ventrículo esquerdo e dimensão interna do ventrículo
esquerdo em diástole.
De acordo com Wonders et al.15, a função cardíaca já se
encontra totalmente recuperada 72 horas após a
realização do teste ergométrico de esforço máximo. Para
a medida da pressão arterial sistólica e da frequência
cardíaca, os ratos foram acondicionados em um tubo
cilíndrico de acrílico com abertura para a cauda. Um
manguito e um sensor, que capta os sinais a serem
registrados no computador, foram ajustados na porção
proximal da cauda, acoplados a um esfigmomanômetro
e um amplificador de sinais (PowerLab 8/30,
ADInstruments, Dunedin, Nova Zelândia). Esse
equipamento foi conectado a um computador para
armazenamento e análise dos dados (LabChart7,
ADInstruments, Dunedin, Nova Zelândia). As medidas
foram realizadas nos animais acordados, sempre pela
manhã, considerando-se apenas os valores obtidos na
ausência de movimentação espontânea da cauda do
animal. O valor final da pressão arterial sistólica
representou a média de seis aferições consecutivas. Antes
da obtenção de tais medidas, os ratos foram adaptados
durante três dias para se acostumarem ao procedimento
a fim de reduzir o estresse que interfere na aferição.
Ensaios bioquímicos e moleculares
Os ratos com um (n=3-6), cinco (n=4-6) e 12 (n=4-6) meses
de idade foram eutanasiados com dose letal de tiopental
(100 mg/kg), administrada por via intraperitoneal, e seus
corações removidos para obtenção de homogenatos16. Os
ratos foram pesados e os seus corações removidos,
dissecados e lavados com a solução I (sacarose 320 mM,
EDTA 1 mM e tampão imidazol-HCl 5 mM, pH 7,2), secos
em papel de filtro e pesados. Na sequência, os órgãos
foram homogeneizados em solução I acrescida de PMSF
(fenilmetilsulfonil fluoreto) 0,1 mM usando ultraturrax,
seguido por filtração em gaze e ultracentrifugação. Foi
utilizada uma preparação bruta, mais apropriada para
quantificação e comparação de entidades moleculares
em tecidos em condições de plasticidade, para uma alta
e reprodutível recuperação de proteínas. A concentração
de proteína das preparações biológicas foi determinada
pelo método de Lowry17.
A atividade das ATPases do tipo P foi avaliada utilizando
homogenato de corações de ratos com um (n=3), cinco (n=4)
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e 12 (n=4) meses de idade pelo método colorimétrico de
Fiske & Subbarow18. No caso da atividade Na+/K+ ATPásica
a preparação foi incubada a 37°C por 2 horas, em meio
contendo NaCl 84 mM, KCl 3 mM, MgCl2 3 mM, ATPNa2
1,2 mM, EGTA 2,5 mM, azida sódica 10 mM e ácido maleico
20 mM, tamponados com Tris pH 7,4, na presença ou na
ausência de ouabaína 1 mM. A atividade específica da
enzima corresponde à diferença entre a atividade ATPásica
total e a atividade medida na presença de ouabaína 1 mM19.
com tris acrescida de Tween 20) 0,1%. Na sequência, as
membranas foram incubadas à temperatura ambiente
com anticorpos primários (anti-ObR, anti-SERCA ou
anti-Na+/K+ ATPase). Após lavagem, as membranas
foram expostas ao anticorpo secundário conjugado à
peroxidase. A imunorreatividade foi detectada por
quimiluminescência através de exposição a Hyperfilm-ECL.
Para a medida da atividade das Ca2+-ATPases, homogenatos
de coração de rato foram incubadas a 37oC por um período
de 1 hora, em um meio composto por HEPES - Tris 50 mM,
pH 7,4; NaN3 10 mM; EGTA 0,3 mM; ATPNa2 5 mM; MgCl2
4 mM; KCl 60 mM; A23187 5 µM; com ou sem 10 µM de
Ca2+ livre, na presença ou na ausência de tapsigargina
3 µM. A atividade Ca2+ ATPásica foi determinada a partir
da atividade medida em presença de Ca2+ (atividade
Ca 2+-Mg 2+ ATPásica) subtraída da atividade básica
determinada na ausência deste íon (atividade Mg2+
ATPásica). A atividade sensível à tapsigargina atribuída à
bomba de Ca2+ do retículo sarcoplasmático (SERCA) foi
obtida por subtração da atividade Ca 2+ ATPásica
medida na presença de tapsigargina a partir da atividade
Ca2+ ATPásica observada na ausência dessa substância20.
