UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE LETRAS
COORDENAÇÃO DE PÓS GRADUAÇÃO EM LETRAS
DOUTORADO EM LETRAS
VÍDEOS NO ENSINO E APRENDIZADO DE VOCABULÁRIO EM LÍNGUA INGLESA:
uma abordagem léxico-visual
LEILA MARIA TAVEIRA MONTEIRO
.
Niterói, R.J.
2010
LEILA MARIA TAVEIRA MONTEIRO
VÍDEOS NO ENSINO E APRENDIZADO DE VOCABULÁRIO EM LÍNGUA INGLESA:
uma abordagem léxico-visual
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE LETRAS
COORDENAÇÃO DE PÓS GRADUAÇÃO EM LETRAS
DOUTORADO EM LETRAS
Tese apresentada à UNIVERSIDADE
FEDERAL FLUMINENSE, como requisito
parcial à obtenção do Título de Doutor em Letras
(Área: Estudos Linguísticos)
ORIENTADOR: Professor Doutor NELSON MITRANO NETO
Niterói, 2010
1
LEILA MARIA TAVEIRA MONTEIRO
VÍDEOS NO ENSINO E APRENDIZADO DE VOCABULÁRIO EM LÍNGUA INGLESA:
uma abordagem léxico-visual
Tese apresentada à UNIVERSIDADE FEDERAL
FLUMINENSE, como requisito parcial à obtenção do
Título de Doutor em Letras (Área: Estudos Linguísticos)
Aprovada em ________________________________________________________________
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________________________________
Prof. Dr. Nelson Mitrano Neto
Universidade Federal Fluminense
__________________________________________________________________________
Profa. Dra. Kátia Modesto Valério
Universidade Federal Fluminense
__________________________________________________________________________
Profa. Dra. Solange Coelho Vereza
Universidade Federal Fluminense
__________________________________________________________________________
Profa. Dra. Marília dos Santos Lima
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
__________________________________________________________________________
Profa. Dra. Barbara Jane Wilcox Hemais
Pontifícia Universidade Católica RJ
Niterói, 2010
2
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho à minha avó, Maria de Lourdes Villas Taveira, professora e diretora
incansável, que com seu exemplo de dedicação, integridade e amor ao ofício do Magistério
sempre esteve presente, apesar da ausência, ao longo de todo o meu caminho profissional.
“... enquanto ensino, continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei e
me indago. Pesquiso para constatar, constatando intervenho, intervindo educo e me educo.
Pesquiso para conhecer o que não conheço, e para comunicar a novidade.”
(Freire, 1998)
3
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, Prof. Dr. Nelson Mitrano Neto, por sua orientação segura, sua paciência e
interesse, que me guiaram e auxiliaram na produção deste estudo e em meu crescimento
acadêmico ao longo dos anos de mestrado e doutorado.
A professores inesquecíveis que passaram por minha vida acadêmica e que tiveram
participação decisiva em meu Saber e em meu Amor ao estudo. Entre esses, menciono com
especial apreço os Professores Dr. David Shepherd, Dra. Maria Elisa Knust e Dra. Solange
Vereza.
À minha família, de forma especial às minhas filhas, que sempre acreditaram em mim, por seu
amor, apoio e estímulo.
Aos colegas e amigos de profissão com quem tenho compartilhado essa longa caminhada
profissional, em quem encontrei incentivo, parceria e confiança. Em especial, agradeço à
Adriana Mesquita Rigueira, por seu apoio e estímulo constantes e à Marilan Accurso por seu
inestimável auxílio na revisão deste texto, realizada com cuidado e carinho excepcionais.
Aos incontáveis alunos que passaram por minhas salas de aula ao longo dos anos e que foram
aqueles por quem e com quem tenho buscando conhecimento e aperfeiçoamento. Eles são a real
razão de ser do meu empenho e o incentivo constante e renovado de todos os dias.
4
SUMÁRIO
CAPÍTULO1- INTRODUÇÃO............................................................................................... 13
1.1- O TEMA DA PESQUISA E SUA RELEVÂNCIA......................................................... 15
1.2- OS OBJETIVOS E AS QUESTÕES DA PESQUISA .................................................... 21
1.3- A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO ........................................................................... 22
CAPÍTULO 2- ENSINO E APRENDIZADO DE VOCABULÁRIO .................................... 25
2.1- ABORDAGEM HISTÓRICA: UM DEBATE E SUA TRAJETÓRIA...........................
2.2- CRENÇAS E DEBATES NO CAMPO LEXICAL.........................................................
2.3- COMPETÊNCIA COLOCACIONAL: EM BUSCA DE UM CONSENSO ..................
2.4- CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................
26
36
47
60
CAPÍTULO 3- MULTIMODALIDADE: UM CONCEITO E SEUS DESDOBRAMENTOS
................................................................................................................................................. 62
3.1- MULTIMODALIDADE E LETRAMENTO .................................................................. 65
3.2- A TEORIA COGNITIVA DE APRENDIZADO DE MULTIMÍDIA ............................ 70
3.2.1- O Princípio de Multimídia................................................................................. 75
3.2.2- O Princípio da Contiguidade ............................................................................. 76
3.2.2.1- O Princípio da Contiguidade Espacial................................................ 76
3.2.2.2- O Princípio da Contiguidade Temporal.............................................. 76
3.2.3- O Princípio da Coerência ................................................................................. 77
3.2.4- O Princípio da Modalidade .............................................................................. 77
3.2.5- O Princípio da Redundância ............................................................................. 77
3.2.6- O Princípio das Diferenças Individuais ............................................................ 78
3.2.7- Considerações finais.......................................................................................... 79
3.3- CINEMA E CINEMA EM SALA DE AULA ................................................................. 79
3.3.1- Cinema, cultura e realidade .............................................................................. 80
3.3.2- O filme como texto sincrético ........................................................................... 83
3.3.3- O filme como recurso pedagógico..................................................................... 87
3.4- CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................... 91
CAPÍTULO 4 - A SEMIÓTICA DAS IMAGENS ................................................................ 92
4.1- O QUE VEM A SER SEMIÓTICA? .............................................................................. 94
4.2- A GRAMÁTICA DO DESIGN VISUAL........................................................................ 99
4.2.1- Função Representacional................................................................................... 105
4.2.1.1- Representações Narrativas.................................................................. 105
5
4.2.1.2- Representações Conceituais ............................................................... 113
4.2.2- Função Interativa ............................................................................................. 116
4.2.2.1- Olhar ................................................................................................... 117
4.2.2.2- Distância Social .................................................................................. 119
4.2.2.3- Perspectiva.......................................................................................... 120
4.2.3- Função Composicional ...................................................................................... 122
4.2.3.1- Valor de Informação ........................................................................... 123
4.2.3.1.1- Esquerda e direita: Novo e Dado ........................................ 123
4.2.3.1.2- Parte superior e parte inferior: Ideal e Real ....................... 124
4.2.3.1.3- Centro e Margem ................................................................. 124
4.2.3.2- Saliência.............................................................................................. 127
4.2.3.3- Enquadramento ................................................................................... 128
4.3- CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................... 127
CAPÍTULO 5 - ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA..................................... 131
5.1- HIPÓTESES NORTEADORAS DA PESQUISA ........................................................... 131
5.2- A PESQUISA E SUA TIPIFICAÇÃO ............................................................................ 133
5.3- CONTEXTO DA COLETA DE DADOS........................................................................ 137
5.4- SUJEITOS DA PESQUISA ............................................................................................. 137
5.5- INSTRUMENTOS E PROCEDIMENTOS DA PESQUISA .......................................... 141
5.5.1- Os segmentos de vídeo ...................................................................................... 144
5.5.2- O conteúdo lexical............................................................................................. 148
5.5.3- O conteúdo lexical em seu contexto visual ....................................................... 151
5.5.4- As atividades de intervenção e sua aplicação.................................................... 154
5.5.4.1- A avaliação de reconhecimento lexical .............................................. 155
5.5.4.2- O questionário de reflexão pessoal ..................................................... 157
CAPÍTULO 6 - ANÁLISE E DISCUSSÃO DE DADOS E INSTRUMENTOS................... 160
6.1- ANÁLISE E COMPREENSÃO DOS SEGMENTOS DE VÍDEO................................. 160
6.1.1- Segmento 1: “to do laundry” ............................................................................. 161
6.1.2- Segmento 2: “to slam the door” ........................................................................ 165
6.1.3- Segmento 3: “to chop garlic” ............................................................................ 167
6.1.4- Segmento 4: “to hang up the telephone”........................................................... 169
6.1.5- Segmento 5: “to ring the bell”……………………………............................... 170
6.1.6- Segmento 6: “to wear glasses” .......................................................................... 172
6.1.7- Segmento 7: “to hold one’s breath” .................................................................. 173
6.1.8- Segmento 8: “to fall asleep” .............................................................................. 175
6.1.9- Segmento 9: “to sign a paper” ........................................................................... 177
6.1.10- Segmento 10: “to ride a bicycle”..................................................................... 179
6.1.11 Considerações finais ......................................................................................... 179
6
6.2- LEVANTAMENTO E ANÁLISE DOS DADOS DE DESEMPENHO ......................... 181
6.2.1- Dados relativos ao teste de vocabulário: análise e discussão ............................ 181
6.2.2 Análise individual dos dados referentes às colocações testadas......................... 188
6.2.3 Dados relativos ao questionário de reflexão pessoal: análise e discussão.......... 193
CAPÍTULO 7 – CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................... 198
7.1- RESPOSTAS ÀS PERGUNTAS DE PESQUISA .......................................................... 198
7.2- LIMITAÇÕES DO ESTUDO .......................................................................................... 200
7.3- SUGESTÕES ................................................................................................................... 201
7.4- CONTRIBUIÇÕES.......................................................................................................... 203
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 206
APÊNDICES .......................................................................................................................... 239
1- COLOCAÇÕES UTILIZADAS NA INVESTIGAÇÃO E SEU CONTEXTO ................. 239
2- ATIVIDADE DE INTERVENÇÃO LEXICAL ................................................................. 241
3- QUESTIONÁRIO DE REFLEXÃO PESSOAL ................................................................ 242
ANEXOS ............................................................................................................................... 243
1- MODELO DE AVALIAÇÃO DE CONHECIMENTO DE VOCABULÁRIO DE NATION
................................................................................................................................................. 243
2 - CATEGORIAS FRASEOLÓGICAS DE HOWARTH .................................................... 244
3- O CENÁRIO DA PESQUISA: INFORMAÇÕES INSTITUCIONAIS............................. 245
4- QUADRO COMPARATIVO: ABORDAGENS QUANTITATIVA/QUALITATIVA .... 252
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Modelo de avaliação de conhecimento de vocabulário de Nation ......................... 44
Quadro 2: VKS Escala de Elicitação de Paribakht e Wesche ................................................. 45
Quadro 3: Categorias de escore VKS – Significados dos escores........................................... 45
Quadro 4:Categorias Fraseológicas de Howarth ..................................................................... 54
Quadro 5: Contínuo colocacional de Howarth ........................................................................ 54
Quadro 6: Contínuo de colocabilidade de Benson, Benson e Ilson......................................... 56
Quadro 7: Teoria Cognitiva de Aprendizado Multimídia ....................................................... 72
Quadro 8: Comparando as teorias de Braddeley e Paivio ....................................................... 74
Quadro 9: Categorias da Gramática do Design Visual............................................................ 104
Quadro 10: As dimensões do espaço visual ............................................................................ 124
7
Quadro 11: Comparação entre os paradigmas quantitativo e qualitativo................................ 134
Quadro 12: Perfil de proficiência do aprendiz apto a prestar o exame “Flyers”..................... 139
Quadro 13: Instrumentos de pesquisa e análises decorrentes.................................................. 143
Quadro 14: Os segmentos de vídeos e sua duração................................................................. 147
Quadro 15: Comparando categorias de colocações em Howarth e Nesselhauf ...................... 150
Quadro 16: As colocações da intervenção e seu contexto visual .................................................153
Quadro 17: Atividade de intervenção com colocações utilizadas no estudo........................... 156
Quadro 18: Questionário de reflexão pessoal.......................................................................... 159
Quadro 19: Resultado numérico da avaliação lexical comparando-se as respostas assinaladas
nas fases pré e pós-tratamento ................................................................................................. 182
Quadro 20: Conhecimento prévio / não conhecimento prévio dos sujeitos considerando-se os
resultados na fase pós-tratamento............................................................................................ 183
Quadro 21: Resultados de correção e não correção sobre o léxico desconhecido como efeito da
exposição aos vídeos ............................................................................................................... 184
Quadro 22: A página multimodal ............................................................................................ 187
Quadro 23: Resultados da exposição aos vídeos discriminados por item lexical ................... 189
Quadro 24: Correção e não correção de erros via imagem, por item lexical .......................... 190
Quadro 25: Resultados obtidos por meio do questionário de reflexão pessoal ....................... 194
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Jornal do Brasil 1949 ............................................................................................... 91
http://www.jblog.com.br/media/139/20091006-7-10-1949.jpg
Figura 2: Jornal do Brasil 1986 ............................................................................................... 91
http://www.jblog.com.br/media/41/20080416-260486%20-%20CAPA%20BLOG.jpg
Figura 3: Jornal do Brasil 2005 ............................................................................................... 91
http://jbonline.terra.com.br/jb/papel/pagplus/2005/02/10/1002pag.jpg
Figura 4: Processo de Ação não-transacional.......................................................................... 106
http://imagem.vilamulher.com.br/temp/caminhando-melhor-idade-100308.jpg
Figura 5: Processo de Ação transacional ............................................................................... 106
http://www.conservapedia.com/images/thumb/2/2d/Correa_La_Virgen_entregando_al_nino_a_
San_Antonio.jpg
Figura 6: Processo de Ação bidirecional ................................................................................. 107
http://luamizade2.blogs.sapo.pt/arquivo/abraco.jpg
Figura 7: Processo de Evento .................................................................................................. 107
http://st0.mais.uol.com.br/6/7E/1D/361175-large.jpg
Figura 8: Processo Reacional transacional .............................................................................. 108
http://www.beijolivre.blogger.com.br/mae_filho%20beijo.jpg
8
Figura 9: Processo Reacional não transacionaL ...................................................................... 109
http://www.dollmyface.com/wp-content/uploads/2009/02/makeup-myth.jpg
Figura 10:Processo Reacional não-transacional ...................................................................... 110
http://www.ibelieveinadv.com/commons/bign1.jpg
Figura 11: Processos Acional e Reacional ............................................................................. 110
http://www.dallasnews.com/sharedcontent/dws/pt/photos/2008/11/081103_CAMPAIGN_MCC
AIN_4.jpg:
Figura 12: Processo de Conversão .......................................................................................... 111
http://www.diaadia.pr.gov.br/tvpendrive/arquivos/File/imagens/3ciencias/5chuva_acida.jpg
Figura 13: Circunstância Locativa: Cenário ........................................................................... 112
http://images.theage.com.au/2008/10/16/236440/svMCCAIN-420x0.jpg
Figura 14: Circunstância de Acompanhamento ..................................................................... 113
http://3.bp.blogspot.com/_Gjb9U8syTuw/RfsVFF4lQEI/0/i2sEbE7Fgrc/s400/tigres.jpg
Figura 15: Processo de Classificação ...................................................................................... 114
http://www.tudomercado.com.br/tm/aviso/img_avisos/Submarino_21361181.jpg
Figura 16: Processo Analítico ................................................................................................. 114
http://www.nlm.nih.gov/medlineplus/ency/images/ency/fullsize/19916.jpg
Figura 17: Processo Simbólico Atributivo ............................................................................ 115
http://engasgo.files.wordpress.com/2008/04/chef.jpeg
Figura 18: Processo Simbólico Sugestivo ............................................................................... 115
http://www.rachelbaum.com/paintings_abstract_sq/lg_pieces_autumn.jpg
Figura 19: Olhar de Demanda I ............................................................................................... 118
http://i.olhares.com/data/big/46/461196.jpg
Figura 20: Olhar de Demanda II.............................................................................................. 118
http://images.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.notmytribe.com/wpcontent/uploads/2007/12/peta-shirley-manson-fur.jpg
Figura 21: Olhar de Oferta....................................................................................................... 119
http://farm1.static.flickr.com/135/352888097_f12fe48b0e_o.jpg Figura 22: Perspectiva subjetiva de afastamento..................................................................... 121
http://www.internationalist.org/yalestrike130903.jpg
Figura 23: Perspectiva subjetiva de aproximação ................................................................... 122
http://johnseiler.com/images/immigrants.jpg
Figura 24: Esquerda e Direita: Novo e Dado .......................................................................... 123
http://www.portair.co.uk/Images/AQDetails.jpg
Figura 25: Parte superior e parte inferior: Ideal e Real .......................................................... 124
http://images.tdaxp.com/tdaxp_flickr/67343854_b0efbc6444_o.jpg
Figura 26: Centro e Margem ................................................................................................... 125
http://www.baq2008.org/system/files/imce/SIM_graph.jpg
Figura 27: Interpretando as dimensões do espaço visual ....................................................... 127
http://www.anticomunismo.kit.net/coreiadosul.jpg
Figura 28: Saliência ............................................................................................................... 128
http://static.andaluciaimagen.com/Mata-a-bola--a-equipe-de-futebol-espanhol_134641.jpg
9
Figura 29: Enquadramento ..................................................................................................... 129
http://landiosi.blog.terra.com.br/files/2009/07/continencia.jpg
Figura 30: Cena 1 _ to do laundry .......................................................................................... 164
Figura 31: Cena 2 _ to do laundry ........................................................................................... 164
Figura 32: Cena 1 _ to slam the door ..................................................................................... 166
Figura 33: Cena 2 _ to slam the door ..................................................................................... 166
Figura 34: Cena 1 _ to chop garlic ......................................................................................... 168
Figura 35: Cena 2 _ to chop garlic ......................................................................................... 169
Figura 36: Cena 1 _ to hang up the phone............................................................................... 170
Figura 37: cena 1 _ to ring the bell ......................................................................................... 170
Figura 38: Cena 1 _ to wear glasses…………………………………………………………..173
Figura 39: Cena 2 _ to wear glasses…………………………………………………………..173
Figura 40: Cena 1 _ to hold one’s breath................................................................................. 175
Figura 41: Cena 1 _ to fall asleep ............................................................................................ 176
Figura 42: Cena 2 _ to fall asleep ............................................................................................ 176
Figura 43: Cena 1 _ to sign a paper ......................................................................................... 175
Figura 44: Cena 1 _ to ride a bicycle....................................................................................... 178
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1: Resultado numérico da avaliação lexical, comparando-se as respostas assinaladas
nas fases pré e pós-tramento.................................................................................................... 183
Gráfico 2: Conhecimento prévio / Não conhecimento prévio dos sujeitos ............................. 184
Gráfico 3: Resultados de correção e não correção sobre o léxico desconhecido como efeito da
exposição aos vídeos ............................................................................................................... 185
Gráfico 4: Comparação dos resultados obtidos com os 1000 itens lexicais na fase póstratamento ................................................................................................................................ 186
Gráfico 5: As colocações e seus resultados individuais na fase pós-tratamento ..................... 192
Gráfico 6: As colocações: correção e não-correção a partir da imagem ................................. 193
10
RESUMO
O objetivo deste estudo é contribuir para a discussão sobre o ensino e o aprendizado de
vocabulário em sala de aula de inglês como língua estrangeira. Nesse cenário, destacamos a
necessidade de que a construção do significado seja percebida e realizada através de blocos de
linguagem e não em palavras isoladas. A pesquisa se ampara em diversas investigações que
enfocam a aquisição do léxico como aspecto crucial no processo de aquisição de língua
estrangeira. Este trabalho busca conciliar uma abordagem que prioriza a dimensão lexical, com
conceitos relativos à multimodalidade que salientam a crescente importância de um
aprendizado de multimídia, em uma sociedade que se vale, cada vez mais, da imagem. Para
tanto, buscamos o necessário amparo teórico nos pressupostos de Gunther Kress e Theo Van
Leeuwen, assim como no trabalho de Richard Mayer. Os primeiros preconizam a necessidade
de um novo conceito de letramento que abarque as modalidades visuais de leitura, ao passo que
Mayer defende a propriedade da utilização de recursos multimediáticos no ambiente da sala de
aula. Os resultados produzidos pela intervenção de pesquisa sugerem que instrumentos
multimediáticos podem contribuir para o processo de aquisição de vocabulário na sala de aula
de língua estrangeira, assim como, igualmente, abrem caminho para estudos futuros.
Palavras-chave: vocabulário – colocação – multimodalidade – filmes
11
ABSTRACT
The aim of this study is to contribute to the discussion on vocabulary teaching and learning in
the classroom of English as a foreign language, with an emphasis on the need for meaning
construction to be perceived and realized in chunks of language, rather than in isolated words.
The theoretical background of the research is based on studies which focus on lexical
acquisition as a crucial aspect in the process of foreign language acquisition. The approach of
the study combines the lexical dimension and the multimodal perspective. The latter points to
the growing importance of multimedia learning, in a society in which images are more and
more predominant. Regarding the objective of the study, we use concepts from the model of
Kress and Van Leeuwen, as well as the work of Mayer for theoretical support. Kress and Van
Leeuwen call for a new concept of literacy which includes the visual modalities, while Mayer
argues that there is an urgent need for the appropriate use of multimediatic resources in the
classroom environment. The results produced/yielded by the research intervention suggest that
the use of multimedia instruments may contribute to the process of vocabulary acquisition in
the foreign language classroom and open space for further studies in the area.
Key words: vocabulary - collocation – multimodality - films
12
CAPÍTULO 1- INTRODUÇÃO
As representações verbais e visuais têm coevoluído histórica e culturalmente para se
complementarem e suplementarem mutuamente, para serem coordenadas e integradas.
[...]. Na prática humana normal da construção do sentido, elas estão inseparavelmente
integradas na maioria das ocasiões. (Lemke, 2002a, p. 303) 1.
A motivação para esta pesquisa surgiu da constatação de dois processos facilmente
observáveis na sociedade moderna como um todo e, especificamente, na área de aquisição de
língua estrangeira, a que nos referiremos, doravante, como LE.
O primeiro processo a motivar nosso interesse diz respeito ao papel de crescente
destaque desempenhado pela imagem nos meios de comunicação e na vida cotidiana em geral.
Hoje, tende-se a um consenso a respeito de que os recursos visuais, ao interagirem com a língua
falada e escrita, concorrem para a construção de um sentido único e abrangente, através de
diferentes linguagens que se somam e dialogam, a despeito de suas particularidades e, até
mesmo, por causa dessas. No que tange à síntese entre linguagem verbal e visual, Petrie (2003,
p. 139) endossa que “de forma crescente, o significado se elabora pela fusão desses
elementos.”2
Em decorrência dessas transformações, pesquisadores de diferentes áreas do
conhecimento têm cunhado terminologias e sugerido métodos para a investigação do que se
delineia como um novo universo discursivo, moldado por “sistemas simbólicos múltiplos.”, ou
multiple symbol systems, termo proposto por Short e Kauffman (2000, p. 160): “ por sistemas
simbólicos, queremos nos referir a múltiplas formas de conhecimento _ as maneiras por meio
das quais o ser humano compartilha e constrói significado, especificamente através da música,
arte, matemática, teatro e língua.”3
1
“Language and visual representation have co-evolved culturally and historically to complement and supplement
one another, to be co-ordinated and integrated. […]. In normal human meaning-making practice, they are
inseparably integrated on most occasions.” (Lemke 2002a, p. 303)
2
“Increasingly, meaning is made through a fusion of these elements.” Petrie (2003, p. 139)
3
“By sign systems we mean multiple ways of knowing _ the ways in which humans share and make meaning,
specifically through, music, art, mathematics, drama and language.” (Short and Kauffman, 2000, p. 160)
13
O segundo processo que escolhemos privilegiar se refere à renovada atenção que vem
sendo dada a questões relacionadas ao ensino e ao aprendizado de vocabulário, no campo de
aquisição de LE, em uma espécie de reação ao longo domínio de prevalência da gramática.
Questionamentos crescentes sobre a hipótese de que o léxico pode ser adquirido de modo
assistemático, apenas por meio da interação social, vêm direcionando o interesse, cada vez
maior, por uma abordagem sistemática que preencha a lacuna de que se ressentem alunos e
professores no que se refere a tratamento do vocabulário. Vale ressaltar que reconhecemos
haver na literatura opiniões divergentes a respeito de uma sinonímia implícita entre os termos
vocabulário e léxico: para Biderman (2001, p. 88), por exemplo, léxico designa o conjunto
abstrato de unidades lexicais da língua, ao passo que vocabulário se refere ao conjunto das
realizações discursivas dessas mesmas unidades, representadas no dicionário. Barbosa (1995,
p.21), porém, define vocabulário como “[...] uma parte do léxico, que representa uma
determinada área de conhecimento.” Considerando as fronteiras sutis entre diferentes
definições pesquisadas, avaliamos que, para uma conceituação mais acurada, seríamos levados
a ponderações teóricas que fogem ao escopo deste trabalho. Como são vários os exemplos de
estudos e publicações que tomam vocabulário e léxico como sinônimos _ entre esses, Gatollin,
2007, Scaramucci, 1997 e Gatollin e Scaramucci, 2007_, optamos por seguir essa tendência,
utilizando os termos de forma indistinta, para nos referirmos ao repertório de vocábulos de uma
língua.
Ainda quanto à terminologia adotada, esclarecemos que o termo “aquisição” não será
utilizado em oposição a “aprendizado”, conforme distinção estabelecida por Krashen (1981),
mas, ao contrário, serão empregados indistintamente. Entre outros, seguimos Ellis, R. (1997),
Zilles (2007) e Hulstijn e Laufer (2001) que utilizam as terminologias para se referir ao
processo de internalização de conhecimento de língua-alvo, que não L1. Quanto aos conceitos
que definem “língua estrangeira”, seguimos a distinção feita por Gass e Selinker (2009, p. 5),
para quem o estudo de “segunda língua” (L2) se dá no país onde essa é a língua materna dos
falantes locais, ao passo que a terminologia LE conceitua a língua-alvo ensinada, em contexto
instrucional, em país de língua materna distinta, cenário da presente investigação.
Havendo esclarecido essas questões, relativas à nomenclatura aqui utilizada, passamos a
expor o tema desta pesquisa, justificando sua relevância à luz de trabalhos teóricos e empíricos
sobre o assunto.
14
1.1- O TEMA DA PESQUISA E SUA RELEVÂNCIA
A complexidade do fenômeno da língua/linguagem, _ termos que utilizaremos
indistintamente, como partes inseparáveis de um mesmo processo comunicativo _ aprofunda-se
com o passar do tempo, pois, como ocorre com todo sistema aberto, novos componentes se
agregam, fazendo com que um contínuo processo de auto-organização promova incessante
renovação e expansão (Paiva, 2005).
Esse natural processo de transformação tem se intensificado nas últimas décadas,
quando mudanças socioeconômicas e culturais conferiram um peso nunca visto à informação e
ao conhecimento, com profundas consequências para a sociedade como um todo. Um poderoso
elemento que tem concorrido de modo decisivo para essas alterações é a tecnologia.
Expressivos e rápidos avanços tecnológicos têm possibilitado o surgimento de novos meios de
comunicação, como a televisão, o telefone celular e, em especial, o modo digital.
Curiosamente, ao mesmo tempo em que é afetada pelas novidades da tecnologia, a língua é
propulsora de novos gêneros que são criados, ou transformados e se divulgam através desses
mesmos meios, em um contínuo processo de troca e interação (Paiva, ibid.).
Um dos aspectos mais visíveis dessas mudanças é o deslocamento do papel central
exercido, durante longo tempo, pela linguagem verbal escrita em direção a uma crescente
importância assumida pela linguagem visual, um dos elementos sobre o qual nos debruçamos.
Entretanto, apesar do consenso de estudiosos e pesquisadores de que textos verbais e nãoverbais dialogam para a construção do significado, muito há que se analisar, para que essas
mudanças sejam compreendidas em sua real amplitude e possam levar a ganhos para o
ambiente pedagógico que, em essência, configura-se como o foco de interesse deste trabalho.
Royce (2002) observa que a primazia da linguagem escrita e falada (a primeira,
tradicionalmente, mais valorizada que a segunda) reduziu, durante muito tempo, a importância
de recursos visuais na transmissão e na aquisição de informação e conhecimento. Entretanto, a
percepção e a leitura do mundo _ primordialmente visual _ que nos cerca e com o qual
interagimos é parte integrante do processo de formação do indivíduo como agente social.
Dessa maneira, aprender a ler esse contexto, além dos limites das palavras em suas
formas verbal e escrita, torna-se uma necessidade a ser considerada por educadores e
pesquisadores. Já em 1954, Arnheim avaliava que percepção sensorial e atividade mental são
dimensões inseparáveis do processo cognitivo, e ambas devem receber a mesma atenção na
busca pelo entendimento do fenômeno comunicativo. Para o pesquisador, “nossos olhos foram
reduzidos a instrumentos para verificar e para medir: daí sofremos de uma carência de ideias
15
exprimíveis em imagens e de uma capacidade de descobrir significado no que vemos.” (ibid.,
2004, p. 5).4
Na avaliação de Stein (2004, 2000), a limitação acarretada pelo domínio da língua
escrita e falada se tornou uma restrição sociocultural, pois sacrificou outras formas de
representação que foram relegadas a segundo plano. Em consequência, a autora considera que
em uma sociedade essencialmente estruturada com base na linguagem verbal, tornou-se difícil
exprimir, fiel e claramente, percepções captadas por nossos sentidos, como sons, gostos,
movimentos, cheiros e, até mesmo, sentimentos. Em decorrência, a pesquisadora defende a
exploração e o fortalecimento de representações não verbais no ambiente pedagógico.
A importância dos nossos sentidos na construção do significado é, igualmente,
destacada por Kress (2010, 2009, 2005, 2000), para quem interagimos com o mundo através da
combinação de uma série de estímulos _ paladar, audição, olfato, visão e tato _, os quais
operam de modo particular, mas integrado e conectado, permitindo que funcionemos em um
ambiente semiótico. O pesquisador destaca que o processo de crescente influência de recursos
visuais é responsável por uma verdadeira revolução social, com reflexos nas mais diferentes
áreas. Kress (2000) avalia que essa nova dimensão do fenômeno comunicativo conjuga
linguagem escrita, falada e visual. Nesse processo, não só todas mas cada uma atua como
veículo de expressão cultural da sociedade que as produz, cada meio funcionando segundo suas
próprias possibilidades e limitações, interagindo e criando significado em sua unicidade. A
pressagiada complexidade desse fenômeno se evidencia na avaliação de Kress e Van Leeuwen
(2001, p.337):
Tornou-se impossível fazer sentido de textos escritos, mesmo apenas de suas partes
linguísticas, sem se ter uma ideia clara de como outros elementos, como áudio e
imagem, podem contribuir para a construção desse significado.
(Kress e Van Leeuwen, 2001, p.337) 5
Esse julgamento é compartilhado por Unsworth (2001), para quem a conceituação de
competência comunicativa, proposta por Canale e Swain (1980), precisa ser revista e ampliada,
visando à inclusão de múltiplas competências. Nesse sentido, acreditamos que, para atender às
necessidades da sala de aula contemporânea, faz-se necessário incorporar ao ambiente
4
Cf: ARNHEIM. Rudolf. Arte e Percepção Visual: Uma Psicologia da Visão Criadora. São Paulo: Thomson
Pioneira. Tradução FARIA, Ivonne. 2004. 530 p.
Lançado em 1954 e constantemente revisado, o livro de Rudolf Arnheim se mantém ao longo dos anos como
bibliografia básica em cursos de artes, design e comunicação visual.
5
“It has become impossible to make sense of written texts, even of their linguistic parts alone, without having a
clear idea of how other features, like audio and image, can contribute to the construction of this meaning.”
(Kress e Van Leeuwen, (2001, p. 337)
16
pedagógico o conceito de “competência comunicativa multimodal” como em Royce (op.cit.).
Para o autor, a noção designa a habilidade de compreender textos cujo significado deriva da
conjunção das linguagens visual e verbal, assim como a aptidão de nos comunicarmos através
desses textos compostos, ou seja, multimodais. O conceito proposto se alicerça na premissa de
que a decodificação do significado se encontra atrelada ao potencial de sentido das diferentes
modalidades que coparticipam do processo comunicativo, interagindo e se complementando.
Nesse cenário, cabe buscar a construção do indivíduo, não apenas através de um
processo de letramento, mas, sim, segundo um conceito de multiletramento. Se o termo
letramento é reconhecido como o domínio das habilidades de leitura e escrita, visando à
inserção e à interação no tecido social, a nova concepção deixa de se referir, exclusivamente, à
referida capacitação para incluir a competência em outros modos de comunicação. Segundo
esses novos parâmetros, uma pessoa multiletrada é capaz de operar em ambientes onde
variadas modalidades coocorrem e atribuem significado a mensagens veiculadas pelas mais
diversas formas de linguagem. A coexistência de diferentes dimensões, especialmente a visual
e a verbal, cria um espaço textual único a ser processado pelo receptor que, na impossibilidade
de dissociar os dois elementos, desenvolve diferentes estratégias para a construção do
significado, potencializando a força de ambos, por meio de um processo de interação recíproco
(Cope e Kalantzis, 2001).6
Essa nova postura pode suscitar protestos por parte daqueles que receiam uma ameaça à
posição da língua escrita. Acreditamos, entretanto, que esse receio não se justifique. Seguimos
o pensamento de Barthes (1994), quando o autor defende que as linguagens escrita e visual não
devem ser vistas como excludentes, ou opostas uma a outra. São, de fato, complementares,
passíveis de ser conjugadas, somadas e potencializadas em seu uso e significado, pois a
conjunção de imagem e texto amplia o significado de um e outro respectivamente. Na visão do
autor, levado à sala de aula, esse processo de combinalidade sustenta e facilita o aprendizado,
além de reduzir o descompasso entre a crescente importância da linguagem visual e o relativo
declínio da linguagem verbal, minimizando as possíveis implicações dessa defasagem no
ambiente pedagógico.
Levando-se em conta essas considerações e o fato de que esta investigação surgiu do
interesse em contribuir com reflexões e sugestões para o ambiente instrucional de LE, cabe
indagar quem é o aprendiz que chega, hoje, a essa sala da aula: em nossa percepção, o aluno
6
O termo “multiletramento” foi cunhado em um encontro de pesquisadores da linguagem, de diversas
nacionalidades (The New London Group), promovido por Cope e Kalantis, em 1994, na Inglaterra. O evento
teve como objetivo a elaboração de um projeto pedagógico que estivesse à altura dos desafios do mundo
moderno. O conceito pretendeu incorporar a noção de multiplicidade cultural e linguística à crescente
importância das novas tecnologias de comunicação. (Cope e Kalantzis, 2001, p. 10-1)
17
com que convivemos traz consigo uma nova visão da realidade e do que seja aprender uma
língua. Os apelos e estímulos sonoros e visuais a que está diariamente exposto não podem ser
ignorados em sua capacidade de sedução, já que o uso da televisão e do computador, por
exemplo, pode tornar as práticas educacionais regulares pouco atraentes e nada estimulantes. À
luz desse enfoque, acreditamos que o uso de instrumentos multimodais, ou seja, recursos
pedagógicos que conjugam diferentes modos de linguagem _ tais como filmes, ilustrações,
gráficos, slides, peças teatrais e outros _ devem ocupar um espaço relevante no processo de
aquisição.
Despontam dessa avaliação dois fatores que servem de inspiração a esta pesquisa: o
primeiro se refere ao aprendiz e o segundo ao professor de LE. No que toca ao aprendiz, nossa
investigação sinaliza a necessidade de que o ambiente pedagógico esteja preparado para a
formação de indivíduos aptos a compreender os diferentes modos semióticos de linguagem, que
se conjugam e interagem para a formação de textos multimodais. Em consequência, é preciso
que esse educando esteja exposto a instrumentos que o treinem para tal, ou seja, o espaço da
sala de aula deve comportar uma multiplicidade de linguagens, que favoreçam o
desenvolvimento desse multiletramento, como proposto por Cope e Kalantzis (op.cit.).
Essa demanda tem se refletido de modo claro nas práticas pedagógicas: os materiais
didáticos reservam um crescente espaço a fotos, gravuras, gráficos e desenhos, assim como os
professores recorrem, cada vez mais, a aditivos que vão de simples ilustrações ao uso da
Internet, de acordo com a infraestrutura disponível. O aluno, por sua vez, espera, e, em certos
contextos, até exige, que o professor lance mão de filmes, vídeos musicais, programas de
televisão, apresentação de slides e computador, instrumentos fortemente alicerçados no apelo
visual.
Em efeito, advogamos que, no tocante à aquisição de LE, o conceito de letramento deve
se dar em conformidade com a noção de competência comunicativa multimodal, como em
Royce (op.cit.), passando a abarcar a linguagem dos meios visuais, tornando necessário, desse
modo, que esse educando seja capaz de lidar com instrumentos de comunicação multimodais.
Dentre esses, para efetivação deste estudo, nossa escolha recai sobre filmes estrangeiros
em língua inglesa, por serem de fácil acesso e apresentarem um grande apelo afetivo e
cognitivo para o aprendiz que, de modo geral, os utiliza como fonte de lazer e referência
cultural.
Além de o texto fílmico combinar, de forma particularmente poderosa, o uso de
diferentes linguagens, nossa opção visa a contemplar o fator emocional, aspecto intimamente
vinculado à aquisição de LE, e tema de diversas investigações na literatura (Arnold, 1999;
Brown, H. 1973; Scovel, 1978). Para Kress (2005), o processo de interação entre imagens e
18
espectadores é de especial relevância, pois o apelo visual, acredita, pode estimular esse
envolvimento de forma positiva. Para o autor, o conhecimento objetivo está baseado em um
envolvimento afetivo com o objeto de estudo, relação que pode acarretar efeitos positivos sobre
o resultado de procedimentos pedagógicos.
Somando-se ao componente afetivo, mais recentemente, parece haver um razoável
consenso sobre o fato de que os recursos de multimídia presentes em um filme oferecem uma
reapresentação dos insumos linguísticos em seus aspectos lexicais, gramaticais e pragmáticos,
resultando em uma fonte privilegiada de aprendizado, por sua múltipla funcionalidade. Para
Canning-Wilson (2000), ao mesmo tempo em que reproduzem a língua-alvo nos planos
auditivo e visual (no caso de legendas intralinguísticas: closed-captions), filmes autênticos são
um instrumento valioso para a divulgação de tradições, valores, costumes e música de um
grupo social, permitindo ganhos, tanto no plano linguístico, quanto no tocante ao saber cultural.
Diversas pesquisas (Canning-Wilson, ibid.; 2001; Cunha, 2007; Danan, 2004) reconhecem que
aspectos da língua-alvo, como pronúncia, entonação e ritmo podem ser enfocados, de modo
muito mais eficaz e atraente, através de vídeos, termo que usaremos, indistintamente, em
substituição a “filmes”.
Dessa forma, na esteira das constatações aqui relacionadas, surge o segundo elemento
inspirador deste estudo: a necessidade de que o professor de línguas igualmente se prepare para
lidar com a crescente utilização de instrumentos pedagógicos alicerçados na conjunção de
múltiplas linguagens. É nossa proposta que esse preparo seja fruto de um olhar esclarecido por
meio de leituras, entre essas aquelas que serão amplamente sugeridas ao longo deste trabalho.
Para Royce (op.cit., p.192), “Professores de inglês para falantes de outras línguas precisam
estar aptos a discorrer e a pensar seriamente sobre comunicação de uma perspectiva
multimodal, porque precisam ajudar os aprendizes a desenvolver competência comunicativa
multimodal.”7 Assim sendo, é nossa proposta encaminhar esta pesquisa de maneira a contribuir
com subsídios que possam auxiliar a formação desse profissional, apto a encarar os desafios
impostos pelo conceito de multiletramente aqui sugerido.
No que concerne ao tema da multimodalidade, os pressupostos teóricos mencionados
dão amparo ao particular interesse desta autora pelo potencial de utilização, que acredita
subexplorado, de recursos multimodais, para a sala de aula de LE. Somando-se a esses fatores,
sua experiência pessoal com aulas práticas e confecção de apostilas e atividades, voltadas,
especificamente, para o aprendizado de vocabulário, concorre para a escolha do segundo foco
teórico deste trabalho: aquisição do léxico.
7
“TESOL professionals need to be able to talk and think seriously about multimodal communication because they
need to help learners develop multimodal communicative competence.” (Royce, 2000, p. 192)
19
Os complexos fatores envolvidos no ensino e no aprendizado de vocabulário em LE
têm sido objeto de pesquisa por parte de um crescente número de autores, destacadamente após
as décadas de 60 a 80, período em que se privilegiou o aspecto gramatical. Contudo, apesar do
interesse cada vez maior pelo tema, vozes como McCarthy (2005, 2001, 1990) avaliam que o
tratamento do léxico ainda se encontra, em grande parte, subordinado ao ensino de estruturas e
funções. Outro aspecto que pode sugerir a insuficiente abrangência de estudos na área lexical
foi percebido ao longo das leituras realizadas para este trabalho, quando se verificou uma
sensível limitação no escopo das investigações, já que a esmagadora maioria se encontra
vinculada direta, e quase unicamente, à prática da leitura de textos escritos.