Os dados foram apresentados como média±erro-padrão
da média, sendo as diferenças entre as três idades
estudadas analisadas pelo teste one way ANOVA
seguido por teste post-hoc de Bonferroni (p<0,05*#).
A expressão dessas proteínas importantes na dinâmica
do Ca2+ bem como a do receptor para leptina no coração
foram avaliados por western blot 16,21 utilizando
homogenato de corações de ratos com um (n=6),
cinco (n=6) e 12 (n=6) meses de idade. As amostras foram
separadas em géis de poliacrilamida e transferidas para
membrana de nitrocelulose. Após transferência, as
membranas foram incubadas em uma suspensão de leite
em pó desnatado 5% e TBST (solução salina tamponada
Análise estatística
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa
Animal da Universidade Federal Fluminense sob o
nº CEPA/UFF00123-09.
Resultados
O peso dos animais e o consumo de ração aumentaram
significativamente com a idade (Tabela 1). Entretanto,
como o ganho de peso durante o envelhecimento
aumentou mais que o consumo de ração nos períodos
avaliados (dados não mostrados), os ratos apresentaram
menor coeficiente de eficácia alimentar com a idade
(Tabela 1). Adicionalmente, como os animais aumentaram
mais o peso corporal do que o comprimento nasoanal
mediante o envelhecimento, ratos com três meses e
12 meses apresentaram IMC maior do que com um mês
de idade. Embora o IMC tenha sido menor para estes ratos,
a razão entre as circunferências torácica e abdominal não
variou significativamente em função da idade (Tabela 1).
Tabela 1
Parâmetros murinométricos e nutricionais durante o envelhecimento
Idade
Parâmetros
1 mês
n = 11
5 meses
n = 11
12 meses
n=4
Peso corporal (g)
109,0±2,3
386,9±7,7*
502,1±15,7*#
Consumo alimentar (g/dia)
18,6±0,6
25,3±0,2*
35,8±0,1*#
0,431±0,013
0,035±0,003*
0,003±0,001*#
Comprimento nasoanal (cm)
16,0±0,4
23,9±0,2*
25,4±0,2*#
IMC (g/cm2)
0,46±0,01
0,75±0,01*
0,78±0,01*
Razão entre as circunferências torácica e abdominal
1,13±0,01
1,12±0,01
1,12±0,02
Coeficiente de eficácia alimentar
IMC – índice de massa corporal
* p<0,05 vs. 1 mês; # p<0,05 vs. 5 meses
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A Tabela 2 mostra dados do estudo ecocardiográfico.
A fração de ejeção foi superior a 50% em todas as idades
estudadas. Entretanto, a massa do ventrículo esquerdo,
a espessura da parede do septo intraventricular, a
espessura da parede posterior do ventrículo esquerdo
e a dimensão interna do ventrículo esquerdo, todos
medidos em diástole, além do tempo de desaceleração
mitral, aumentaram a partir de cinco meses de
idade. Já a espessura relativa da parede e a razão átrio
esquerdo/aorta aumentaram apenas aos 12 meses de
idade.
No teste ergométrico de esforço máximo, os animais com
um mês de idade (n=11) desenvolveram a velocidade
máxima de 3,36±0,34 km/h, enquanto os animais de cinco
(n=11) e de 12 meses (n=4) desenvolveram uma velocidade
máxima significativamente inferior de 1,38±0,04* km/h e
1,20±0,13* km/h, respectivamente (*p<0,05 vs. 1 mês).
Tabela 2
Parâmetros ecocardiográficos durante o envelhecimento
Idade
Parâmetros
1 mês
n = 11
5 meses
n = 11
12 meses
n=4
Fração de ejeção (%)
93,83±0,87
88,06±1,65*
89,20±2,33
Espessura relativa da parede (cm)
0,70±0,01
0,70±0,05
0,62±0,02*
Massa do ventrículo esquerdo (g)
0,78±0,01
1,44±0,04*
1,78±0,13*#
Espessura do septo intraventricular (cm)
0,133±0,003
0,206±0,005*
0,249±0,011*#
Espessura da parede posterior do ventrículo esquerdo (cm)
0,136±0,003
0,215±0,007*
0,244±0,015*
Dimensão interna do ventrículo esquerdo (cm)
0,390±0,013
0,681±0,020*
0,707±0,027*
Razão átrio esquerdo/aorta
1,02±0,01
1,02±0,02
1,63±0,15*#
Tempo de desaceleração mitral (ms)
61,67±2.21
85,82±3,19*
86,67±1,76*
* p<0,05 vs. 1 mês; # p<0,05 vs. 5 meses
Não foram observadas diferenças significativas nos
valores de pressão arterial sistólica nas diferentes
idades estudadas (Tabela 3). Entretanto, houve uma
redução da frequência cardíaca a partir de cinco meses
de idade.
Em ensaios de western blot realizados com homogenato
cardíaco de ratos das três idades estudadas não foi
evidenciada alteração na expressão das bombas cálcio
ATPase do retículo sarcoplasmático e sódio/potássio
ATPase da membrana plasmática (Figura 1). Entretanto,
houve redução significativa da expressão do receptor
para leptina aos 12 meses de idade.
Embora não tenha havido diferenças quanto à expressão
proteica, observou-se redução na atividade da bomba
de cálcio da família SERCA cardíaca aos 12 meses de
idade (Tabela 4). Assim como observado para a expressão,
a atividade da bomba sódio/potássio ATPase cardíaca
permaneceu inalterada.
Tabela 3
Medidas hemodinâmicas durante o envelhecimento
Idade
Parâmetros
1 mês
n = 11
5 meses
n = 11
12 meses
n=4
Pressão arterial sistólica (mmHg)
118,3±0,3
117,4±0,9
118,6±0,6
Frequência cardíaca (bpm)
410,2±5,9
375,9±7,6*
376,6±3,3*
* p<0,05 vs. 1 mês
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Artigo Original
Marques et al.
Envelhecimento e Alterações Cardíacas
Figura 1
Expressão do receptor para leptina e de proteínas envolvidas com a dinâmica do cálcio intracelular (normalizada pelo
conteúdo de β actina)
* p<0,05 vs. 1 mês; # p<0,05 vs. 5 meses
Tabela 4
Atividade ATPásica de proteínas envolvidas com a dinâmica do cálcio intracelular
Idade
Parâmetros
1 mês
5 meses
12 meses
n=3
n=4
n=4
Cálcio ATPase do retículo sarcoplasmático - SERCA (nmol Pi/mg
de proteína/h)
1 981±77
2 385±205
1 148±152#
Bomba sódio/potássio ATPase (nmol Pi/mg de proteína/h)
2 555±37
1 586±248
2 586±566
# p<0,05 vs. 5 meses
Discussão
A obesidade em ratos pode ser estimada através do IMC.
De acordo com Novelli et al.11, valores de IMC entre
0,45 g/cm2 e 0,68 g/cm2 estão associados a ratos Wistar
adultos machos considerados eutróficos. Desse modo os
dados deste estudo apontam para o desenvolvimento de
obesidade a partir de cinco meses de idade, uma vez que
os valores encontrados foram superiores ao limítrofe para
eutrofia nesta espécie animal. Alterações nesse índice
também estão associadas ao perfil dislipidêmico, estresse
oxidativo e sugerem aumento de risco para doenças
cardiovasculares11,22.
O aumento do coeficiente de eficácia alimentar decorrente
do maior aumento do ganho de peso quando comparado
ao aumento do consumo de ração observado neste estudo
sugere que o gasto energético seja reduzido pelo processo
de envelhecimento. Toste et al.21 mencionam em seu
trabalho que a leptina, proteína produzido pelo gene da
obesidade e principalmente secretada nos adipócitos,
diminui a ingesta de alimento e aumenta o gasto
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Marques et al.
Envelhecimento e Alterações Cardíacas
energético através da sua ligação a receptores hipotalâmicos.
A resistência à leptina, decorrente, por exemplo, de uma
diminuição da expressão de seus receptores hipotalâmicos,
é relacionada à obesidade21 e pode explicar não só o
aumento do coeficiente de eficácia alimentar como o
aumento do IMC observados com a idade.