Para Bahns (1993), a despeito da crescente atenção que vem sendo dedicada ao tema,
sofre-se com a ausência de uma estratégia sistematizada, que esteja ancorada em resultados
empíricos, tanto na área da linguística, como no campo da psicologia do aprendizado. O autor
destaca que ainda não há dados suficientes, que possam oferecer uma base sólida para a adoção
de processos instrucionais, especialmente no que diz respeito ao aprendizado de colocações
(collocations) e avalia:
Essa reorientação geral de gramática para vocabulário é, definitivamente, um passo na
direção correta. Há, entretanto, um aspecto particular do vocabulário que merece mais
atenção do que tem recebido até agora, e esse é o problema da combinação de
palavras. (Bahns, ibid, p.56) 8
O fenômeno da combinalidade entre palavras, preocupação do autor citado, é uma
dimensão do vocabulário que tem se revelado de crucial importância na área de aquisição de
LE. Por sua atualidade, o tema se impõe como desdobramento do aspecto lexical que, como
dito, alia-se à questão da multimodalidade, para compor o quadro de interesse teórico desta
pesquisa.
À vista do aqui exposto, acreditamos que este trabalho se justifica pela pertinência de
uma investigação que concilia a necessidade de estudos que ampliem insumos empíricos e
conhecimento sobre aquisição de vocabulário em LE, com a percepção de uma sociedade que
recorre, cada vez mais, à linguagem visual. Defendemos que o destacado papel assumido pela
imagem, nas mais variadas formas de expressão cultural, torna imperativo que o professor
reveja sua metodologia, à luz do conceito de multiletramento conforme aqui conceituado, e
8
“This general reorientation from grammar to vocabulary is definitely a step in the right direction. There is,
however, one particular aspect of vocabulary learning which deserves more attention than it has received up to
now, and this is the problem of word combinability.” (Bahns, 1993, p. 56)
20
esteja preparado para fazer face aos desdobramentos dessa exigência. O assunto é de igual
interesse para aqueles que se dedicam à criação de materiais: decisões sobre a conveniência do
uso de recursos multimodais, quando e como melhor fazê-lo, demandam um conhecimento
teórico mais embasado, para o que acreditamos poder contribuir por meio dos tópicos que
enfocaremos ao longo deste estudo.
Confiamos, por conseguinte, haver justificado a relevância desta pesquisa por abarcar
temas de inegável atualidade para aqueles que se debruçam sobre o desafiador cenário de
ensino e aprendizado de língua estrangeira no contexto da sociedade moderna. Passamos a
explicitar os objetivos e as questões desta investigação.
1.2- OS OBJETIVOS E AS QUESTÕES DA PESQUISA
É nosso desejo contribuir para a ampliação do escopo de estudos sobre as questões da
multimodalidade, aplicando-os à especificidade da sala de aula de LE, assim como, do mesmo
modo, investigar o processo de ensino e aprendizado do léxico. Em consequência, é nossa
intenção destacar subsídios que possam contribuir de forma empírica, para a apreciação de
profissionais da área, no que concerne ao uso de recursos multimodais, no contexto de ensino e
aprendizado de vocabulário.
Este trabalho se apoia, não apenas nas crenças desta pesquisadora e em suas
preferências pessoais, mas, igualmente, em estudos que têm assinalado três aspectos que se
sobressaem à nossa atenção:
i) a necessidade de um olhar mais aprofundado sobre a multiplicidade de linguagens,
típica da sociedade moderna, e seu reflexo no processo instrucional;
ii) a pertinência de estudos empíricos que forneçam orientação segura ao ensino e ao
aprendizado do vocabulário em LE;
iii) a propriedade de um enfoque em “pedaços” de língua (chunks), valorizando-se o
modo como as palavras se combinam no processo de construção do significado.
Partimos do reconhecimento de que os sistemas semióticos das linguagens escrita,
falada e visual funcionam a partir de recursos distintos: enquanto a imagem se baseia na lógica
da disposição espacial, a língua escrita e, particularmente, a fala operam de modo temporal e
sequencial. Entretanto, a despeito dessas especificidades, alinhamo-nos a Dionísio (2005),
quando a autora argumenta que imagem e palavra têm, cada vez mais, uma relação próxima e
integrada, de tal modo que as duas dimensões não devem ser percebidas em separado, mas em
sua unicidade. Por esse motivo, julgamos que a soma dos diferentes sistemas pode resultar em
21
um recurso instrucional, especialmente enriquecido e valioso, particularmente se considerarmos
que, de forma cada vez mais acelerada, os avanços tecnológicos têm contribuído para a
tradução de mensagem escrita em informação visual. Nesse contexto, traçamos como nossos
objetivos:
i) pesquisar os significados veiculados pelo texto visual e a possível interrelação entre os
sistemas semióticos visual e verbal, que coocorrem para a realização de um texto
multimodal coeso e coerente;
ii) investigar a utilização de filmes de vídeo, como recurso pedagógico e realçar dados que
forneçam subsídios sobre a propriedade de seu uso como instrumento de
ensino/aprendizagem, no que se refere, particularmente, a aprendizado de vocabulário;
iii) levantar dados sobre a percepção do aprendiz a respeito da utilização de filmes como
recurso instrucional e seus próprios processos cognitivos.
A partir do acima exposto, esta pesquisa será norteada pelas seguintes perguntas:
1) De acordo com a Gramática do Design Visual, de Kress e Van Leeuwen (2006)9, que
elementos o filme, na qualidade de instrumento multimodal, oferece para seu
aproveitamento pedagógico na sala de aula de inglês como LE?
2) Em que medida e de que forma a coocorrência de imagens e língua falada, presente em
filmes, pode favorecer o ensino e o aprendizado do léxico em língua estrangeira?
3) O aprendiz percebe o uso de filmes em sala de aula, como recurso pedagógico, ou este se
destaca à sua atenção pelo seu valor de entretenimento?
Desse modo, acreditamos conciliar três temas de caráter atual, cujo interesse se ampara
em estudos recentes: multimodalidade, ensino e aprendizado de vocabulário e o papel das
colocações no contexto de aquisição lexical. No próximo segmento, discorremos sobre como
esse trabalho se encontra organizado.
1.3- A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO
A construção das reflexões teóricas que oferecem suporte a este estudo e à análise do
material coletado confere a este trabalho uma leitura que se estrutura em sete segmentos, assim
distribuídos:
9
O termo original que designa o construto teórico elaborado por Kress e Van Leeuwen (2006) _The Grammar of
Visual Design _ é aqui traduzido por “Gramática do Design Visual”, por acreditarmos que a palavra “design” não
encontra no português uma tradução exata para o significado que, em inglês, envolve a ideia de concepção,
elaboração e criação, dimensões que extrapolam a noção expressa por “desenho” em língua portuguesa.
22
O primeiro capítulo se desdobra na apresentação dos seguintes tópicos: a justificativa, o
tema, os objetivos e as questões da pesquisa.
O segundo, terceiro e quarto capítulos têm por objetivo discutir questões abordadas na
literatura de Linguística Aplicada, consideradas pertinentes e relevantes, como apoio e
norteamento teórico para nossa investigação. No segundo capítulo, discorremos sobre
fatores relativos ao ensino e aprendizado do vocabulário, assim organizados:
i) abordagem histórica sobre o ensino e o aprendizado de vocabulário no contexto de
diferentes visões teóricas e tratamentos para o ensino e aquisição de LE;
ii) análise de crenças e pressupostos envolvidos no ensino e aprendizado de vocabulário
em aquisição de LE;
iii) a questão da colocabilidade de palavras, o conceito de competência colocacional e o
ensino e aprendizado de colocações em língua inglesa;
iv) considerações finais sobre o tema.
Na sequência, o terceiro capítulo trata de multimodalidade. Enfocamos:
i) a evolução do conceito de multimodalidade e o surgimento do conceito de
multiletramento, em um cenário de instrumentos instrucionais multimediáticos;
ii) a Teoria Cognitiva de Aprendizado de Multimídia desenvolvida por Richard Mayer e
seu grupo de pesquisadores;
iii) o tema cinema, realidade e a utilização de filmes para instrução de LE;
iv) considerações finais.
Concluindo a investigação dos insumos teóricos, o quarto capítulo trata da semiótica
das imagens, abrangendo:
i) o conceito de Semiótica;
ii) a Gramática do Design Visual como concebida por Gunther Kress e Theo Van
Leeuwen (2006);
iii) as reflexões finais sobre o tema.
O quinto capítulo explicita a metodologia que orienta este trabalho. São enfocados os
seguintes aspectos:
i) as hipóteses norteadoras desta investigação;
ii) a definição do tipo de pesquisa em que o estudo se insere, segundo os métodos
adotados e seus objetivos;
iii) o delineamento do cenário da investigação e seus sujeitos;
iv) os instrumentos e procedimentos utilizados e sua aplicação.
23
À luz dos arcabouços teóricos que nos orientam, o sexto capítulo analisa as imagens de
vídeo utilizadas em nossa intervenção, assim como os dados gerados pelo tratamento de
pesquisa. O sétimo capítulo discorre sobre nossas conclusões e considerações finais.
Concluímos com as referências bibliográficas, apêndices e anexos referentes ao estudo.
Vale destacar que todas as Figuras utilizadas como exemplificação no Capítulo 4 foram
selecionadas a critério desta pesquisadora e, assim como as traduções das citações originais
inseridas no corpo do trabalho, são de nossa inteira responsabilidade.
24
CAPÍTULO 2- ENSINO E APRENDIZADO DE VOCABULÁRIO
Lutar com palavras é a luta mais vã.
Entanto lutamos mal rompe a manhã.
São muitas, eu pouco.
Palavras, palavras, (digo exasperado)
Se me desafias, aceito o combate. (Drummond, 1983) 10
Um elemento decisivo para a construção da linguagem como fenômeno sóciossemiótico
é o aprendizado e a internalização de palavras novas. Não podemos, entretanto, iniciar essa
discussão sem tecer, mesmo que brevemente, algumas considerações terminológicas. As
questões relativas ao conceito e ao estatuto do termo palavra não se restringem à dimensão
teórica, mas são, essencialmente, um problema pertinente ao campo da análise. O assunto tem
despertado debates apaixonados, sem que se chegue a uma definição que possa ser aplicada em
contextos diversos a diferentes línguas. Como consequência dessa falta de consenso, a literatura
oferece uma grande variedade de definições, assim como variados critérios de delimitação.
Vale acrescentar que optamos pelo uso dos termos palavra/vocábulo, indistintamente, dado o
reconhecimento imediato e a identificação da sinonímia implícita nos mesmos pelos falantes
nativos do português.11
Muito além dos limites das questões teóricas, a complexidade envolvida no ensino e
aprendizagem de uma língua, materna ou não, sofre a influência de diferentes fatores. O
fenômeno abrange aspectos biocognitivos, sócio-históricos e político-culturais que interagem,
continuadamente, em um processo dinâmico e inacabado, com o objetivo de permitir ao
indivíduo exercer sua subjetividade no contexto social. (Paiva, 2005).
Nessa conjuntura, a dimensão lexical talvez seja a que se apresenta mais escorregadia e
incerta. Para melhor avaliarmos a extensão e a complexidade do desafio que enfrentam
10
ANDRADE, Carlos Drummond de. Antologia Poética. 17ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1983. Pp.72-175.
Cf. BASÍLIO, Margarida. Teoria Lexical. 6ª ed. São Paulo: Ed. Ática. 1999.
Volume temático para uma discussão abrangente sobre a definição de palavra e a delimitação de unidades lexicais.
11
25
professores e aprendizes de LE, basta considerar as dificuldades envolvidas no contexto de
aquisição de L1: mesmo no âmbito de língua-mãe, o uso efetivo de um vocabulário amplo e
variado, pragmaticamente adequado ao intrincado cenário das relações sociais, é um objetivo
ambicioso e desafiador, a dificuldade é, portanto, potencialmente maior quando se trata de um
idioma que não o materno.
É fato que nos últimos anos o assunto vem sendo investigado de modo sistemático em
diferentes centros acadêmicos _ Wales Applied Language Research Unit da Universidade de
Swansea no País de Gales na Grã-Bretanha, School of English Studies situada na Universidade
de Nottingham na Inglaterra, ou, ainda, School of Linguistics and Applied Language Studies, na
Universidade de Victoria of Wellington, na Nova Zelândia. Contudo, linguistas de renome
continuam a sinalizar a carência de estudos empíricos na área. Entre outros, citamos, na esfera
internacional, Coady e Huckin (1998), McCarthy (2001), Nation (2008) e Schmitt (2000). Já,
no panorama nacional, Paiva (2004), Rodrigues (2007) e Scaramucci e Gatollin (2007) são
alguns do que se voltam para estudos que enfocam o referido processo no âmbito da realidade
brasileira.
Desejando contribuir para o debate e o levantamento de subsídios sobre a questão,
passamos a discorrer sobre o tema de ensino e aquisição lexical sob uma perspectiva histórica.
Adiante, focalizamos crenças e princípios amplamente debatidos no contexto do tema em foco.
Na seção seguinte, abordamos o aspecto denominado “colocações” (collocations), palavras que
coocorrem, em maior, ou menor grau de rigidez, e para o que acreditamos haver a necessidade
de um tratamento instrucional sistemático. Finalizamos com nossas conclusões gerais sobre a
temática do vocabulário.
2.1- ABORDAGEM HISTÓRICA: UM DEBATE E SUA TRAJETÓRIA
A despeito do crescente interesse e atenção voltados para o ensino do vocabulário em
LE, a sintaxe foi, durante muito tempo, a viga mestra para a elaboração da maior parte das
teorias, métodos e abordagens surgidos na área, assim como para a criação de materiais (Leffa,
2000a).
A primeira e mais antiga metodologia para ensinar línguas clássicas, como o grego e o
latim, foi criada por linguistas alemães e, apesar de desafiada em muitas frentes, vigorou do
início do século XVII até o princípio do século XX. A chamada “Abordagem Tradicional”, ou
“Gramática e Tradução” _ The Grammar Translation Method _ tinha como objetivo básico o
domínio da gramática normativa, de modo a permitir o acesso a clássicos da literatura. Seus
criadores propunham a tradução e a versão como base de compreensão da língua-alvo, além da
26
memorização de regras e exemplos para o aprendizado da morfologia e da sintaxe. As aulas
constavam de explicações sobre o sistema gramatical da língua-alvo, via língua materna, e da
leitura de longas passagens literárias com a respectiva tradução. Visando ao ensino de
vocabulário, os alunos deveriam memorizar exaustivas listas bilíngues de palavras, compiladas
de acordo com os campos semânticos. Sua seleção se dava a partir dos textos clássicos, cuja
leitura e tradução eram, na verdade, o principal objetivo (Leffa, ibid.; Zimmerman, 1998).
Embora esse tratamento tenha prevalecido nas escolas europeias até o final da década de
20, o método enfrentava diversas críticas já desde meados do século XIX. Em 1864, Thomas
Prendergast, em uma primeira reação às listas tradicionais, escreveu um manual intitulado The
mastery of languages, or, the art of speaking foreign tongues idiomatically 12. O autor incluiu
as palavras mais usuais da língua inglesa, baseando-se, exclusivamente, em seu julgamento
pessoal e, embora na época o trabalho tenha sido considerado irrelevante, teve o mérito de
inovar ao incluir palavras do cotidiano, até então ignoradas.
A partir de 1880, vozes dissidentes do método gramatical começaram a se fazer ouvir
com cada vez mais insistência. Alegavam que a língua falada era ignorada e consideravam o
método sem atrativos, distante da realidade do aprendiz. Essas oposições abriram caminho para
que linguistas, preocupados com abordagens mais dinâmicas, começassem a discutir a
necessidade de uma maior ênfase no aspecto oral e na fonética. Encontraram um líder em
Henry Sweet que, em 1899, estabeleceu os princípios do que viria a ser chamado Movimento
Reformista, “The Reform Movement”, ao publicar The Practical Study of Languages
13
.
Segundo os valores defendidos pelo autor, as aulas de língua estrangeira deveriam dar ênfase à
fala, em detrimento da escrita, a tradução deveria ser evitada e a gramática ensinada de modo
indutivo. No tocante ao léxico, a seleção do vocabulário partia de critérios de simplicidade e
utilidade prática para o educando e sua apresentação deveria ocorrer de modo contextualizado e
significativo. Ao ignorar as listas de palavras arcaicas, apresentadas de modo isolado, a maior
contribuição do movimento foi associar o léxico ao mundo real (Richards e Rodgers, 2001;
Zimmerman, op.cit.).
No final do século XIX, beneficiando-se do debate levantado pelo Reform Movement,
surge o “Método Direto”, The Direct Method, assim rotulado por priorizar a relação entre o
significado e a língua-alvo sem o recurso da tradução. Os professores deveriam ser nativos e
fazer uso exclusivo da língua-alvo além de trabalhar com grupos reduzidos. No que tange ao
vocabulário, o método prioriza a linguagem do dia a dia e as palavras concretas são explicadas,
12
PRENDERGAST, Thomas. The mastery of languages or, the art of speaking foreign tongues idiomatically.
London: R. Bentley. 1864.
13
SWEET, Henry. The practical study of languages: A guide for teachers and learners. London: Oxford
University Press. 1899/1964.
27
através de mímica e do uso de figuras (flash cards) e objetos, para se evitar a tradução direta e
simples, recurso que cunhou o termo “realia” (Zimmerman, op.cit.). O método foi criticado por
parecer excessivamente simplista, mas alcançou grande sucesso em escolas particulares e se
tornou popular através das escolas Berlitz (Richards e Rodgers, op.cit.).
Nas décadas de 20 e 30, deu-se uma grande ênfase ao desenvolvimento da habilidade da
leitura, o que acarretou uma maior preocupação com a questão do vocabulário. Esse novo
enfoque suscitou mudanças significativas na percepção do papel do léxico, com grande impacto
em questões como a produção de materiais instrucionais e as práticas metodológicas (Richards
e Rodgers, op.cit.). É quando surge nos Estados Unidos o Método de Leitura, The Reading
Method, e, na Grã-Bretanha, o “Método Situacional”, Situational Language Teaching. O
método americano, como diz o nome, visava ao aperfeiçoamento da habilidade da leitura que,
em relatórios sobre alunos americanos estudantes de língua estrangeira, era apontada como
deficiente. O procedimento britânico foi buscar inspiração nos conceitos defendidos por
Michael West, professor e pesquisador, que pregava o foco no léxico, como recurso para o
aprimoramento da leitura. West acreditava que um vocabulário insuficiente deveria ser
combatido através de listas de palavras, organizadas com base em critérios de frequência,
posição que defendeu em sua tese de doutorado, em 1927, e que manteve por mais de 40 anos
(Zimmerman, op.cit.).
West se baseou nos conceitos traçados pelos pioneiros em estudos de frequência, os
professores Edward Lee Thordike e Irving Lorge. Em 1921, Thorndike publicara uma lista14
com as 5.000 palavras mais comuns da língua inglesa. O levantamento foi feito manualmente, a
partir de um corpus de 4,5 milhões de palavras, e impulsionou mudanças no ensino, tanto de
língua materna como de estrangeira, nos Estados Unidos e na Europa. A publicação serviu
como inspiração para abordagens baseadas no controle do vocabulário, nas quais os alunos têm
contato, em primeiro lugar, com as palavras mais frequentes (Sardinha, 2000a). Mais tarde, em
parceria com Lorge, Thorndike ampliou a compilação para 30.000 palavras, listadas no
Teacher's Word book of 30,000 words 15. A pesquisa se baseou em um universo de 18 milhões
de palavras de texto escrito e tinha como objetivo oferecer a autores de materiais didáticos dos
Estados Unidos subsídios para a produção de livros em língua materna (Leffa, op.cit.).
Em 1939, na Universidade de Michigan, foi criado o primeiro Instituto de Língua
Inglesa dos Estados Unidos, especializado no treinamento e na formação de professores de
inglês, como segunda língua, ou língua estrangeira. Nessa época, a entrada do país na Segunda
14
15
Thorndike, E. L. Teacher's Wordbook. New York: Columbia Teachers College. 1921.
Thorndike, E. L. & Lorge, I. The teacher’s word book of 30,000 words. New York: Teachers College, Columbia
University. 1944.
28
Guerra Mundial exerceu um efeito significativo sobre o ensino de línguas, devido à necessidade
de comunicação entre os soldados. A demanda para a formação de tradutores e intérpretes em
curto prazo levou à criação de um programa especial e várias universidades americanas se
engajaram no projeto. Charles Fries, diretor do Instituto e com formação em linguística
estrutural, aplicou seus conhecimentos ao campo do ensino de línguas para, em 1945, publicar
um trabalho em que se coloca contra os princípios do Método Direto e estabelece as bases
teóricas para o método Audiolingual, The Audio Lingual Method
16
, a princípio conhecido
como “método do exército”. A metodologia áudio-oral era baseada nos princípios da psicologia
behaviorista de Skinner e da linguística distribucional de Bloomfield, então dominantes nos
Estados Unidos, e partia da crença de que a formação de hábitos poderia ser aplicada ao
aprendizado de línguas. Segundo os princípios do método, as estruturas gramaticais deveriam
ser ensinadas através da intensa prática de exercícios de repetição (drilling), com especial
atenção para a pronúncia. Fries não acreditava na equivalência direta entre palavras de línguas
diferentes, a não ser no campo do vocabulário técnico. Sustentava que as palavras da língua
inglesa não têm um significado único, mas vários, e não podem ser conhecidas, apenas, por sua
tradução mais básica, por isso, o vocabulário, constituído de palavras simples e usuais, era
apresentado, não através de listas, mas em frases completas. Nessa época, combateu-se a ideia
de que acumular vocabulário seria de utilidade para o ensino de LE. Discutia-se o que era visto
como uma supervalorização enganosa do papel do léxico, conceituado como instrumento para a
compreensão e o domínio de estruturas gramaticais, e não como veículo de comunicação
(Richards e Rodgers, op.cit.).
Em 1953, West, em defesa do critério de frequência para o ensino de vocabulário,
publicou A General Service List of English Words17, um marco de referência, considerada até
hoje a mais completa compilação no que diz respeito a palavras de alta frequência. O autor
listou 2.000 palavras de cabeçalho, em um corpus que chega a 5.000.000 de itens lexicais18,
com indicações quanto à sua frequência e à frequência relativa de seus significados. Essa foi,
talvez, a primeira tentativa para que se estabelecesse, não só um critério científico na escolha
do vocabulário, como, igualmente, princípios técnicos para a criação de um programa de ensino
de língua estrangeira (Leffa, op.cit.). Sardinha (op.cit.) e Zimmerman (op.cit.) ressaltam que o
16
FRIES, C. C. Teaching and Learning English as a Foreign Language. Ann Arbor: University of Michigan
Press. 1945.
17
WEST, M. A General Service List of English Words. London: Longman, Green and Co. 1953.
18
Tomamos para “item lexical” a definição de Lewis (1993, p.90): “Um item lexical se define como uma palavra
ou frase que opera como ‘unidade independente socialmente sancionada’, que é usada como uma unidade
mínima para determinados propósitos sintáticos.” (“A lexical item is defined as a word or word phrase that
operates as a ‘socially sanctioned independent unit’ that is used as a minimal unit for certain syntactic
purposes.”)
29
trabalho de West continua a ser, até hoje, citado e respeitado como referência, considerado
como a mais conhecida descrição do léxico inglês na era pré-computador.
Em 1957, a publicação do trabalho do linguista americano, Avram Noam Chomsky,
Syntatic Structures19, veio trazer novos elementos a esse cenário. Chomsky desenvolveu o
conceito de “competência linguística”, que definiu como a gramática mental internalizada,
existente de modo inconsciente na mente humana. Para o pesquisador, um conjunto limitado de
regras gramaticais, parâmetros e princípios permite ao ser humano gerar um número infinito de
frases bem formadas. O conceito se baseia na hipótese de que conhecimentos inatos _
princípios que ele chamou de Gramática Universal (UG) _ permitem a uma criança adquirir a
língua do seu meio, durante um período crítico em seu desenvolvimento. A teoria _The Critical
Period Hypothesis _ postula que há um tempo durante o qual é possível se aprender uma língua
com facilidade, de modo completo e preciso, após o qual se torna difícil chegar à mesma
habilidade de um usuário nativo (Ellis, R. 1997, p.67).
Chomsky não fez referências específicas sobre o aprendizado de LE, mas alguns de seus
seguidores argumentam que a ideia de uma UG oferece a melhor perspectiva para a
compreensão do processo, embora outros afirmem que a UG não é aplicável para aprendizes
que já ultrapassaram o mencionado período crítico de aquisição. Controvérsias à parte, seu
trabalho contribuiu para o campo da linguística ao questionar a formação de hábitos, defendida
pela teoria behaviorista, e ao chamar a atenção de especialistas da área e de psicólogos para os
processos mentais que ocorrem no uso e no aprendizado de uma língua (Richards e Rodgers,
op. cit.).
Em reação a Chomsky, em 1966, o antropologista Dell Hymes20 cunhou o termo
“competência comunicativa” (communicative competence), definida como o conhecimento
internalizado do falante sobre o uso apropriado da língua, em função do contexto sociocultural
em que se encontra. O autor não negava os pontos defendidos por Chomsky, mas destacava os
fatores pragmáticos e sociolinguísticos inerentes ao uso efetivo e bem sucedido da língua, os
quais devem se somar ao saber puramente linguístico (Zimmerman, op.cit.; Richards e
Rodgers, op.cit.).
Embora Hymes não tivesse em mente os processos relativos a ensino/aquisição
linguística (Scaramucci, 1995, p.81), esses novos conceitos afetaram profundamente a visão
sobre as metodologias a serem adotadas nas salas de aula de LE. Passou-se a valorizar a
19
20
Cf. CHOMSKY, Noam. Syntactic Structures. Berlin: Mouton, Den Haag. 1957.
Cf. HYMES, Dell. Two Types of Linguistic Relativity. In: BRIGHT, William. (Ed.) Sociolinguistics. The
Hague: Mouton. 1966. Pp. 114-58.
.
30
proficiência comunicativa do aprendiz, o que se refletiu no surgimento da Abordagem
Comunicativa, um marco divisor de águas na área. Hoje, considerado um termo “guardachuva”
(umbrella term), a nomenclatura designa, de fato, diferentes métodos e tratamentos que
comungam a valorização da fluência, em detrimento da forma, a contextualização das
atividades e o foco no desenvolvimento de estratégias que permitam ao aprendiz usar essa
língua, de modo efetivo e socialmente apropriado.
No que tange à dimensão lexical, as diversas variedades de modelos que se enquadram
na cartilha comunicativa podem apresentar percepções distintas sobre o tratamento instrucional
mais efetivo. De um modo geral, apesar do foco na fluência, em oposição à forma, a abordagem
comunicativa não privilegiou o ensino do vocabulário, mas voltou sua atenção para o uso de
categorias, propostas pela primeira vez em 1972, pelo linguista inglês David Wilkins21
(Zimmerman, op.cit.). Wilkins desenvolveu um trabalho, em que propõe a existência de dois
tipos de sistemas, ou categorias de significado: categorias nocionais, como tempo, quantidade e
espaço e funcionais, como solicitações, recusas, agradecimentos e desculpas. Segundo o autor,
o desenvolvimento do léxico em L2 deve se dar do mesmo modo como acontece em L1, ou
seja, através da exposição à língua-alvo. Para isso, sugere que o aprendiz seja exposto a
situações nas quais possa utilizar o vocabulário, de modo contextualizado, a partir de um
programa centrado nos grupos que desenvolveu (Richards e Rodgers, op.cit.).
Nessa ocasião, embora o papel do léxico pareça ganhar um espaço incontestável, de um
modo geral, as leituras realizadas para esta investigação indicam que, mesmo após as mudanças
ocasionadas pela Abordagem Comunicativa, o ensino de vocabulário continuou a se fazer,
sobretudo, de modo implícito e não controlado. O aparente paradoxo _considerando-se que
comunicação pressupõe a necessidade de palavras_ é avaliado por Zimmerman (op.cit.), para
quem muito do insucesso no quesito aquisição de vocabulário pode ser explicado, ainda que
parcialmente, pela influência da Abordagem Comunicativa, que levou à preferência por
práticas instrucionais que privilegiam o contexto, em detrimento do ensino explícito, tanto de
vocabulário, quanto de gramática.
No cenário nacional, Gattolin e Scaramucci (2007) adotam postura semelhante: as
autoras analisam que a crença, amplamente difundida pelos seguidores da abordagem em pauta,
de que o processo de aquisição do vocabulário ocorre de modo quase espontâneo, a partir das
interações sociais, pode haver concorrido, para que a falta de um tratamento sistemático
resultasse na incapacidade que um grande número de aprendizes encontra para se expressar
adequadamente, em situações da vida real. Para as pesquisadoras, métodos comunicativos
21
WILKINS, D. Linguistics in Language Teaching. London: Edward Arnold. 1972.
31
costumam expor o aprendiz a uma grande variedade de situações sem, contudo, fazê-lo com a
frequência necessária, para que a aquisição de palavras novas se dê de modo efetivo e
permanente e afirmam:
[...] a variedade de tópicos e situações exposta ao aprendiz nas aulas comunicativas
parece não permitir a realização de um movimento espiral, em que diversos encontros
com os mesmos itens lexicais em diferentes contextos poderiam promover
oportunidades para um processo de aprendizagem mais bem-sucedida [...].
(Gattolin e Scaramucci, 2007, p. 40)
Um dos documentos mais importantes para a prática de situações adotada pela
Abordagem Comunicativa foi o Threshold Level de Van Ek22 (1976), um inventário do
vocabulário básico da língua inglesa, segundo um nível mínimo de funções linguísticas que o
aluno deveria dominar, de modo a interagir socialmente. Embora o critério de frequência ainda
sirva de parâmetro, o corpus utilizado não é mais, apenas, o da língua escrita, mas inclui
insumos da língua falada. Como resultado desse trabalho, aspectos produtivos e receptivos do
léxico foram incorporados ao inventário de, aproximadamente, 1.500 palavras, adotado na
maioria dos países europeus, como parâmetro para organização de seus currículos escolares
(Leffa, op.cit.; Zimmerman, op.cit.).
Fugindo à prevalência das listas lexicais, um novo capítulo na história do ensino de
línguas começou a ser escrito, quando Tracy Terrell, um professor de espanhol na Califórnia,
apresentou uma nova proposta que rotulou de Abordagem Natural, The Natural Approach.
Terrell se uniu a Stephen Krashen23, a fim de elaborar uma base teórica que oferecesse
sustentação à sua proposta. Embora não fugisse ao escopo que embasava outras abordagens de
cunho comunicativo (Zimmerman, op.cit.), o método se destaca por estar baseado em alguns
parâmetros do modelo monitor de Krashen, The Monitor Model
24
, desenvolvido com o
objetivo de que aprendizes iniciantes e intermediários alcançassem níveis aceitáveis de
proficiência em comunicação oral. O elemento central da teoria de Krashen é que o
aprendizado de LE ocorre de maneira natural, exatamente como com a língua materna, mas sob
condições apropriadas. Para o autor, línguas estrangeiras não são habilidades a serem
ensinadas, estudadas, ou memorizadas, mas, sim, assimiladas e desenvolvidas gradativamente,
de forma natural, em situações reais de comunicação (Richards e Rodgers, op.cit.).
22
Cf. VAN EK. A. The Threshold Level Form: modern language learning in schools. London: Longman. 1976.
Cf. KRASHEN, S.; TERREL, T. The Natural Approach: language acquisition in the classroom. Oxford:
Pergamon. 1983.
24
O Modelo Monitor de Stephen Krashen reúne premissas sobre fatores que, na visão do autor, afetam,
determinam ou impedem a aquisição. Os conceitos centrais se baseiam na provisão do insumo compreensível
(comprehensible input) e no ambiente afetivo favorável à aquisição (Cf. Krashen, 1981, 1985).
23
32
Segundo a visão da Abordagem Natural, o vocabulário é veículo condutor do
significado, e os pesquisadores acreditam que seu aprendizado deve ocorrer naturalmente, a
partir da prática de atividades comunicativas. No caso específico de alunos adiantados, Krashen
(1989) sugere a leitura como meio para aquisição do léxico e argumenta que sua prática
voluntária e prazerosa oferece um veículo natural para que esse aprendizado ocorra livre de
ansiedade e tensão.
Ao nos perguntarmos sobre a conjuntura atual e as perspectivas para o futuro, cumpre
abordar a Linguística de Corpus 25. Na visão de Aijmer e Altemberg (1991, p.84), a
especificidade da disciplina implica uma categorização diferenciada:
A Linguística de Corpus não é semelhante à Psicolinguística, à Sociolinguística ou à
Geolinguística, nas quais métodos e teorias de áreas com objetos próximos são
aplicados e correlacionados a dados linguísticos [...]. Como uma metodologia para
pesquisa, a Linguistica de Corpus se encontra em uma categoria própria.
(Aijmer e Altenberg, 1991, p. 84) 26
A Linguística de Corpus se ocupa, portanto, da coleta e da exploração de dados
linguísticos textuais, obtidos através de evidências empíricas, com o propósito de servirem para
a pesquisa de uma língua, ou variedade linguística (Sardinha, 2000a, p. 323). Esse
procedimento começou ainda na Antiguidade, quando Alexandre, o Grande definiu o corpus
helenístico. Continuou na Idade Média com a compilação e o registro de passagens da Bíblia e,
mais recentemente, serviu de base para a criação das listas de vocabulário, elaboradas por
Thorndike, Lorge e West _ conforme mencionado. Entretanto, a partir do final dos anos 50, o
trabalho com corpora foi alvo de duras críticas, por parte daqueles que questionavam a
validade e a exatidão de dados que dependiam de coleta e de processamento manual. Essas
acusações se davam sob a influência dos paradigmas da gramática Chomskyana27, que
descartava o trabalho empírico, alegando que todos os dados necessários se encontravam na
mente do próprio linguista (Sardinha, ibid.).
A grande mudança se deu com o advento do computador, instrumento que revolucionou
as possibilidades de precisão e abrangência dos procedimentos. O primeiro corpus linguístico
eletrônico, o Brown University Standard Corpus of Present-Day American English inovou, não
só pela quantidade de dados _ um milhão de palavras _ como pelo ineditismo da
25
Neste trabalho, adotamos para corpus o conceito de Sinclair (2003, p. 71), por sua abrangência e objetividade:
“um corpus é uma coletânea de textos, que ocorrem de forma natural, escolhidos para caracterizar um estado ou
variedade de linguagem e que pode ser usada como base para pesquisa linguística.”
26
“Corpus linguistics is not like Psycholinguistics, Sociolinguistics or Geolinguistics, in which the theories and
methods of neighbouring subject areas are applied to and correlated with linguistic data [...]. As methodology for
research, corpus linguistics is in a class of its own.” (Aijmer, Altenberg, 1991, p. 84)
27
Cf. CHOMSKY, N. Syntactic Structures. The Hague: Mouton. 1957.
33
informatização. Desde então, o levantamento de dados linguísticos, através do uso do
computador, escreveu capítulos determinantes na história do ensino de línguas. De um milhão
de palavras do projeto Brown, chegou-se a quase 400 milhões no chamado Bank of English,
projeto com corpora de inglês britânico e que, sob constante processo de atualização, mantémse em expansão continuada (Sardinha, op.cit.). A Universidade de Cambridge coleta corpora de
língua falada e escrita, tanto de inglês americano como britânico, e possui, atualmente, uma
base de dados formada por mais de 700 milhões de palavras no The Cambridge International
Corpus.
No campo dos estudos lexicais com base em Linguística de Corpus, o linguista John
Sinclair (1933-2007) se destaca, não só por haver aberto caminho para o estudo do vocabulário
através de corpora28, como por sua expressiva contribuição na área: além de incontáveis
publicações, Sinclair foi o fundador do projeto COBUILD e editor chefe do primeiro dicionário
compilado, a partir de corpus computadorizado _ Collins COBUID English Language
Dictionary (1987). O pesquisador foi, igualmente, o precursor do conceito de idiomaticidade
(idiomaticity), ao defender que a língua deve ser analisada levando-se em conta “porções”
(chunks) que se agrupam, com maior, ou menor frequência, e não em unidades isoladas
29
(Sardinha, op.cit.). Os conceitos e propostas de Sinclair têm encontrado continuidade, não só
em trabalhos acadêmicos como os de Lewis (1993, 1997, 2000), mas, igualmente, refletem-se
na produção de dicionários e materiais pedagógicos. Essa é, por exemplo, a perspectiva da
série de três livros para o ensino de inglês para estrangeiros de autoria de McCarthy, McCarten
e Sandiford (2005a; 2005b; 2006)30 . Para a apresentação e a organização dos tópicos
gramaticais e lexicais, os autores se basearam na descrição do corpus de inglês americano, cuja
compilação faz parte do “The Cambridge International Corpus”. McCarthy (2004b, p. 3)
explica que sua motivação foi utilizar os agrupamentos lexicais e as estruturas gramaticais que
são, de fato, empregados na linguagem coloquial, isto é, são atestados pelo uso de falantes
nativos.
Conclui-se, portanto, que o acelerado processo de informatização do ensino tem
contribuído para acentuar a tendência de que o tratamento do léxico se faça a partir de um
enfoque contextual. Para Leffa (op.cit.), o uso de meios digitais, no processo de ensino e
aprendizado do vocabulário, traduz a síntese das propostas e sugestões que evoluíram,
28
Cf. SINCLAIR, J. Beginning the study of Lexis, In: BAZELL, C. E. (Ed.). In Memory of J.R. Firth. London:
Longman. 1966.
29
Cf. SINCLAIR, J. Collocations: A Progress Report, In: STEEL, R.; THREADGOLD, T. (Eds.). Language
Topics: Essays in honour of Michael Halliday. Amsterdam; Philadelphia: John Benjamin. 1987.
30
Cf. MACCARTHY, Michael; MCCARTEN, Jeanne; SANDIFORD, Helen. Touchstone. Cambridge:
Cambridge University Press. Level 1, 2005a; Level 2, 2005b; Level 3, 2006.
34
dialeticamente, de uma ênfase externa _ em que o foco se fez, prioritariamente, no material a
ser preparado e oferecido ao aluno (input) _ para uma ênfase nos processos internos, como
fatores de caráter emocional e afetivo, e preferências pessoais e individualidades, em que se
valorizam as estratégias. O autor destaca:
Os recursos atuais da informática, incluindo a indexação total de textos e a
conseqüente facilidade na busca de palavras em contexto de uso, tornaram o
vocabulário um dos aspectos mais importantes na aprendizagem da língua, tanto em
L1 como L2, [...] pela facilidade com que recolhem e analisam as palavras, reverteram
a hierarquia dos componentes lingüísticos na aprendizagem, subordinando sintaxe,
fonologia, morfologia e pragmática ao léxico. (Leffa, 2000a, p.15)
Por conseguinte, pode-se prever que dados computadorizados se encontrem, hoje,
irremediavelmente vinculados à aquisição lexical, não só no caso de pesquisadores, como _
talvez de forma irreversível _ para criadores de material e professores. Kennedy (1992, p. 335)
chama a atenção para o papel da disciplina e sustenta: “A linguística de corpus pode nos
informar não apenas aquilo que é sistematicamente possível, mas o que, realmente, tende a
ocorrer na língua, em contextos específicos, ou particulares.”31. O autor defende que uma
abordagem calcada na realidade reflete o uso real da língua e permite que o foco se faça nas
manifestações linguísticas que verdadeiramente importam. Sem esse recurso, acredita que
poderia haver um desvirtuamento, com investigações voltadas para aspectos linguísticos sem
relevância. Esse potencial da linguística de corpus pode facilitar, imensamente, a organização
de ementas e a elaboração de materiais e programas pedagógicos, ao permitir a seleção de
recortes da língua-alvo que sejam realmente significativos:
“Ao ilustrar a língua que é produzida de modo inconsciente, quando o foco se faz na
mensagem e não na forma, um corpus pode contribuir para o ensino de segunda
língua, ao aperfeiçoar a precisão de gramáticas, dicionários e listas de palavras.”
(Kennedy, ibid, p. 365).32
A breve visão histórica que apresentamos expõe diferentes abordagens e enfoques a que
tem estado sujeito o ensino de LE, com prioridades desiguais e tratamentos para essa, ou aquela
área da aquisição. Frequentemente, uma nova visão surge em oposição à anterior, como é
comum acontecer nas mais diversas áreas do conhecimento. Respostas e soluções são
sugeridas, sem que nenhuma esteja completamente correta, ou totalmente errada. Nem essa
atende a todas as indagações, nem aquela deve ser inteiramente rejeitada. É de se esperar que
31
32
“Corpus linguistics can tell us not just what is systematically possible, but what is actually like to occur in the
language in general or particular contexts.” (Kennedy, 1992, p. 335)
“By instantiating language produced unselfconsciously, when the focus is on message not form, a corpus can
contribute to second language teaching through improvements in the descriptive accuracy of grammars,
dictionaries and word lists.” ( Kennedy, 1992 p. 365).
35
novas pesquisas e estudos continuem a trazer esclarecimentos para a área em questão, ao
mesmo tempo em que _naturalmente _ outras indagações haverão de surgir.
2.2- CRENÇAS E DEBATES NO CAMPO LEXICAL
O estudo do léxico tem recebido diversos tratamentos, que vão do princípio de que seja
componente essencial ao aprendizado de uma língua, à sua conceituação como elemento
acessório e circunstancial. Historicamente, a esmagadora maioria das pesquisas na área está
relacionada à leitura, e investiga, na maior parte dos casos, se o ensino e a aprendizagem do
vocabulário devem ocorrer de modo implícito/incidental/indireto, ou explícito/direto.
Esclarecemos que o termo explícito, nesse cenário, diz respeito à aplicação de meios
instrucionais que visam, diretamente, à aquisição intencional de determinados elementos da
língua alvo. Já, o aprendizado implícito ocorre sem que o aprendiz direcione sua atenção para
esse, ou aquele componente linguístico. No caso específico de aquisição de vocabulário, esse
processo se dá a partir de insumos que, em princípio, têm como objetivo a prática e o
desenvolvimento de outras competências, como compreensão de leitura, fluência oral, ou a
prática de pronúncia.
Aqueles favoráveis a um tratamento implícito _ entre os quais citamos Paribakht e
Wesche (1999) e Sternberg (1987) _ seguem na esteira das teorias desenvolvidas por Goodman
(1967)33 e Smith (1975), sobre leitura em língua materna, doravante LM. Os autores em
questão acreditam que o leitor, ao fazer uso de pistas linguísticas, constrói hipóteses e faz
previsões que conduzem à compreensão textual, processo que comparam a um jogo
psicolinguístico de adivinhação. O conceito recebeu amplo crédito na literatura e, a despeito do
leitor em LM contar com uma base linguística muito mais sólida, estendeu-se ao contexto de
aquisição de LE, dando origem à hipótese de aquisição incidental de vocabulário, por meio da
leitura, formulada por Nagy e Herman (1985). Nagy, Anderson e Herman (1985) reafirmam o
conceito ao defender que: “o aprendizado incidental de palavras durante a leitura pode ser o
meio mais fácil e poderoso de promover o aumento, em larga escala, do vocabulário.” (ibid,
p.27) 34.
A tendência se fortaleceu em função da Hipótese do Insumo (The Input Hypothesis),
postulada por Krashen (1981, 1985), conforme a qual se adquire uma segunda língua através, e
somente através, de exposição à língua-alvo. Em 1989, o pesquisador reforça sua posição, ao
33
34
Cf.GOODMAN, Kenneth. S. The Reading Process. In: ALDERSON, J. Charles; URQUHART, Arthur H.
(Eds.). Reading in a foreign language. New York: Longman. 1984. Pp: 11-21.
“[…] incidental learning of words during reading may be the easiest and single most powerful means of
promoting large-scale vocabulary growth.” (Nagy, Anderson e Herman, 1985, p. 27)
36
defender que o ensino explícito de vocabulário não interfere diretamente no processo de
aprendizagem e que a maneira mais efetiva de aprender palavras novas é por meio de leitura
extensiva, tomando-se o termo como sinônimo de foco no significado, em detrimento da forma.
Essa teoria encontrou ardorosos defensores, como posteriormente refletido nos trabalhos de
Day e Bamford (1998, 2002) e Huckin e Coady (1999).
Entretanto, em paralelo ao endosso ao tratamento incidental, maus resultados
despertaram o cuidado de pesquisadores que, particularmente a partir do final dos anos 90,
voltaram-se para a investigação do real papel do léxico, assim como para a busca de
procedimentos que pudessem auxiliar em sua aprendizagem. Entre as investigações de autoria
internacional destacamos as pesquisas de Blachowicz e Fisher, (2002), Laufer (2005) e Meara
(2007), ao passo que no âmbito nacional chamam nossa atenção os trabalhos de Gattolin (2007,
2005, 2002, 1998), Gattolin e Scaramucci (2007), Leffa (2000a, 2000b), Scaramucci (1997,
1995) e Zilles (2007, 2001).
Apesar das diferentes investigações sobre o tema, parece não haver uma fronteira
claramente definida entre processos diretos e indiretos, já que, mesmo no caso de aquisição
incidental, acredita-se ser necessário um esforço dirigido, por parte do aprendiz, para a efetiva
internalização de palavras novas (Ellis, N. 2006, 2002). Além disso, diversos autores fazem
referência à necessidade de um vocabulário básico mínimo, para que se possa obter ganhos por
meio de um tratamento implícito, repertório esse denominado por Carter (1998) de “core
vocabulary” e por Laufer (1997, 2001) de “threshold vocabulary”, ou “sight vocabulary”. Para
Laufer (1997, p.23) esse conhecimento engloba de 4.500 a 5.000 palavras, a partir do que a
aquisição incidental poderia ocorrer de forma significativa.
É fato que a demarcação de um número específico de palavras nos parece temerosa, já
que fatores como o objetivo da leitura, o gênero textual e o conhecimento prévio do leitor têm,
inegavelmente, efeito decisivo sobre o que seria um patamar mínimo de proficiência. Contudo,
Gattolin (2005) e Scaramucci (1995) informam a existência de um consenso recente, a respeito
de que a aquisição indireta, para ser relevante, deve se dar a partir de um limiar de
conhecimento básico. Esse inventário lexical funcionaria como uma base mínima, para que o
aprendiz pudesse fazer uso efetivo de inferência, conhecimento prévio e outras estratégias de
compreensão, recursos que seriam comprometidos pela carência de proficiência vocabular.
Paradoxalmente, há evidências de que um texto “grávido” (pregnant text), ou seja, rico
em pistas textuais (textual clues), embora facilite a compreensão, pode, de fato, ser um
obstáculo ao aprendizado de palavras novas. A riqueza contextual facilita a compreensão a tal
ponto que a ausência de envolvimento cognitivo e psicológico impede que as palavras novas
sejam percebidas como tal, e o aprendiz não lhes dá a atenção necessária para que sejam
37
incorporadas de modo ativo (Anderson e Freebody, 1983; Mondria e Witt-de Boer, 1991).
Prince (1996, p.489) vai ainda mais longe ao afirmar que, “Na verdade, parece que o
aprendizado de uma palavra nova requer que esta esteja momentaneamente ‘isolada do seu
contexto’.”35
A aparente controvérsia nos leva ao enfoque do estudo de Schmidt (2001), sobre a
importância do papel da atenção no aprendizado de LE:
Embora alguma evidência recente indique a possibilidade de aprendizado sem que
haja atenção, essa circunstância parece ter alcance e importância limitados no campo
de aquisição de L2. Não há dúvida de que o aprendizado atento é, de longe, superior e,
para todos os propósitos práticos, a atenção é necessária para a aprendizagem de todos
os aspectos de L2.” 36 (Schmidt, 2001, p. 3)
O autor contrapõe os termos “aprendizado com consciência” (“learning with
awareness”) e “aprendizado sem consciência” (“learning without awareness”) ao argumentar
que o aprendiz claramente se beneficia de procedimentos explícitos, já que essa modalidade
instrucional provoca maior envolvimento cognitivo e emocional.
Essa hipótese parece se fortalecer sob o enfoque de Rott (2005, p. 96), que argumenta
que compreensão e aprendizagem podem ser processos complementares, mas não são o mesmo
fenômeno. Por conseguinte, o excesso de pistas textuais, embora facilitando a compreensão,
afetaria, negativamente, o processo de atenção de que nos fala Schmidt (op.cit.), contribuindo
para um baixo envolvimento cognitivo e, em consequência, ocasionando baixa retenção.
Em meio ao debate, Schmitt e McCarthy (1998) pontuam que a questão não é se
determinar se o tratamento explícito é superior ao implícito, ou o oposto, mas perceber que
ambos os procedimentos devem ser vistos como suplementares, e não necessariamente
excludentes entre si. Na apreciação de Hulstijn (2005), a aquisição de LE pode se fazer a partir
de duas abordagens distintas, de forma combinada: a primeira diz respeito ao uso intencional,
por parte do aprendiz, de práticas para a memorização do léxico, ou da sintaxe e a segunda por
meio de exposição, através da qual se internalizam palavras, ou estruturas da língua-alvo sem
que haja um esforço intencional. Para o pesquisador, a controvérsia a respeito das vantagens
desse, ou daquele tratamento permanece sem aparente solução, por falta de um número
suficiente de estudos empíricos que produzam construtos-chave que corroborem essa ou aquela
teoria.
35
“In fact, learning a new word seems to require that it be momentarily ‘isolated from its context’ “. (Prince,
1996, p.489).
36
“Although some recent evidence indicates the possibility of some unattended learning, this appears limited in
scope and relevance for SLA. There is no doubt that attended learning is far superior, and for all practical
purposes, attention is necessary for all aspects of L2 learning.” (Schmidt, 2001, p.3)
38
Dessa forma, quanto à dicotomia abordagem direta ou indireta, é nosso pensamento que
um tratamento combinado concilia aspectos desejáveis tanto de uma como de outra, seja o
incremento de exposição à língua-alvo, seja a atenção consciente por parte do aprendiz. Vale
ressaltar que, no cenário da realidade brasileira, especialmente no segmento público, mas
igualmente no privado, essa exposição se dá de modo descontinuado e em quantidade de tempo
insuficiente para que se possa contar, exclusivamente, com aprendizado incidental, mesmo se
considerarmos a inegável validade desse procedimento. Assim sendo, acreditamos ser
indispensável a adoção de um tratamento direto, com foco específico no aprendizado de
palavras novas, mesmo que complementado por práticas implícitas.
Nossa avaliação parece respaldada por dados recentes, mapeados em diversos contextos
de ensino de inglês no Estado de São Paulo (Rodrigues, 2007, 2001), que sinalizam um
expressivo descompasso entre o dizer e o fazer de alunos e professores: se, por um lado,
reconhecem o papel relevante do léxico, por outro, os primeiros não se empenham em um
estudo com enfoque definido, direcionado para o aprendizado do vocabulário em contexto
significativo, e os segundos não aplicam atividades específicas, em número suficiente e com a
amplitude necessária, para que o processo se dê de modo constante e bem sucedido. Segundo
os estudos citados, de um modo geral, os professores se restringem a fazer uso de paráfrases e
de tradução e, na verdade, ainda priorizam o tradicional foco na gramática. No conjunto, esses
fatores parecem concorrer para o mau aproveitamento dos processos instrucionais, resultado
que não surpreende se partirmos da premissa de que o encontro repetido com as palavras novas
é essencial, especialmente, no contexto de LE (Laufer e Osimo, 1991; Nation, 2001).
Nesse cenário, o uso intencional do dicionário, a ferramenta mais comum no contexto
em estudo (Rodrigues, 2007), poderia concorrer, positivamente, para um reforço da exposição
ao novo item lexical, mas seu uso é feito de modo inapropriado, de um modo geral, por falta de
instrução adequada (Gattolin, 2007). A ausência de orientação concorre para que o aluno, ao
invés de buscar a compreensão do significado de modo amplo e contextualizado, procure uma
tradução pareada (LE=LM), baseada em um conceito de mera equivalência lexical. Dessa
forma, despreza as diferentes possibilidades de uso, expressões idiomáticas, coocorrências e
colocações, que enriqueceriam, de modo significativo, seu nível de compreensão da palavra
nova. Apesar de diversos pesquisadores contestarem a validade do uso do dicionário, estudos
empíricos, como o de Silva e Souza (2002), indicam que sua utilização, bem orientada, pode
torná-lo uma ferramenta efetiva e adequada, contribuindo, especialmente, para a formação de
aprendizes autônomos.
39
Parece-nos, entretanto, que aquém de um consenso referente a procedimentos
pedagógicos, a raiz da questão reside em estabelecer parâmetros claros sobre como se dá e
evolui o processo de aquisição vocabular.
A noção básica, mais usualmente postulada na literatura, apoia-se na ideia da existência
de um contínuo que pode ter seu início em nenhum conhecimento e se estende indefinidamente,
já que não há limites para o uso criativo do que se pode fazer com palavras. Waring (2002, p. 1)
explica que “Uma das visões mais comumente aceitas a respeito de aquisição de vocabulário, é
de que ocorra ao longo de um contínuo de desenvolvimento.”37, processo que ilustra como se
vê:
Menos conhecimento
(less knowledge)
Mais conhecimento
(more knowledge)
Essa noção foi ampliada para o conceito de vocabulário receptivo e produtivo, situados
nas extremidades desse contínuo, ao longo do qual o aprendiz desenvolve sua proficiência
lexical. Melka (1997, p.100) tem uma visão semelhante e defende que “A distância entre
conhecimento receptivo e produtivo de uma palavra é uma linha, ‘um contínuo de
conhecimento’.”38 Os termos vieram substituir a dicotomia ativo/passivo, nomenclatura até
então amplamente utilizada na literatura. Gattolin e Scaramucci (2007) consideram a nova
terminologia preferível, por delinear, de modo mais claro, o processo evolutivo, segundo o qual
o aprendizado se dá de modo gradativo, ao longo de diferentes estágios de conhecimento. Para
as autoras (ibid, p. 10): “[...] conhecer uma palavra para uso produtivo pressupõe conhecê-la
melhor do que apenas para uso receptivo e, nesse sentido, pode ser vista como um contínuo, ou
sequência de desenvolvimento.” Entretanto, em função da dificuldade para delinear fronteiras
entre o vocabulário que é apenas reconhecido, seja em contextos verbais, ou escritos, e o léxico
utilizado de forma produtiva, as pesquisadoras sugerem que: “Uma melhor alternativa seria
conceber o conhecimento de vocabulário como um contínuo de níveis, ou graus de
familiaridade com palavras [...].” (ibid, p.11).
É esse conceito de familiaridade crescente que passamos a advogar, por entender que
melhor espelha um processo de evolução continuada, gradual e cumulativa, sedimentado em
encontros repetidos com esse novo item lexical, em diferentes contextos e com variadas
37
38
“One of the most commonly accepted views of vocabulary acquisition is that it occurs along a continuum of
development.” (Waring, 2002, p.1).
“The distance between receptive and productive word knowledge is a line, ‘a continuum of knowledge’.”
(Melka, 1997, p. 99).
40
funções gramaticais, procedimento mais facilmente aplicável no tratamento combinado _
implícito/explícito _ que defendemos como mais efetivo.
A referência a conhecimento vocabular nos remete ao estágio seguinte, relacionado à
explicitação de um modelo avaliativo. Vários métodos têm sido utilizados, mas a pesquisa na
área de avaliação do léxico se revela escassa, diferentemente do que vem ocorrendo no tocante
a investigações que enfocam o processo ensino/aprendizado (Scaramucci, 1995, p.69).
Uma revisão da literatura ilustra que a proposta mais comum é a combinação da palavra
avaliada a sinônimos, definições ou traduções. Esses procedimentos se restringem a considerar
o aspecto da extensão (size ou breadth) desse léxico, sem contemplar sua profundidade, ou
dimensão qualitativa (depth), limitação que autores recentes vêm buscando superar. Com a
finalidade de acompanhar a evolução histórica dos paradigmas sugeridos, comentamos, a
seguir, alguns desses modelos.
Um dos primeiros construtos propostos surgiu com Dale (1965), em um trabalho
voltado para a avaliação do falante nativo. O autor sugere quatro estágios de familiaridade com
uma palavra:
1- Reconhecer que é uma palavra, sem, no entanto, saber o seu significado.
2- Saber colocar vagamente a palavra em seu contexto.
3- Conhecer o significado exato da palavra.
4- Ser capaz de distinguir palavras que são relacionadas em significado e/ou forma.39
Embora seja positivo que o modelo conceba conhecimento lexical como um contínuo de
desenvolvimento, Scaramucci (1995, p. 74) avalia que o autor não esclarece sobre a evolução
de um estágio a outro, nem explicita o que define como “conhecimento exato.”
Posteriormente, com inspiração no conceito de competência comunicativa proposto por
Hymes (1966, 1972) _ vide 2.1 neste estudo_ Richards (1976) ampliou o escopo dos elementos
considerados e elencou um amplo conjunto de aspectos para se avaliar o conhecimento ideal de
falantes nativos. A abrangência da proposta, ao envolver componentes não só linguísticos, mas,
também, psico e sociolinguísticos, estabeleceu na literatura o que se define como um conceito
“rico” de conhecimento de vocabulário. No campo de LE, o modelo passou a ser utilizado para
se estabelecer a extensão e a qualidade da competência lexical a se esperar dos aprendizes. Para
Gattolin (1995, p.31), o primeiro item avalia a dimensão quantitativa (size/breadth) do
conhecimento, ao passo que os outros medem a profundidade (width):
39
‘I know there is such a word bit, I don’t know what it means’. ‘I know a vague contextual placing of the word’;
‘I have pinned the word down’. ‘I know other words related in form and/or meaning.’ (Dale, 1965, p.898)
41
1- Deve-se considerar que o conhecimento lexical, mesmo na idade adulta, continua a
se expandir, indefinidamente, ao passo que ocorre pequeno desenvolvimento da
sintaxe.
2- É preciso saber a probabilidade de se encontrar uma determinada palavra na fala, ou
na escrita, tanto no aspecto da frequência, quanto no que diz respeito à sua
colocabilidade (relações sintagmáticas: por exemplo, a palavra macio se coloca com
cabelo, pele, tecido e outras.).
3- É necessário se conhecer as limitações para o uso de uma palavra, segundo suas
diferentes funções e situações (tipos de registro).
4- Cabe conhecer o comportamento sintático da palavra: suas propriedades gramaticais
e estruturais.
5- É importante conhecer suas formas subjacentes, derivações e flexões.
6- É necessário se conhecer a rede de associações que pode ser feita a partir daquela
palavra com outras (relações paradigmáticas: por exemplo, a palavra roda está
associada à bicicleta, moto, carroça, a carro e a outras.).
7- Há que se conhecer seu valor semântico (sentido denotativo).
8- Cabe conhecer diferentes significados associados à palavra (sentido conotativo).
Apesar do avanço que o modelo representou, pesquisadores têm destacado a ausência de
orientações sobre como levar o aprendiz de LE a desenvolver sua competência lexical, de modo
tão abrangente (Schmitt e Meara, 1997; Schmitt, 1998). O próprio Richards reconhece as
limitações do esquema e destaca que o objetivo “[...] é sugerir que ao prepararmos materiais
instrucionais tenhamos como ponto de partida um conceito rico de vocabulário.” (op.cit.
p.118).40 Para Scaramucci (1995), a conceituação ampliou de modo significativo a base teórica
até então considerada, mas a pesquisadora destaca a ausência de uma dimensão de uso:
Embora um conceito rico de vocabulário tenha sido usado, muitas vezes, na
literatura, para caracterizar a competência lexical do falante nativo, observa- se que
ele é ainda um conceito ‘estático’, na medida em que não faz referência à uma
dimensão ou habilidade/capacidade de uso.” (Scaramucci, ibid, p. 79)
A autora observa, ainda, que a despeito do modelo haver aberto novas perspectivas, os
resultados não se fizeram sentir por falta de investigações sistemáticas. Os estudos até agora
realizados com base na proposta de Richards têm se restringido a medir a extensão de
40
“[...] it is to suggest that in preparing teaching materials we begin with a rich concept of vocabulary.”
(RICHARDS, 1976, p. 118)
42
conhecimento de falantes nativos e se revelam especialmente escassos no contexto do aprendiz
brasileiro de LE (Scaramucci, ibid, p. 77).
Em 1990, em sua tese de doutorado, Michael Scott sugere um modelo qualitativo, e não
quantitativo, referente ao significado. O autor defende a existência de três condições para se
conhecer uma palavra: que se conheça o seu conceito, que se reconheça o que a palavra não é
(ambos os aspectos relativos à denotação) e que se saiba com que outras palavras, ou conceitos,
ela pode se relacionar, nos níveis paradigmático e sintagmático, condição essa relacionada tanto
ao aspecto denotativo, quanto ao conotativo.
Se no caso de Dale (op. cit.) se esbarra na dificuldade de conceituar o que vem a ser
conhecimento exato, a avaliação de Scott parece impossibilitar a quantificação da competência
vocabular, já que o potencial de diferentes empregos conotativos de uma palavra não tem
limites definíveis (Scaramucci, 1995, p. 74).
Na mesma época, em uma de suas muitas pesquisas na área do léxico, Nation (1990)
apresentou sua primeira proposta de avaliação, um modelo dividido em oito categorias, assim
estruturadas:
1- Conhecer a forma oral da palavra.
2- Conhecer a forma escrita da palavra.
3- Conhecer o comportamento gramatical da palavra.
4- Conhecer o comportamento da palavra quanto à sua colocação na frase.
5- Conhecer a frequência de uso da palavra.
6- Conhecer o uso adequado da palavra.
7- Conhecer o conceito subjacente ao significado da palavra.
8- Conhecer com que outras palavras essa palavra se relaciona.
Para Schmitt e McCarthy (1998, p.4), a proposta de Nation auxilia na visão sobre o
conceito do que seja conhecimento de uma palavra, já que cobre de forma abrangente todos os
elementos envolvidos no processo, além da dimensão do significado. Em contrapartida,
avaliam que o autor não indica como esse conhecimento se dá, como evolui de um estágio a
outro, ou, ainda, se e como o conhecimento de um aspecto pode afetar o outro.
Posteriormente, o construto de Nation foi aperfeiçoado quando o autor incluiu uma
dimensão receptiva e outra produtiva, em um abrangente modelo composto por dezoito
perguntas que se referem à forma, ao significado e ao uso da palavra (Nation, 2001, p.27). No
trabalho, o pesquisador define conhecimento do vocabulário, em seu aspecto receptivo como o
reconhecimento da forma da palavra e seu significado, ao passo que o conhecimento produtivo
43
implica a seleção e a representação adequada das palavras (ibid, p. 24-5).41 O referido modelo
se encontra no Quadro 1, e sua versão no original inglês está em Anexo 1 deste estudo.
QUADRO 1: Modelo de avaliação de conhecimento de vocabulário. (Nation, 2001, p. 27)
R: Como soa essa palavra?
FALADA
FORMA
P: Como se pronuncia essa palavra?
R: Com o que se parece essa palavra?
ESCRITA
P: Como se escreve/soletra essa palavra?
R: Que partes dessa palavra podem ser reconhecidas?
PARTES DA
PALAVRA
P: Que partes da palavra são necessárias para se expressar o
significado?
R: Que significado a forma dessa palavra indica?
FORMA E
SIGNIFICADO
P: Que forma da palavra pode ser usada para expressar esse
significado?
SIGNIFICADO
R: O que está incluído no seu conceito?
CONCEITO E
REFERENTES
P: A que itens esse conceito pode se referir?
R: Em que outras palavras essa palavra nos faz pensar?
ASSOCIAÇÕES
P: Que outras palavras poderíamos utilizar no lugar dessa?
FUNCÕES
GRAMMATICAIS
USO
R: Em que padrões essa palavra ocorre?
P: Em que padrões devemos usar essa palavra?
R: Que palavras ou tipos de palavras ocorrem com essa?
COLOCAÇÕES
P: Que palavras ou tipos de palavras devemos usar com essa?
R: Onde, quando e com que frequência poderíamos encontrar
RESTRIÇÕES DE
essa palavra?
USO
Registro e frequência P: Onde, quando e com que frequência usaríamos essa
palavra?
Nos últimos anos, o modelo que tem sido mais utilizado (às vezes com algumas
variações), e que pode ser encontrado em diversas investigações, é o (VKS), Vocabulary
41
“Essentially receptive vocabulary use involves perceiving the form of a word while listening or reading and
retrieving its meaning. Productive vocabulary use involves wanting to express a meaning through speaking or
writing and retrieving and producing the appropriate spoken or written word form.” (NATION, 2001, p24-5).
44
Knowledge Scale, proposto em Paribakht e Wesche (1997) e Wesche e Paribakht (1996),
dividido em cinco categorias de autoavaliação:
QUADRO 2: VKS Escala de Elicitação (Paribakht e Wesche, 1997, p. 180)
1- Eu não me lembro de haver visto esta palavra antes.
2- Eu me lembro de haver visto esta palavra antes, mas eu não sei o que ela significa.
3- Eu já vi esta palavra e eu acho que ela significa ............. (sinônimo ou tradução).
4- Eu conheço esta palavra. Ela significa ................ (sinônimo ou tradução).
5- Eu consigo usar esta palavra em uma frase: ................................. (Escreva uma frase)
Os autores em pauta se propõem a oferecer “[...] um instrumento prático, para ser
utilizado em estudos a respeito do reconhecimento inicial, e do uso de palavras novas.”42. Para
Zilles (2007, p. 103) e Melka (1997, p. 98), embora o teste não seja perfeito, tem o mérito de
abranger diferentes estágios, iniciando no total desconhecimento e chegando a um nível que
pode ser descrito como produtivo. O modelo se complementa por meio do instrumento de
interpretação “Categorias de Escore VKS”, descrito no Quadro 3. Vale destacar a ausência de
linearidade, já que uma mesma categoria pode levar a mais de uma avaliação, característica que
reflete o processo de aquisição lexical como um fenômeno interativo, que se desenvolve ao
longo de estágios e demanda a continuada exposição do aprendiz ao vocabulário.
QUADRO 3: Categorias de escore VKS - Significados dos escores
(Paribakht e Wesche 1997, p. 181)
Categorias
autorrelatadas
Possíveis
escores
Significados dos escores
I
•
1
A palavra não é familiar.
II
•
2
A palavra é familiar, mas
seu significado não é conhecido.
III
•
3
Um sinônimo, ou uma tradução
correta, é fornecido.
IV
•
4
A palavra é utilizada com adequação
semântica em uma frase.
V
•
5
A palavra é utilizada com adequação
semântica e gramatical em uma frase.
42
“[...] a practical instrument for use in studies of the initial recognition and use of new words” (Wesche;
Paribakht, 1996, p. 29).
45
A concepção de que o conhecimento de vocabulário ocorre de forma progressiva
continua a se refletir em propostas mais recentes: Henriksen (1999) propõe que o processo
ocorre através de três dimensões: i) do conhecimento parcial das palavras ao conhecimento
preciso, ii) do conhecimento superficial ao profundo;
iii) do conhecimento receptivo ao
produtivo.
Com base nessa concepção, Leffa (2000a, p.34) sugere analisar o desenvolvimento
lexical de um aprendiz de LE por meio de três dimensões simplificadas, que define como
quantidade, profundidade e produtividade. Em cada uma, o conhecimento se dá de forma
evolutiva:
(1) Quantidade: segundo o autor, vai de um patamar mínimo de competência linguística
de 1000 palavras, a um nível que permite a leitura, irrestrita, de textos em L2, estabelecido em
torno de 5000 palavras.
(2) Profundidade: parte do simples reconhecimento do item lexical, até o pleno
conhecimento de suas coocorrências, passando pelo domínio de sinônimos e antônimos.
(3) Produtividade: vai do conhecimento receptivo ao produtivo, com a adequada
competência do aprendiz, para fazer uso da palavra em linguagem oral, ou escrita.
Diferentemente de outros pesquisadores, o autor faz menção a um processo interativo
entre as diferentes dimensões e define de que forma o fenômeno se dá:
Essas dimensões também interagem entre si, alimentando-se mutuamente. Assim, à
medida que cresce o número de palavras conhecidas, aquelas que já eram conhecidas,
tornam-se mais profundamente conhecidas e o vocabulário receptivo, com o uso
constante, pode também se tornar produtivo. (Leffa, ibid.)
Os modelos aqui expostos não esgotam as propostas encontradas na literatura, mas
ilustram o conjunto de sugestões que têm sido elencadas, para o dimensionamento de
competência/conhecimento lexical, medidas essas que afetam, diretamente, os processos
instrucionais e a criação de materiais (para uma discussão aprofundada do tema avaliação do
vocabulário, vide Scaramucci, 1995).
Embora reconheçamos que o conceito de conhecimento de uma palavra pode ser
analisado sob diversas perspectivas teóricas, sugerimos que se opte por uma definição que
englobe um espectro amplo, incluindo os níveis sintático, morfológico, semântico e discursivopragmático, como proposto por Scaramucci (ibid.) e Gatollin e Scaramucci (2007). Nossa
escolha se dá por reconhecermos que limitar esse conceito seria ignorar os variados fatores _
contextuais, intralinguísticos, cognitivos e psicológicos _ que interagem de modo dinâmico e
46
continuado, para que o sujeito aja como construtor ativo do significado, fazendo uso criativo e
adequado do acervo lexical à sua disposição. Seguimos, portanto, a proposta de Scaramucci
(2007) que em referência ao modelo de Richards (op.cit.) sugere sua complementação por meio
da inclusão de um nível discursivo/pragmático:
[...] ao qual adiciono um nível discursivo/pragmático, incorporando à dimensão
linguística também uma dimensão de uso, ou cognitiva, em vez de considerá-la
separadamente, levando em conta a interação entre elas. (Scaramucci, 2007, p. 75).
Ao comparar propostas diversas, para instrução do vocabulário e variados conceitos de
competência lexical, assim como modelos distintos, para o seu dimensionamento e avaliação,
este capítulo teve como objetivo explorar questões especialmente caras à nossa investigação.
Em continuidade, passamos a abordar o tema da colocabilidade entre palavras, um
desdobramento que acreditamos de especial pertinência para a temática em foco.
2.3- COMPETÊNCIA COLOCACIONAL: EM BUSCA DE UM CONSENSO
Todas as línguas, de um modo geral, possuem frases e construções fixas, não
necessariamente idiomáticas. Em inglês, essa constatação é particularmente verdadeira, talvez
pelo fato de que a maioria das palavras abarca diversos significados, alguns bastante diferentes,
outros, apenas, tenuamente distintos. Na literatura, esses grupos de palavras recebem variadas
denominações, entre essas, colocações, termo que usaremos doravante. O estudo da
colocabilidade entre palavras pode se desenvolver a partir de uma abordagem estatística, ou
fraseológica. A primeira aborda a distribuição numérica da coocorrência de itens lexicais, em
um determinado contexto, como em Sinclair (2003, 1997). Este tipo de levantamento está,
preferencialmente, relacionado à Linguística de Corpus, disciplina que se tornou fortemente
associada ao uso de computadores, conforme visto em 2.1 neste trabalho. A segunda vertente, a
fraseologia, tem seu foco voltado para o estudo dos diferentes tipos de combinação entre
palavras, sua tipificação e convencionalidade, como em Cowie (1998) e Howarth (1998). Os
estudos fraseológicos têm se popularizado de forma crescente e o termo vem sendo utilizado
em diversas áreas acadêmicas. Contudo, Howarth (ibid, p. 24) destaca que seu uso ainda não
foi totalmente reconhecido no campo da Linguística Aplicada, nem seu escopo de atuação
claramente compreendido. Para o autor, essa dificuldade se deve ao fato de que as
investigações têm ocorrido de modo disperso, pelo olhar independente de diferentes disciplinas,
sem que haja uma abordagem integrada.
47
Segundo Wray (2002, p.7), as primeiras observações registradas, a respeito de um
possível grau de constância entre palavras, remonta a meados do século XIX, quando John
Hughlings Jackson (1835-1911), neurologista britânico, pesquisou pacientes afásicos e sua
aparente capacidade para produzir segmentos linguísticos fixos, como textos religiosos,
expressões de cumprimento e rimas, habilidade que não demonstravam na produção de
unidades novas da fala. O conceito de colocabilidade e o termo colocação foram introduzidos
por John Rupert Firth (1890-1960), em seu trabalho Modes of Meaning de 1957, no qual
defende que parte do significado de uma palavra está ligado a outras que a acompanham
(Tagnin, 1999, p.26; Wanner, 2004, p.96). Embora o linguista inglês tenha influenciado sua
geração e cunhado a frase: “Você deve julgar uma palavra por sua companhia.”43, sua
contribuição, nessa área, foi negligenciada por várias décadas. Esse aparente desinteresse pode
ter se originado da ausência de uma definição clara, por parte de Firth, que se limita a ilustrar o
conceito com exemplos, mas, do mesmo modo, pode se dever às restrições práticas, à época,
para a realização de estudos textuais (Berry-Roghe, 1972, p. 103). Desde então, diversos
pesquisadores têm buscado conceituar o fenômeno da coocorrência, à luz de modernas teorias
da Linguística Aplicada, e o estudo ganhou mais espaço com a crescente facilidade que os
recursos de informática trouxeram para a busca de palavras em seu ambiente.
Halliday, que foi aluno de Firth, recolocou a questão em pauta (1966)44 e seus estudos
em sociosemiótica (1978)45 tiveram um grande impacto, para a noção de como e por que
realizamos determinadas escolhas discursivas. Para Halliday, o fenômeno da colocação é um
elemento crucial para a análise do léxico, uma vez que traz informações probabilísticas
importantes para o linguista, cujo interesse _ segundo o autor _ não está apenas no que sabemos
sobre a língua, mas, igualmente, no que fazemos com e através dela.
O enfoque no aspecto da combinação entre palavras foi, do mesmo modo, privilegiado
por Saussure (1916-1966), que se referiu ao sequenciamento de elementos que dispensam
análise individual e passam a funcionar como unidades integradas de significação. À época,
essa abordagem foi temporariamente abandonada, sob a influência do conceito de competência
gramatical de Chomsky (1965), e retomada, quando novas teorias, baseadas na competência
comunicativa de Hymes (1972), passaram a ser o mote das pesquisas na área.
No cenário atual, em oposição ao antigo enfoque descontextualizado, que deu origem às
listas de vocabulário, advoga-se que o significado de uma palavra nova deve ser aprendido em
43
“You shall judge a word by the company it keeps”. Cf. FIRTH, John Rupert. Modes of Meaning: Papers in
Linguistics 1934-1951. London: Oxford University Press. 1957. Pp. 190-215.
44
HALLIDAY, Michael A. K. Lexis as a Linguistic Level. In: BAZELL, Charles Ernest; et al. (Eds.). In Memory
of J.R. Firth. London: Longman.1966.
45
HALLIDAY, Michael A. K. Language as Social Semiotic. London: Edward Arnold. 1978.
48
seu contexto. A esse aspecto, alguns autores têm se referido como “ambiente/equilíbrio
ecológico”, como em Sardinha (2000a, p. 51), para quem “colocação é um tipo de padronização
do léxico que diz respeito à associação entre palavras.” (ibid, p. 49).
Essa percepção de conjunto facilitaria seu reconhecimento e lembrança, quando há
necessidade de recuperá-las na memória, já que “palavras tendem a ter uma estrutura altamente
colocacional” (Souza, 2004, p.20). É certo que uma palavra isolada não deve ser vista como
uma unidade vazia de conteúdo, pois carrega em si um significado intrínseco, moldado por suas
participações em textos anteriores. Entretanto, ao mesmo tempo em que transmite sentidos
previamente adquiridos, recebe de um diferente contexto um renovado potencial de
significação que emana do novo ambiente e nele se completa. Esse processo interativo é
contemplado em Leffa, (2000a, p. 24):
[...] a palavra não só assume o significado imposto pelo texto, mas também determina
seu significado. [...] Na verdade, o que se tem entre o texto e a palavra é um processo
de interação baseado em algumas regras fundamentais, onde o texto, não
necessariamente dá um significado à palavra, mas privilegia um de seus possíveis
traços semânticos. (Leffa, 2000a, p. 24)
Nesse continuado movimento de troca, o significado exato, de qualquer item lexical, é
determinado pelo contexto em que se encontra, ou seja, pelas palavras que o cercam e com as
quais combina. Um aluno que, inadvertidamente, use a expressão “a great accident”,
considerando que “great” pode ser (entre outras opções) “grande, enorme, imenso”, para
significar um “grande acidente” _ no sentido de grave, sério_ não forma um texto preciso:
deveria usar “dreadful, major, serious, terrible”46. Ou seja, “great” não se coloca com
“accident’ nesse contexto.
A habilidade nessa delicada combinação é uma das competências mais difíceis de
adquirir, principalmente nos aspectos produtivos da escrita e da fala, e um dos mais expressivos
indicadores de proficiência por parte do aprendiz de LE. (Leffa, ibid, p.17).
Como resultado da falta de uniformidade nas investigações, é possível se encontrar uma
ampla variedade terminológica, para rotular duas, ou mais palavras que são produzidas em
sequência, sem (grande) esforço por parte do usuário. Para Weinert (1995, p. 182), as diferentes
nomenclaturas _fórmula, língua pré-fabricada, língua para pronto uso, pedaços, unidades
multivocabulares, expressões fixas, ou semifixas, e outras (formula, pre-fabricated language,
ready-made language, chunks, multi-word units, fixed/semi-fixed units)_ referem-se,
essencialmente, ao mesmo fenômeno.
46
Sugestões: OXFORD Collocations Dictionary for Students of English. New York: Oxford University Press.
2002, p.3.
49
Schmitt e Underwood (2004), por exemplo, adotam a expressão “sequências
formulaicas” (formulaic sequences) para rotular sequenciamentos que podem variar
profundamente, de simples expressões para preencher o discurso (fillers), como “kind of”, ou
exercer funções, “I’m sorry”, até provérbios, “Barking dogs seldom bite”, passando por
colocações, “make a mistake”, e expressões idiomáticas, “to pull someone’s leg”. Boers (2006,
p.257) assume posição semelhante e nomeia, indistintamente, colocações e expressões
idiomáticas, como “formulaic sequences”, sob o argumento de que ambas pertencem à
categoria de “expressões multivocabulares padronizadas” (standardized multiword expressions)
da língua (ibid, p. 246).
Sardinha (2000b, p. 50-1) opta por “chunks”, termo que traduz como “porções”. Para o
autor, a denominação engloba de forma efetiva diversos padrões de colocabilidade léxicogramaticais, além de ser uma nomenclatura amplamente utilizada e reconhecida na área de
ensino/aprendizado de LE.
Assim como há divergências a respeito da nomenclatura mais apropriada, a natureza
complexa e, ao mesmo tempo, fugidia, da combinalidade entre palavras dá origem a uma
variedade de percepções teóricas. Wray (2002, p.9), por exemplo, acredita que nenhuma
conceituação conseguiu, até o momento, descrever, de modo amplo e indiscutível, a essência
do fenômeno da coorrência, que define de forma abrangente como:
[...] uma sequência, contínua ou não, de palavras ou outros elementos, que é, ou
aparenta ser, pré-fabricada: ou seja, armazenada e recobrada da memória em sua
totalidade no momento em que é utilizada, ao invés de estar sujeita à produção, ou à
análise pelo sistema gramatical da língua.47 (Wray, 2002, p. 9)
Outros autores, entretanto, mantêm uma postura crítica a respeito dessa generalização,
já que o grau de estabilidade entre as palavras pode ser percebido de forma distinta, por
diferentes indivíduos. Essa diferença de percepção é visível especialmente se contrastarmos
aprendizes de LE que tendem a perceber unidades lexicais, palavra por palavra, com falantes
nativos, para quem as fórmulas transmitem, mais facilmente, um todo de significado (Boers,
op.cit., p. 247).
Para Howarth (1998, p. 25), a questão da colocabilidade se trata de um fenômeno que,
examinado atentamente, revela-se muito mais complexo e diversificado do que, à primeira
vista, pode se supor. O linguista argumenta que uma excessiva flexibilidade, no uso indistinto
da terminologia, pode induzir a perigosos equívocos de conceituação e sugere que as
47
“[...] a sequence, continuous or discontinuous, of words or other elements, which is, or appears to be,
prefabricated: that is, stored and retrieved whole from memory at the time of use, rather than being subject to
generation or analysis by the language grammar.” (Wray, 2002, p. 9)
50
expressões “linguagem formulaica”, ou “fórmulas”, não sejam usadas como termos guardachuva que englobem, em uma única categoria, todo tipo de combinações. O autor argumenta:
A sugestão de que ‘linguagem formulaica’, em oposição à língua gerada segundo
regras, é uma categoria única, que abarca todas as características significativas de
combinações de palavras, pode levar a uma impressão equivocada. Na falta de
critérios formais para a identificação e categorização não está claro se ‘linguagem
formulaica’ inclui ‘pedaços pré-fabricados’ tais como colocações e expressões
idiomáticas. 48 (Howarth, 1998, p.25).
A partir da análise das principais definições encontradas na literatura, Partington (1998,
p. 15-16) as classifica segundo três critérios, ou enfoques distintos:
i) Enfoque textual: nesse caso, o fenômeno é definido com base na linearidade da língua, pois
decorre da existência de um item lexical junto a outro em um texto. Essa é a posição em
Sinclair (1991, p.170)49: “Colocação é a ocorrência de duas ou mais palavras, distantes um
pequeno espaço de texto umas da outras.”
Hoey (2005, p.3) acusa a definição de ser um conceito bastante limitado que, a seu ver,
não reflete a abordagem feita pelo próprio Sinclair e propõe o termo “coocorrência lexical”
(lexical coocurrence), para se referir à ideia de proximidade física entre palavras.
ii) Enfoque psicológico, ou associativo: a definição se apoia na intuição linguística do falante,
que, por meio de exposição, desenvolve a capacidade de escolher coorrências usuais na língua,
habilidade a que Firth (1957) se refere como “expectancies” (Partington, op.cit., p.16). Esse é o
enfoque adotado por Aitchinson (2003, p.91) para quem: “Aprende-se o significado de uma
palavra, provavelmente, ao se notar as palavras que vêm juntas.” 50 O mesmo tratamento ocorre
em Leech, (1974, p. 20) 51: “O sentido colocacional consiste das associações que uma palavra
faz, por conta dos sentidos das outras palavras, que tendem a ocorrer em seu ambiente”.
(iii) Enfoque estatístico: essa abordagem é a preferida por aqueles que transitam na área da
Linguística de Corpus, como em Moon (1998, p. 26): “O fenômeno da colocação denota
coorrências que se repetem de forma frequente, ou são estatisticamente significativas, haja, ou
48
“It may give a misleading impression to suggest that 'formulaic language' is a single category, to be contrasted
with language generated by rule, and encompassing all significant features of word combinations. In the absence
of formal criteria for identification and categorization it is not clear whether 'formulaic language' includes such
'prefabricated chunks' as collocations and idioms.” (Howarth, 1998, p. 25)
49
“Collocation is the occurrence of two or more words within a short space of each other in a text.” (Sinclair,
1991, p.170).