Estudos ecocardiográficos mostraram que nas três idades
estudadas a fração de ejeção do ventrículo esquerdo
encontrou-se acima de 50%. Estes dados sugerem que a
função sistólica tenha se mantido preservada nestes
animais23. O aumento da massa do ventrículo esquerdo
observado a partir de cinco meses de idade, bem como
o aumento de outros parâmetros ecocardiográficos
obtidos em diástole, como a espessura do septo
interventricular e a espessura da parede posterior, são
sugestivos de hipertrofia ventricular esquerda associada
ao processo de envelhecimento23. Como a espessura
relativa da parede só aumentou aos 12 meses de idade
pode-se sugerir que a hipertrofia excêntrica observada
aos cinco meses tenha evoluído para hipertrofia
concêntrica24. Todos esses achados morfofuncionais
associados ao aumento do diâmetro interno do ventrículo
esquerdo e da razão átrio esquerdo/aorta são indicativos
de disfunção diastólica25 e compatíveis com o descrito
por Zhou e Gal9 em seu artigo de revisão, publicado em
2010. A dilatação ventricular e o prolongamento progressivo
do tempo de desaceleração mitral observados nestes
animais podem refletir uma tentativa de normalização da
pressão de enchimento25. Yamamoto et al.27, em 1993,
mostraram que há relação inversa entre o tempo de
desaceleração mitral e a frequência cardíaca, o que
também foi observado no presente estudo uma vez que
o aumento desse parâmetro ecocardiográfico foi
acompanhado por redução da frequência cardíaca nos
animais a partir de cinco meses de idade. Ferrari et al.28,
em 1991, mostraram que o envelhecimento aumenta a
resposta do receptor muscarínico cardíaco à acetilcolina,
neurotransmissor da atividade parassimpática, o que
pode justificar os achados quanto ao tempo de
desaceleração mitral e a frequência cardíaca.
A capacidade cardiorrespiratória pode ser inferida pelo
teste ergométrico de esforço máximo. A literatura prevê
uma relação linear entre a velocidade máxima
desempenhada pelo animal e o consumo de oxigênio29.
Assim os dados do presente estudo sugerem diminuição
na tolerância ao exercício a partir de cinco meses de idade,
além da disfunção cardíaca inferida pelo estudo
ecocardiográfico.
Evidências recentes sugerem que a leptina também possa
ter impacto sobre a função cardíaca através da estimulação
Int J Cardiovasc Sci. 2015;28(1):42-50
Artigo Original
de seu receptor no coração30. Os dados aqui encontrados
de infrarregulação deste receptor aos 12 meses de idade,
quando a maior parte das alterações morfofuncionais já
se estabeleceu, estão de acordo com os dados da
literatura. A ausência da sinalização da leptina em
camundongos, obtida através da deficiência desse
peptídeo ou de seu receptor, foi associada com hipertrofia
ventricular relacionada à idade como observado no
presente estudo30.
A redução da captação de cálcio pelo retículo
sarcoplasmático está relacionada à lentificação do
relaxament o do músculo cardíaco dura n t e o
envelhecimento 31. Embora no presente estudo não
tenham sido observadas diferenças quanto à expressão
das bombas de cálcio do retículo sarcoplasmático nem
da bomba sódio/potássio ATPase, houve redução
significativa da atividade da bomba de cálcio da família
SERCA. Estes achados, em acordo com Xu e Narayanan31,
sugerem que alterações em propriedades funcionais
intrínsecas da bomba SERCA e/ou da sua regulação
dependente de fosforilação possam contribuir para o
déficit de relaxamento associado à disfunção diastólica
observado no presente trabalho.
A diferença relatada quanto ao tamanho dos grupos
experimentais dentre os ensaios murinométricos,
nutricionais e funcionais deu-se por questões basicamente
logísticas, incluindo a infraestrutura ainda em
desenvolvimento do biotério envolvido e a dificuldade
em manter os animais para observação aos 12 meses de
idade. Para os ensaios bioquímicos e moleculares, o
tamanho dos grupos experimentais foi mais homogêneo
entre si e adequado ao tipo de medida obtida, embora
seja reduzido quando comparado aos ensaios
murinométricos, nutricionais e funcionais. As diferenças
relatadas não comprometem a análise dos dados e a
consequente qualidade das informações obtidas.
Conclusões
O processo de envelhecimento está associado a risco
cardiometabólico. Os dados obtidos sugerem que a
infrarregulação de receptores para leptina e a redução
da atividade da bomba cálcio ATPase da família SERCA
no coração constituam provavelmente alguns dos
mecanismos moleculares e bioquímicos subjacentes à
disfunção diastólica do ventrículo esquerdo e a
consequente intolerância ao exercício observadas com o
passar da idade.
Int J Cardiovasc Sci. 2015;28(1):42-50
Artigo Original
Potencial conflito de interesse
Declaramos não haver conflito de interesses pertinentes.
Fontes de financiamento
O presente estudo foi financiado pela CAPES, CNPq e
PROPPi/UFF.
Marques et al.
Envelhecimento e Alterações Cardíacas
Vinculação acadêmica
Este artigo é parte integrante da Dissertação de Mestrado de
Emiliana Barbosa Marques pelo Programa de Pós-graduação
em Ciências Cardiovasculares da Universidade Federal
Fluminense.
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Envelhecimento e Alterações Cardíacas, Bioquímicas