50
“Word-meaning is probably learned by noting the words which come alongside”. (Aitchinson, 2003, p. 91)
51
“Collocational meaning consists of the associations a word acquires on account of the meanings of words which
tend to occur in its environment.” (Leech, 1974, p. 20).
51
não, laços semânticos especiais entre os itens colocacionais.”52. Igualmente em Hoey (1991, p.
6), para quem “Colocação tem sido o nome dado à relação que um item lexical tem com itens
que aparecem com maior probabilidade do que o mero acaso em seu contexto (textual)”
53
.
Posteriormente, Hoey (2005, p. 4) avaliou o conceito unicamente estatístico como limitado e
insatisfatório, por não esclarecer sobre o fenômeno em si, ou o seu propósito, e passou a
definir colocação como “[...] uma propriedade do léxico mental de um indivíduo” 54.
A variedade de critérios se origina da falta de regras que expliquem o mecanismo da
colocabilidade. Benson (1989, p. 4) destaca a imprevisibilidade do fenômeno e defende que:
“Colocações deveriam ser definidas não apenas como ‘combinações recorrentes de palavras’,
mas como ‘combinações arbitrárias recorrentes de palavras.”55 (itálico nosso). Na
interpretação de Wanner (2004. p. 98), uma colocação é uma combinação de itens lexicais, de
natureza binária e lexicalmente restrita, não regida por regras universais de restrição semântica.
O autor ilustra a natureza idiossincrática do conceito, com a colocação inglesa usual para
significar um chá forte, com muita cafeína: “strong tea” e não “*powerful tea”, embora ambos
os adjetivos (strong/powerful) possam ser traduzidos como “forte”.
Tagnin (1989, p. 82), para quem colocabilidade é “o aspecto que caracteriza a forma
peculiar de expressão numa dada língua”, combina os critérios citados por Partington (op.cit.) e
define colocações como “uma combinação lexical recorrente, não idiomática, coesa, cujos
constituintes são contextualmente restritos e de coocorrência arbitrária.” (Tagnin, 1999. p. 41).
Em obra posterior (2002, p.193-4), a autora distingue entre fórmulas ou colocações, as quais
define como “palavras que coocorrem em freqüência maior do que caso se tratasse de uma
combinação aleatória” e expressões idiomáticas, que conceitua como “[...] expressão cujo
significado total não corresponde à soma dos significados individuais de seus componentes.”
Essa distinção é, igualmente, defendida por Bahns (1993, p. 57), que avalia colocações
como palavras que refletem seu significado intrínseco, frequentemente utilizadas juntas, de
forma natural, com diferentes graus de ligação e peso psicológico, como, por exemplo, “fly a
kite” (soltar pipa). Já, expressões idiomáticas são conceituadas como relativamente imutáveis,
cuja tradução não reflete os significados distintos de seus componentes, como a expressão “to
be on cloud nine”, que significa “estar muito feliz”, e nada tem a ver com a tradução literal,
algo como “*estar na nuvem nove”.
52
“Collocation typically denotes frequently repeated or statiscally significant co-occurrences, whether or not there
are any special semantic bonds between collocating items.”
53
“Collocation has been the name given to the relationship a lexical item has with items that appear with greater
than random possibility in its (textual) context.” (Hoey, 1991, p. 6-7).
54
“[...] a property of the individual’s mental lexicon.” Hoey (2005, p. 4)
55
“Collocations should be defined not just as ‘recurrent word combinations’, but as ‘arbitrary recurrent word
combinations’” (Benson,1989, p. 4)
52
Encerrando o debate sobre o tema da definição, considerando as leituras realizadas e
levando em conta nossa visão conceitual sobre o fenômeno, tomamos colocações como
o resultado da maneira como as palavras se combinam em uma língua, de forma recorrente e
arbitrária, de modo a produzir um texto que soe natural, ou seja, que não cause estranheza ao
falante nativo. Entendemos, contudo, que essa combinalidade pode ocorrer em diferentes graus
de coesão, como mostramos adiante.
O uso da tecnologia aprofundou a discussão acerca do melhor caminho a se adotar para
a análise e a classificação de coorrências. Para Sinclair (2001), a falta de um critério consensual
deve ser solucionada, através do levantamento de corpora, baseado em medidas estatísticas, que
espelhem a frequência de uso, processo que, como já foi abordado, tem sido imensamente
facilitado pela popularização do computador.
Howarth (1998, p.26) reconhece a contribuição da informática, mas faz importantes
restrições a uma abordagem meramente quantitativa que, a seu ver, não considera as sutis
gradações de significado e os aspectos psicológicos envolvidos na questão da colocabilidade. O
pesquisador argumenta que esse tipo de análise não leva em conta o fator da competência e
destaca que processos que se baseiam unicamente na frequência correm o risco de apontar uma
relevância, equivocada, de combinações altamente transparentes (que exemplifica com have
children), frequentes, apenas, em função do tópico específico da amostra analisada.
Em contrapartida, o pesquisador defende a necessidade de um sistema de categorização
após o estabelecimento de características distintas. Para tal, acredita ser preciso uma análise
criteriosa, que considere a existência de tipos fraseológicos diversos. Essa categorização
tipificaria os itens lexicais combinados segundo características intrínsecas à sua própria
natureza, considerando-se a observação de diferenças entre a produção de nativos e não
nativos. Howarth (ibid, p.27) cria uma proposta de classificação hierárquica de segmentos
fraseológicos que leva em conta a forma interna das combinações, sua função externa,
especialidade semântica, restrições sintáticas e o maior ou menor grau de comutabilidade dos
elementos lexicais envolvidos (Howarth, ibid). A proposta se encontra no Quadro 4, e o modelo
original em inglês pode ser visto em Anexo 2 neste trabalho.
53
QUADRO 4: Categorias Fraseológicas (Howarth, 1998, p. 27)
Combinações de palavras
expressões funcionais
não idiomáticas
idiomáticas
unidades compostas
compostos gramaticais
não idiomáticos
idiomáticos
compostos lexicais
não idiomáticos
idiomáticos
Para o pesquisador, as expressões funcionais são identificadas levando-se em
consideração o papel que exercem no discurso, ao passo que as unidades compostas exercem
uma função sintática na frase, ou oração em que se inserem, e podem ser subdivididas nas
categorias gramatical e lexical. As colocações lexicais se constituem de duas classes de
palavras: verbo + substantivo, ou adjetivo + substantivo. Já aquelas formadas por: preposição +
substantivo, ou adjetivo + preposição se inserem na categoria de colocações gramaticais. A
subdivisão que categoriza as sequências como idiomáticas, ou não idiomáticas, configura-se,
segundo a proposta do autor em pauta, em um contínuo de estabilidade, conforme ilustrado no
Quadro 5:
QUADRO 5: Contínuo colocacional (Howarth, 1998, p. 28)
combinações livres
Compostos
lexicais:
blow a trumpet
verbo + subst.
Compostos
gramaticais:
preposição under the table
+ subst.
combinações restritas
blow a fuse
under attack
idiomas figurativos
blow your own trumpet
under the microscope
idiomas puros
blow the gaff
under the weather
54
Seguindo a conceituação sugerida por Howarth (ibid. p.28), as combinações livres,
localizadas em um dos extremos do contínuo, consistem de elementos usados em seu sentido
literal, e aceitam livre substituição. As restritas apresentam um dos componentes usados em
sentido figurativo e têm uso mais limitado, como o nome sugere. O autor propõe sua subdivisão
em três categorias, na medida em que houver uma variação, tanto no desvio do significado
literal, quanto no grau de constância: as mais literais e menos fixas fazem limite com as
combinações livres, ao passo que as mais estáveis, menos sujeitas à tradução literal e à
comutabilidade, localizam-se na fronteira com os idiomas. Idiomas figurativos têm um sentido
metafórico e uma interpretação literal, ao passo que idiomas puros se encontram no extremo
oposto das combinações livres. Esses são os mais opacos, pois não se pode deduzir seu
significado, considerando-se o sentido isolado de seus componentes, os quais não aceitam
permuta.
Embora defenda a necessidade de uma tipificação, Howarth reconhece que dificuldades
importantes estão envolvidas na aplicação das conceituações propostas. Não se pode delimitar,
com segurança, a divisão entre uma e outra categoria, já que o critério de comunicabilidade é
significativamente sujeito a interpretações pessoais e componentes psicológicos (Nesselhauf,
2003, p.224). O posicionamento de uma colocação pode, ainda, alterar-se, adquirindo um
maior, ou menor grau de convencionalidade. Essa transformação ocorre, quando, ao ser
reiteradas vezes utilizada por uma comunidade linguística, a expressão se consagra pelo uso, ou
o movimento contrário pode ocorrer, quando a combinação perde força e deixa de fazer parte
do elenco de itens convencionais da língua. Essa instabilidade é ilustrada em Louro (2001, p.
24), pela expressão “vaca louca” (mad cow):
Essa colocação foi cunhada com a intenção de nomear popularmente a doença cujo
nome científico em português é Encefalopatia Espongiforme Bovina [...]. A comunidade
em geral adotou esse nome popular, e pode-se dizer que mad cow e vaca louca já são
colocações fixas, consagradas ou convencionais. Louro (2001, p. 24)
Em um movimento oposto ao caso exemplificado por Louro, igualmente em português,
a expressão “o samba do crioulo doido” foi, durante um período, muito usada para indicar
confusão, falta de clareza. Hoje, já não é mais reconhecida pelas novas gerações, pois sua
origem _ um samba popular da década de 60 _ perdeu-se na memória do povo56. O mesmo
ocorreu com a expressão inglesa, “to rain cats and dogs”, que surgiu na era medieval, quando
gatos e cachorros se empoleiravam nas vigas dos tetos e de lá pulavam, quando chovia muito.
56
“O Samba do Crioulo Doido”. Letra de Sérgio Porto, conhecido como Stanislaw Ponte Preta, e gravado pelo
Quarteto em Cy em 1968. Exemplo a critério desta autora.
55
Hoje, é mais usual que se diga “It’s pouring!”, para se fazer menção à chuva forte. Ou seja, o
todo de significado pode, eventualmente, tornar-se mais ou menos claro, em função da própria
natureza dinâmica da linguagem verbal.
A despeito da reconhecida dificuldade em se estabelecer um critério consistente de
tipificação, a proposta de um construto evolutivo reflete a busca por um modelo de análise,
aplicável aos diferentes níveis do fenômeno colocacional, e tem sido sugerida por outros
autores. Benson, Benson e Ilson (1997) distinguem três diferentes graus de coesão: no menos
acentuado estão as combinações livres, quando as palavras podem ser encontradas
separadamente, combinadas com diversas outras, e não se constituem em itens lexicais. Nesse
caso, a gramaticalidade é a única restrição à diversidade de combinações. Por exemplo, na
expressão “buy + a car” (comprar um carro), é possível usar o verbo “buy” associado a
diversos outros complementos (a house, a dress, a book, presents), assim como muitos outros
verbos (sell, have, look at, love) podem se unir ao substantivo “car”.
No extremo oposto, encontram-se as expressões idiomáticas, totalmente fixas, e que
não espelham o significado das palavras individualmente, como por exemplo, “to pull one’s
leg”, que literalmente significaria “puxar a perna de alguém”, mas cujo sentido real é “implicar
com alguém”.
Entre esses extremos se situam as colocações propriamente ditas. Embora os autores
não mencionem as subdivisões tipificadas em Howarth (op.cit.), há, necessariamente, um
aspecto gradativo no grau de coesão entre os componentes desse grande grupo. Sugerimos o
modelo que se encontra no Quadro 6, com exemplos a nosso critério, como ilustração da
proposta de categorização de Benson, Benson e Ilson (op.cit):
QUADRO 6: Contínuo de colocabilidade (Benson, Benson e Ilson, 1997, p. 34)
―――X―――――――――X―――――――――――X―――
↓
Colocações livres
take a book see a boy
↓
↓
Colocações
Expressões idiomáticas
do a favour make a visit
kick the bucket take up a course
As colocações, localizadas no meio do contínuo, são os itens que acreditamos apresentar
maior dificuldade para o aprendiz, por não serem totalmente livres nem, tampouco,
completamente fixos. São sequências que funcionam segundo uma relação de parceria que
56
permite a combinação com outras palavras. É comum que os alunos se ressintam, por exemplo,
da falta de regras que regulem o uso dos verbos “do” e “make”, ambos traduzidos como
“fazer”: como ilustrado, diz-se “make a visit” (fazer uma visita), mas “do a favour” (fazer um
favor). Para isso, embora possa se tentar uma certa padronização de conceitos, não há regras a
seguir, é preciso que o aluno memorize, praticamente, caso a caso. As expressões idiomáticas
equivalem aos “idiomas puros “de Howarth (op.cit.), por apresentarem um alto grau de
opacidade no seu sentido: “kick the bucket” não quer dizer “chutar o balde”, como a tradução
literal pode levar a crer, mas “abandonar, desistir, deixar de lado possíveis consequências
ruins”, e “take up a course” não significa “apanhar, pegar um curso”, mas “frequentá-lo”.
Sinclair (1997, p.109-10) menciona essa gradação com os termos, princípio da livre
escolha e princípio idiomático. O primeiro determina que a parceria entre as palavras ocorre a
partir de uma possibilidade quase ilimitada de escolhas por parte do usuário, restritas apenas
pelas regras da gramaticalidade da língua. O segundo diz respeito à construção textual,
iniciando-se pelo uso de unidades idiomáticas pré-fabricadas que, embora pareçam analisáveis
em elementos distintos, constituem um todo de significado. Para o autor, ambos os princípios
se articulam e se alternam, de forma dinâmica, no processo de construção de um texto coerente
e coeso.
Lewis (1996, p.93; 1997, p.8) propõe uma abordagem semelhante de gradação e
classifica o fenômeno de coocorrência segundo um espectro que abrange três categorias
distintas: colocações livres, colocações relativamente fixas, que permitem um número limitado
de combinações e as totalmente fixas, unidades lexicais consagradas e que, por não permitirem
alteração em seus sequenciamentos, configuram-se como expressões idiomáticas. Para o autor,
unidades muito fortes, como “drug addict” (viciado em drogas), podem ser, até mesmo,
consideradas palavras compostas (Lewis, 1997, p. 31).
Considerando a conveniência de uma tipificação, quanto ao grau de constância e
comutabilidade das colocações, adotamos o conceito sugerido por Howarth (op.cit.), para a
categorização das combinações selecionadas neste estudo (ver 5.4 neste trabalho). No que tange
à sua classificação, seguimos o modelo adotado em Tagnin (2002, p.195 e 1998, p.41-2) e
Wanner (2004, p.98-9). Segundo o critério proposto, as colocações são formadas por dois itens
lexicais denominados de base _ geralmente um substantivo, é aquele que determina, tem
caráter autônomo e possui maior valor semântico _ e colocado, a unidade determinada, que
acrescenta características semânticas ao valor da base e cuja categoria gramatical dá nome à
colocação. Dessa forma, é possível montar os seguintes grupos:
57
a- substantivo+substantivo= colocação nominal (fire alarm)
b- substantivo+adjetivo= colocação adjetiva (historic event)
c- substantivo+verbo= colocação verbal (catch a cold)
d- adjetivo + advérbio / verbo + advérbio= colocação adverbial (wickedly funny / blankly gaze)
e- adjetivo + preposição = colocação preposicional (similar to)
Em take a walk, por exemplo, a base é walk e o colocado é take, portanto, esta é uma
colocação verbal, categoria das unidades usadas nesta pesquisa, à exceção de um dos itens que
se insere na categoria das colocações adjetivas, como a ser visto adiante.
A despeito das diferentes definições e nomenclaturas propostas, conforme abordado, a
noção de coorrência entre unidades lexicais e o termo colocação ganharam, definitivamente,
visibilidade nos estudos da área. Do mesmo modo, parece haver um significativo consenso,
sobre a conveniência de tratamentos instrucionais que orientem o ensino e o aprendizado de
vocabulário a partir da noção de colocabilidade, de forma a promover o desenvolvimento de
uma aptidão específica. Essa habilidade recebeu uma terminologia particular e uma nova
dimensão com os estudos de Hill (1999) e Celce-Murcia (2001) que cunharam,
respectivamente, as expressões competência colocacional e competência formulaica, para se
referir à necessidade de uma proficiência no tocante à combinação de palavras. A necessidade
desse tipo de competência para o aprendiz de LE parece clara: “A observação de padrões é tida
como de suma importância no ensino de língua estrangeira, pois a sensação de ‘naturalidade’ na
fala ou na escrita depende em grande parte do emprego de padrões.” (Sardinha, 2000b, p. 51).
Wray (2006b) é de opinião que esses componentes que se colocam juntos são
previsíveis na forma e, aparentemente, armazenados na memória em porções, fixas ou semifixas. A autora defende que, ao fazer uso dessas pequenas unidades lexicais pré-fabricadas, o
aprendiz concilia seu conhecimento de estruturas gramaticais com a construção de novos
textos, permitindo um processo comunicativo, ao mesmo tempo, fluente e idiomático.
Uma possível relação entre competência colocacional e fluência é, igualmente,
vislumbrada por outros autores: Louro (2001, p. 61), por exemplo, acredita que “...conhecer e
usar as colocações resulta em fluência na comunicação.” e Hill (op.cit., p.5) defende que a
naturalidade e a velocidade da fala de falantes nativos se devem, em grande parte, ao
conhecimento de porções fixas da língua, entre essas, as colocações: “quando não conhecem as
colocações, que expressam, exatamente, o que querem dizer, os alunos criam enunciados mais
longos que aumentam a probabilidade de novos erros.”57. O aspecto idiomático da língua
57
“When students do not know the collocations which express precisely what they want to say they create longer
utterances which increase the likelihood of further errors.” (Hill, 1999, p. 5).
58
produzida por nativos é, ainda, destacado por Howarth (1998, p. 24) para quem “a competência
linguística do falante nativo tem um amplo e significativo componente fraseológico.”58
Para Porto (1998), as falhas da abordagem estrutural, que não encontrou um meio de
permitir a utilização criativa das regras gramaticais, e as limitações da abordagem
comunicativa, que disponibiliza um vasto repertório sem tornar o aprendiz gramaticalmente
competente, podem ser solucionadas por um equilíbrio a ser alcançado com o uso de
sequências formulaicas, termo que aqui utilizamos, de modo abrangente, como em Schmitt e
Underwood (op.cit.), e Boers (op.cit.). Para a autora, esses “blocos” de sentido, incluindo
aspectos estruturais, como voz passiva e orações condicionais, permitem ao aprendiz maior
fluência, mesmo nos níveis iniciantes, contribuindo para a sensação prazerosa de competência
linguística, ao facilitar a progressiva sofisticação de recursos fraseológicos.
Nosso estudo se apoia, expressivamente, na visão de Michael Lewis (1993, 1997), que
preconiza a percepção, a memorização e a produção da língua-alvo, através de unidades
lexicais em blocos significativos, consagrados pelo uso, sem necessidade de sua decomposição.
Uma sensibilidade para o processo da fala em blocos pode ajudar o aprendiz de
diversas maneiras: ao identificar unidades para a aprendizagem, ao relacionar o
vocabulário à gramática, ao processar a língua que escutam, planejar e produzir a
língua fluentemente eles mesmos”. 59 (Lewis, 1997, p. 158)
Pensar a língua, a partir desse enfoque, significa priorizar o papel das unidades lexicais,
principalmente daquelas que acontecem em sequência, como é o caso das colocações. Vale
ressaltar que o pesquisador não inovou, ao propor que o vocabulário seja percebido, ensinado e
adquirido em blocos de significado: ao apresentar sua proposta (The Lexical Approach, 1993),
Lewis faz menção a vários autores que já haviam escrito sobre o assunto, entre eles Bahns
(1993), McCarthy (1990), Nattinger e DeCarrico (1992) e Pawley e Syder (1983). Seu grande
mérito, acreditamos, encontra-se na maneira como combinou teoria e prática, sistematizando e
estruturando a dimensão do vocabulário no ensino de LE.
Nesse contexto, subscrevemo-nos à proposta de Lewis (1997, 1993), por colocar o
léxico em evidência e destacar a necessidade de que o aprendiz tenha sua atenção despertada
para a idiomacidade da língua-alvo, aprendendo “a dizer como se diz”. Essa convencionalidade
está profundamente relacionada à questão da coocorrência entre palavras, assunto que, devido à
ampla diversidade de fontes na literatura, foi, sucintamente, condensado nesta seção.
58
59
“Native speaker linguistic competence has a large and significant phraseological component.” (Howarth, 1998,
p. 29).
“Sensitivity to chunking in spoken discourse helps learners in many ways: identifying units for learning,
relating vocabulary to grammar, processing language they are listening to, planning and producing language
fluently themselves.” (Lewis, 1997, p.158).
59
2.4- CONSIDERAÇÕES FINAIS
No âmbito de língua materna, o aprendizado de palavras novas é, em geral, o único
aspecto que, após certo estágio de proficiência, pode continuar, indefinidamente, a ser
aperfeiçoado (Scaramucci, 1997). Essa constatação dimensiona a profunda complexidade que
caracteriza o processo de aquisição de vocabulário em LE. Seguimos Leffa (2000a, p.19),
quando o autor avalia que “a língua não é só léxico, mas o léxico é o elemento que melhor a
caracteriza e a distingue das outras.”. Contudo, apesar de o senso comum, a tradição e a
literatura valorizarem o conhecimento de um vocabulário rico e criativo, tanto para usuários
nativos como não nativos, o ensino do léxico tem sido, em geral, estigmatizado como
subproduto de tratamentos que priorizam a gramática, ou outras habilidades linguísticas.
Notadamente, aspectos relativos à estrutura do fenômeno linguístico são mais visíveis e
suscetíveis à análise e à observação, do que fatores pertinentes à área de vocabulário. Essa
peculiaridade explicaria, na concepção de Farghal e Obiedat (1995), a preferência da maioria
dos linguistas por enfoques estruturais. Na visão dos pesquisadores, contudo, a fronteira entre
sintaxe e léxico é muito mais sutil e menos relevante do que, a princípio, se acredita. Dessa
forma, sugerem a existência de um contínuo dinâmico, que vai da linguagem pré-construída,
moldada por padrões sintáticos, a um extremo oposto, onde o vocabulário leva a língua a
modelos totalmente originais e o sentido potencial se realiza a partir do contexto. Parece-nos
que essa fluidez entre léxico e gramática estabelece uma posição conciliatória que reflete, de
modo realista, a contínua interação entre ambas as dimensões linguísticas.
Como visto, no que tange a procedimentos, a ênfase tem recaído em abordagens
implícitas, especialmente por meio da prática de leitura. Se, por um lado, a validade desse
enfoque pedagógico é inegável, pois procedimentos instrucionais têm um limite para o que
podem cobrir, por outro, parece crucial que haja intenção consciente, por parte do aprendiz, de
aprender palavras novas (Leffa, 2000a; Laufer e Hill, 2000; Souza, 2004 e 2007; Souza e
Braga, 2007), fator desconsiderado no tratamento indireto. Para Leffa (op.cit., p. 35-6):
Para haver aprendizagem é necessário um esforço de atenção, não só para o
significado da palavra mas também para a sua forma. [...] A aprendizagem incidental
não é inteiramente ‘incidental’ e, para ser bem sucedida, depende de vários fatores,
nem sempre presentes nas tarefas executadas pelos aprendizes. (Leffa, 2000a. p. 35-6)
Em consequência, advogamos que uma abordagem indireta tem se provado
insatisfatória, na medida em que há limites, para o que se pode esperar de técnicas
fundamentadas em aprendizado incidental, particularmente no que diz respeito a colocações e
expressões idiomáticas (Arnauld; Savignon, 2003). É nossa posição que, embora reconheçamos
60
a validade de leituras extensivas para o aprimoramento do vocabulário, esse tratamento
apresenta importantes restrições quanto ao seu efeito, dentre elas a dificuldade em se aferir,
adequadamente, os resultados do processo. Vale igualmente considerar que, diferentemente do
que ocorre no caso de LM, a aquisição de LE se inicia com a apresentação direta de palavras
novas e “[...] é só mais tarde, quando o aluno já possui um vocabulário de cerca de 3.000 a
5.000 palavras, que o processo de aprendizagem incidental tem início.” Leffa (2000a, p. 35).
A despeito da trajetória irregular que a questão lexical tem trilhado, delineia-se,
indiscutivelmente, um consenso a respeito de sua importância no processo de aquisição.
Creditamos a Lewis (1993, 1997) uma contribuição definitiva para essa mudança, ao salientar a
necessidade do foco em blocos significativos da língua. A Abordagem Lexical minimiza o
papel da criação por parte do usuário, já que sua criatividade estaria em conectar esses blocos
de unidades lexicais consagradas pelo uso. Lewis (1997, p.32) justifica, ressaltando que “a
conscientização lexical constantemente nos lembra de que somos menos criativos em nosso uso
da língua do que gostamos de pensar.” 60
Independentemente de filigranas teóricas, o que nossa pesquisa se propõe a realizar é
buscar opções que sirvam de instrumento efetivo para o professor, ampliando a gama de
recursos que possam facilitar e aperfeiçoar o processo de ensino/aprendizado. A maioria dos
estudos tem priorizado analisar a extensão do léxico adquirido pelos alunos e enfoca, portanto,
o produto. Embora reconhecendo a relevância, inequívoca, desse tipo de investigação,
acreditamos ser igualmente necessário que se considere o processo, ou seja, é preciso avaliar
que resultados esse ou aquele procedimento metodológico, empregado em sala de aula, pode
surtir ou favorecer.
Como fruto de nossa vivência pessoal e resultado das leituras realizadas para esta
investigação, defendemos um tratamento intencional, continuado e sistematizado, para o ensino
e o aprendizado do vocabulário, com foco especial no aspecto da coocorrência entre palavras.
Em conjunção com outros procedimentos, acreditamos que o uso de recursos, com amparo na
multimodalidade, pode ser um valioso instrumento para os profissionais da área. É esse o
tópico do próximo segmento, onde buscamos analisar o fenômeno da multimodalidade, sua
dimensão no mundo atual e possíveis implicações para o cenário de aquisição de língua
estrangeira.
60
“Lexical awareness constantly reminds us that we are less creative in our language use than we like to
think.”(Lewis, 1997, p. 32)
61
CAPÍTULO 3 - MULTIMODALIDADE: UM CONCEITO E SEUS DESDOBRAMENTOS
Os ambientes pedagógicos de aprendizes de L2 _ incluindo ambientes digitais e a sala
de aula _ são sistemas complexos. Ao ignorar o papel da visualidade não linguística
desses ambientes, professores de língua e pesquisadores podem estar desconsiderando
um elemento essencial no processo de aprendizado cultural e linguístico. (Petrie,
2005, p. 98)61
Já em 1985, Pinker abordava, em Visual Cognition, a necessidade de analisar os
processos cognitivos envolvidos na leitura e compreensão de insumos visuais e destacava a
dificuldade de se representar, por meio de um construto teórico, a complexidade envolvida
nessas operações. De lá para cá, observa-se uma atenção crescente em relação ao tema, até
chegarmos a Kress e Van Leeuwen, pesquisadores que, definitivamente, colocaram o assunto
em foco.
Kress e Van Leeuwen (2006; 2001) abordam a representação visual, como produto da
sociedade e da comunidade em que esta se insere, ou seja, a imagem é percebida pelos autores,
como fruto dos valores e princípios de um determinado grupo cultural. Em consequência,
propõem que sua análise leve em conta as variáveis e especificidades culturais e ideológicas da
sociedade que gerou aquela representação, meio onde circula e é consumida.
Dessa forma, se a expressão social da imagem e sua crescente presença no mundo atual
são inegáveis, acreditamos pertinente que professores e pesquisadores de aquisição de
linguagem se voltem para a maneira como as representações imagem e prosa linear interagem e
dialogam em ambientes específicos.
A esse processo interativo entre elementos visuais e textuais Johns (op.cit.) se refere
como VTI _ Verbal Textual Interaction. O conceito foi proposto no relato de um estudo de
caso aplicado a uma aluna de Economia, que analisou a interação entre texto linear e gráficos,
texto linear e figuras, e texto linear e desenhos. A participante revelou clara preferência pelas
61
The learning environments of second language learners _including digital and classroom _ are intricate systems.
By ignoring the role of the nonlinguistic visuality of these environments, language teachers and researchers may
be disregarding an essential element in culture and language learning. (Petrie, 2005, p. 98)
62
representações visuais, justificando que tinha “preguiça” em relação ao segmento em prosa.
Quando solicitada para desenvolver um trabalho com elementos visuais e texto escrito,
começou pelos gráficos e, só então, passou à parte escrita, alegando que o segundo deveria
explicar o primeiro, indicando perceber os elementos imagéticos como os mais relevantes,
condutores do significado. Baseada na investigação, a autora recomenda a inclusão de gráficos,
mapas, plantas, desenhos técnicos e outras representações de natureza visual em cursos de
língua inglesa, para fins acadêmicos (EAP) voltados para profissionais que frequentemente
lidam com esse tipo de dados.
Em função desses e de outros relatos, a partir da constatação de que a linguagem visual
se tornou inerente às expressões culturais, Kress (2000, p.339), Royce (2002, p.201) e Stein
(2000, p.335) defendem a utilização de recursos multimodais, ou recursos de multimídia, na
sala de aula.
Há diferentes percepções sobre o que seja multimídia: para alguns o conceito se refere,
exclusivamente, à informação recebida via tela de computador, com o uso de imagem, textos,
som via autofalantes, gráficos e animação. Para outros, apresentações ao vivo de um
palestrante, ou artista que conjuguem texto falado, imagens, ou música podem ser consideradas
multimediáticas e, nesse caso, um simples programa de televisão se inclui nessa categoria, na
medida em que combina som e imagem com a finalidade de transmitir uma mensagem única.
Essa perspectiva é inerente à própria origem etimológica da palavra, formada pela
justaposição de multi + media (plural de medium), ou seja, múltiplos meios e, apenas
posteriormente, o suporte informático se associou ao conceito. Desde o início da década de 60,
o termo tem sido utilizado em contextos variados, por meio de expressões diversas, tais como:
apresentação de multimídia, software educativo de multimídia, pacote multimídia, sistemas
multimídia, computador multimídia, entre outros. A palavra também tem sido usada por
editoras para designar obras publicadas em suporte ótico, como DVDs e CD-ROMs, que
conjugam texto, som, imagem, vídeo e/ou música e proporcionam alguma forma de interação
com o conteúdo proposto.
A diversidade não se restringe à ideia veiculada pelo termo, mas se reflete, igualmente,
na grafia e na pronúncia. Nesse âmbito, encontramos tanto os termos multimédia, como
multimídia, o primeiro mais utilizado em português de Portugal e o segundo mais usual na
versão brasileira, segundo Carvalho (2002), especialista em Tecnologia Educativa. Para a
autora, o conceito atrelado à palavra se encontra em constante evolução, resultado das
contínuas mudanças tecnológicas presenciadas nas últimas décadas (ibid, p. 245).
A despeito dos diversos contextos e variadas nomenclaturas, a crescente importância da
ideia deu origem, em 1995, à criação de um grupo voltado especialmente para o tema, o
63
SIGMM (Special Interest Group on MultiMedia). Para os integrantes, Multimídia diz respeito
a um campo interdisciplinar não limitado, que engloba múltiplas áreas, como as ciências da
computação, a engenharia, a educação, a comunicação, a gestão e as artes. No contexto
nacional, pesquisamos o uso do termo multimídia em cursos universitários e politécnicos e o
encontramos associado a três grandes áreas: Comunicação, Arte e Informática, com a finalidade
de nomear estudos voltados tanto para o processo criativo, quanto para o conhecimento
puramente técnico.
De forma geral, o vocábulo se encontra associado aos sistemas que comportam mais de
um tipo de medium e permitem combinar novos formatos de suporte audiovisual com vista à
comunicação. Mais recentemente, a acepção da palavra costuma estar ligada à noção de
interatividade que permite ao usuário controlar o acesso e o manuseio da informação, para
adequá-los ao seu próprio ritmo e necessidade. Na Enciclopédia Britânica Digital, por
exemplo, é possível se encontrar a definição de “Multimídia Interativa” (Interactive
Multimedia) como o sistema eletrônico que permite ao usuário controlar, combinar e manipular
diferentes tipos de mídia.62
Para fins do presente trabalho, tomamos a definição cunhada por Mayer (2006, p.2):
“Defino multimídia como a apresentação de material que faz uso tanto de palavras como de
gravuras”63. Na acepção do autor, “palavras” incluem todo material verbal, apresentado
oralmente, ou por escrito, e “gravuras” são material pictórico, tanto na forma estática,
encontrada em gráficos, fotos, ou mapas, como, também, animação, ou vídeo.
O pesquisador avalia o termo como muito abrangente e o aborda segundo três
perspectivas distintas: (i) os meios, no tocante a aparelhos utilizados para apresentar a
mensagem, como a tela do computador, gravadores de vídeo e de áudio, ou projetores; (ii) os
modos de apresentação, isto é, os formatos utilizados para se apresentar a mensagem: texto,
imagem, animação, som; (iii) os sentidos implicados na recepção do texto multimediático, isto
é, o receptor deve ter dois, ou mais sentidos envolvidos na descodificação da mensagem.
Mayer (ibid) chama, ainda, a atenção para o fato de que, em língua inglesa, a palavra
“multimedia” pode ser um substantivo, ou um adjetivo. No primeiro caso, refere-se à tecnologia
propriamente dita, empregada para apresentação do material. Quando utilizada na função de
adjetivo, empresta qualidade a conceitos, tais como: aprendizado através de recursos de
multimídia (multimedia learning) e apresentação, ou mensagem instrucional, veiculada através
de multimídia (multimedia instructional presentation/message).
62
63
Disponível em: http://info.eb.com/.
“I define multimedia as the presentation of material using both words and pictures.” Mayer (2001, p. 2)
64
Ao longo deste trabalho, utilizaremos a palavra “multimídia”, na função de substantivo,
para nos referirmos aos suportes tecnológicos que envolvam a conjunção de duas, ou mais
linguagens (palavras, imagem, música). Quando na função de adjetivo, optamos por
“multimediático(a)”, ou a locução adjetiva “de multimídia”. Por exemplo, “recursos
multimediáticos”, ou “recursos de multimídia”. Ao mencionarmos essa variedade de
instrumentos, no cenário de aquisição de LE, referimo-nos a filmes, vídeos, comerciais e
programas de televisão dos quais professores e pesquisadores se utilizam, com o objetivo de
facilitar, acelerar e/ou aperfeiçoar o processo de aprendizado da língua-alvo. Reconhecemos,
contudo, que, de acordo com a definição aqui adotada, uma apresentação encenada por alunos,
por meio de dança, em forma teatral, ou musical, atende aos parâmetros aqui pontuados, apenas
limitamos o escopo do nosso enfoque.
Em decorrência do exposto, tomamos o conceito de multimodalidade segundo Kope e
Kalantzis (2003, p.5), para quem o termo se refere à capacidade de um texto de reunir várias
linguagens além da linguagem verbal: “o significado se constrói de forma crescentemente
multimodal _ em que os modos escritos de linguagem são uma parte e parcela de padrões do
significado de natureza visual, espacial e de áudio.”64
De acordo com Lemke (2002a), multimodalidade diz respeito ao processo comunicativo
que pode ser dividido em diferentes unidades, quais sejam: fala, gesto, pintura, escrita, desenho
e outras. Cada elemento funciona de modo autônomo, com liberdade para se cotejar de diversas
maneiras, gerando novas combinações e significados que irão se transformar em um construto
semiótico. Para o autor:
A especificidade e a precisão que são possíveis com um texto-imagem são
imensamente maiores do que é possível com o texto, ou a imagem isolados. [...]
Nenhum texto é uma imagem. Nenhum texto tem, exatamente, o mesmo conjunto de
recursos de significados que toda e qualquer imagem. Nenhuma imagem ou
representação visual significa de modo completo e, unicamente, os mesmos modos
que um determinado texto pode significar. É essa incomensurabilidade essencial que
permite que significados genuinamente novos se realizem a partir da combinação de
multimodalidades. (Lemke, 2002a, p.303)65
Esse amalgamento de linguagens, a que Lemke se refere, resulta em um todo de
significação de particular complexidade, com desdobramentos _ ainda não plenamente
64
“Meaning is made in ways that are increasingly multimodal _ in which written-linguistic modes of meaning are
part and parcel of visual, audio and spatial patterns of meaning.” (Kope e Kalantzis (2003, p.5)
65
The specificity and precision which is possible with an image-text is vastly greater than what is possible with
text alone or with image alone. […] No text is an image. No text has the exact same set of meaning-affordances as
any image. No image or visual representation means in all and only the same ways that some text can mean. It is
this essential incommensurability that enables genuine new meanings to be made from the combinations of
modalities. (Lemke, 2002a, p.303)
65
analisados, ou compreendidos _, para a sociedade em geral e, a nosso ver, de forma particular
para o segmento educacional.
Passamos a abordar as implicações que essa conjunção de sentidos acarreta para o
sujeito inserido em uma comunidade discursiva, que compartilha e negocia significado por
meio dessa linguagem constituída, ela própria, pelo uso de uma coletividade.
3.1- MULTIMODALIDADE E LETRAMENTO
Segundo Wenger (1998, p. 266), aprendemos a falar uma língua, quando nela imersos,
porque estamos concentrados na experiência de sentido, mais do que na mecânica do
aprendizado.66 Por conseguinte, a autora avalia que programas de televisão e de rádio, revistas
e livros _ como produtos do meio cultural em que se inserem _ são fontes virtualmente
inesgotáveis para o aprendizado de um idioma, pois permitem, de modo especialmente
enriquecedor, a prática da construção desse sentido multifacetado de que nos cercamos.
Entretanto, embora as salas de aula sejam espaços multimediáticos por excelência, onde
a linguagem escrita é, de fato, somente um dos tipos de texto que atuam para a construção do
significado, o processo de integração e associação entre elementos semióticos coexistentes tem
sido pouco apreciado, e a linguagem visual restrita a um papel coadjuvante.
Linguistas, pesquisadores e professores de línguas têm se debruçado, preferencialmente,
sobre o texto linear da linguagem escrita, dedicando pouco espaço e atenção no que se refere a
letramento visual, tomando-se como letramento o sentido adotado por Kern (2000, p. 39) que
define o conceito como a aquisição de um conjunto dinâmico de processos da língua em uso,
para a construção de sentido em contextos sociais específicos.
Contudo, nos últimos anos, vem tomando corpo a noção de que, em uma sociedade
cada vez mais voltada para a imagem, torna-se essencial que se entenda de modo mais
abrangente e acurado, o papel que a mesma desempenha nesse processo, quando mecanismos
cognitivos atuam para a compreensão e a retenção de dados e informações.
Com essa motivação, em 1994, a UNESCO e a União Europeia patrocinaram um amplo
estudo desenvolvido pela IALS (International Adult Literacy Survey), visando a levantar dados
sobre a importância do letramento visual em adultos. O estudo aborda três categorias de textos:
o texto em prosa, o texto documental _ que diz respeito à informação veiculada através de
gráficos _ e o texto quantitativo que envolve operações matemáticas. Os resultados da pesquisa
indicam que o letramento de documentos – dito visual – é tão importante, quanto os outros,
66
“We learn to speak a language so successfully by immersion in part because we are focused on the experience of
meaning rather than on the mechanics of learning.” (Wenger, 1998, p. 266)
66
mas, surpreendentemente, adultos europeus e norte-americanos obtiveram taxas de sucesso
consideradas inexpressivas, abaixo de 25%. Apenas os suecos obtiveram percentuais na faixa
dos 35%, o que assinala uma dificuldade significativa no processamento da informação visual
(Johns, 1998).
Assim sendo, cabe perguntar como atua e interage a dinâmica da multimodalidade nos
variados textos presentes no cenário pedagógico, e cujo sentido final resulta de uma
multiplicidade de linguagens. No caso de livros e materiais didáticos, as imagens estão ali só
para atrair a atenção do leitor? Embelezar? Agradar? Será que desempenham um papel efetivo
e/ou específico no processo de comunicação e construção do significado? Será que apenas
repetem o que o texto escrito transmite, exercem um papel complementar ou desempenham
uma função única, que lhes é peculiar e intransferível, e que não pode ser atribuída ao texto
escrito ou falado? No caso de vídeos, filmes, comerciais e atividades pedagógicas como
apresentações musicais, teatrais, dramatizações, como interpretar o papel dos elementos
semióticos que acompanham a linguagem verbal, falada ou escrita? Qual o peso das ações,
cores, ângulos, olhares, efeitos de luz, linguagem corporal e outros?
Para tentar responder a essas indagações, tomamos Norris (2004a, p.101), para quem a
língua falada está entrelaçada a um complexo conjunto de ações, verbais e não verbais. A
autora acredita que caso a fala seja estudada dissociada desse contexto há o risco de que seu
sentido seja interpretado de modo distorcido e/ou incompleto: “estudar trocas verbais sem
estudar as ações não-verbais e o cenário, na verdade distorce a interpretação de muito da
interação que está ocorrendo face a face.”67 Podemos, portanto, concluir que não há fronteiras
perfeitamente definidas entre as diferentes camadas envolvidas no ato comunicativo. Seus
componentes se sobrepõem e se afastam em um processo ativo de troca, em que significados
são substituídos e cedidos em uma dinâmica continuada: “Ao se examinar os modos de
comunicação, percebe-se que estes se encontram entrelaçados, não são facilmente separados,
estão interligados e frequentemente são interdependentes” (ibid, p. 102)68.
Levada à sala de aula, a constatação acarreta a necessidade de que o professor aborde os
processos instrucionais de forma abrangente, considerando a dinâmica que se estabelece entre
diferentes elementos comunicativos, por meio de trocas e superposições. Dessa forma, é
preciso que se atente para o fato de que aprendizes diferentes não dedicam a mesma atenção,
67
“Studying the verbal exchanges without studying the nonverbal actions and the setting, actually distort
interpretation of many of the ongoing face-to-face interaction.” (Norris, 2004a, p.101).
68
“When viewing modes of communication, it becomes apparent that they are intricately interwoven, they are not
easily separable, and they are interlinked and often interdependent.” (Norris, 2004a, p. 102)
67
nem têm o mesmo nível de consciência, em relação às múltiplas ações que interagem no
processo comunicativo. Nesse sentido, Norris (ibid) sugere um arcabouço teórico de
multimodalidade para que se analise o contexto discursivo a partir dessa multiplicidade de
(inter)ações.
Em função de um estudo em que utilizou gravações de vídeo, a pesquisadora se deu
conta de que a análise da fala de forma isolada era altamente comprometida quando não
considerados os elementos não verbais que serviam de cenário à produção oral. De forma a
tornar esses componentes visíveis e analisáveis, desenvolveu um construto em que difere ações
de nível macro (high level), de ações de nível micro (low level). As primeiras são aquelas às
quais o ator social (social actor) dedica grande atenção, compostas de várias ações de baixo
nível (low level), ou baixa atenção (low attention), constituindo-se o conjunto em um todo de
alta complexidade que converge para o sentido final. No caso de uma conversa, por exemplo,
considerada uma ação de alto nível, o todo de significado se constrói a partir da interação de
outras diversas ações de baixo nível, como a linguagem corporal, o tom de voz, os olhares, o
gestual. A proposta visa a permitir e facilitar a percepção e a análise dos diferentes elementos
que coparticipam do ato comunicativo como partes integrantes do contexto.
Embora tenha se restringido ao campo das interações verbais, a autora menciona a
propriedade de uma gramática e de um dicionário de termos que se apliquem à investigação e
análise dos diversos modos de representação comunicativa, assim como acontece com a
linguagem escrita (Norris, 2004b, p.12). A avaliação da autora encontra resposta no trabalho de
Kress e Van Leeuwen (2006; 2001) que igualmente advogam a necessidade de um arcabouço
teórico para a investigação do texto multimodal, e para o qual conceberam a Gramática do
Design Visual. Acreditando que o modelo em questão oferece um instrumento seguro para a
investigação a que nos propomos, voltaremos ao tema no capítulo subsequente, onde
reservamos uma seção para a apresentação e discussão do sistema como concebido pelos
autores.
Direcionando sua temática à sala de aula, Kress (2000) se surpreende com o fato de que
a maioria dos professores de inglês como L2, ou LE, restrinja-se a utilizar textos, como se a
língua escrita fosse o único meio para a transmissão de significados. O autor destaca a
necessidade de que a imagem seja explorada como meio de comunicação, tanto pelo linguista
como, especialmente, pelo professor. Em seus argumentos, menciona uma pesquisa realizada
com alunos de ciências que utilizaram desenhos para reportar observações feitas com
microscópios. Nessa oportunidade, Kress (ibid) avalia que as imagens produzidas pelos alunos
foram essenciais à condução do estudo e observa que, caso estivessem restritos à escrita, não
68
poderiam descrever suas experiências de modo tão claro e inequívoco como os desenhos
permitiram.
Para o pesquisador (ibid) a grande diferença entre os dois meios de comunicação é que a
imagem é espacial e não sequencial, ao passo que a escrita é temporal e sequencial. Kress (ibid)
reconhece que cada meio tem suas próprias características, potencialidades e limitações, mas
defende que a língua verbal não seja vista como condutora única do significado e alerta para
que o papel exercido pela imagem não seja ignorado por profissionais da linguagem.
Na esteira do crescente interesse pelo papel da dimensão visual no cenário pedagógico,
refletido nos estudos a que nos reportamos, Martins (2002) relata um trabalho de compreensão
de leitura, realizado ao longo de dois anos, com estudantes brasileiros do ensino fundamental.
A autora declara que houve casos em que as ilustrações conduziram todo o processo de
compreensão, por parte dos participantes, que chegaram a ignorar o texto escrito. O leitor,
nesse caso, demonstra acreditar que a imagem contém a força necessária para a compreensão
do significado, tornando-se de menor importância a leitura do texto verbal. A pesquisadora
observou, ainda, um acentuado engajamento afetivo, cognitivo e estético, em relação ao recurso
visual, e os resultados da pesquisa assinalaram que seu uso influenciou a memorização dos
alunos de modo positivo.
Os estudos e debates teóricos mencionados parecem sinalizar que um conceito
abrangente de letramento reflete um processo de aquisição de conhecimento ancorado na
pluralidade de representações da informação. Esse mecanismo se verifica internamente em cada
aprendiz, é pessoal e intransferível e responsável pela construção de sentido, a partir das
linguagens que esse sujeito seleciona e organiza de modo coerente, integrando-as a
conhecimento prévio já armazenado (Mayer, 2006). Ou seja, passamos a nos referir a um
processo de multiletramento, como mencionado na Introdução desta pesquisa.
Elemento determinante dessa nova realidade, a acentuada inserção de tecnologias na
construção do indivíduo como ser social, torna irrecusável o convite para que nos debrucemos
sobre os resultados dessa conjunção de linguagens. Para Levine e Scollon (2004, p. 1), o
aspecto mais relevante, no que tange à tecnologia e à comunicação, é como esses recursos
agem sobre o próprio discurso dos indivíduos e o intrincado sistema de ações e interações
sociais, descrito pelos autores como um fenômeno multimodal por natureza. Concluímos se
fazer necessário integrar uma nova abordagem à prática curricular, com o uso informado de
diferentes media, de forma que tanto educandos quanto educadores estejam habilitados a
transitar com segurança nessa nova sociedade, denominada por Carvalho (2002, p. 264) de
“Sociedade da Informação”.
69
É nesse cenário que se alicerça o conceito de multiletramento aqui sugerido, conceito
para o qual esperamos despertar um olhar crítico sob o enfoque das novas demandas
pedagógicas que se fazem sentir. Acreditando haver esclarecido nossa visão a respeito dessa
temática, assim como haver justificado sua relevância no contexto educacional, passamos a
discorrer sobre a Teoria Cognitiva de Aprendizado de Multimídia, como concebida por
Richards Mayer.
3.2- A TEORIA COGNITIVA DE APRENDIZADO DE MULTIMÍDIA
Vale ressaltar que para este estudo, como mencionado, adotamos a definição do termo
“multimídia”, segundo Mayer:
Defino multimídia como sendo a apresentação de material que faz uso tanto de
palavras quanto de imagens. Por palavras, quero dizer que o material é apresentado
em forma verbal, tais como texto impresso ou falado. Por imagens, quero dizer que o
material é apresentado na forma pictórica, tais como recursos gráficos estáticos,
incluindo ilustrações, gráficos, fotos ou mapas ou pelo uso de gráficos dinâmicos,
incluindo animação ou vídeo. (Mayer, 2006, p. 2) 69
Richard Mayer (2006; 2005) e seus seguidores desenvolveram uma série de pesquisas, a
respeito de processos cognitivos em aprendizagem mediada por materiais de multimídia,
conforme o conceito mencionado. A partir desses estudos, o autor elaborou uma teoria
cognitiva de processamento da informação, em ambientes de multimídia, que denomina
“Teoria Cognitiva de Aprendizado Multimídia” (Cognitive Theory of Multimedia Learning).
Segundo Mayer, a dinâmica de construção do conhecimento se dá através de processos
cognitivos de seleção e de organização, através dos quais o aprendiz se engaja, com o objetivo
de construir sentido a partir da pluralidade de mensagens a que está exposto. Embora esses
estudos enfoquem a compreensão e o aprendizado de temas científicos (fenômenos
metereológicos, mecânica, leis da física, entre outros), sua abrangência permite a aplicação dos
mesmos princípios em qualquer ambiente pedagógico. No caso específico de instrução de LE, o
uso de materiais de multimídia permite a reapresentação dos insumos linguísticos através de
diferentes mídia, de forma complementar e integrada, o que exige o uso de diferentes campos
de atenção e, por conseguinte, favorece a aquisição (Danan, 2004).
69
“I define multimedia as the presentation of material using both words and pictures. By words, I mean that the
material is presented in verbal form, such as using printed or spoken text. By pictures, I mean that the material is
presented in pictorial form, such as using static graphics, including illustrations, graphs, photos, or maps, or using
dynamic graphics, including animation or video.” (Mayer, 2006, p. 2)
70
A teoria de Mayer se baseia na Teoria Gerativa _Generative Theory_ de Wittrock
(1989) e na Teoria da Codificação Dupla _Dual Code Theory_ de Paivio (1986), além de
buscar respaldo nos pressupostos aditivo e multiplicativo postulados por Clark e Craig (1992).
Por sua vez, Mayer (2006) assinala três hipóteses centrais que devem ser consideradas para a
apreciação de uma teoria cognitiva que se aplique à utilização de recursos de multimídia na
aprendizagem, assim como ao próprio processo de elaboração desses meios: (i) a existência de
um canal dual, (ii) uma capacidade limitada de processamento da memória humana; (iii) a
necessidade de um processamento cognitivo ativo.
Wittrock (op.cit.) entende que o aprendizado se dá de modo efetivo, quando o aprendiz
constrói conhecimento, através da seleção e da organização de informações relevantes, de
forma coerente e, em uma segunda etapa, integra a representação recém-construída a
informações prévias já armazenadas em sua memória.
A teoria da Codificação Dual, ou Codificação Dupla, desenvolvida por Paivio (op.cit.)
propõe a existência de dois subsistemas cognitivos: o primeiro especializado na representação e
no processamento da linguagem não verbal _ que o autor denomina sistema imagético (imagery
system) _ inclui de fato outras modalidades sensoriais além da visual, e o segundo
especializado na representação e no processamento da linguagem verbal, é designado por
sistema verbal (verbal system), inclui textos impressos ou falados.70
A proposta foi posteriormente revisitada em Clark e Paivio (1991), quando, por meio de
uma série de estudos sintetizados em Paivio (1991), os pesquisadores constataram que os
sujeitos relembravam mais facilmente substantivos concretos do que abstratos. Esses resultados
foram generalizados e se passou a considerar que a utilização de texto e imagem facilitava o
aprendizado. Na análise dos resultados, os autores concluíram que os dois sistemas de
representação, considerados separadamente, permitiam que as palavras elicitassem imagens e
que os objetos elicitassem nomes. Isso implicava que efeitos das imagens fossem adicionados a
uma base verbal e que o código verbal das imagens, por semelhança, adicionasse um segundo
código a uma base não verbal. Deste modo, assumia-se que as representações verbais e
pictóricas geradas internamente funcionavam como códigos suplementares, para recuperar itens
da memória. Nessa perspectiva, os dois sistemas, verbal e não verbal, funcionam de forma
independente, mas produzem conexões referenciais entre si, assim como conexões associativas
entre as representações em cada sistema. Os registros mentais são ativados diretamente por
estímulos externos (verbais ou não verbais) e indiretamente por conexões referenciais e
70
“The most general assumption in dual coding theory is that there are two classes of phenomena handled
cognitively by separate subsystems, one specialized for the representation and processing of information
concerning nonverbal objects and events, the other specialized for dealing with language.” (Paivio, 1986, p. 53).
71
associativas, dessa forma, compreende-se que assuntos armazenados nos dois sistemas sejam
mais facilmente recuperados na memória do que aqueles registrados em um único.
Em 1992, Clark e Craig se reportam a estudos sobre memória, realizados por Paivio e
outros pesquisadores na década de 60 e acrescentam o pressuposto aditivo, segundo o qual dois
ou mais media, se usados adequadamente, contribuem para uma melhor retenção da informação
do que um só medium. Isto é, os benefícios dos media na aprendizagem são aditivos, somamse. Segundo o pressuposto multiplicativo, as vantagens da utilização de vários media são
superiores à soma de cada um dos media constituintes. A proposta veio reforçar o pressuposto
da conveniência da utilização de recursos multimediáticos em ambientes instrucionais.
De acordo com Souza (2007, 2006), há um longo histórico de estudos, na área da
psicologia cognitiva, a respeito do processamento de informação em canais separados, mas,
atualmente, o conceito está mais intimamente ligado à Teoria da Codificação Dupla, a principal
base do modelo gerativo de aprendizagem multimídia proposto por Richard Mayer (2006)71,
cujo sistema de processamento da informação inclui a memória sensorial, a memória de
trabalho e a memória de longo prazo, proposta que se encontra ilustrada no Quadro 7:
QUADRO 7: Teoria Cognitiva de Aprendizado Multimídia
DUAL-CHANNEL ASSUMPTION OF MULTIMEDIA LEARNING
Multimedia
Presentation
Sensory
Memory
Working Memory
selecting
words
Words
Ears
Pictures
Eyes
selecting
pictures
Sounds
Images
organizing
words
organizing
images
Long-term
Memory
Verbal
Model
Pictorial
Model
Prior
knowledge
Fonte: Mayer, 2006, p. 47
A figura ilustra as condições cognitivas para a construção do conhecimento em
ambiente de multimídia. Os blocos em azul mostram o caminho percorrido pelos insumos que
nos chegam através da audição (narração, sons) e que são armazenados por um curto período de
tempo na memória sensorial auditiva. A partir da ilustração, verifica-se que, a seguir, há um
71
A proposta de Mayer foi apresentada em 2001, usamos a referência de 2006, porque essa é a data da edição por
nós consultada (8ªed.), constante em nossa bibliografia.
72
processo seletivo (selecting words), que elimina eventuais excessos de informação, assunto
sobre o qual nos deteremos adiante. No próximo estágio, na memória de trabalho, o aprendiz
organiza (organizing words) esse novo material que, ao final do processo, torna-se seu modelo
mental verbal _ verbal model. A memória de trabalho é utilizada para o armazenamento
temporário e a manipulação do conhecimento em estado de consciência ativa (Mayer, ibid, p.
44).
Paralelamente, destacamos, com a cor amarela, o trajeto dos insumos que nos chegam
pelo canal visual (ilustrações, animação, vídeo, ou texto escrito na tela). A informação é
temporariamente armazenada na memória sensorial visual, sofre, na sequência, um processo de
seleção (selecting pictures) e organização (organizing pictures), resultando no modelo de
representação mental pictórico ou visual _ pictorial model.
Em seu modelo de cognição, Mayer contempla diferentes conceitos de entendimento e
avaliação acerca de como os dois canais atuam. Podemos acompanhar, pela ilustração, que o
plano da memória de trabalho se encontra dividido em um bloco à direita e em outro à
esquerda. O bloco à esquerda atende a uma abordagem que privilegia a modalidade sensorial
(sensory-modality approach) da representação e enfoca o início do processo, avaliando se as
mensagens são processadas pelo aprendiz, através do canal auditivo, ou visual. Esse enfoque _
segundo destaca Mayer _ está em acordo com os trabalhos de Baddeley (1986), que distingue
entre um plano de visão espacial e o plano da articulação fonológica.
No bloco à direita, o autor contempla a abordagem no que tange ao modo de
apresentação (presentation-mode approach) que enfoca se o estímulo é verbal (seja através de
linguagem oral, ou escrita), ou não-verbal (gravuras, animação, vídeo, sons de fundo). Segundo
esse conceito, um canal processa material verbal enquanto o outro lida com material pictórico e
sons não verbais, e está em acordo com o modelo de distinção entre sistemas verbais e não
verbais defendido por Paivio (1986).
Esses conceitos distintos se refletem, especialmente, no entendimento sobre um dos
aspectos mais polêmicos ligados a aprendizado com materiais de multimídia: como se dá o
processamento de palavras impressas sobre tela e o processamento de sons de fundo e música,
quando se faz uso, apenas, da melodia, sem inclusão da letra.
Para melhor tentarmos compreender as duas abordagens, elaboramos uma análise
comparativa ilustrada no Quadro 8:
73
QUADRO 8: Comparando as Teorias de Baddeley e Paivio
Abordagem
Conceito
Texto sobre
tela
Sons de fundo
e música
Modalidade Sensorial
(Baddeley)
Enfoca se as representações são visuais,
ou auditivas, se são processadas pelos
olhos, ou pelos ouvidos.
O insumo é inicialmente processado pelo
canal visual.
O insumo é processado pelo canal
auditivo.
Modo de Apresentação
(Paivio)
Enfoca a distinção entre
representações verbais (orais, ou
escritas) e não verbais.
O insumo é inicialmente
processado pelo canal verbal.
O insumo é processado pelo canal
não verbal.
Fonte: Baddeley (1986) e Paivio (1986)
As setas que ligam sons (sounds) e imagens (images), no primeiro bloco da memória de
trabalho, indicam o processo de associação que ocorre entre os canais auditivo e visual.
Quando, por exemplo, ao ouvir a palavra “praia”, o aprendiz associa o insumo sonoro à sua
configuração mental visual de uma praia. Do mesmo modo, ao receber um estímulo visual, o
aprendiz pode associá-lo a uma representação sonora: ao ver a imagem de um cachorro, o aluno
mentalmente ouve a palavra “cachorro”.
A última etapa se refere à integração dos modelos verbal e visual entre si, acrescidos ao
conhecimento prévio armazenado na memória de longo prazo. A memória de longo prazo
corresponde ao armazenamento de todo o conhecimento construído anteriormente pelo
aprendiz. Ao contrário da memória de trabalho, a memória de longo prazo tem capacidade para
armazenar grande volume de informações durante um longo período de tempo. Contudo, para
que o indivíduo faça uso produtivo desse material, é preciso trazê-lo para a memória de
trabalho de modo a integrar conhecimento armazenado a conhecimento novo.
O modelo de Mayer conceitua um aprendiz que atua como agente do próprio processo
de construção do conhecimento. Esse sujeito desenvolve, ativamente, representações mentais,
na tentativa de construir significados, a partir de novas experiências e informações e, nesse
processo, seleciona, organiza e conecta conhecimento novo, que lhe chega através dos canais
verbal e visual, integrando-o ao conhecimento prévio, já armazenado em sua memória de
trabalho. Embora Mayer não defina, de modo mais preciso, o conceito e o escopo desse
conhecimento prévio a que se refere (Souza, 2006, p. 160-1), assumimos, por princípio, uma
conceituação abrangente para a habilidade em questão.
Baseando-se nessa teoria cognitiva, Mayer e um grupo de colegas pesquisadores
desenvolveram sete princípios, para norteamento e orientação da criação de materiais
multimediáticos, que combinem de modo eficiente as diferentes mídias. Esses são os seguintes:
74
1- O Princípio de Multimídia (Multimedia Principle).
2- O Princípio de Contiguidade Espacial (Spatial Contiguity Principle).
3- O Princípio de Contiguidade Temporal (Temporal Contiguity Principle).
4- O Princípio da Coerência (Coherence Principle).
5- O Princípio da Modalidade (Modality Principle).
6- O Princípio da Redundância (Redundancy Principle).
7- O Princípio das Diferenças Individuais (Individual Differences Principle).
Nas subseções seguintes, passamos a discorrer sobre cada um dos princípios à luz dos
preceitos defendidos pelo autor em pauta.
3.2.1- O Princípio de Multimídia
Esse princípio postula que os aprendizes aprendem melhor, quando a apresentação do
tópico em questão se faz em dois, ou mais formatos distintos, ou seja, quando se utilizam
palavras e figuras conjuntamente, em lugar de apenas palavras ou, somente, figuras. Por
“palavras” e “figuras”, seguimos a definição do pesquisador (Mayer, op.cit., p.64): “por
palavras, refiro-me a texto escrito ou falado [...] por figuras, refiro-me a qualquer forma,
estática ou dinâmica, de gráficos, mapas, fotos, ilustrações, animação e vídeo.” 72 Ainda quanto
ao uso dos termos empregados pelo autor, “aprender melhor” exprime ganhos significativos
nos processos de retenção e compreensão dos insumos, no que diz respeito à qualidade e não à
quantidade desse aprendizado.
O racional teórico que dá suporte a esse princípio se refere ao modelo cognitivo de
aprendizado de multimídia, que afirma que palavras e figuras privilegiam dois diferentes
sistemas de representação do conhecimento: um canal verbal e um canal visual. As duas
modalidades são qualitativamente distintas, pois, ao usarmos palavras, lançamos mão de
unidades discretas, apresentadas em sequência linear, ao passo que, ao utilizarmos figuras,
reproduzimos imagens ligadas a nossas experiências visuais.
Quando ambas são apresentadas, ocorre a construção de um modelo verbal e de outro
pictórico, com os quais o aprendiz tem a oportunidade de construir representações mentais mais
elaboradas e estabelecer conexões que ampliem sua compreensão, já que essa conjunção
oferece uma variedade maior de pistas, de natureza linguística e extralinguística. Ao postular
72
“By words, I mean printed or spoken text; […]. By pictures, I mean any form of static or dynamic graphic,
including photos, graphs, charts, illustrations, video, and animation […]. (Mayer, 2006, p. 64)
75
que o aprendizado é beneficiado pelo uso de dois ou mais modos de apresentação, o princípio
fundamenta o uso de recursos multimodais para o aprendizado de LE.
3.2.2- O Princípio da Contiguidade
Segundo o Princípio da Contiguidade, o processo de aprendizado é mais efetivo, quando
palavras e figuras, ou animação e narração, que estão correlacionadas, são apresentadas uma
próxima a outra. A apresentação simultânea, argumenta o autor, facilita a construção de
ligações referenciais entre os diferentes modos de representação, visual e verbal, e, por
conseguinte, a compreensão. O conceito parte da capacidade limitada de retenção de cada canal
receptor _ o visual/pictórico e o verbal/auditivo _ e se baseia na noção de que a economia de
espaço e de tempo minimiza os efeitos desse obstáculo. Em consequência, no que tange a
materiais de multimídia, as apresentações simultâneas são mais eficientes do que as sucessivas,
já que a conjunção de insumos estimula o processamento cognitivo, sua seleção e consequente
retenção. Esse princípio se divide em contiguidade espacial e contiguidade temporal.
3.2.2.1- O Princípio da Contiguidade Espacial
Esse princípio diz respeito à proximidade de palavras e imagens, ou seja, é quando
palavras e imagens correspondentes estão próximas em vez de afastadas. A disposição
simultânea de palavras e gravuras evita que o aprendiz tenha que fazer uso de recursos
cognitivos para buscar, visualmente, seja em uma página de livro, ou em uma tela, os
elementos das diferentes linguagens o que dificultaria sua retenção na memória. O fato de
poderem processar os estímulos ao mesmo tempo facilita o aprendizado de modo significativo.
3.2.2.2- O Princípio da Contiguidade Temporal
O Princípio da Contiguidade Temporal postula que o aprendizado é melhor quando
narração oral e animação ocorrem simultaneamente, ao invés de sucessivamente. Quando os
trechos correspondentes a representações verbais e visuais ocorrem ao mesmo tempo, é mais
provável que o aprendiz seja capaz de construir conexões mentais entre ambas e gravá-las em
sua memória de trabalho. Esse processo se torna mais difícil se o insumo sonoro e o visual
ocorrerem em separado.
76
3.2.3- O Princípio da Coerência
Esse princípio postula que se consegue um melhor aprendizado, quando há uma
economia no material, de modo que informações irrelevantes não interfiram, negativamente, no
processamento das mensagens que realmente importam. Esse material extra, mesmo que
atraente, compete por atenção, desviando o foco do aprendiz, e exige recursos cognitivos que
sobrecarregam o processo de aprendizagem. Segundo o conceito desse princípio, um material
multimodal deve ser curto e objetivo, de modo a permitir a construção de uma representação
mental coerente, baseada, apenas, nos elementos-chave do conteúdo a ser elaborado pelo
aprendiz. Para o autor, aprende-se mais, quando se apresenta menos.
3.2.4- O Princípio da Modalidade
O princípio estabelece que o aluno aprende, de modo mais efetivo, a partir de animação
e narração oral, do que de animação e texto escrito, isto é, o resultado é mais eficiente quando
se alia animação a texto verbal-auditivo. Para Mayer, quando imagens e palavras são
apresentadas como insumos a serem processados pelo mesmo canal, no caso o canal visual,
ocorre uma sobrecarga de informações que pode afetar, negativamente, o processo. Quando se
trata, porém, de imagens e texto sonoro, as diferentes linguagens são processadas em canais
distintos – visual e verbal/auditivo – o que facilita a retenção. O princípio reafirma o que é
estabelecido pelo princípio da contiguidade temporal, no que concerne à ocorrência de
estímulos verbais /sonoros e imagem de forma simultânea e, igualmente, reforma o princípio da
Coerência, ao postular uma economia de estímulos.
3.2.5- O Princípio da Redundância
Esse princípio advoga que o aluno retém as informações de modo mais efetivo, quando
uma determinada informação é apresentada através do uso de animação, acompanhada de
narração oral, aprendendo melhor do que quando, além da animação, inclui-se narração oral e
texto escrito. Para o autor, quando imagens e palavras são apresentadas visualmente,
sobrecarrega-se o canal visual, criando-se uma poluição que afeta o processamento e o
armazenamento das informações. Esse princípio reafirma o que já foi estabelecido pelos
princípios da modalidade e da coerência, contudo, o autor ressalva que, embora o princípio da
redundância estabeleça parâmetros preferenciais, para a criação de materiais de multimídia, o
conceito não implica o total banimento de recursos que, eventualmente, conjuguem estímulo
77
sonoro à imagem simultânea do mesmo texto. Para Mayer (op.cit., p. 159), há situações, como
no caso da ausência de ilustrações, ou quando a apresentação se dá em ritmo lento, em que a
superposição de texto sonoro e visual pode funcionar adequadamente.
3.2.6- O Princípio das Diferenças Individuais
Esse princípio se volta para a investigação do perfil de aprendiz que mais e melhor se
beneficia com o uso de materiais de multimídia, desenvolvidos segundo os princípios sobre os
quais discorremos. Para Mayer, o efeito da utilização de materiais de multimídia, bem
elaborados, beneficia de modo mais contundente aprendizes com baixo nível de conhecimento
prévio, em relação ao assunto em questão, do que aqueles com muito conhecimento anterior.
Do mesmo modo, o resultado é mais efetivo para os que possuem alta capacidade espacial, do
que para aqueles que apresentam baixa capacidade espacial.
O pesquisador ressalva que aprendizes com alto nível de conhecimento já adquirido
conseguem usar sua bagagem de saber e, igualmente, engajar-se em processamentos cognitivos
efetivos para compensar eventuais falhas na apresentação, ao passo que aqueles com baixo
nível de conhecimento têm uma menor capacidade para fazê-lo. Desse modo, os últimos,
quando expostos a recursos deficientes, não conseguem compensar as falhas do material.
Por outro lado, no caso de recursos de boa qualidade, isto é, que contemplem as
orientações propostas pelo autor, embora ambos aprendam, o ganho mais expressivo ocorre
com indivíduos de conhecimento prévio mais reduzido. São eles os mais beneficiados, pois a
estrutura dos recursos não exige que recorram a processos cognitivos mais elaborados e permite
que possam se concentrar na construção e na interação das representações verbais e pictóricas e
sua consequente compreensão e retenção na memória de trabalho.
No que tange ao outro quesito, tanto aprendizes que possuem alta capacidade espacial,
como aqueles que se ressentem dela, encontram dificuldades no processamento de materiais
mal organizados. Entretanto, quando se faz uso de produtos bem elaborados, os primeiros têm a
habilidade cognitiva de integrar, mentalmente, representações verbais e visuais de modo mais
efetivo. Diferentemente, aprendizes com baixa capacidade espacial precisam dedicar mais
esforço cognitivo o que, em consequência, acarreta maior dificuldade no processamento e
integração de representações visuais e verbais.
78
3.2.7- Considerações finais sobre a Teoria Cognitiva de Aprendizado de Multimídia
Se os cinco primeiros princípios, postulados por Richards Mayer e seus seguidores,
enfocam parâmetros que concernem à criação de materiais multimediáticos, o princípio das
diferenças individuais aborda o outro lado da questão: aqueles para quem esse material é
produzido. Esse preceito nos é especialmente caro, pois o espaço da sala de aula é, em sua
essência, um cenário em que as individualidades, de forma frequente, se sobrepõem aos
pressupostos e conceitos mais estáveis. É virtualmente impossível que se garanta um resultado
uniforme na aplicação de qualquer recurso instrucional, por mais verificado e testado, mesmo
quando amparado em sólidas bases teóricas. Parece-nos, contudo, que, em seu conjunto, a
teoria de Mayer oferece um todo coerente e consistente para a produção de materiais que
conjuguem diversas modalidades e, do mesmo modo, serve de orientação e inspiração ao
processo decisório pertinente às práticas pedagógicas.
Os preceitos sobre os quais nos detivemos formam um dos fios condutores do nosso
estudo. Voltaremos ao tema, quando da análise dos resultados desta investigação, para que
melhor situemos as escolhas feitas em relação ao material de vídeo de que fizemos uso. Na
próxima seção, discorremos brevemente sobre filmes como instrumentos multimediáticos por
excelência e procuramos analisar seu papel no contexto pedagógico.
3.3- CINEMA E CINEMA NA SALA DE AULA
Já em 1922, Thomas Edison antecipava o incalculável potencial da utilização de filmes
nas mais diversas áreas do campo educacional:
O filme cinematográfico está destinado a revolucionar nosso sistema educacional e,
em alguns anos, irá substituir em grande parte, se não inteiramente, o uso de livros
texto. É possível se ensinar todas as especialidades do conhecimento humano com o
filme cinematográfico. (Thomas Edison) 73
Ao conjugar diferentes mídias _ imagem, som e texto _ filmes são, por excelência, um
exemplo de como instrumentos multimediáticos podem ser utilizados em cenário instrucional
de LE, assim como programas de televisão, desenhos animados e comerciais.
73
“The motion picture is destined to revolutionize our educational system, and in a few years it will supplant
largely, if not entirely, the use of text books. It is possible to teach every branch of human knowledge with the
motion picture.” Canal informal: citação obtida em seminário da Cultura Inglesa, escola de idiomas para o ensino
de inglês, ocorrido em 02/02/2006 no Hotel Othon, Rio de Janeiro, R.J.
79
A adequação desses recursos ao contexto em foco se explica por meio da essência
multifacetada, inerente ao processo de construção do significado, através do qual diversas
linguagens se conjugam no plano de expressão, visando à formação de um sentido singular.
Vale expor que como “plano de expressão” adotamos o conceito de Hernandes e Trotta
(2005) que o definem como a manifestação sensível de um texto, resultado de tudo aquilo que
captamos através dos nossos sentidos. Já, para “texto”, seguimos a definição da semiótica
francesa que conceitua o termo como o todo de significado que se constrói a partir do
entrelaçamento de diversos fios condutores do sentido, sejam esses linguagem verbal, gestual,
sonora, visual, ou qualquer outro elemento que concorra para o estabelecimento de significação
(Lopes e Hernandes, 2005). Essa unicidade decorre do diálogo entre a pluralidade de
linguagens à nossa disposição, sejam essas recursos linguísticos, pictóricos, gestuais, musicais,
ou coreográficos, potencialmente abundantes em películas cinematográficas.
A despeito de um grande número de estudos já haver sinalizado a propriedade de filmes
como recursos pedagógicos, buscamos aqui, em especial, uma maior valorização de
tratamentos que combinem multimodalidade com uma abordagem que conjugue, de forma
integrada, instrução implícita e explícita para o ensino e a aprendizagem de vocabulário em LE
(vide 2.2). Nesse interesse, passamos a uma breve apreciação do cinema, arte de comunicação
de massa por excelência, seguindo-se uma análise do texto fílmico em ambiente instrucional.
3.3.1- Cinema, cultura e realidade
Para abordarmos esse tema, em harmonia com o enfoque desta investigação, faz-se
necessário mencionar a Semiótica da Cultura74, ramo da Semiótica que estuda o cinema. A
Semiótica da Cultura é uma disciplina teórica dos estudos russos, que surgiu na Universidade
de Tártu, na Estônia, nos anos 60, e que se dedica ao:
[...] estudo das formas culturais – simbólicas – de superação da realidade biossocial,
denominada ‘primeira realidade’ por meio dos mecanismos da chamada ‘segunda
realidade’, da cultura, que se codifica a partir de raízes básicas como o imaginário, o
sonho, as atividades lúdicas e a produção criativa do homem. (Britto, 2006, p. 2-3)
Os termos primeira realidade e segunda realidade, citados em Britto, foram cunhados
pelo semioticista checo Ivan Bystrina75 e adotados pela disciplina, para a conceituação de
74
Para uma discussão abrangente sobre Semiótica, ver o Capítulo 4 neste trabalho.
Cf: BYSTRINA, Ivan. Tópicos de Semiótica da Cultura. Trad. Norval Baitello Jr. e Sônia Castino. São Paulo:
PUC-S.P. 1995.
75
80
diferentes planos da vida humana. A primeira proposição abarca não apenas as dimensões
biológica e social da vida, nas quais a comunicação se realiza pela ação dos códigos biológicos
e dos códigos sociais, como, igualmente, todos os elementos relacionados à nossa
sobrevivência. A segunda, também chamada de realidade da cultura, acrescenta um
componente psíquico ao plano anterior e é uma forma de superação da esfera biossocial.
Formada por textos culturais, que se codificam a partir do imaginário, do lúdico e da arte, a
segunda realidade é o ambiente em que se constrói o mundo da fantasia: os ritos, os mitos, as
invenções, as criações imaginárias, enfim, toda a produção simbólica do ser humano, fruto do
sonho e do emocional. É nesse patamar que se encontram os textos que Bystrina (ibid)
classifica como imaginativos/criativos: textos culturais, essenciais para a sobrevivência
psíquica do homem, universo no qual, naturalmente, insere-se o cinema .
Embora seja difícil se traçar, com exatidão, a história das raízes do cinema, a data de 28
de dezembro de 1895 costuma ser citada como um marco nessa trajetória. Foi nesse dia que, no
Salão Grand Café, em Paris, os irmãos Auguste e Louis Lumière fizeram uma apresentação
pública, paga, do produto de seu invento, ao qual chamaram “cinematógrafo”. O filme exibido
foi L'Arrivée d'un Train à La Ciotat e, embora os irmãos não tenham reivindicado o feito para
si, a data se consagrou como o nascimento da sétima arte, como a conhecemos hoje. O
cinematógrafo, aparelho que filmava, revelava e projetava, em uma tela, imagens imóveis
sucessivas, captadas em curtos intervalos de tempo, foi inventado como resultado de inúmeros
experimentos anteriores. Ao serem projetadas a uma velocidade de vinte e quatro quadros por
segundo, as imagens causavam a ilusão de movimento, devido à sua fixação na retina do
observador76. Em um primeiro momento, a invenção dos Lumière se destinava a fins puramente
científicos e não se acreditava no potencial criativo/lúdico do invento. Entretanto, não demorou
para que a realização de filmes de ficção, fizesse do cinema uma das formas de representação
que mais afetou a organização cultural da humanidade. Nascido como a arte do real, o cinema
migrou para a esfera da ficção porque supre uma necessidade psíquica do homem pelo
imaginário e pelo fantasioso (Britto, op.cit.), ao mesmo tempo em que desencadeia no receptor
um vigoroso desejo de participação (Metz, 2006, p. 16).
No texto fílmico, o todo de significado se constrói, não somente a partir da
subjetividade daqueles envolvidos em sua confecção, mas, sobretudo, por ser fruto da
significação que se dá, de modo particular e individual, em cada espectador. Para Morin (1997,
p. 134), o cinema responde à “necessidade de fugirmos a nós próprios, isto é, de nos perdermos
algures, de esquecermos os nossos limites, de melhor participarmos do mundo [...] para nos
76
Informações disponíveis em http://www.webcine.com.br/historia.htm. Acesso em: 27 fevereiro 2009.
81
reencontrarmos”. É nesse espaço que se encontram e interagem o sujeito “que fala” _ o autor _
e o “que escuta” _ o público, alçado à posição de coautor, por meio do fenômeno de fruição da
obra artística. Essa capacidade de funcionar, como um catalizador de emoções, interpretações e
leituras faz do texto filme um complexo objeto de estudo, para a psicologia, a sociologia, a
antropologia e a semiótica de um modo geral.
Uma das principais propriedades do cinema é sua capacidade para criar uma ilusão de
realidade, através da qual o verossímil é transfigurado, de modo a permitir a experiência
estética, que pode conflitar, ou não, com o próprio modelo de realidade do fruidor. As imagens
buscam, de fato, despertar o receptor para perceber aquilo que não é exposto, mas que se
constrói, a partir da cumplicidade e da pluralidade de olhares sobre a obra projetada. Para Metz
(op.cit., p.25), seja qual for o acontecimento narrado na tela: “[...] o espectador torna-se sua
testemunha e participa nele. É por isso que, mesmo tendo consciência do caráter irreal do que
se desenrola diante de si, o espectador vive-o emocionalmente como um acontecimento real”.
A avaliação do autor ilustra o conceito de que se o público não pode agir diretamente
sobre a obra, a ausência de participação prática se compensa em uma intensa participação
interior, nos planos psíquico e afetivo. O espectador exerce mecanismos de projeção e
identificação, atribuindo sentidos, projetando desejos, aspirações, anseios e medos,
participando da obra segundo sua própria subjetividade. Esse filtro pessoal potencializa os
significados, livremente interpretados por cada indivíduo, o qual desenha sobre as criaturas da
tela uma realidade que provém de si próprio (Morin, op.cit., p. 117). A multíplice possibilidade
de interpretações está diretamente relacionada à segunda realidade de que falamos: as diversas
camadas significativas que se sobrepõem umas às outras, e a atribuição de novos significados
enriquecem a narrativa fílmica, uma vez que intensificam e multiplicam a profundidade do
texto criativo, multifacetado por sua própria natureza.
A presença real de movimento oferecida pelo cinema, representação comumente
percebida como sinônimo de vida, trouxe consigo elementos de realidade, sem romper,
contudo, com a magia do imaginário. Metz (op.cit., p. 27) acredita que o texto cinematográfico
alcançou um ponto ideal de equilíbrio entre realidade e ficção, ao conciliar imagens (a fantasia)
e animação (o real) e sustenta: “em verdade, há um ponto optimum representado pelo cinema,
aquém e além do qual a impressão de realidade produzida pela ficção tende a diminuir.”
É essa mistura de fantasia e vida real que permite, de forma peculiar, um profundo
envolvimento afetivo, perceptivo e intelectual, por parte do receptor, fenômeno que nos atrai de
maneira singular. Some-se a essa particularidade o fato de que a área de conhecimento de que
aqui tratamos é uma especialidade que afeta a psique do ser humano, como nenhuma outra:
aprender uma língua estrangeira toca nossos receios, inseguranças e autoconceitos de modo
82
único. Por esse motivo, empregar, no contexto pedagógico, um instrumento tão poderoso _ nos
planos cognitivo e afetivo _ como o texto fílmico, parece-nos particularmente instigante. É essa
conjunção de fatores, densos e significativos, que nos leva a acreditar na privilegiada
pertinência deste estudo que busca conciliar aspectos notadamente desafiadores.
Conscientes de que, pelo exposto, apenas tangenciamos a profundidade do tema,
passamos, no próximo segmento, a abordar o filme como texto visual sincrético, segundo
elenco de conceitos postulados pela Semiótica.
3.3.2- O filme como texto sincrético
O cinema fala-nos; fala-nos através de várias vozes que formam contrapontos
extremamente complexos. Fala -nos e quer que o compreendamos.
(Lotman, Yuri 1978, p. 181).77
Chama-se sincrético a todo texto caracterizado por uma complexidade especial,
resultado da “simultaneidade e hibridismo dos meios que participam da construção de seu
discurso.” (Monteiro, 2005, p.43). A semiótica sincrética considera que há um todo de sentido a
ser analisado, em que os elementos que participam de modo simultâneo da construção desse
discurso se fundem para a geração de um só e apenas um significado (Hernandes e Trotta,
2005). Por conseguinte, não se trata da mera soma de partes isoladas, pois, na realidade,
verifica-se a “invasão” de uma linguagem sobre a outra: essa empresta valores àquela, em uma
continuada relação de interação, sobreposição e amalgamento, processo através do qual a
articulação de diferentes linguagens leva à produção de sentido.
Incluindo-se nessa categoria, por excelência, o filme é um texto sincrético que resulta
do entrelaçamento de diferentes fios condutores, originando um veículo de grande
complexidade, em função do hibridismo que lhe é característico. Considerando-se o filme
sonoro, avaliamos que o mesmo combina, de diversas maneiras e, em diferentes graus de
incidência, variadas categorias de texto: na categoria visual ocorrem imagens múltiplas em
movimento e textos escritos, sejam as legendas que traduzem, ou reproduzem a fala, como
aqueles que, eventualmente, surgem na tela, tais como placas, cartazes, nomes de rua, prédios,
cartas e outros, com o objetivo de economia narrativa. No campo auditivo, além da fala dos
personagens, encontram-se a música da trilha sonora e os ruídos incorporados à trama, assim
como tiros, passos, gritos, campainhas e outros do tipo. A esses textos semióticos explícitos se
incorporam outros, implícitos, como o roteiro, a montagem, o cenário, o vestuário, a
iluminação, o enquadramento e a movimentação das câmeras. A expressividade obtida por
77
LOTMAN, Yuri, 1978, p. 181.
83
meio da conjunção dessas variadas unidades se organiza, portanto, não em termos de
sequencialidade, mas de simultaneidade, pois o sentido gerado é fruto da sobreposição e da
acumulação de elementos que se articulam ao mesmo tempo. Essas categorias são combinadas,
em diferentes graus de incidência, e sua decodificação é afetada _ entre outros fatores _ pelo
que Cardoso e Mauad (1997, p.143) chamam de “contrato tácito” entre enunciador e
enunciatário78: a historicidade das convenções, fator variável no tempo. Um filme, por
exemplo, que retrate a Segunda Guerra Mundial em um momento mais próximo ao ocorrido,
terá sua leitura diretamente afetada pela percepção de pessoas marcadas pelos eventos
retratados. O mesmo filme, 50 anos depois, tem sua leitura e decodificação inseridas em um
cenário muito diverso, inclusive no que tange ao aspecto dos recursos tecnológicos, o que,
certamente, acarretará percepções distintas daquelas de sua primeira exibição.
Para Lotman (1978, p. 60), o sincretismo da linguagem cinematográfica se organiza em
duas vertentes: a primeira se baseia na manutenção de elementos da experiência cotidiana e se
propõe a tratar o cinema como pura representação da realidade, ao passo que a segunda se
sustenta na transgressão da expectativa, surpreendendo o espectador com o rompimento do
conhecido. O filme, sendo obra aberta, privilegia a segunda tendência, quando, por meio de
elementos inesperados, frustra a perspectiva do fruidor e abre um amplo leque de possibilidades
interpretativas, que se impõem como eixo condutor da análise do texto sincrético.
Metz (op.cit.) destaca que há uma ideia, geralmente aceita, de que um filme nos conta
uma história, a despeito de seus outros diversos possíveis usos. Ir ao cinema, ou assistir a um
filme na privacidade de nossas casas é, primordialmente, acompanhar essa história, daí a
natureza intrinsecamente narrativa da obra cinematográfica. Para Morin (op.cit., p.100), a
leitura dessa narração se dá de forma nem sempre linear, nem sempre lógica. A múltipla
dimensionalidade desse texto se origina da composição de imagens que codificam mensagens e
permitem que tornemos o discurso fílmico um veículo, para o qual canalizamos nossos desejos
e temores latentes. Para o autor (ibid, p. 196), “sendo o campo estético do cinema o mais
amplo, tolera o maior número possível de formas e interpretações artísticas, e permite,
idealmente, as mais ricas obras possíveis.”
Essa complexidade de efeitos se deve à própria natureza do cinema: um filme se
constitui de uma sucessão de planos, ou tomadas, que se encadeiam e se organizam em uma
determinada sequência. Um plano isolado não apresenta significação, mas, ao ser confrontado
com outros, surge um sentido que gera a narrativa. Essas tomadas, no entanto, estão sujeitas à
78
Enunciador é quem comunica e enunciatário é quem recebe e interpreta a comunicação. Segundo Matte (2005,
p. 78): “O enunciado é o texto. Enunciador e enunciatário são respectivamente as figuras de sujeito-fonte e sujeitoalvo da enunciação, entre os quais o enunciado é o objeto.”
84
criação de diversos efeitos de sentido, a partir da iluminação, das perspectivas de câmera com
diferentes focos, ângulos, velocidade e outros fatores, que criam toda espécie de contraste
(Carmo Jr., 2005). A costura de um filme, através da montagem e da edição, é que imprime
este ou aquele ritmo e dinâmica ao texto final. Para Lotman (op.cit., p.111), “a montagem de
planos diferentes ativa a articulação semântica e faz dela o principal veículo de significação”.
Segundo uma máxima da semiótica, o sentido nasce da diferença e essas diferenças são
utilizadas por quem produz o texto, para criar efeitos de sentido, recurso abundantemente
utilizado na criação do texto fílmico.
Como, aqui, restringimo-nos ao filme sonoro, a relação entre imagens e palavras se
destaca como a mais observável.
No sentido semiótico, uma pergunta se coloca como
essencial, para que entendamos essa complexa coocorrência entre dois textos explícitos: seria
essa uma relação igualitária, ou hierarquizada, em uma observância hierárquica de
dominância/subordinação? Esse padrão é variável ou invariável? Para essa avaliação, Cardoso e
Mauad (op.cit, p. 414) propõem a consideração de três situações distintas possíveis:
1- A linguagem atua como semiose-guia e tem função distintiva em relação à imagem,
que funciona como conotadora (elemento onde estão as convenções e restrições).
2- A imagem funciona como semiose-guia e tem função distintiva em relação à
linguagem que, nesse caso, atua como elemento conotador. Um exemplo seriam os filmes
publicitários e pornográficos.
3- Na terceira hipótese, imagem e palavra estariam em uma situação de equilíbrio,
sendo impossível definir qual funciona como semiose-guia e qual atua como elemento
conotador.
Imagens e palavras fariam parte indistinta desse todo.
Não sendo possível
distinguir funções distintas, teríamos uma unidade global, embora heterogênea, de conteúdo.
Os autores em pauta destacam a necessidade de um modelo teórico-metodológico
prático, para a identificação dos princípios de organização do texto sincrético. Esse conjunto de
ferramentas possibilitaria, igualmente, a descrição e a apreensão isentas dos componentes que
se articulam e participam da construção do discurso. Não obstante a inegável dose de
subjetividade inerente à análise de qualquer peça estética, para Farias (2005, p.258), “é possível
aprender como interpretar um texto, de forma que esse processo não seja entendido como um
dom ou uma questão de sensibilidade, mas como um ato inteligível, para o qual a semiótica
apresenta suas hipóteses.” Para isso, a disciplina sugere o recorte em unidades mínimas
analisáveis, a fim de que se possa estudar, de forma criteriosa, as relações entre os elementos,
no âmbito do discurso sincrético, notadamente, as dinâmicas observáveis entre imagem e
linguagem verbal. Essa proposta se ampara no fato de que, como explicita Mancini:
85
A semiótica parte do pressuposto de que os textos possuem uma lógica subjacente
geral. Isso quer dizer que, independentemente das características que individualizam
um texto, há esquemas de organização comuns a todos eles.(Mancini, 2005, p.28).
Esse sistema de análise, disponibilizado pela semiótica, tem se revelado um aparato
consistente e operativo, para a melhor compreensão dos processos de sincretização dos meios
audiovisuais, particularmente por permitir o afastamento do olhar pessoal do analista, que se
atém, de modo imparcial, aos preceitos teóricos estabelecidos para a análise. A proposta se
ampara na ideia de que a segmentação metodológica permite a “desconstrução” do todo, para
que se possa entendê-lo, percorrendo-se um caminho inverso ao do mecanismo de criação.
Como define Discini (2005, p.263), “o sentido dos enunciados virá à luz por meio da
observação dessa rede de relações estabelecidas nos textos, da qual se depreende um modo
próprio de dizer”.
Segundo Mancini (op.cit., p. 27), o empecilho para a aplicação desse elenco de
conceitos tem sido o reduzido número de obras que explicitam a aplicação prática dos
pressupostos teóricos, já amplamente estabelecidos e aceitos. Essa lacuna vem, mais
recentemente, sendo preenchida por trabalhos que buscam reduzir a distância entre teoria e
prática, dentre os quais citamos aquele do qual o próprio texto de Mancini faz parte, a coletânea
de estudos e análises organizados por Lopes e Hernandes (2005) e que ilustram, em variadas
áreas de produção cultural, o emprego efetivo desse quadro teórico.
Outro aspecto concorrente para o sincretismo do texto cinematográfico diz respeito ao
fenômeno da intertextualidade. O termo foi introduzido pela filósofa búlgaro-francesa,
estudiosa de semiótica, Júlia Kristeva, em 197479, e pode ser definido como a “infinita
possibilidade de troca de sentidos entre a obra e os espectadores.” (Garcia, 2000, p.31). Como
resultado da presença de intertextos, o desenrolar da narrativa se constrói, não apenas através
dos elementos presentes naquela peça, mas, vale-se, igualmente, da memória do espectador e
estabelece, por meio de outras obras e referências, já conhecidas, um diálogo intertextual que
perpassa o discurso fílmico e participa da construção do sentido final. Ligada ao “conhecimento
de mundo”, a intertextualidade atua como uma superposição de textos, que concorrem para o
todo de significado: é na convergência, ou na divergência de mensagens que irá se constituir o
conjunto narrativo. Embora a tecnologia crie uma excepcional facilidade para o jogo
intertextual do cinema, Ceia (2005) lembra que a sobreposição de textos não é privilégio da arte
cinematográfica, mas, sim, intrínseca à produção cultural da humanidade:
79
Cf: KRISTEVA, Júlia. A História da Linguagem. São Paulo: Edições 70. 1974. 336 p.
86
[...] pode-se afirmar que a intertextualidade é inerente à produção humana. O homem
sempre lança mão do que já foi feito em seu processo de produção simbólica. Falar
em autonomia de um texto é, a rigor, improcedente, uma vez que ele se caracteriza por
ser um “momento” que se privilegia entre um início e um final escolhidos. (Ceia,
2005)80
O movimento de intertextualização _ como um procedimento para a construção de
sentidos _ acentua a capacidade do cinema, para retratar as representações que uma cultura faz
da realidade e aguça seu caráter de obra aberta, que não se esgota em uma única apresentação,
porquanto, cada vez que se toma contato com o texto, novos significados podem ser gerados. O
entrelaçamento dos diversos fios condutores que sustentam a narrativa fílmica possibilita um
precioso e singular enriquecimento daquilo que o artista pode dizer por meio de sua criação:
mesmo quando concluído, cada texto se constitui em uma proposta de significação que não está
inteiramente construída, visto que se destina ao olhar e à contínua recriação do público.
A despeito dessa inegável complexidade, o modo filme tem se revelado um recurso de
irrefutável qualidade e propriedade, para uso no contexto pedagógico, tema sobre o qual
discorremos no próximo segmento.
3.3.3- O filme como recurso pedagógico
O cinema, com sua imensa gama de ferramentas tecnológicas, para encenar e narrar
histórias, proporciona ao indivíduo uma nova maneira de perceber o mundo e, em
consequência, estabelecer uma forma peculiar de compreensão e conhecimento sobre
realidades outras que não a sua própria. Por esse motivo, o texto fílmico é um recurso
notadamente poderoso e sedutor no cenário pedagógico, visto que seu potencial, para reunir
diversas realidades, em um mesmo contexto, permite preparar o aluno para compreendê-las e
respeitá-las, como diferentes, porém possíveis. Duarte (2006, p.17) avalia que “ver filmes é
uma prática social tão importante, do ponto de vista da formação cultural e educacional das
pessoas, quanto a leitura de obras literárias, filosóficas, sociológicas e tantas mais.”
No campo de aquisição de LE, filmes autênticos81 têm se revelado grandes aliados: ao
servirem de veículo sociocultural, para insumo linguístico, descortinam a oportunidade de se
aprender, por meio de um olhar muito mais acurado e abrangente, sobre o novo universo da
80
CEIA, Carlos. E-Dicionário de Termos Literários. Disponível em: http://www2.fcsh.unl.pt/edtl/index.htm.
Acesso em: 07 março 2009.
81
Esclarecemos que tomamos o termo “autêntico” na acepção de Garza (1991, p. 241): “[...] the term ‘authentic’
refers to materials that are originally produced in a given language for a native-speaking audience of that
language, and not for learners of the language as a foreign language.” / “[...] o termo ‘autêntico’ se refere a
materiais que são, originalmente, produzidos em uma dada língua, para uma audiência de falantes nativos dessa
mesma língua, e, não para aprendizes da mesma, na qualidade de língua estrangeira.”
87
língua-alvo. Como uma mostra produzida sem manipulações com fins didáticos, a projeção
dessa modalidade de filmes possibilita a reflexão, o conhecimento da cultura dos falantes
nativos e pode facilitar a consequente produção escrita, ou oral, contextualizada. Para Wood
(1999, p. 97):
Especialmente no que diz respeito à linguagem oculta dos filmes de vídeo, isto é, a
linguagem que se pode evocar através do som, da imagem, da idéia e da emoção, esse
fato pode ser um grande estímulo para a produção linguística. 82 (Wood, 1999, p. 97).
O julgamento do autor elucida que a multimodalidade, presente na narração fílmica, é
fator decisivo, para o todo de significado que se constrói a partir do diálogo com o receptoraprendiz. Obras que não foram produzidas, visando ao uso didático, mas à fruição estética, são
peças culturais e, como tal, podem atuar como canais fidedignos que levem ao educando
aspectos de uma nova realidade.
Um vigoroso leque de argumentos, a favor do uso de filmes em sala de aula, tem sido
defendido por diversos pesquisadores. Para Almeida (2005, p.48), o uso do cinema confere ao
sistema educacional um caráter participativo, porquanto, ao inserir o indivíduo em seu contexto
sociocultural, ultrapassa a mera repetição de conhecimento, o que, na visão do autor, as
instituições escolares, frequentemente, limitam-se a fazer, sem que contribuam, da forma
desejada, para a construção de sujeitos inseridos no discurso de seu tempo.
Para Napolitano (2005, p.28), embora seja possível vislumbrar, pelo menos, três
perspectivas pelas quais o cinema pode ser explorado no ambiente didático _ conteúdo,
linguagem e técnica _ o recurso não tem sido usado com a frequência e a abrangência
desejáveis. O pesquisador acredita que cinema, cultura e educação podem estabelecer um
diálogo proveitoso e defende que:
Trabalhar com o cinema na sala de aula é ajudar a escola a reencontrar a cultura, ao
mesmo tempo cotidiana e elevada, pois o cinema é o campo no qual a estética, o lazer,
a ideologia e os valores sociais mais amplos são sintetizados numa mesma obra de
arte. (Napolitano, ibid, p. 11-2)
Por esse motivo, defende que essa conjunção de fatores confere à peça fílmica
qualidades decisivas, para que funcione como recurso instrucional poderoso e eficiente.
No contexto específico de aquisição de LE, citamos os trabalhos de Donley (2000),
Holden (2000), Kerner (2008), King (2002) e Stempleski (2000), entre vários outros, como
estudos que têm se debruçado sobre a pertinência e os procedimentos, para a utilização de
filmes como instrumento pedagógico. Como resultado das leituras realizadas para esta
82
“Especially in terms of the hidden language of video movies, that is to say, the language they can evoke through
sound, picture, idea and emotion, this fact can be a great stimulus for language generation.” (Wood, 1999. p.97)
88
pesquisa, selecionamos os seguintes argumentos, em favor do emprego de vídeos para o ensino
e o aprendizado de LE:
→ funcionam como um poderoso estímulo dos sentidos, notadamente dos sistemas de
percepção visual e auditivo;
→ podem facilitar a aquisição de vocabulário, o aperfeiçoamento da pronúncia, a capacidade
de compreensão oral e a fluência do educando;
→ oferecem um elenco variado e significativo de pistas visuais e paralinguísticas;
→ são um recurso poderoso e atraente para o contato com a cultura dos falantes da língua-alvo
e atuam como instrumento contundente para a conscientização de diferenças culturais;
→ podem servir de fonte para que o aprendiz desenvolva roteiros para a negociação do
significado e eventos comunicativos;
→ facilitam a inferência do significado de palavras desconhecidas;
→ promovem o envolvimento cognitivo e afetivo, reduzindo possíveis barreiras emocionais
para a aquisição linguística;
→ despertam elevados níveis de atenção, concentração e envolvimento;
→ facilitam a retenção dos insumos;
→ o caráter social e inclusivo do texto fílmico pode problematizar diferenças culturais de
forma positiva, de modo a gerar a apreensão de diversidades socioculturais.
Um dos aspectos mais abordados e defendidos, no âmbito dessa literatura, é que o uso
de filmes de vídeo pode funcionar como um antídoto eficaz para o desinteresse, a apatia e o
baixo rendimento escolar. Contudo, apesar de indicadores sólidos, a respeito do efeito positivo
que a projeção de vídeos desperta sobre a falta de empenho e de motivação dos alunos, o
assunto é muito mais complexo do que nos cabe avaliar e merece análises que fogem ao escopo
deste trabalho. É nossa crença, no entanto, que compete ao professor ampliar a dimensão do
filme a que o aluno assiste na sala de aula: cumpre ao educador contribuir para que seu
aprendiz ultrapasse a mera fruição do prazer estético, incentivando-o, para que seja um
espectador mais crítico e criando condições de tal modo que o conteúdo e a linguagem da obra
se tornem uma fonte de saber e aprendizado, segundo as propostas e os objetivos estabelecidos.
Para tanto, alguns cuidados se fazem necessários, a fim de se garantir um bom resultado, no
caso da adoção de textos fílmicos em atividades pedagógicas. Dentre uma variada gama de
procedimentos sugeridos, selecionamos os que se seguem:
→ a escolha criteriosa do filme, no que concerne ao seu conteúdo, levando-se em conta
a faixa etária dos alunos, seu nível de proficiência linguística e realidade cultural;
→ a delimitação clara de objetivos didáticos para a utilização do filme / segmento;
89
→ a escolha do modo de projeção mais adequado _ o filme todo de uma só vez, o filme
todo, porém, apresentado em partes, apenas um, ou alguns segmentos do todo _ de acordo com
o contexto educacional, os educandos e os propósitos pedagógicos;
→ atenção para que se evitem obras com excesso de gírias, palavreado impróprio,
modalidades fonéticas de “sotaques” que dificultem, excessivamente, a compreensão,
funcionando como desestímulo ao aprendiz;
→ o preparo de atividades, para serem realizadas antes, durante e após a projeção;
→ fazer uso, ou não, de legendas intralinguísticas (closed-captions), em função dos
objetivos estabelecidos.
Quanto ao último aspecto, vale destacar que a literatura disponibiliza farto material que
advoga a favor do uso de legendas, seja em LM, ou na língua alvo (Garza, 1991; Koolstra e
Beentjes, 1999; Markham, 2001), como há, igualmente, autores que colocam importantes
restrições à sua utilização (Blakely, 1984; Danan, 2004; Taylor, 2005). Para King (2002, p.
216-7), o resultado das pesquisas, até então, pendem favoravelmente para o uso das mesmas.
Contudo, há de se avaliar que, se os objetivos se voltam para o desenvolvimento de inferência
contextual, compreensão oral, ou fluência, corre-se o risco de que o aprendiz dedique mais
atenção, do que o desejável à mera leitura das legendas e canalize um esforço excessivo para
sua visualização e entendimento, desviando-se do propósito original. Acreditamos, portanto,
que a opção se deva fazer após análise criteriosa dos objetivos pedagógicos estabelecidos.
Importa, ainda, considerar que o emprego continuado do recurso pode “viciar” o aprendiz, que
passa a temer o desafio da compreensão sem o apoio visual da fala escrita.
Para concluir, ressaltamos que, em nosso entendimento, competências e habilidades que
giram em torno do ensino e aprendizado da linguagem verbal _ escrita e falada _ devem se
manter no eixo do trabalho escolar. Apesar disso, não podemos esquecer que, de modo cada
vez mais acentuado e complexo, outras linguagens perpassam e contaminam, para o bem e para
o mal, o significado da palavra em sua acepção mais imediata. A despeito dos relevantes pontos
que se possam levantar a favor do uso de filmes de vídeo, para aquisição de LE, destacamos
que, nesta investigação, referimo-nos à sua utilização em sala de aula, em ambiente controlável,
sob a supervisão e a orientação do professor. É nosso pensamento que, especialmente para
aprendizes com níveis iniciante e médio de proficiência, a interferência do professor se torna
essencial. O emprego de filmes, para fins de aprendizado, pode se revelar extremamente
frustrante e inócuo, quando o aprendiz o faz por conta própria: a seleção do texto pode não se
mostrar adequada e a maneira como é explorado pode estar equivocada (Curtis, 2001). Cabe ao
professor trazer a multiplicidade de sentidos que o texto filme proporciona, de forma efetiva e
90
pertinente às necessidades do aluno. Essa avaliação permite que o processo de articulação,
entre se adquirir uma língua estrangeira e se refletir sobre o que isso significa, em termos de
aprendizado social, possa se dar segundo a individualidade de cada um, seus objetivos e
realidade sociocultural.
Encerrando este capítulo, passamos às reflexões finais, considerando-se o tema da
multimodalidade, filmes e sala de aula.
3.4- CONSIDERAÇÕES FINAIS
As Figuras de número 1, 2 e 3 sintetizam nossa visão a respeito dos conceitos sobre os
quais discorremos neste capítulo. O caminho percorrido pela multimodalidade é claramente
ilustrado pelas páginas de jornal que, como se vê, de forma crescente, cedem espaço à
comunicação visual, para além do texto escrito.
FIGURA 1: Jornal do Brasil 1949
FIGURA 2: Jornal do Brasil 1986
FIGURA 3: Jornal do Brasil 2005
91
Entretanto, discorrer sobre o tema da multimodalidade não é apenas falar em modos de
comunicação através de ilustrações, formas e sons. A pluralidade de modos se faz presente,
igualmente, na linguagem verbal, como asseguram Kress e Van Leeuwen:
Linguagem, por exemplo, é um modo semiótico porque pode se materializar em fala
ou escrita, e a escrita é um modo semiótico também, porque pode se materializar
como gravação em uma pedra, como caligrafia em um certificado, como impressão
em papel brilhante, e todos esses meios adicionam uma camada a mais de significado.
(Kress e Van Leeuwen, 2001, p. 47). 83
Desse modo, todo texto pode ser multimodal, mesmo que apenas em forma de texto
escrito. Silva G. (2008, p.5) pondera que, a despeito da crescente utilização de modernos
recursos tecnológicos, até mesmo o simples destaque de títulos, o uso de diferentes tipos de
letras, em tamanhos e cores diversos, torna qualquer peça escrita um meio multimediático.
Avaliamos, por conseguinte, ser indispensável uma tomada de consciência, por parte de
todos aqueles que transitam no meio acadêmico-pedagógico, a respeito da necessidade de
dotarmos nossos alunos de uma competência de multiletramento. Ao criarmos ambientes e
adotar práticas condizentes e coerentes com o mundo em que vivemos _ um mundo de
palavras, imagens e sons _ temos como objetivo prover esse aprendiz de instrumentos que
possam ajudá-lo a desenvolver estratégias para ler e compreender textos multimodais.
Entretanto, embora se reconheça que, há muito, recursos como filmes, músicas e
figuras, entre outros, são uma constante em salas de aula de LE, faz-se necessário destacar a
questão levantada por Dias (2005. p.33): se cabe ao professor preparar aulas apropriadas ao
desenvolvimento de uma competência multimediática, de que forma esse profissional
alcançará, ele próprio, a necessária condição de multiletramento? A autora questiona se a
formação desse professor o prepara para a utilização de recursos multimodais, quando o próprio
texto acadêmico raramente faz uso da imagem. Para Silva G. (op. cit., p. 10): “Sem literatura
nem disciplina específica que tratem dos recursos multimodais, o trabalho do professor na
tentativa de desenvolver nos alunos a competência comunicativa multimodal torna-se
instintivo, fraco, pouco produtivo e pouco eficaz.”
Por conseguinte, acreditamos que se coloca a necessidade de qualificar os próprios
profissionais de linguagem, por meio de leituras suplementares e prática adequada, para que o
uso de recursos de multimídia, na instrução de LE, faça-se de maneira condizente com os
objetivos e a individualidade daqueles para quem trabalhamos.
83
“Language, for instance, is a semiotic mode because it can be realized either as speech or as writing, and
writing is a semiotic mode too, because it can be realized as engraving in stone, as calligraphy on certificates, as
print on glossy paper, and all these media add a further layer of signification.” (Kress e Van Leeuwen, 2001, p. 47)
92
Em continuidade, abordamos, no próximo capítulo, a temática da Semiótica, disciplina
que se revela indispensável ao estudo da multimodalidade e, em consequência, imprescindível
para esta investigação.
93
CAPÍTULO 4 - A SEMIÓTICA DAS IMAGENS
A pintura é poesia muda; a poesia, pintura cega. (Leonardo da Vinci)84
O primeiro segmento deste capítulo tem por objetivo discorrer, brevemente, sobre a
disciplina, hoje conhecida como “Semiótica”. A seguir, abordamos a teoria da Semiótica
Social, como em Kress e Van Leeuwen (2006, 2001), proposta que dá suporte à análise das
imagens focalizadas neste trabalho. Encerramos com as considerações finais sobre a temática.
4.1- O QUE VEM A SER SEMIÓTICA?
Etimologicamente, o nome semiótica deriva da raiz grega semeîon, signo, e sema, sinal.
Semiótica é, portanto, a ciência dos signos. Para Santaellla (1983, p. 2), "Semiótica é a ciência
que tem por objeto de investigação todas as linguagens possíveis, ou seja, que tem por objetivo
o exame dos modos de constituição de todo e qualquer fenômeno de produção de significação e
de sentido." Assim considerado, avaliamos que a investigação semiótica abrange,
potencialmente, todas as áreas do conhecimento envolvidas com linguagem, ou com sistemas
de significação. Segundo Prates (2000, p.31), sua principal utilidade é “possibilitar a descrição
e análise da dimensão representativa (estruturação sígnica) de objetos, processos ou fenômenos
em categorias ou classes organizadas”.
Para Fidalgo (1999), Semiótica é “uma ciência recente para uma temática antiga”. O
autor esclarece que o termo já era utilizado pelos gregos em estudos diagnósticos de medicina,
e a origem de investigações a respeito dos signos se confunde com a da própria filosofia,
quando dos primeiros estudos de Platão sobre linguagem. Na era medieval, os estudos
semióticos aconteceram no âmbito dos chamados estudos escolásticos, desenvolvidos nas
universidades, e abrangiam teologia, filosofia, gramática, retórica e dialética e foi no início do
84
Reza a lenda que, um dia, um poeta, vangloriando a sua arte sobre a pintura, teria dito: a pintura não passa de
poesia... mas é uma "poesia muda". Ao que Leonardo da Vinci teria respondido: “Se a pintura é ‘poesia muda’
então a arte do poeta é ‘pintura cega’". Canal informal: XI BRAZ-TESOL. CE. 11-15 de julho de 2008.
94
século XVII que se propôs que a disciplina passasse a investigar o conhecimento humano de
forma abrangente (Nöth, 2005, p. 19).
Em 1690, o filósofo inglês John Locke (1632-1704) postulou uma doutrina dos signos
com o nome Semeiotiké, entretanto, foi somente no século XIX que símbolos e imagens se
tornaram as noções centrais da Semiótica e, apenas em 1964, Thomas Sebeok publicou uma
coletânea chamada Approaches to Semiotics, dando à palavra a forma plural que, no inglês,
caracteriza a denominação de uma ciência (Prates, op.cit.).
Hoje, a despeito da existência de diferentes correntes e abordagens para o estudo da
disciplina, todas as "semióticas" se voltam à investigação de signos e/ou à sua significação.
Essa variedade foi construída à medida que as investigações divergiam em seus pressupostos e
priorizavam diferentes focos de atenção, o que faz com que se diferenciem a partir de sua
concepção e delimitação de campo de estudo (Santaella, op.cit).
O maior rival terminológico de Semiótica tem sido Semiologia. Se ambos os termos
designam duas grandes correntes no campo do estudo dos signos, seus seguidores disputam
definições e distinções conceituais.
Os semioticistas, em sua maioria de origem anglo-saxônica e seguidores de Charles
Pierce (sobre quem falaremos adiante), definem Semiótica como a ciência geral dos signos
enquanto que Semiologia, de abrangência mais restrita, seria unicamente a ciência dos signos,
criados pelos homens, especialmente os textuais.
O termo Semiologia foi forjado por Ferdinand de Saussure (sobre quem nos deteremos à
frente), que o utilizou para designar a disciplina que “estuda os sistemas de sinais no seio da
vida social” (Fidalgo, op.cit.). Para os semiologistas, geralmente de países românicos,
Semiologia é “a teoria geral, a metalíngua que trata dos aspectos semióticos comuns a todos os
sistemas semióticos” (Nöth, op.cit., p.24). Fidalgo (op.cit.) faz uma ampla avaliação da
trajetória percorrida pelos estudiosos da área, suas contendas e proposições, e avalia que, para
que se estabeleçam definições, faz-se necessário delimitar o(s) objeto(s) de estudo de cada
doutrina. Para o autor em questão, a Semiótica, que tem nos signos seu tradicional objeto de
estudo, rompe com a linguística do signo, na década de 60, e passa a ser considerada como
“ciência da significação”. Ainda segundo Fidalgo, esse conceito estende o campo de pesquisa
da disciplina, ao englobar os níveis semânticos da textualidade e do enunciado, em que o
primeiro diz respeito ao texto propriamente dito, e o segundo abarca a subjetividade, a
intencionalidade e a interação.
A contenda foi oficialmente encerrada quando, em 1969, a Associação Internacional de
Semiótica adotou Semiótica como “termo geral do território de investigações nas tradições da
semiologia e da semiótica geral que designa um sistema de signos com estruturas hierárquicas”,
95
ao passo que Semiologia é “a metalíngua desses sistemas” (Nöth, op.cit., p. 26). Entretanto,
diferentes trabalhos continuam a apresentar novas definições para as duas disciplinas. Se para
alguns estudiosos a Semiótica é um dos campos da linguística, para outros ocorre o inverso.
Definindo uma posição a respeito da nomenclatura aqui utilizada, tomamos Semiótica
como o termo canônico que designa toda e qualquer manifestação da linguagem e Semiologia,
como aquele empregado para se referir ao estudo de linguagens particulares, como a ciência da
linguagem verbal, conforme detalharemos adiante. Seguimos, portanto, o conceito de Deely
(1990, p. 23), para quem: “A semiótica forma um todo do qual a semiologia é uma parte”.
A fim de melhor compreender a origem dessas diferentes vertentes, precisamos abordar
aqueles considerados seus principais precursores e cujos trabalhos paralelos conferiram à
Semiótica autonomia e “status” de ciência: o americano Charles Sanders Peirce (1839-1914),
cientista, matemático, lógico, historiador e filósofo, e o linguista suíço Ferdinand de Saussure
(1857-1913). Embora suas abordagens estejam na raiz da divergência terminológica, ambos
comungavam o conceito de que a comunicação e o pensamento se fundamentam no emprego de
signos (Santaella, 2004, p. 15).
Cronologicamente, devemos iniciar por Pierce, para quem linguagem e pensamento são
processos de interpretação do signo. Pierce ampliou a concepção já existente de signo para uma
relação triádica: o representante (representamen), que se refere à forma que o signo apresenta,
o objeto denotado, aquilo a que o signo se refere e o interpretante, o sentido que o signo tem.
Para o cientista, esses elementos se encontram unidos por uma relação de convencionalidade,
enquanto linguagem e pensamento são processos de interpretação desse signo. Nessa
concepção, “Signo é uma coisa que representa uma outra coisa: seu objeto. Ele só pode
funcionar como signo se carregar esse poder de representar, substituir uma outra coisa diferente
dele.” (Santaella, 1983, p.58). A Teoria Geral dos Signos, concebida por Pierce, dá origem à
corrente semiótica, enquanto, paralelamente, surge a Semiologia, amparada no Curso de
Linguística Geral de Saussure
85
e continuada por estudiosos como Louis Hjelmslev e Roland
Barthes.
Se a Semiótica se apresenta como uma “filosofia científica da linguagem” (Santaella,
ibid, p. 28) em todas as suas formas de expressão, a Semiologia é, inicialmente, proposta por
Saussure como um ramo da Psicologia Social, “englobando a própria linguística como um de
seus ramos” (Nöth, 1995, p.19). Opondo-se à linha Peirceana, a chamada Semiótica
Estruturalista, Semiologia, ou, ainda, Linguística Saussureana, tem como foco de estudo signos
verbais/linguísticos. Suas ideias estão no livro de publicação póstuma, Tratado de Linguística
85
Cf: SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral de Saussure. São Paulo, S. P.: Cultrix. 20ª ed. 2002.
280 p.
96
Geral, organizado com base nas anotações dos alunos de Saussure, feitas durante suas aulas. A
obra traz a teoria do signo linguístico, resultante da combinação entre um significante (o
componente sonoro) e um significado (o conceito). Na visão de Saussure, a língua é um sistema
de signos arbitrários, frutos de convenção, cujo significado muda “de acordo com o contexto e
regras da língua” (Sturken e Cartwright, 2001, p. 28). Para Saussure, um signo linguístico não é
“um elo entre uma coisa e um nome, mas entre um conceito _significado _ e uma imagem
acústica _ significante.” (Sturken e Cartwright, ibid). Na concepção saussureana, não há signos
motivados (baseados em uma relação causa-efeito), mas apenas os relativamente motivados, e
os arbitrários, em que não há motivação. A partir desse conceito, o linguista defende a
necessidade de se conceber uma ciência que estude a função dos sinais no seio da vida social,
envolvendo parte da psicologia geral e social (Santaella, 2004). Para Fidalgo (1999), o grande
mérito de Saussure foi haver aberto caminho para a linguística como a conhecemos hoje.
A negação dos signos, como objeto da Semiótica, dá origem à chamada escola francesa,
quando Algirdas Julien Greimas (1917-1992) desenvolve a teoria semiótica da Narrativa do
Discurso (Fidalgo, ibid.). A teoria de Greimas tem como objeto de estudo o sentido, em todas
as suas formas de manifestação discursiva, e propõe a desconstrução do texto, para que se
compreenda a relação entre as unidades que o compõem. Essa teoria amplia o conceito do que
venha a ser texto, definido como “qualquer objeto que signifique” (Lopes e Hernandes, 2005, p.
9) e propõe uma dicotomia, composta por um plano de conteúdo, em que o texto diz o que diz,
e por um plano de expressão, que é a parte material que sustenta os conteúdos (Hernandes e
Trota, 2005). Outra contribuição da vertente francesa foi a criação de um modelo global de
análise conhecido como percurso gerativo de sentido. Esse modelo se propõe a fornecer um
elenco de conceitos que opere como instrumento de trabalho isento, aplicado à análise e à
investigação de qualquer forma de manifestação discursiva, permitindo que a interpretação de
um texto seja um ato inteligível, baseado na observação, e não uma questão de sensibilidade
pessoal (Farias, 2005, p.258). A Semiótica Greimasiana teria, portanto, contribuído,
expressivamente, para que a disciplina se tornasse um efetivo instrumento de análise do
processo de construção do significado.
Outra vertente que julgamos conveniente mencionar é a chamada Semiótica da Cultura
(SC), a qual possui diversas correntes de estudo. A mais conhecida, de origem russa, é a
chamada Escola de Tártu-Moscou (ETM). Seus pesquisadores entendem a cultura, não como
memória genética, mas, sim, como um sistema formado por uma coleção de textos, cuja função
é armazenar, processar e transferir informação (Nöth, 2005, p.48). Essa vertente tem como
proposta descrever e demarcar os elementos inerentes às diferentes expressões desses textos,
que os grupos sociais acumulam e transmitem por meio de manifestações, tais como, religião,
97
arte e leis. Para esses estudiosos, esse conjunto compõe um “contínuo semiótico”, sobre o qual
se estrutura o mecanismo das relações cotidianas e a dinâmica da vida em sociedade (Nöth,
ibid.). Esse grupo tem seus expoentes em Roman Jakobson e Mikhail Bakhtin. Jakobson foi
quem se empenhou no “estudo da língua como fenômeno da comunicação” (Nöth, ibid, p. 32) e
se destacou como o semioticista da linguística e da poética. Já Bakhtin foi o teórico dos gêneros
literários. Tinha preocupação com a natureza da linguagem, literária ou não, e percebia, tanto o
homem, como a linguagem, em uma perspectiva integrada à totalidade histórica e social.
Considerou que o fato linguístico não pode ser entendido apenas como uma realidade física,
mas deve estar inserido na esfera social, para que se torne um fato de linguagem (Santaella,
1983).
Considerando-se o conjunto de contribuições aos estudos semióticos, aqui sucintamente
exposto, tomamos os signos como elementos portadores de sentido, inseridos em um
sistema estruturado, de maneira parcialmente análoga aos elementos transmissores de
significado em uma língua. Em consequência, se a Semiótica é, basicamente, a ciência dos
signos, conceituamos a disciplina como instrumento essencial, para que melhor se compreenda
como as pessoas interpretam mensagens, interagem, pensam e comunicam emoções
e pensamentos.
Em meio à diversidade de conceitos e acepções encontrados, definimos Semiótica, de
modo abrangente, como uma ciência da comunicação e como uma teoria geral do sentido
que apresenta vocação interdisciplinar, o que propicia seu trânsito nas áreas da Epistemologia,
Ciências Sociais, Psicanálise e Psicologia. A disciplina proporciona uma metodologia, para
o estudo do processo de construção do sentido, assim como para a análise do
conteúdo e das relações entre conteúdo e expressão nos mais variados tipos de
texto. Deriva dessa vocação instrumental, a avaliação de Lopes e Hernandes (2005,
p. 8) que a conceituam como “um vasto canteiro de obras sobre as relações entre
significante e significado.”
Considerando-se que esta pesquisa tem como objeto de estudo o uso instrucional de
filmes de vídeo, linguagem visual que faz uso da noção de signo para produzir significado,
contemplamos a inclusão dessa breve abordagem sobre as bases históricas que concorreram
para o atual perfil da Semiótica como disciplina autônoma com objeto de estudo próprio, a
saber, “o sentido, em todas as suas formas de manifestação discursiva.”, (ibid, p.7).
Havendo definido nossa posição, passamos a enfocar a teoria da Semiótica Social de
Gunther Kress e Theo Van Leeuwen, que dá relevante suporte ao presente trabalho.
98
4.2- A GRAMÁTICA DO DESIGN VISUAL
Este segmento tem por objetivo delinear a Gramática do Design Visual (2006, 2001) de
Kress e Van Leeuwen, cujos pressupostos foram utilizados para a análise das imagens
apresentadas no escopo desta investigação. Reforçamos que, como mencionado na Introdução
deste estudo, as imagens que ilustram as análises que se seguem foram selecionadas a critério
desta autora, em consonância com os conceitos em pauta.
No segmento anterior, conceituamos Semiótica como um instrumento para “o estudo
sistemático, abrangente e coerente, do fenômeno da comunicação como um todo.” (Hodge e
Kress, 1988, p.1)86. Avaliamos que, como tal, a disciplina oferece meios para a descrição e a
análise dos processos e estruturas, através dos quais o significado se constrói. Nosso juízo se
confirma em Mancini (2005, p.29), para quem:
Ao identificar elementos comuns aos textos, a semiótica cria um elenco de conceitos
que podem ser aplicados a qualquer texto e, dessa forma, permite que se faça uma
análise mais isenta de gostos pessoais, mais focada em como o texto está construindo
aquilo que diz. (Mancini, 2005, p. 29)
Nesse universo, a Semiótica Social é um campo da Semiótica que investiga esse
processo de construção, em um determinado contexto sociocultural, e procura explicá-lo como
prática social. A disciplina busca expandir os conceitos de Saussure (vide 4.1) ao explorar as
implicações dos processos sociais nos códigos de comunicação. O aspecto crucial dessa
abordagem reside no fato de que sistemas semióticos e seus significados são lapidados a partir
das relações de poder de um determinado grupo social sobre outro(s), relações essas que estão
em frequente mudança (Hodge e Kress, op.cit.). Nessa linha, definimos Semiótica Social como
o estudo das dimensões sociais do significado, assim como do poder que processos de
significação e de interpretação exercem na formação dos indivíduos e de seus grupos sociais.
A disciplina pode abarcar a análise e a observação sobre como as pessoas constroem e
interpretam o significado, de que modo sistemas semióticos são formados a partir de interesses
sociais e ideológicos, e como eles se adaptam às mudanças sociais. Para Hodge e Kress (op.cit.,
p.2): “A Semiótica Social atribui poder ao significado, ao invés de significado ao poder.”87
Se a Semiótica Estruturalista de Saussure enfoca, prioritariamente, o que chamou de
“langue”, explicada como “o sistema abstrato de sinais e convenções que dão base a atos
86
“A systematic, comprehensive and coherent study of communications phenomena, as a whole.” (Hodge e
Kress, 1988, p.1)
87
“Social Semiotics attributes power to meaning instead of meaning to power.” (Hodge e Kress, 1999, p.2)
99
individuais da fala.”88 (O’Sullivan et al., 1994, p.166), a abordagem da Semiótica Social leva
em conta a “parole” que conceitua a língua como atividade social dinâmica, inserida em um
determinado contexto de tempo e espaço, “... uma declaração individual que é a realização
particular do potencial da langue.”89 (O’Sullivan ibid.). Esse enfoque privilegia o modo pelo
qual a criatividade individual, circunstâncias históricas e identidades sociais podem influenciar
e alterar os padrões de uso (Hodge e Kress, op.cit.). Nessa visão, signos não são códigos fixos,
mas recursos à disposição de indivíduos sociais que os selecionam e adaptam segundo suas
necessidades, intenções e o contexto sociocultural em que atuam.
Nesse aspecto, a disciplina compartilha os conceitos e interesses da pragmática e da
sociolinguística e se aproxima da análise do discurso do linguista e teórico Michael Halliday,
que trouxe o termo “Semiótica Social” para o campo da Linguística, quando intitulou seu livro
“Language as Social Semiotic” (1978)90. Nesse trabalho, o autor argumenta contra a tradicional
separação entre linguagem e sociedade e propõe uma abordagem mais ampla para o estudo da
linguística na língua escrita (Neves, 1997). Para Halliday, as línguas se desenvolvem como
“sistemas potenciais de significado”91 (Halliday, 1978, p.39), ou recursos, dos quais fazemos
uso em um determinado contexto social.
Para analisar o funcionamento desse sistema, tendo como base a língua inglesa, o
linguista criou o modelo que denominou Gramática Sistêmico-Funcional: sistêmico, porque
percebe a gramática como um sistema de escolhas potenciais, motivadas de forma não
arbitrária, e funcional, porque foca no significado e no propósito do ato comunicativo,
buscando explicar as implicações dessas escolhas. Para Halliday, as opções disponibilizadas
por esse sistema léxico-gramatical relacionam os propósitos e intenções de falantes e escritores
com as formas concretas existentes na língua. A teoria concebe a linguagem como um sistema
de significados e leva em conta a competência comunicativa do indivíduo, definida como a
maneira como esse indivíduo “codifica e decodifica expressões de maneira interacionalmente
satisfatória” (Neves, op.cit, p.15). Ou seja, essa abordagem funcional privilegia o caráter
instrumental da linguagem em uma situação comunicativa, ao mesmo tempo em que coloca o
usuário como ator-criador das estruturas linguísticas de que faz uso. Segundo Neves (op.cit.,
p.73):
88
“The abstract system of signs and conventions underlying individual acts of speaking.” (O’Sullivan et al., 1994,
p.166).
89
“[...] an individual utterance that is a particular realization of the potential of langue.” (O’Sullivan et al., 1994,
p.127).
90
HALLIDAY, Michael A. K. Language as Social Semiotic: The Social Interpretation of Language and Meaning.
London: Edward Arnold. 1978. 256 p.
91
“potential systems of meaning” (Halliday, 1978, p.39).
100
A questão fundamental, na gramática funcional de Halliday, é o modo como os
significados são expressos, o que coloca as formas de uma língua como meios para
um fim, não como um fim em si mesmas. Quando diz que a língua é um sistema
semântico, Halliday não se refere, apenas, ao significado das palavras, mas a todo o
sistema de significados da língua. (Neves, 1997, p.73)
A consideração da autora avalia que o principal objetivo da Gramática Funcional não é
o da análise da gramática per se _ como, a princípio se pode imaginar. Sua razão de ser é,
prioritariamente, a compreensão de como essa gramática produz estruturas que permitam à
língua funcionar como meio/instrumento efetivo para a produção e a troca de significados.
Nessa apreciação, a abordagem Hallidiana investiga as funções sociais da língua e estabelece
“metafunções”, que são suas manifestações de uso. Essas funções se realizam de modo
simultâneo e se encontram organizadas, segundo os diferentes propósitos do ato comunicativo,
interagindo na construção do texto e conferindo-lhe um caráter multifuncional. São elas:
(i) metafunção ideacional: é a função dos significados. É por meio dessa função que o
usuário representa suas experiências de mundo, tanto aquelas relativas à sua própria
consciência, percepção, e cognição, quanto às do mundo externo. É a função que se realiza no
sistema gramatical, diz respeito à sintaxe, à organização das palavras no texto, através do que
codifica a representação do mundo;
(ii) metafunção interpessoal: é a função das relações humanas. Diz respeito aos papéis
sociais exercidos pela linguagem e às estratégias de afastamento/aproximação entre falantes, ou
leitor/autor. É a função que se realiza no sistema da modalidade e codifica as relações entre os
participantes;
(iii) metafunção textual: visa a conectar essas ideias e interações em textos
significativos, tornando-os relevantes em seu contexto. Estabelece a coesão entre uma frase e
outra e confere encadeamento às frases, permitindo ao usuário construir textos como unidades
operacionais. É a função que se realiza no sistema da informação e codifica a mensagem.
Para Halliday, o foco deve estar na investigação sobre como a língua é usada, a que
objetivos serve e, caso sejamos capazes de alcançá-los, de que forma fazê-lo. Nessa visão, os
níveis sintático, semântico e pragmático se encontram inter-relacionados tanto em seus aspectos
extra, como intralinguísticos, e as regras gramaticais são concebidas, sob a ótica de seu uso
comunicativo, e não como padrões rígidos de aplicação.
Com base nos pressupostos estabelecidos por Halliday e, a partir dos conceitos da
Semiótica Social, alicerçados em sociedade e significado, Kress e Van Leeuwen (2006, 2001)
propõem uma teoria de gramática visual para a análise de imagens. Os pesquisadores concebem
a imagem como um sistema complexo, estruturado segundo propósitos semânticos, passíveis de
101
serem identificados. Acreditam que essa linguagem visual dialoga com o sistema de linguagem
verbal e que a gramática, mais do que reger a língua e criar regras formais, permite a
construção de uma imagem mental da realidade, proporcionando recursos para interpretar e dar
sentido às experiências e interações sociais que vivemos (Kress e Van Leeuwen, 2006, p.1).
Para os autores, o significado está atrelado à cultura, de modo muito mais determinante do que
a escolha por esse ou por aquele modo semiótico de expressão, e sofre os efeitos de todo um
processo histórico, no qual fatores sócio-culturais se encontram inseridos (Kress e Van
Leeuwen, ibid).
Dessa maneira, ao nos alinharmos a Kress e a Van Leeuwen, tomamos a linguagem
visual como um sistema de representação simbólica, profundamente influenciado por princípios
que regem possibilidades de representação e de significação em uma dada cultura. Nesse
cenário, abrimos espaço para problematizar, não só a própria linguagem visual, mas,
igualmente, o que está envolvido em sua leitura, percebida, não como produto, mas, como
construção de sentido. Nesse processo, estão envolvidos a intencionalidade do autor, a
materialidade do texto, o contexto social e as possibilidades de ressignificação a partir do
próprio leitor/receptor. Ao mesmo tempo em que sofre as consequências do contexto social em
que interage, o indivíduo atua sobre ele, conferindo novos usos e contornos a esse sistema
semiótico do qual faz uso. Nesse cenário, avalia-se que:
O texto não existe, semioticamente, a não ser que tenha uma audiência, a qual deve
inserir o texto em algum tipo de relação social, assim como atribuir uma relação do
texto com o mundo.92 (Hodge e Kress, 1988, p.60).
Para Iser (1997, p.15), o texto é “um potencial de efeitos que se atualiza no processo de
leitura.”, e é nesse processo semiótico que se negocia e se constrói o significado, a partir da
interação entre o emissário, o receptor e o mundo. Esse processo não se dá, por imposição de
um autor onipotente e absoluto, mas como fruto de um contexto histórico e sociocultural, no
qual o indivíduo se insere, e com o qual interage (Hodge e Kress, op.cit., p.12).
É a partir do somatório desses conceitos que a Gramática do Design Visual se evidencia
como instrumento para a leitura de textos visuais semióticos,. Além de fazer uso dos termos e
classificações de Halliday, Kress e Van Leeuwen criam outros, alguns dos quais têm recebido
diferentes traduções na língua portuguesa. Após a leitura de variados trabalhos, adotamos a
seguinte terminologia:
92
“The text doesn’t exist, semiotically, unless it has an audience, which must set the text in some kind of social
relationship, as well as attributing a relationship of text to the world.” (Hodge e Kress, 1991, p.60).
102
A metafunção ideacional de Halliday é chamada de “função representacional” por
Kress e Van Leeuwen. É aquela que codifica a representação do mundo em nós e ao nosso
redor. É responsável pelas estruturas que constroem, visualmente, as experiências e
circunstâncias em que se encontram os participantes envolvidos, sejam esses pessoas, objetos,
ou lugares (Kress e Van Leeuwen, 2006), são “as estruturas visuais capazes de conceber modos
de representar o mundo”93 (Kress e Van Leeuwen, ibid, p.47). Se, na linguagem, essas
estruturas se apoiam na sintaxe _ por sua vez fundamentada na sequência das palavras _ na
imagem, porém, a sintaxe se constrói a começar da relação espacial entre os elementos
representados (Kress e Van Leeuwen, ibid). Para os autores há dois padrões de representação:
representações narrativas, quando os participantes realizam ações, e representações
conceituais em que os participantes não estão envolvidos em ações. As categorias e seus
desdobramentos serão minuciados adiante.
A metafunção interpessoal Hallidiana é denominada de “função interativa”. Refere-se à
maneira como agimos uns sobres os outros, descrevendo as relações entre quem vê e o que é
visto. Segundo os linguistas em tela, os recursos disponíveis na imagem criam uma relação
através de si mesma entre o autor da imagem e o receptor (Kress e Van Leeuwen, ibid., p. 48).
A metafunção textual da gramática de Halliday recebeu o nome de “função
composicional” no trabalho de Kress e Van Leeuwen. Diz respeito à estrutura e aos modos de
organização do texto, na maneira como o significado textual codifica a mensagem. Está
diretamente ligada à distribuição de valor da informação entre os elementos que compõem a
imagem e criam um texto coerente e coeso, tanto internamente, quanto em relação ao meio
externo em que foi produzido (Kress e Van Leeuwen, ibid).
Para Unsworth (2001, p. 18), o modelo desenvolvido pelos pesquisadores em foco vem
atender à crescente percepção sobre a necessidade de uma metalinguagem a serviço do conceito
de multiletramento como aqui proposto:
Professores estão em busca de um arcabouço prático e coerente para o trabalho
escolar, que consolide aspectos fundamentais da pedagogia de letramento tradicional e
que, igualmente, englobe as competências de multiletramento de que as crianças irão
precisar para negociar no novo milênio. (Unsworth, 2001, p. 4)94
Acreditamos que, a despeito de certa dificuldade de consenso para as traduções da
nomenclatura utilizada, a proposta de Kress e Van Leeuwen apresenta a praticidade e a
93
“...the visual structures that can realize ways of representing the world.” (Kress e Van Leeuwen, ibid, p.47).
“Teachers are looking for a coherent and practical framework for classroom work, which consolidates
fundamental aspects of traditional literacy pedagogy and also encompasses the multiliteracies competencies that
children will need to negotiate in the new millennium.” (Unsworth, 2001, p. 4)
94
103
coerência abordadas por Unsworth (ibid). Para sua melhor compreensão e sistematização, o
Quadro 9 ilustra uma tentativa, por parte desta autora, de organização do esquema de análise
sugerido. Em seguimento, passamos a discorrer sobre as referidas categorias.
QUADRO 9: Categorias da Gramática do Design Visual
FUNÇÃO
REPRESENTACIONAL
►Representações Narrativas
Processos
* Processos de Ação
→ Transacional
→ Não-Transacional
→ Bidirecional
→ Eventos
* Processos Reacionais
→ Transacional
→ Não-Transacional
* Processos Mentais e Verbais
* Processos de Conversão
Circunstâncias
* Locativas ou Cenário
* De Meio ou Instrumento
* De Acompanhamento
FUNÇÃO
INTERATIVA
FUNÇÃO
COMPOSICIONAL
►Olhar
►Valor da Informação
* Demanda
* Oferta
* Novo e Dado
* Ideal e Real
* Centro e Margem
►Distância Social
►Saliência
* Pública
* Impessoal
* Social
* Íntima e pessoal
* Saliência máxima
►Perspectiva
►Enquadramento
* Objetiva
* Subjetiva
* Conexão máxima
→ Dimensão do Envolvimento
▲
▼
* Saliência mínima
▲
▼
* Desconexão máxima
» Ângulo horizontal frontal
» Ângulo horizontal oblíquo
►Representações Conceituais
→ Dimensão do Poder
* Processos de Classificação
* Processos Analíticos
* Processos Simbólicos
» Ângulo ao nível do olhar
» Ângulo superior
» Ângulo inferior
→ Atributivo
→ Sugestivo
104
4.2.1- Função Representacional
A função representacional se divide, como ilustrado, em duas categorias:
Representações Narrativas e Representações Conceituais. A primeira expressa relações que os
participantes estabelecem entre si quando engajados em eventos e ações, processos de mudança
e arranjos espaciais. A segunda representa os participantes, em termos de sua essência, classe,
estrutura, ou significado (Kress e Van Leeuwen, 2006). As Representações Narrativas abarcam
Processos de Ação, Processos Reacionais, Mentais e Verbais e de Conversão, como,
igualmente, Circunstâncias de lugar, meio e acompanhamento. Na dimensão das
Representações Conceituais, encontram-se os Processos de Classificação, Analíticos e
Simbólicos. As próximas seções discorrem sobre as categorias da Função Representacional.
4.2.1.1- Representações Narrativas
Representações narrativas se subdividem em Processos e Circunstâncias. Segundo o
dimensionamento desenvolvido pelos pesquisadores, os Processos se caracterizam,
prioritariamente, pela presença de um vetor, equivalente ao verbo de ação na sintaxe. Os
vetores são representados por instrumentos, pessoas, ou mesmo, apenas por parte de seus
corpos e partem do Ator, o participante ativo do processo, que realiza uma ação para, ou por
alguém.
Os diferentes tipos de Processo _ de Ação, Reacional, Mental e Verbal, ou de
Conversão _ variam, em função da dinâmica estabelecida pelo tipo de vetor, e pelo número e
tipo de participantes envolvidos no evento.
Nos Processos de Ação (ou Acionais), o vetor parte de um ator que pode ser ele
mesmo, o próprio vetor. O Ator costuma ser o participante mais destacado da composição
visual, em função de seu tamanho, localização, ou contraste, criado por elementos, tais como:
cor, foco, ou “saliência psicológica”_ “psycological salience” (Kress e Van Leeuwen, op.cit.,
p.63). Os Processos de Ação podem se subdividir em:
* Não-Transacional- existe apenas um participante que, geralmente, é o Ator. A ação não tem
uma Meta (Goal), não está voltada, ou dirigida a nenhum outro participante da composição. Na
sintaxe equivale aos verbos intransitivos.
* Transacional- ilustra dois participantes, em que um é o Ator (participante ativo) e o outro a
Meta (participante passivo), ligados pelo vetor. Equivale, na linguagem verbal, ao verbo
transitivo.
105
Na Figura 4, por exemplo, o participante caminha. A ação não está voltada para outro
elemento da composição (Meta), pelo menos, não que se possa ver. A cena poderia ser expressa
como: Mulher caminha. Já, na Figura 595, há um nítido vetor entre a Virgem Maria que
funciona como Ator, ao passo que Santo Antônio, ao estender os braços e receber o Menino
Jesus, é objeto dessa ação e funciona como Meta. Ou seja, verbalmente poderia equivaler a:
A Virgem Maria entrega o Menino Jesus a Santo Antônio.
FIGURA 4: Processo de Ação Não Transacional
FIGURA 5: Processo de Ação Transacional
* Bidirecional- nessa categoria, Ator e Meta alternam papéis, hora funcionando como
aquele que age, ora como aquele que recebe a ação. Essa relação pode ser simultânea, ou
subsequente. Nessa categoria, os autores denominam os participantes que exercem um
duplo papel não mais de “Atores”, mas de “Interactors”, que sugerimos traduzir como
“Interagentes”. A Figura 6 ilustra um exemplo de narrativa de Ação bidirecional: ambos os
participantes funcionam como Ator e Meta ao se abraçarem e agirem um sobre o outro de
forma recíproca. Um verbo reflexivo exprimiria o texto visual: Crianças se abraçam.
95
“La Virgen entregando el niño a S. Antonio”. Juan Correa, 1561.
106
FIGURA 6: Processo de Ação Bidirecional
* Eventos- são os Processos em que apenas a Meta _o objetivo da ação_ encontra-se ilustrado.
Algo está acontecendo, mas não se pode ver quem, ou o quê está agindo. Nessa categoria,
também se inclui a composição na qual se vê, apenas, uma pequena parte do Ator, como suas
mãos ou pés, permitindo que este continue anônimo. A Figura 7 ilustra esse tipo de narrativa:
sabe-se que existe uma ação em andamento (o preparo de um prato), mas o Ator permanece
anônimo, já que somente suas mãos podem ser, parcialmente, vistas. Um verbo na voz passiva
pode ilustrar a cena: Pica-se a carne. / A carne é picada.
FIGURA 7: Processo de Evento
107
Os Processos Reacionais se realizam através do vetor formado a partir da direção do
olhar de um ou mais participantes. Nesse caso, Kress e Van Leeuwen substituem os termos
Ator e Meta, por Reator/Reagente (Reacter)96 e Fenômeno (Phenomenon). O Reator,
necessariamente humano ou um animal humanizado, é o participante ativo, aquele cujo olhar
cria a “linha do olhar” (eyeline) e é capaz de reforçar o significado desse olhar por meio de
expressão facial. O Fenômeno pode ser o participante passivo, alvo desse olhar, ou o conjunto
formado pela proposição visual, a própria estrutura transacional em si. Como nos processos de
Ação, Processos Reacionais podem se subdividir em transacional, no caso de haver dois
participantes, e não-transacional, quando há apenas um participante que é o Reagente, ou
Reator (Reacter) que dirige o olhar a algo, ou a alguém que não podemos ver. Nesse caso, “é
deixado para o observador imaginar o que ele ou ela está pensando, ou para que está olhando, e
isso pode criar um poderoso senso de empatia, ou identificação com os participantes
representados” (Kress e Van Leeuwen, op.cit., p.68)
97
, daí ser um recurso usual na área da
propaganda. O Processo Reacional Transacional é ilustrado na Figura 8: a linha do olhar
amoroso da mãe direciona o processo de recepção do espectador, que se completa e reforça no
conjunto formado pelos sorrisos _ apenas entrevisto no rosto da criança (Fenômeno) e aberto na
expressão materna.
FIGURA 8: Processo Reacional Transacional
96
A tradução de “Reacter” por Reator, ou Reagente é uma proposta desta autora. As fontes consultadas de autores
nacionais mantêm o termo no original inglês.
97
“It is left to the viewer to imagine what he or she is thinking about or looking at, and this can create a powerful
sense of empathy or identification with the represented participants.” (Kress e Van Leeuwen, 2006, p.68)
108
A Figura 9 ilustra um Processo Reacional Não Transacional: a propaganda de um
produto de beleza reforça seu apelo por meio do olhar convidativo da modelo. Nesse caso, a
mensagem se dirige de forma direta ao espectador, sem a presença de um outro alvo para a
linha do olhar que não aquele do receptor da imagem. A sugestão de encantamento e sedução é
sublinhada pelos ângulos inclinados do rosto e do ombro e pelo meio sorriso.
FIGURA 9: Processo Reacional Não Transacional
A Figura 10 ilustra uma combinação dos Processos de Ação e Reacional, do tipo
transacional: a mulher se encontra no papel de Ator e o rapaz atua como Meta, quando ela
estende o braço na direção dele e o toca. A imagem poderia ser transcodificada em linguagem
verbal por _ A moça toca o rapaz. Ao mesmo tempo, a mensagem é reforçada pela linha do
olhar que ela dirige a ele, colocando-a no papel de Reator. Entretanto, como ela também é alvo
do olhar do rapaz, ocorre uma sobreposição de funções e ela passa a ser Fenômeno. Já o rapaz
se enquadra somente no Processo Reacional, acumulando, da mesma forma, os papéis de
Reator e Fenômeno, pois tanto é participante ativo ao olhar para a moça como é elemento
passivo ao ser alvo do seu olhar. Todo o conjunto visual composto pelos olhares recíprocos, e
fortemente reforçado pelo vetor formado pelo braço estendido que liga os participantes,
compõe um Fenômeno da estrutura reacional transacional. A mensagem visual dos olhares se
encontra, ainda, reforçada pela boca da moça, que parece falar, e pelas expressões faciais de
ambos, que aparentam denotar afeto e conexão emocional entre o par.
109
FIGURA 10: Processos Acional e Reacional
Processos Mentais e Verbais são aqueles que fazem uso da mediação de balões de fala
e de pensamento, comuns não só em histórias em quadrinhos, mas, igualmente usuais, em
livros didáticos. Os recursos funcionam como vetores< ao conectar o participante ao conteúdo
verbal. Os autores usam a nomenclatura Sayer e Senser para se referir aos participantes dos
Processo Verbal e Mental, respectivamente, e Enunciado (Utterance) para o rotular o contéudo
dos balões, como ilustrado na Figura 11.
FIGURA 11: Processo Verbal: Sayer/ Utterance
110
Os Processos de Conversão dizem respeito a estruturas em cadeia, nas quais um
participante funciona como Meta (Goal), em relação à ação de um Ator e como Ator em
relação a outra. Esse participante é denominado pelos autores de Revesador (Relay), usando-se
tradução adotada por alguns pesquisadores que constam de nossas referências. Essa estrutura
narrativa é bastante frequente na ilustração de processos da natureza. Na Figura 12, por
exemplo, a nuvem que se forma, a partir da ação dos agentes poluidores (Atores), passa de
Meta (Goal) dessa ação a Revesador (Relay) ao cair em forma de chuva ácida, sobre a floresta
e o lago, ilustrados na composição, já que, nesse momento passa a ter um papel ativo.
FIGURA 12: Processo de Conversão
Ainda no que diz respeito às Representações Narrativas, Kress e Van Leeuwen
mencionam o papel de participantes secundários, que denominam de “Circunstâncias”,
classificando-as em três categorias:
* As Circunstâncias Locativas relacionam os participantes a um elemento específico que os
autores chamam de “Cenário” (Setting). Essa circunstância demanda que se crie um contraste
entre primeiro e segundo planos, efeito que pode ser produzido por meio de diversos recursos:
i) os participantes se sobressaem em primeiro plano, consequentemente reduzindo o destaque
do que se encontra em segundo plano;
ii) o cenário é mostrado em menos detalhes, menos cores, ou com foco reduzido, no caso de
fotos;
111
ii) o cenário se perde ao fundo, efeito geralmente criado pelo uso de uma cor única;
iv) o cenário é mais escuro ou mais claro do que os participantes em primeiro plano.
A curiosa foto da Figura 13 ilustra uma situação em que os participantes claramente se
destacam em primeiro plano. O Cenário, embora se perceba a existência de um texto que pode
ser relevante no contexto em que os participantes se encontram, está fora de foco e, à exceção
das letras brancas difusas, há o predomínio de uma cor única. Esses fatores retiram qualquer
significado que o segundo plano pudesse ter no conjunto visual e ressaltam os elementos à
frente.
FIGURA 13: Circunstância Locativa: Cenário
* As Circunstâncias de Meio ou Instrumento se referem às ferramentas utilizadas para a
execução da ação nos Processos de Ação, na hipótese de não se estabelecer um vetor definido
entre o instrumento e o usuário. Assim, o instrumento pode ser, ele mesmo, o vetor da ação.
* As Circunstâncias de Acompanhamento fazem menção a participantes que não estão ligados
uns aos outros por meio de vetor, mas, ainda assim, compõem um conjunto significativo
baseado no fato de estarem um na companhia do outro. A categoria pode ser ilustrada pela
gravura da Figura 14, na qual se comunica uma noção de “família de tigres”, a despeito da
ausência de vetores.
112
FIGURA 14: Circunstância de Acompanhamento
4.2.1.2- Representações Conceituais
O segundo grupo de estruturas pertencentes à Função Representacional é formado pelas
Representações Conceituais, que expressam uma categoria, classe, ou estrutura à qual os
participantes pertencem. Nesse caso, não estão envolvidos em ações, mas “são”, ou ”significam
algo” e, por conseguinte, não há a presença de vetores, mas se estabelece um processo
classificacional, ou analítico. Essa dimensão está subdividida, conforme ilustrado no Quadro 9,
em Processos de Classificação, Processos Analíticos e Processos Simbólicos.
* Processos de Classificação – os participantes se relacionam, segundo uma determinada
taxonomia, um tipo de relação que obedece a uma regra específica, na qual “[...] pelo menos
um grupo de participantes desempenha o papel de Subordinados, em relação a pelo menos um
outro participante, o Superordinado”98 (Kress e Van Leeuwen, 2006, p.79). Essa relação
hierárquica se estabelece a partir do próprio ordenamento das imagens e nem sempre reflete um
critério natural, mas o julgamento feito por um elemento externo que considerou os
participantes ilustrados como pertencentes à mesma classe. Na Figura 15, os elementos
ilustrados fazem parte de uma categoria mais abrangente: espátulas de cozinha. Sua
estruturação visual, lado a lado de forma alternada, e a harmonia de cores sugerem uma
equivalência de valor entre os elementos, sem que um prevaleça sobre os outros.
98
“[...] at least one set of participants will play the role of Subordinates with respect to at least one other
participant, the Superordinate.” (Kress e Van Leeuwen, 2006, p.79).
113
FIGURA 15: Processo de Classificação
* Processos Analíticos - os participantes se encontram interligados, não através de ações, mas
por meio de uma estrutura que relaciona as partes ao todo 99. Nessa categoria, o Transportador
(Carrier) é o todo e as partes são chamadas de Atributos Possessivos (Possessive Attributes).
Essa classe de processos se encontra intrinsecamente associada a um critério seletivo, pois
alguns atributos, ou características, são selecionados como representativos de um conceito, em
detrimento de outros que são descartados. Um exemplo claro de processo analítico é o modo
como os mapas são organizados: os estados do Brasil funcionam como Atributos Possessivos
de um todo _ Brasil _ que é o Transportador desses atributos. Na Figura 16 a pirâmide
alimentar para diabéticos atua como Transportador, e os alimentos ilustrados são os Atributos
Possessivos. A escolha dos alimentos inseridos na gravura é fruto de uma seleção, processo que
caracteriza os Processos Analíticos.
FIGURA 16: Processo Analítico
99
“Analytical processes relate participants in terms of a part-whole structure.” (Kress e Van Leeuwen, 2006, p. 87)
114
* Processos Simbólicos –“ [...] dizem respeito ao que um participante significa ou é.”100
Subdividem-se em processos Simbólicos Atributivos e Sugestivos (Attributive / Suggestive). O
primeiro possui dois participantes: o Transportador (Carrier), cujo significado, ou identidade é
estabelecido na relação, e o Atributo Simbólico (Symbolic Attribute), que representa o
significado, ou identidade, propriamente ditos, desse Transportador. Esse papel pode ser
desempenhado pelo Atributo, ao ser destacado em função de sua posição no conjunto, através
de efeitos de iluminação, tamanho exagerado, ou, ainda, por estarem associados a determinados
valores por mera convenção, como é o caso da ilustração da Figura 17: o uniforme e o chapéu
de mestre cuca são Atributos que conferem ao homem sua qualidade de chefe de cozinha.
Já o segundo tipo de Processo Simbólico _ o Sugestivo _ tem apenas um participante, o
Transportador (Carrier), que traz em si próprio as qualidades que lhe conferem identidade.
Nesse caso, o processo deixa de ser analítico, porque nesse tipo de imagem os detalhes não têm
papel relevante, o que prevalece é o que chamam de humor (mood), ou atmosfera (atmosphere)
(Kress e Van Leeuwen, 2006, p.106). O significado e a identidade derivam das qualidades do
próprio Transportador. Esse efeito é atingido através do uso das cores, que podem se matizar, o
foco pode ser suavizado, ou os participantes e silhuetas podem se encontrar apenas sugeridos.
Na Figura 18, os tons escolhidos para a composição conferem uma qualidade outonal à
imagem, cujos detalhes se perdem e são menos importantes do que a impressão geral, criada
pelo fundo meio fora de foco, as plantas que parecem secas e o vigor das tonalidades utilizadas.
FIGURA 17: Processo Simbólico Atributivo
FIGURA 18: Processo Simbólico Sugestivo
100
“Symbolic processes are about what a participant means or is. “ (Kress e Van Leeuwen, 2006, p.105)
115
4.2.2- Função Interativa
Kress e Van Leeuwen (op.cit.) avaliam que a linguagem visual envolve dois grupos
distintos de participantes: os participantes representados _ os elementos que fazem parte da
imagem, sejam estes pessoas, lugares ou coisas _ e os participantes interativos, traduzidos
pela figura do produtor e do espectador da imagem os quais se comunicam por meio da mesma.
Se na Função Representacional os pesquisadores discorrem sobre os tipos de relação possíveis
entre os elementos representados, nessa analisam a interação entre aqueles que se comunicam
por intermédio da linguagem visual. Para os autores,
Participantes interativos são, portanto, pessoas reais que produzem e interpretam
imagens no contexto das instituições sociais, que, em diferentes graus e de diferentes
maneiras, regulam o que pode ser “dito” com imagens, como deve ser dito, e de que
modo deve ser interpretado. (Kress e Van Leeuwen, 2006, p.114)101
Frequentemente, não há uma relação face a face entre o produtor e o observador, como
pode ocorrer quando se tira uma foto, e os participantes envolvidos têm a possibilidade de
comentar e trocar ideias sobre a imagem obtida. À exceção desse caso, o que costuma ocorrer é
um afastamento físico entre autor e receptor. Além da distância espacial e/ou temporal, essa
recepção pode se dar em um contexto sociocultural totalmente diverso daquele que embasou o
processo de criação, e o único elemento de ligação entre esses participantes e contextos
distintos é a própria imagem e seus elementos.
No âmbito da dimensão interativa, distinguem três tipos de relações:
i)
As relações que se estabelecem entre os participantes representados;
ii) as relações entre participantes representados e participantes interativos;
iii) as relações entre os participantes interativos, ou seja, o que fazem ao outro, ou pelo
outro, por intermédio dessa imagem.
Para analisar esse processo, os autores sugerem que a dinâmica da interação se dá
através de três categorias distintas inerentes à linguagem visual: Olhar (Gaze), Distância Social
(Social Distance) e Perspectiva (Perspective), também traduzida por Ponto de Vista em
algumas fontes. Esses aspectos, representativos das relações e interações sociais, são abordados
nos próximos segmentos.
101
“Interactive participants are therefore real people who produce and make sense of images in the context of
social institutions which, to different degrees and in different ways, regulate what may be “said” with images, how
it should be said, and how it should be interpreted.” (Kress e Van Leeuwen, 2006, p.114)
116
4.2.2.1- Olhar
No âmbito da Função Interativa, a dimensão que os pesquisadores denominam de
“Contato” (Contact) está relacionada ao olhar do participante da imagem que pode estar
diretamente voltado para os olhos do observador, ou não. No primeiro caso, forma-se um vetor,
a partir da linha do olhar (eyeline) do participante representado, conectando-o ao observador,
categoria chamada pelos autores de “Demanda” (Demand), também traduzida como
“Interpelação” em algumas fontes. Nesse caso, o observador é convidado a estabelecer uma
relação direta com o participante. A qualidade dessa interação vai depender de fatores, como a
expressão facial, os gestos, as intenções e as emoções transmitidas por meio desse olhar e de
outros fatores que compõem o conjunto visual. Olhares de Demanda são muito utilizados em
propaganda e anúncios, quando se deseja que o observador seja diretamente estimulado a agir.
Na Figura 19, o olhar sentido e magoado da criança estimula uma empatia com a sua tristeza,
sentimos vontade de consolá-la e somos convidados a reagir a esses sentimentos. No que toca à
Perspectiva, aspecto em que nos deteremos adiante, o ângulo levemente inferior em que a
participante se encontra, em relação ao espectador, confere a este uma posição de
superioridade: eu, observador, detenho o poder e posso mudar a situação em que a participante
se encontra.
A mulher, ilustrada na Figura 20, no anúncio contra o uso de peles de animais, tem um
olhar inquisidor, que cobra uma atitude e uma postura a respeito da questão. O vetor criado por
esse olhar se soma àquele estabelecido pelo braço erguido, que segura o animal morto, criando
um vetor de ligação direta entre o espectador, o corpo do animal e a mulher. O ângulo
levemente oblíquo da sua cabeça acentua um efeito interpelativo, assim como o seu braço
direito inerte, estendido ao lado do corpo, posição reforçada pelas linhas retas e soltas do
vestido de cor única, elementos que sublinham o sentimento de indiferença que a imagem
deseja combater.
117
FIGURA 19: Olhar de Demanda I
FIGURA 20: Olhar de Demanda II
A Figura 21 ilustra o Olhar que não se dirige diretamente para quem vê. O observador
se transforma em uma plateia “invisível”: pode se entregar à contemplação sem se sentir
convidado a reagir, o que cria conforto psicológico e distanciamento emocional. A esse tipo de
olhar os autores chamam de “Oferta” (Offer). Filmes para a televisão, ou para o cinema se
utilizam, basicamente, desse tipo de olhar, motivo pelo qual, nessa situação, costumamos nos
sentir mais à vontade para observar o que se desenrola na tela, sem que experimentemos uma
situação de desconforto perante imagens que, em contextos mais diretos _ como no caso de
olhares de Demanda _ poderiam criar um sentimento de interpelação mais invasiva. No caso
desse afastamento criado pelo não confrontamento de olhares, os autores em tela avaliam que:
[...] aqui uma barreira real ou imaginária é erguida entre os participantes representados
e os espectadores, um sentido de desengajamento, no qual o espectador deve ter a
ilusão de que os participantes representados não sabem que estão sendo vistos e estes
devem fingir que não estão sendo observados. (Kress e Van Leeuwen, 2006, p.120)
102
102
“... here a real or imaginary barrier is erected between the represented participants and the viewers, a sense of
disengagement, in which the viewer must have the illusion that the represented participants do not know they are
being looked at, and in which the represented participants must pretend that they are not being watched.” (Kress e
Van Leeuwen, 2006, p.120)
118
Nesse caso, como bem destacam, a sensação é de desengajamento, resultado muito
diferente do sentimento interpelativo despertado pelo Olhar de Demanda, que estabelece um
contato, ainda que imaginário, entre observado e observador.
FIGURA 21: Olhar de Oferta
4.2.2.2- Distância Social
A segunda dimensão a influenciar as relações entre produtor e receptor diz respeito ao
enquadre da imagem, elemento responsável pela impressão de distância que se cria. O
participante pode ser mostrado mais, ou menos próximo, o que estabelece um sentimento de
maior, ou menor intimidade entre representado(s) e observador. Entretanto, considerando-se
que, de um modo geral, estes nem ao menos se conhecem e não há como se ter controle sobre
as impressão despertadas pelo texto visual, os autores ressalvam o aspecto irreal dessa relação:
A relação entre os participantes humanos representados nas imagens e o observador é,
mais uma vez, uma relação imaginária. As pessoas são retratadas como se fossem
amigas, ou como se fossem estranhos. (Kress e Van Leeuwen, 2006, p.126).103
Nessa categoria, os pesquisadores dividem as possíveis dimensões de efeito como
Distância Pública (Public Distance), Distância Impessoal (Far Social Distance), Distância
Social (Far Personal Distance) e, por fim, Distância Íntima Pessoal (Close Personal Distance).
As classificações podem ser comparadas aos comportamentos que ocorrem nas relações
sociais do dia a dia, quando, seguindo valores culturais, usamos um código corporal, impondo
103
“The relation between the human participants represented in images and the viewer is once again an imaginary
relation. People are portrayed as though they are friends, or as though they are strangers.” (Kress e Van Leeuwen,
2006, p.126)
119
maior, ou menor distância entre nós e aqueles com quem interagimos, como parte da mensagem
que está sendo trocada. Ao contrário da dimensão anterior (Olhar), os sistemas de Distância
podem se aplicar ao meio ambiente e aos objetos ilustrados, estabelecendo relações não só
entre o espectador e o participante, como entre os próprios participantes ou o participante e os
outros elementos visuais representados.
Retornando à ilustração da Figura 19, a próximidade física entre quem tirou a foto e a
menina acentua a impressão de empatia e interação que, provavelmente, o fotógrafo quis criar.
Já na Figura 20, o fato de a mulher aparecer de corpo inteiro, em um ângulo levemente superior
ao observador, cria um certo afastamento, apesar do vetor formado pelo olhar funcionar como
fator de aproximação. Se, por um lado, somos chamados a simpatizar com a causa que a
modelo defende, por outro, há um certo distanciamento entre a nossa realidade e o ativismo
engajador que a imagem nos propõe, sentimento facilitado pelo enquadramento escolhido.
4.2.2.3- Perspectiva
A terceira dimensão a agir na Função Interativa se refere à Perspectiva (Perspective) ou
Ponto de Vista. Ao compor uma imagem, escolhemos um determinado ângulo e essa escolha
abre a possibilidade de expressarmos pontos de vista, não apenas em função de convicções, ou
preferências pessoais, mas a partir de atitudes socialmente determinadas.
Nessa dimensão, a cultura ocidental apresenta dois tipos de imagem: objetivas e
subjetivas. Imagens objetivas costumam ocorrer no caso de mapas, diagramas e gráficos. Essas
composições não apresentam nenhuma perpectiva em especial, mostram aquilo que o produtor
da imagem acredita ser tudo o que há para ser mostrado e não levam em conta o observador.
Diferentemente, imagens subjetivas são construídas se levando em conta o receptor e
sua reação ao texto visual. Contudo, na verdade, essa perspectiva se estabelece a partir do ponto
de vista do produtor, visão essa que passa a se impor, igualmente, a participantes retratados e
interativos, o que estabelece uma certa simetria nas relações criador-retratado e observadorretratado. Algumas opções afetam essa perspectiva: a escolha entre um ângulo frontal, ou
oblíquo, determina maior, ou menor envolvimento. Se frontal significa que “sou parte desse
mundo retratado e estou envolvido”, oblíquo corresponde a “não pertenço a esse mundo e olho
sem envolvimento.”
Um ângulo na linha dos olhos desperta um sentimento de igualdade entre os
participantes. Por outro lado, a escolha entre um ângulo superior, ou inferior estabelece
relações de poder: se o participante retratado se encontra em um ângulo superior ao do
observador, confere-se maior poder ao primeiro, ao passo que, se a composição está em um
120
ângulo inferior o observador detém o poder. Na Figura 22, a foto de um grupo de imigrantes
presos foi tirada de um ângulo oblíquo e o fotógrafo se encontra em uma posicão superior. As
perspectivas escolhidas codificam uma relação de distanciamento emocional e de poder por
parte do observador. O fato de os participantes estarem de costas reforça a sensação de que
pertencem a um mundo distinto, posicionamento que, ao mesmo tempo, transmite um
sentimento de vulnerabilidade. É como se os observássemos sem que, em momento algum,
fôssemos tocados por sua situação, ou nos sentíssemos convidados a um envolvimento pessoal.
FIGURA 22: Perspectiva subjetiva de afastamento
Em contrapartida, a mesma temática _ imigrantes _ é codificada sob outra perspectiva
na Figura 23: o ângulo é frontal, há vetores formados a partir dos olhares dos retratados com o
olhar do espectador e não há uma imposição de poder de uma, ou de outra parte, em função do
ângulo horizontal no nível do olhar, perspectiva que convida o observador a uma empatia com
os participantes.
121
FIGURA 23: Perspectiva subjetiva de aproximação
Figura 18: Perspectiva subjetiva de aproximação
Figura 14: Perspectiva subjetiva de aproximação
Kress e Van Leeuwen (op.cit.) destacam que a codificação veiculada pelas escolhas
daquele que produz a imagem se, por um lado, limitam a percepção do observador, não
necessariamente criam uma concordância com esse ponto de vista. A partir da compreensão das
mensagens codificadas, fica a critério do receptor se identificar, ou não com elas.
Outros elementos que também afetam a codificação dos processos de interação entre
criador e receptor da imagem visual são a cor, a contextualização, a representação, a
profundidade, a iluminação e a luminosidade, categorias que não receberam denominações
específicas e que podem ter maior ou menor peso no conjunto da recepção.
4.2.3- Função Composicional
A Função Composicional diz respeito à capacidade que todo modo semiótico possui,
para formar textos complexos, que apresentem coerência, tanto na composição das estruturas
internas, quanto em relação ao contexto externo em que foram produzidos (Neves, 1997).
Nesse processo, diferentes arranjos expressam o modo como os elementos representacionais e
interativos se integram e atuam na construção dos significados textuais.
Kress e Van Leeuwen (2006, p.177) consideram a existência de três sistemas através
dos quais os elementos composicionais se relacionam e integram os elementos codificados
pelas Funções Representacional e Interativa: Valor de Informação (Information Value),
Saliência (Salience) e Enquadramento (Framing).
122
4.2.3.1- Valor de Informação
O Valor de Informação se refere ao posicionamento dos participantes retratados no
conjunto da imagem. A partir desse arranjo, os mesmos interagem, afetando e sendo afetados
em seus valores, assim como também atuam sobre a interação com o receptor por meio de
significados intrínsecos relativos às diferentes áreas da composição visual. Nessa categoria,
Kress e Leeuwen (2006) destacam os seguintes elementos:
4.2.3.1.1- Esquerda e Direita: Novo e Dado
Para os pesquisadores, em uma sociedade ocidental, em que a leitura ocorre da esquerda
para a direita, se a composição se faz sobre um eixo vertical, os elementos à esquerda são
aqueles considerados como valor ou informação já assimilados pelo observador e os
denominam “Dado” (Given). Aqueles, porém, posicionados à direita, transmitem o novo, o
desconhecido a ser incorporado pelo receptor, elemento a que chamam de “Novo” (New). Na
Figura 24, a foto à esquerda ilustra a Torre de Spinnaker (Spinnaker Tower) na cidade inglesa
de Portsmouth. A torre é um marco local e não apresenta nenhuma informação nova para os
leitores, ao contrário do anúncio veiculado na porção direita da página, que informa sobre um
evento a ocorrer na prefeitura, destinado à organização de um plano de ação sobre a qualidade
do ar na cidade.
FIGURA 24: Esquerda e Direita: Novo e Dado
123
4.2.3.1.2- Parte superior e parte inferior: Ideal e Real
Se o arranjo da composição se faz sobre um eixo horizontal, confere-se à parte superior
da composição um apelo emocional maior, é onde a essência idealizada da informação se
concentra, a porção da imagem que Jewitt (2004, p.148) conceitua como “mais
ideologicamente saliente”104. A esse espaço Kress e Van Leewuen chamam de “Ideal” (Ideal).
A parte inferior da imagem é denominada de “Real” (Real). Nessa área se localiza a
informação de caráter mais prático, mais concreto e específico, e cujo significado está
subordinado àquele da parte superior.
Essa oposição de valor também ocorre, quando a composição inclui texto escrito e
imagem, como se vê na Figura 25. No exemplo, as ilustrações, no pé da capa de um livro de
geografia, estão a reboque do título (Por que a Geografia importa) e das informações _
subtítulo e nome do autor _ localizadas na parte superior.
FIGURA 25: Parte superior e parte inferior: Ideal e Real
4.2.3.1.3- Centro e Margem
Uma composição visual pode também estar estruturada a partir dos conceitos de Centro
e Margem. Nesse caso, o elemento colocado no centro é percebido como o núcleo da
informação à qual os outros estão, de algum modo, subordinados. Esse conceito de semiótica
104
“[...] the ideologically most salient part.” (Jewitt, 2004, p. 148)
124
visual, segundo Kress e Van Leeuwen, é especialmente comum nas sociedades asiáticas onde é
mais acentuada a noção de hierarquia. Na Figura 26, a ideia de subalternidade é enfatizada pelo
uso de setas que funcionam como vetores, os quais sublinham o papel central da informação
colocada ao centro da composição.
FIGURA 26: Centro e Margem
Os conceitos de Valor da Informação, categorizados em Novo e Dado, Ideal e Real e
Centro e Margem podem ser combinados como ilustrado no Quadro 10, e se encontram
aplicados na análise da Figura 27, ilustração de uma capa da revista Veja (16/02/2005).
QUADRO 10: As dimensões do espaço visual 105
MARGEM
IDEAL
DADO
MARGEM
IDEAL
NOVO
CENTRO
MARGEM
REAL
DADO
105
MARGEM
REAL
NOVO
“[...] the dimensions of visual space [...]” (Kress, Van Leeuwen, 2000, p. 208)
125
Na Figura 27, ao centro da composição, destaca-se a pintura de uma mulher
simbolizando libertação e coragem, valores que sintetizam a mensagem resultante da
superposição dos textos visual e textual.
Focalizando-se o arranjo em suas partes superior e inferior, o nome da revista, assim
como a bandeira, situam-se na parte superior _ Ideal _ onde, segundo os conceitos
apresentados, encontram-se as informações de maior peso no significado textual. Nessa área, o
vetor formado pelo braço erguido reforça a ideia de triunfo, tendo de um lado o nome da revista
e de outro a bandeira do país que é apresentado como vitorioso: “A Coréia fez [...]”. O nome da
publicação destaca-se, ainda, pelo tamanho das letras em relação aos outros textos verbais, e
pela cor vermelha. Em contrapartida, o título e o subtítulo referentes à reportagem de capa se
acham subordinados à força da imagem central, explicando-a sem, contudo, se sobrepôr.
Se a análise se fizer a partir do eixo vertical, percebemos que a informação a ser
destacada se encontra à direita _ Novo _ ao passo que os elementos posicionados à esquerda,
Dado, estão escuros e um tanto desfocados, denotando sua pouca relevância no contexto.
Igualmente no setor visual de maior significação _o hemisfério direito _ visualizam-se alguns
lápis inseridos à imagem original, sublinhando a mensagem comunicativa do texto. Percebe-se,
igualmente, uma hierarquia entre os diferentes textos verbais localizados na parte do Novo,
formalizada pelas cores, tamanhos e diferentes tipos utilizados de fonte gráfica.
O conjunto da interpretação, entretanto, depende, pelo menos em parte, de fatores
culturais: a capa da revista, embora a bandeira original _ francesa _ tenha sido substituída pela
da Coreia do Sul, reproduz o famoso quadro “A Liberdade Guiando o Povo”(La Liberté
Guidant le Peuple), do pintor francês Ferdinand Delacroix, de 1830, em exposição no museu
do Louvre, na cidade de Paris. A leitura pode ficar comprometida, ou pelo menos se
enfraquece, se o receptor não reconhecer que a composição se fez a partir dessa obra, e não
identificar o objetivo de se vincular Educação à Liberdade. O papel decisivo desempenhado
pela dimensão cultural é destacado por Sturken e Cartwright (2001, p.25), quando as autoras
argumentam que os significados da imagem não se encontram somente em seus elementos, mas
“são adquiridos quando esses elementos são consumidos, vistos e interpretados.”106, conceito
claramente ilustrado pela imagem em questão.
106
“[…] are acquired when they are consumed, viewed, and interpreted.” (Sturken, Cartwright, 2001, p. 25)
126
FIGURA 27: Interpretando as dimensões do espaço visual
4.2.3.2- Saliência
O termo Saliência (Salience), usado por Kress e Van Leeuwen, conceitua o modo como
os participantes da composição definem o caminho da leitura a partir do estabelecimento de
uma hierarquia de relevância. Em um texto oral, por exemplo, o falante pode destacar um
elemento do discurso, em relação a outros, a partir do ordenamento das palavras, entonação ou
modulação de voz. No texto visual, essa maior ou menor importância se constrói em função do
papel que cada elemento desempenha na imagem, determinado pelo seu tamanho, pela
iluminação que recebe e pelo contraste em relação aos outros participantes, formalizado por
meio da nitidez, intensidade de cor, brilho, perspectiva e outros recursos que salientam um
aspecto em detrimento de outro.
Na Figura 28, o elemento “bola de futebol” se sobrepõe hierarquicamente sobre os
jogadores que são os outros componentes do texto visual. Dentre esses, o que se encontra em
primeiro plano, além de ocupar um maior espaço no conjunto, destaca-se por estar usando um
uniforme de cor vermelha. O jogador logo atrás perde em importância por ter parte do seu
corpo encoberto e, igualmente, por usar um uniforme de cor branca, de menor apelo visual. Há
um terceiro jogador ao fundo, assim como outra bola. Ambos os elementos têm sua relevância
significativamente reduzida, por se encontrarem fora de foco, assim como o fundo da
composição.
127
FIGURA 28: Saliência
4.2.3.3- Enquadramento
O conceito de Enquadramento se refere à presença, ou à ausência de recursos, tais
como: linhas, espaços, descontinuidades de forma, ou cor, que conectam, ou desconectam os
elementos da imagem, acarretando significados de integração e continuidade, ou de separação e
estranheza.
Na foto da Figura 29, embora os dois participantes ocupem espaços relativamente
semelhantes, um à direita e o outro à esquerda, há uma descontinuidade entre os elementos,
porque o da direita está à frente do outro, criando uma percepção de maior importância para o
primeiro, em relação àquele em segundo plano. Uma certa falta de foco, na imagem do homem
à esquerda, acentua a importância do outro e o vetor criado pela mão em posição de continência
parece, na verdade, estar voltada para o que está à frente, destacando-o. Observa-se,
igualmente, um jogo de cores: o preto do cabelo do homem à direita faz um conjunto com sua
roupa que, ao mesmo tempo, cria uma linha de separação, entre ele próprio e o participante ao
fundo, divisão que é acentuada por uma linha, quase em 90º, criada pelo ombro. O preto, no
quepe do participante à esquerda, estabelece um elo com o elemento do primeiro plano, mas,
paralelamente, as cores do seu uniforme e da própria pele, como que se confundem com as
cores do fundo, dissolvendo sua relevância no todo da composição textual.
128
FIGURA 29: Enquadramento
Figura 18: Saliência e Enquadramento
No âmbito da Função Interativa, o participante à direita tem um Olhar de Demanda:
olha à frente e revela uma expressão altiva e determinada, enquanto o olhar do outro se perde,
na área escura sob a aba do quepe, impossibilitando um vetor no nível dos olhos com o
observador. O contraste reforça o fato de que a comunicação entre participante retratado e
participante interativo se faz através do homem à direita, ao passo que o outro se distancia.
Todos esses elementos composicionais, ao mesmo tempo em que criam uma coesão
interna entre os componentes da imagem, estabelecem uma interação com o observador, ao
construir a informação de que o homem à frente está em uma posição de autoridade e espera
que esse fato seja reconhecido pelo espectador. Os óculos acentuam a noção de barreira entre
retratado e observador, impedindo uma maior aproximação emocional.
4.3- CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando observamos uma imagem, tentamos, na realidade, interpretá-la e entendê-la, à
luz de valores, ideologias e conceitos culturais que embasam e sustentam essa compreensão.
Sendo assim, a realidade que percebemos é relativa, já que é construída a partir de interpretação
subjetiva, forjada no meio sociocultural de que fazemos parte e fruto de nossa própria
individualidade.
Para Chandler (2006, p.14), “O significado não nos é ‘transmitido’: nós o criamos de
forma ativa, segundo uma complexa interação de códigos e convenções, dos quais,
129
normalmente, não nos damos conta.”107 Nesse processo de criação de significado, utilizamos
recursos da Semiótica (Sturken e Cartwright, 2005, p.21) e buscamos relações, não só entre os
elementos dessa imagem como, do mesmo modo, entre a imagem e nós mesmos.
Dessa forma, ao focalizar os pressupostos da Gramática do Design Visual de Kress e
Van Leeuwen (2006), é nosso objetivo refletir sobre o intricado conjunto de fatores que
interagem e se sobrepõem na construção do texto semiótico. Trata-se, como se quer
demonstrar, de uma reconfiguração das práticas de leitura. Na medida em que novos modos de
sentido concorrem para a compreensão final, torna-se de crucial relevância, para o contexto
pedagógico, que se estabeleça a noção de multiletramento proposta por Cope e Kalantis (2005),
essencial à formação de sujeitos preparados para uma nova realidade, onde o elemento visual
exerce papel de crescente importância. Para Unsworth (2001, p.9), faz-se necessário
desenvolver nos aprendizes de hoje conhecimento sobre como os diferentes modos
comunicativos se moldam e interagem para a construção do significado:
A fim de se tornar participantes ativos nas diversas formas de letramento que têm
surgido, os alunos precisam compreender como os recursos da língua, da imagem e da
retórica digital podem ser empregados de forma independente e interativa de modo a
construir diferentes tipos de significado. Isso significa desenvolver conhecimento
sobre sistemas linguísticos, visuais e digitais, formadores de sentido. Esse tipo de
conhecimento sobre como significados se constroem exige uma meta-linguagem _
linguagem para descrever a língua, imagens e interações intermodais construtoras do
significado. (Unsworth, 2001, p. 9)108
É para a formação desse conhecimento e dessa metalinguagem que o construto teórico
da Gramática do Design Visual pode contribuir. Ao dar destaque à questão, esperamos haver
concorrido para um continuado foco de interesse e atenção para o assunto.
No próximo capítulo, abordamos os aspectos metodológicos, incluindo as hipóteses
norteadoras deste estudo, o cenário em que os sujeitos participantes se inserem e os
instrumentos e procedimentos adotados para esta investigação.
107
“[…] meaning is not ‘transmitted’ to us - we actively create it accordingly to a complex interplay of codes, or
conventions of which we are normally unaware.” (Chandler, 2006, p.14).
108
“In order to become effective participants in emerging multiliteracies, students need to understand how the
resources of language, image and digital rhetorics can be deployed independently and interactively to construct
different kinds of meanings. This means developing knowledge about linguistic, visual and digital meaningmaking systems. This kind of knowledge about how meanings are made requires meta-language – language for
describing language, images and meaning-making intermodal interactions. “ (Unsworth, 2001, p. 9)
130
CAPÍTULO 5 - ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA
A despeito das diferenças nas abordagens de pesquisa, devemos reconhecer que os
objetivos fundamentais da pesquisa educacional de linguística aplicada tem sido para
todos, no sentido pragmático e ético, alcançar o bem-estar social dos aprendizes.
(Chaudron, 2000, p. 5)109
Nos segmentos anteriores, buscamos construir um alicerce teórico que norteasse esta
investigação. O presente capítulo tem como objetivo apresentar suas bases metodológicas. Na
primeira subseção, apontamos as hipóteses que nortearam nosso estudo. No segmento seguinte,
tipificamos a pesquisa, abordando os conceitos que caracterizam os procedimentos adotados. A
seguir, descrevemos o cenário em que se deu a intervenção pedagógica e os sujeitos que dela
participaram. Encerramos, delineando os instrumentos e os procedimentos utilizados no
contexto investigativo deste estudo.
5.1- HIPÓTESES NORTEADORAS DA PESQUISA
Na raiz deste projeto, encontra-se a preocupação com a coexistência de diferentes
dimensões da linguagem, especialmente a visual e a verbal, na concepção de um novo conceito
de texto. Estendemos nosso cuidado às eventuais implicações que o crescente papel assumido
pela imagem, em todos os setores do tecido social, pode acarretar para o contexto instrucional
de LE. Estudos recentes (Petrie, 2003, 2005; Royce, 2002; Unsworth, 2001) têm discutido a
pertinência do uso de textos multimediáticos como recursos pedagógicos, sejam eles livros
didáticos, filmes, programas de televisão ou a tela do computador. Conciliando a temática com
109
“Regardless of the differences in research approaches, we must all recognize that the primary goals of
educational applied linguistic research have been for all, in the pragmatic, ethical sense, to achieve the social wellbeing of learners.” (Chaudron, 2000, p. 5)
131
a questão do vocabulário, é nosso propósito investigar a utilização de imagens em filmes de
vídeo para ensino e aprendizado de colocações, no contexto da sala de aula de inglês, como
língua estrangeira. Pretendemos levantar dados que permitam a avaliação de um possível
favorecimento/facilitação desse processo, a partir do emprego de segmentos de vídeos,
apresentados como recursos de instrução. Para o desenvolvimento do trabalho, partimos das
seguintes hipóteses:
(i) A coocorrência de elementos visuais e verbais conjuga fatores semióticos, pertinentes a cada
um dos sistemas, de forma a criar um texto multimodal coerente e coeso, que apresenta um
potencial fortalecido, no que toca à construção e à leitura de significados.
(ii) A incorporação de elementos não linguísticos, no caso a imagem de vídeos, utilizada como
suporte para a língua falada, pode afetar, positivamente, os processos cognitivos na
compreensão e no aprendizado do léxico. Nesse contexto, entendemos como positivo o efeito
de qualquer recurso instrucional que leve o aprendiz a compreender, aprender, ou reter novas
informações pertinentes à língua alvo.
(iii) A linguagem visual, ancorada no conceito de multimodalidade, como no caso de filmes,
utilizada como recurso pedagógico, pode interessar e motivar os aprendizes, ou seja, o trabalho
com imagens em sala de aula pode ser um efetivo aliado no processo instrucional.
Essas hipóteses são fruto, não apenas de nossas inquietações e convicções pessoais, mas das
leituras realizadas para este estudo e se refletem diretamente nos três objetivos traçados para
esta pesquisa. Já explicitados em 1.2, reiteramos:
(i)
pesquisar os significados veiculados pelo texto visual e a possível inter-relação entre os
sistemas semióticos visual e verbal, que coocorrem para a realização de um texto multimodal
coeso e coerente;
(ii)
investigar a utilização de filmes de vídeo, como recurso pedagógico e levantar dados
que forneçam subsídios sobre a propriedade de seu uso como instrumento de
ensino/aprendizagem;
(iii)
levantar dados sobre a percepção do aprendiz, a respeito da utilização de filmes como
recurso instrucional e seus próprios processos cognitivos.
Os instrumentos desenvolvidos para esta investigação, assim como os procedimentos
adotados, pautaram-se pelas hipóteses aqui levantadas. Como será detalhado adiante,
procuramos levar em consideração as limitações práticas a que os professores de línguas estão
constantemente sujeitos _ restrição de tempo, de recursos, falta de autonomia, falta de interesse
por parte dos educandos, ementas rigorosas.
132
Prosseguimos com o delineamento do tipo de pesquisa em que esta investigação se
enquadra, segundo os paradigmas adotados.
5.2- A PESQUISA E SUA TIPIFICAÇÃO
A pesquisa voltada para os fenômenos observáveis em sala de aula, segundo parâmetros
modernos, iniciou-se na década de 50. A temática se originou na necessidade de instrumentos
confiáveis, que embasassem os comentários e as avaliações de mentores e supervisores de
professores em formação, interessados em uma melhor sistematização. O campo de
investigação se revelou tão complexo e abrangente que o objetivo inicial se perdeu. Dessa
forma, teóricos e estudiosos passaram a voltar sua atenção para a gama de fatores que podem
afetar, de um ou outro modo, o processo instrucional e, em consequência, a aprendizagem
(Allwright e Bailey, 2004, p.6).
Desde então, diferentes escolhas metodológicas têm sido utilizadas. Embora muitos
pesquisadores tenham feito uso da combinação de diversos tratamentos, sem a adoção de
procedimentos específicos, Chaudron (1995, p. 13) destaca quatro abordagens, como as mais
usuais: a análise psicométrica, a análise interacional, a análise discursiva e a etnográfica.
Vamos nos ater à primeira, a mais tradicional das quatro, por acreditar que esta investigação se
situa dentro dos conceitos que a definem e orientam.
Na área educacional, um estudo psicométrico envolve a análise e a comparação dos
efeitos de um método, abordagem, ou programa instrucional específico, sobre a produção dos
aprendizes110. Essa avaliação é realizada através de testes de proficiência padronizados e é,
portanto, um método que analisa resultados, sendo largamente utilizado na comparação de
tratamentos para o ensino de LE (Chaudron, ibid, p. 28).
No contexto da pesquisa psicométrica, no que tange ao levantamento e à análise dos
dados, podem ser adotados os métodos quantitativo, ou qualitativo, ou ambas as dimensões, de
modo conjugado. Segundo Chaudron (ibid, p.15-6), o paradigma da análise qualitativa está
centrado na observação e na avaliação, segundo critérios subjetivos, e enfoca o processo em si.
Utiliza a descrição de comportamentos, a classificação de processos e as generalizações de
cunho subjetivo.
Ainda segundo o autor em foco, o paradigma da análise quantitativa se baseia em dados
objetivos controlados e está voltado para o produto. Envolve a quantificação numérica, a
110
Adotamos a distinção feita por Brown, que define “abordagem” como um conjunto de suposições
(assumptions) relacionadas à natureza da língua e ao processo de ensino e aprendizagem. “Método” é um plano
abrangente, que sistematiza a apresentação da língua-alvo segundo uma abordagem específica. (Brown, 1994, p.
48)
133
análise e a inferência estatística. Por ter o foco nos resultados da produção do aprendiz, a
abordagem psicométrica é a mais direta, e está, por excelência, ligada à análise quantitativa.
Chaudron (2000, p.7) destaca, entretanto, que pesquisas de natureza distinta podem percorrer
caminhos e perseguir objetivos similares e sugere um esboço comparativo entre as duas
abordagens, proposta que resumimos no Quadro 11. O arcabouço original se encontra em
Anexo 4 neste trabalho:
QUADRO 11: Comparação entre os paradigmas quantitativo e qualitativo
(Chaudron, 2000, p. 7)
Observação
e coleta de
dados
Natureza
dos dados
Métodos Qualitativos
Utilizam-se processos em preferência a
instrumentos: observação livre,
observação de participantes, entrevistas
abertas, triangulação entre observação e
informação e análise de documentos,
entre outros.
São aqueles que surgem naturalmente no
contexto
observado,
especialmente
quando relativos ao comportamento
humano e padrões sócio-culturais. Os
dados são analisados no seu conjunto, de
preferência segundo a interpretação dos
próprios sujeitos.
Uso e
O pesquisador não tem por objetivo
desenvolvimento comprovar teorias ou hipóteses, mas a
de teoria
observação per se dos sujeitos, de forma
não pré-concebida, embora leve em
conta a necessária objetividade no
processo investigativo.
Métodos Quantitativos
A utilização de instrumentos se
faz mediante planejamento
prévio, segue uma ordem préestabelecida e um critério de
categorização. Entre outros,
constam da aplicação de testes,
escalas, ou observação de
comportamento, segundo
categorizações estabelecidas.
Dizem respeito a habilidades,
conhecimento,
desempenho,
produção
e
outros.
São
interpretados a partir do modelo
teórico adotado, ou hipóteses
levantadas pelo pesquisador.
O pesquisador elabora um
esboço, com a finalidade de
comprovar,
ou
não,
um
determinado aspecto de um
arcabouço teórico que serve de
fio condutor à pesquisa. Embora
se reconheça a presença
inevitável da subjetividade do
investigador, essa deve estar
subordinada à teoria prevalente.
Vale destacar que o emprego dos termos qualitativo e quantitativo, no campo de
análises, tem sido alvo de intermináveis debates. Para Reichardt e Cook (1979), a discussão
tem sua origem na dicotomia entre os paradigmas metodológicos aos quais os tratamentos estão
associados. Na prática, o método quantitativo acompanha o paradigma positivista, que, por sua
vez, traz em seu arcabouço uma visão particular de mundo, de caráter hipotético-dedutivo,
voltada, de forma objetiva, para o produto. Em contrapartida, o método qualitativo surge na
134
esteira do paradigma exploratório-interpretativista, que postula uma visão de mundo holística e
dedutivista, com foco subjetivo no processo.
Essa visão rígida tem sido criticada, porque a adoção de um ou outro método
significaria, em consequência, a concordância a priori com este ou aquele conjunto de
atributos. Mesmo com tradição na pesquisa quantitativa, Reichardt e Cook (ibid) avaliam:
Chegou o momento de parar de construir muros entre os métodos e começar a
construir pontes. Talvez esteja até mesmo na hora de ir além da linguagem dialética de
métodos qualitativos e quantitativos. (Reichardt e Cook, 1979, p. 27)111
Essa postura crítica tem se revelado uma tendência entre outros autores: LarsenFreeman e Long (1991, p. 12) propõem a existência de um contínuo, sobre o qual os métodos
se distribuem, com o posicionamento dos paradigmas quantitativo/qualitativo em seus
extremos. Essa abordagem permite a escolha por procedimentos mistos de coleta
(quantitativo/qualitativo) e de análise de dados (interpretativo/estatístico).
Para Neves J. (1996, p.103), não é correto se afirmar que os referidos procedimentos se
oponham entre si, pois, embora difiram quanto à forma e ênfase que lhes é peculiar, as análises
são mutuamente dependentes e complementares, ao permitir que o pesquisador concilie
abordagens de cunho racional e intuitivo e faça uso de técnicas interpretativas para traduzir e
expressar indicadores numéricos. Na verdade, o autor percebe que as diferenças entre os dois
tratamentos podem ser usadas a favor do trabalho investigativo: “As diferenças entre os dois
métodos devem ser empregadas pelo pesquisador em benefício do estudo, isto é, a seu favor.
Nessa medida; combinar métodos distintos pode contribuir para o enriquecimento da análise.”
(ibid, p. 104).
Allwright e Bailey (op.cit., p.65-67) consideram um equívoco se tomar os termos como
simples alternativas, para procedimentos objetivos e subjetivos e acreditam enganosa a
avaliação de que métodos quantitativos sejam preferíveis, porque análises qualitativas estariam
essencialmente comprometidas por visões pessoais. Segundo os autores, se, no campo das
ciências exatas e da biomédica o uso de análises objetivas é indispensável, na área educacional,
longe de serem excludentes entre si, ambos os procedimentos podem ser aplicados e
combinados, tanto ao longo do levantamento de dados, como quando de sua análise.
Eisner (1997, p.52) acredita que os fatos puros e simples não são suficientes, pois não
falam por si mesmos e precisam do filtro da interpretação do pesquisador para ganhar vida
própria. Para o autor “uma vez que o que sabemos sobre o mundo é um produto da combinação
111
“It is now time to stop building walls between the methods and start building bridges. Perhaps it is even time to
go beyond dialetic language of qualitative and quantitative methods.” (Reichardt e Cook, 1979, p. 27)
135
da nossa vida subjetiva e um mundo objetivo postulado, estes mundos não podem ser
separados.” 112. (ibid, p.33).
Levando-se em conta os julgamentos apresentados, avaliamos que a estrutura desta
investigação, categorizada como uma pesquisa psicométrica, transita no contínuo de que nos
falam Larsen-Freeman e Long (op.cit.), ou seja, aos dados numéricos estatísticos sobre os
quais se fundamenta, vêm se somar a interpretação subjetiva da pesquisadora e dos próprios
sujeitos investigados.
Como detalhado a seguir, nosso estudo se organiza em duas fases distintas: a primeira,
com foco no produto, visa a levantar o resultado estatístico do uso de segmentos de vídeos
sobre a compreensão do significado de dez itens lexicais, inseridos na categoria das colocações
em língua inglesa (ver 2.3 neste trabalho).
A segunda fase consta da aplicação de um questionário, respondido pelos alunos após o
trabalho com os referidos vídeos. Embora as respostas sejam computadas objetivamente, com
base nos dados numéricos obtidos, sua análise é de cunho interpretativista e reflete uma visão
subjetiva por parte dos informantes, a respeito de suas crenças e de seu próprio processo
cognitivo. Do mesmo modo, esta pesquisadora faz uso de sua percepção pessoal, a fim de
analisar e interpretar as informações levantadas por meio das supracitadas intervenções.
Esse amalgamento entre a objetividade numérica e a informação, respaldada na
avaliação pessoal oferece novas perspectivas para a interpretação dos resultados e ilustra a
noção de complementaridade dos métodos quantitativo e qualitativo. Nossa posição se encontra
refletida na avaliação de Larsen-Freeman e Long (1991, p.14):
[...] o que é importante para pesquisadores não é a escolha de paradigmas a priori, ou
até mesmo de metodologias, mas sim ser claro quanto ao propósito do estudo e
adequar esse propósito aos atributos que sejam melhores para a sua execução. Em
outras, palavras, a metodologia deve ser determinada pela questão de pesquisa.
(Larsen-Freeman e Long 1991, p. 14)113
Desse modo, a combinação de procedimentos com foco, tanto no produto, como no
processo, coloca-se a serviço dos propósitos aqui traçados, visando à melhor execução dos
nossos objetivos, como sugerido pelos autores.
Havendo delineado as dimensões metodológicas desta investigação, passamos a discorrer
sobre seu contexto e quem foram os nossos informantes.
112
“Since what we know about the world is a product of the transaction of our subjective life and a postulated
objective world, these worlds cannot be separated.”(Eisner, 1998, p. 52).
113
“[...] what is important for researchers is not the choice of a priori paradigms or even methodologies, but rather
to be clear on what the purpose of the study is and to match that purpose with the attributes most likely to
accomplish it. Put another way, the methodological design should be determined by the research question.”
(Larsen-Freeman, 1991, p. 14)
136
5.3- O CENÁRIO DA PESQUISA
Esta pesquisa foi realizada em uma instituição particular, na cidade de Niterói, mais
precisamente em uma escola de idiomas, no primeiro semestre de 2008. A referida instituição
ministra, exclusivamente, o ensino de língua inglesa, como língua estrangeira, para falantes de
português como língua materna. Tomaram parte na investigação um total de 100 (cem) sujeitos
aprendizes, alunos de seis turmas de quatro professores distintos, sendo que as atividades foram
integralmente aplicadas pela própria pesquisadora, a pedido dela própria. O detalhamento do
perfil da referida instituição e de seus diferentes cursos se encontra em Anexo 3 neste trabalho.
5.4- OS SUJEITOS PARTICIPANTES
Os sujeitos que participaram desta investigação cursavam, à época, o Basic 4,
equivalente ao nível pré-intermediário do segmento básico, que se estende por seis semestres
escolares de Basic 1 a Basic 6. Segundo as informações institucionais, o Curso Básico tem
como objetivo desenvolver a compreensão e a expressão orais, a escrita e a leitura em língua
alvo, habilitando o aluno a se comunicar em inglês, em diversas situações da atualidade e do
dia a dia, a entender cartas, e-mails, trechos de livros, revistas em geral e a escrever textos para
a comunicação cotidiana.
As aulas, com duração de uma hora e quinze minutos, duas vezes na semana, em grupos
de dez a vinte alunos, são ministradas em salas equipadas com recursos de multimídia e quadro
branco interativo. O perfil dos sujeitos é de alunos com idade média entre 11 e 14 anos,
estudantes do nível fundamental, ou médio em suas escolas regulares. Esses indivíduos, em
geral, procuram um curso de idiomas, visando ao aperfeiçoamento acadêmico, ou a uma maior
facilidade de comunicação, quando em viagens ao exterior. À exceção de alunos que,
eventualmente, usufruam de um sistema de bolsa escolar, regularmente promovido pela
instituição, a maioria dos aprendizes se origina das classes média e média alta, são indivíduos
com alto nível de expectativa, em relação à qualidade dos serviços educacionais prestados e
estão perfeitamente familiarizados com o uso de tecnologia no ambiente escolar.
Os livros didáticos utilizados no curso Basic _ livro texto e de atividades _ são criados
por um departamento acadêmico da instituição em foco, a respeito do que damos informações
detalhadas em 10.3. O livro do professor delineia o perfil do material, explicando que:
→ o conteúdo se baseia em princípios e técnicas, em conformidade com uma visão do
fenômeno linguístico como meio de comunicação;
137
→ a abordagem do material busca criar um ambiente emocional livre de ansiedade, que
permita ao aprendiz desenvolver um senso próprio de realização;
→ cada livro a ser utilizado em um semestre se compõe de um conjunto de 25 lições,
organizadas em cinco unidades distintas, segundo tópicos considerados pertinentes e relevantes,
no contexto cultural de alunos brasileiros que desejam aprender inglês como LE;
→ no que tange ao vocabulário, privilegia-se o aprendizado de “blocos de significado”
(chunks) e expressões fixas, em oposição a palavras isoladas, segundo um critério de relevância
que obedece aos interesses da faixa etária em questão;
→ os pontos gramaticais selecionados priorizam as necessidades e áreas de dificuldade
específicas, de falantes de português como LM;
→ os aspectos fonológicos visam à inteligibilidade, e os elementos focalizados seguem
o mesmo critério, visando a priorizar aspectos que apresentam especial dificuldade para o aluno
brasileiro;
→ o material vem acompanhado de um CD-ROM, com atividades interativas, para
aperfeiçoamento de vocabulário e pronúncia, e outras visando, especialmente, ao
desenvolvimento de compreensão oral.
Quanto aos princípios pedagógicos que serviram de norteamento à criação do material,
citados no manual do professor, destacam-se:
» a língua é um meio de comunicação;
» o aprendizado não ocorre de forma linear;
» o desenvolvimento das quatro habilidades deve se dar de modo combinado;
» o aprendiz deve tomar parte ativa no processo de aquisição;
» o uso apropriado de L1 é um poderoso instrumento no processo de ensino e
aprendizagem;
» o vocabulário é um instrumento essencial no processo de construção do significado.
Na instituição em pauta, ao concluir o Basic 3, semestre anterior àquele dos nossos
informantes, os alunos costumam ser orientados a fazer o exame “Flyers”, como certificado de
competência linguística. Em consequência, o perfil acadêmico dos nossos sujeitos pode ser
delineado de forma mais precisa a partir da descrição do nível de proficiência do aprendiz que
se encontra apto a prestar o referido exame.
O exame “Flyers” é um dos testes de proficiência voltados especificamente para
aprendizes entre 7 e 12 anos de idade oferecidos pela Cambridge University ESOL
Examinations, braço da Universidade de Cambridge. Esses exames se organizam em três níveis
distintos _ Starters, Movers e Flyers _ e são chamados de Young Learners English Test (YLE).
138
Essas avaliações, além de aferir o aspecto linguístico, têm como objetivo apresentar aos jovens
candidatos uma impressão positiva dos certificados internacionais, assim como incentivar e
encorajar a continuidade do aprendizado da língua inglesa.
O aluno apto ao “Flyers” se enquadra no nível A2, em uma escala de seis patamares de
proficiência, segundo os critérios da University of Cambridge ESOL Examinations114. O
Quadro 12 ilustra o conhecimento linguístico esperado para esse aprendiz.
QUADRO 12: Perfil de proficiência do aprendiz apto a prestar o exame “Flyers”
Compreensão oral e fala
Leitura
Escrita
Expressar opiniões e
solicitações simples, no
âmbito familiar e de trabalho,
comunicar preferências, gostos
pessoais e expressar opiniões,
através de concordâncias e
discordâncias simples.
Compreender informações simples e
diretas, como em cardápios de
restaurante, rótulos, placas, relatórios e
manuais simples, em sua própria área
de conhecimento, apreender o sentido
geral de textos em livros e artigos,
desde que tenha tempo suficiente para
leitura cuidadosa.
Completar formulários,
cartas, e-mails, cartões e
mensagens pessoais, redigir
mensagens simples de
solicitação, de caráter
profissional, narrativas e
textos descritivos curtos e
simples.
Em consequência, de acordo com os parâmetros estabelecidos pela instituição que
serviu de cenário à nossa pesquisa, podemos considerar ser esse o nível de proficiência
linguística dos nossos informantes, estágio que consideramos apropriado para os nossos
objetivos. Entretanto, esse conhecimento pode apenas ser teorizado, pois é preciso levar em
conta que esses alunos costumam ter perfis diferenciados. De um modo geral, nesse nível, é
possível que sejam encontrados três diferentes históricos acadêmicos entre os alunos da mesma
turma, a saber:
i) aqueles que ingressaram no primeiro segmento do curso Básico _ Basic 1 _ sem
nenhum conhecimento da língua (real begginers).
ii) aprendizes que fizeram dois anos de curso infantil (segmento delineado em 10.3) e
foram automaticamente aprovados para o terceiro semestre _ Basic 3_ sem passar pelos dois
módulos anteriores do curso Básico.
iii) alunos egressos de outras instituições que são admitidos através de prova de
nivelamento e podem, inclusive, estar cursando seu primeiro semestre na instituição.
Quanto aos últimos, vale explicitar que os testes de nivelamento que encaminham
candidatos externos são aplicados por professores que conhecem a estrutura da escola, de
114
As informações aqui prestadas, no que concerne aos exames de Cambridge, podem ser encontradas no
endereço eletrônico. < http://www.cambridgeesol.org/ >. Acesso em: 15 março 2009.
139
maneira que possam avaliar, com segurança, o nível mais adequado à proficiência do
pretendente, levando em conta seus pontos fortes, deficiências e objetivos. Segundo os moldes
adotados, o aluno que se encontra na faixa etária pertinente e que informe alguma experiência
no trato do idioma que aponte para os primeiros módulos do curso básico, tem seu
conhecimento avaliado por meio de um teste escrito e outro oral, assim estruturados:
» Teste de leitura e redação: o candidato é avaliado em sua capacidade de compreensão dos
pontos principais de textos simples e no tocante à redação de mensagens curtas (de 20 a 50
palavras).
» Teste de conhecimento gramatical: o candidato é avaliado em seu conhecimento sobre as
estruturas gramaticais básicas da língua inglesa: verbo to be, verbos principais no presente
simples, no passado simples e no presente contínuo, o uso de preposições básicas do inglês, o
uso de alguns modais em suas acepções mais simples: can e must.
» Teste de conhecimento lexical: o uso e o reconhecimento de expressões de cumprimento e
apresentação, expressões utilizadas para compras simples e interações em sala de aula,
vocabulário relativo à família, cores, meses do ano, dias da semana e números até 1000.
»Teste de compreensão oral: o candidato é avaliado em sua habilidade de entendimento e
expressão de informações objetivas e específicas, a partir de perguntas realizadas pelo
entrevistador sobre temas básicos e pessoais, como rotina diária, interesses, família e amigos,
entre outros. Essas perguntas incluem perguntas de Sim/Não (Yes/No questions), assim como
perguntas iniciadas por pronomes interrogativos simples (Wh- questions), do tipo: “Onde”,
“Quando”, “Qual” e “Quem” (Where/When/What/Who).
A partir dos resultados nas avaliações descritas, o candidato é encaminhado para o
módulo mais adequado à sua competência linguística, tendo em vista que um conteúdo
excessivamente simples, ou penoso poderia desestimular o aprendiz.
Temendo-se maiores transtornos, para os professores que conosco cooperaram e
considerando-se o expressivo número de turmas participantes, não foi aplicado nenhum
instrumento para que se detectasse o histórico pessoal dos alunos informantes, entretanto,
acreditamos que as mesmas incluam todos os casos citados. Essa variedade de históricos
acadêmicos acarreta diferenças expressivas no nível de proficiência, no mesmo grupo, mesmo
sem se levar em conta que fatores individuais, por si sós, afetam de modo decisivo a maior ou
menor retenção do léxico.
A fim de minimizar eventuais diferenças de proficiência entre os participantes, avaliouse que seria conveniente aguardar que os aprendizes já tivessem mais de 50% do semestre
140
letivo concluído. Dessa forma, seria mais garantido assegurar que se enquadrassem no perfil
delineado para os candidatos do exame de proficiência Flyers, escolhido como parâmetro de
conhecimento linguístico para nossos sujeitos. Assim sendo, as atividades de intervenção
aplicadas no escopo deste estudo ocorreram no período de maio a junho de 2008.
Asseguramo-nos de que os sujeitos soubessem de que se tratava de uma pesquisa
acadêmica, bem como de que participassem das atividades de forma voluntária. Contudo, não
foram informados sobre o objetivo do estudo, para evitar qualquer predisposição que pudesse
afetar os resultados.
A seguir, delineamos os instrumentos e procedimentos utilizados.
5.5 - INSTRUMENTOS E PROCEDIMENTOS DA PESQUISA
Como mencionado anteriormente, a literatura revisada para este estudo sinaliza que a
imensa maioria dos trabalhos empíricos, na área de vocabulário em LE, volta-se, de forma
específica, para a prática da leitura. De acordo com Al-Seghayer (2001, p. 208), nesse campo, o
primeiro estudo a conciliar compreensão de textos escritos e o uso de imagens foi a
investigação que Omaggio realizou em 1979 115, quando a autora pesquisou o efeito de figuras
no desenvolvimento de habilidades de leitura. A investigação, realizada com aprendizes de
francês como segunda língua, produziu resultados amplamente favoráveis ao uso das
ilustrações, no que pode ser visto como um prenúncio sobre o papel da multimodalidade no
campo de ensino/aprendizado de LE.
Fugindo à linha prevalente, Neuman e Koskinen (1992) realizaram um estudo
comparativo sobre aquisição de vocabulário em três situações distintas: por meio de áudio, de
leitura e áudio conjugados e por intermédio de televisão, com o uso de legendas
intralinguísticas. Esse último se mostrou mais eficaz no processo de compreensão e retenção de
palavras novas do que os outros, fato que os autores atribuíram à apresentação do léxico via
modos distintos: imagem, áudio e texto escrito.
Partindo do consenso a respeito da vantagem do uso de materiais com texto visual sobre
aqueles sem imagem (imagery), Al-Seghayer (op.cit.) aprofundou a questão e investigou os
efeitos do uso de imagem estática, em oposição à imagem em movimento, no aprendizado de
itens lexicais desconhecidos. O autor usou como instrumentos definição do léxico e fotos e
definição do léxico e segmentos de vídeos. A análise dos dados produzidos por trinta
115
Cf: OMAGGIO, Alice. Picture and second language comprehension: Do they help? Foreign Language Annals,
v.12, n.2, p.107-16. 1979.
141
aprendizes de inglês, como L2, revelou que o uso de vídeos resultou em um aprendizado mais
efetivo do que no caso das definições com as fotos (ibid, p. 225). Para o pesquisador, os
resultados sugerem que os vídeos facilitaram a construção de imagens mentais que permitissem
a compreensão e a memorização do vocabulário, além de haver facilitado a concentração
porque despertaram a curiosidade dos sujeitos. O autor ressalva, contudo, que o reduzido
número de participantes restringe o escopo dos resultados em foco.
Na medida em que novas tecnologias assumem um papel preponderante (e irreversível)
no ambiente instrucional, trabalhos como os de Petrie (2005), Royce (2002) e Unsworth (2001)
abordam, de modo geral, o texto multimodal no ambiente pedagógico e o conceito de
multiletramento que defendemos.
Na esteira da temática “tecnologia e sala de aula”, o crescente interesse a respeito da
intermediação do computador deu origem ao campo de estudos hoje rotulado como CALL
(Computer Assisted Language Learning), temática em que transitam Egbert e Hanson-Smith
(1999), Egbert e Petrie (2005), Levy (1997) e Marcuschi (2001), entre outros. Entretanto, ainda
assim, a tendência de investigações que focalizam o ensino/aprendizado de leitura em LE,
agora via computador _ sugerimos Lomicka (1998) e Davis e Lyman-Hager (1997) para esse
assunto _ continua a prevalecer sobre pesquisas que enfoquem, não só os recursos
multimediáticos propriamente ditos e sua composição, como, igualmente, os processos
cognitivos envolvidos na recepção dos instrumentos de multimídia, ou, ainda, que áreas de
aquisição seu uso favorece.
Em consequência, optamos por utilizar instrumentos e procedimentos de pesquisa que
nos permitissem investigar o texto multimodal e suas características, assim como os processos
cognitivos do aprendiz. Nossa escolha, considerando-se o tripé léxico-multimodalidadecolocações, tem por objetivo minimizar o que parece ser uma lacuna na área em que
transitamos, já que os efeitos da utilização de recursos de multimídia sobre aquisição lexical
têm sido pouco explorados na literatura (Al-Seghayer, op. cit., p. 205).
No processo de escolha das metodologias, consideramos a grande quantidade de estudos
já existentes que sugerem dados irrefutáveis a respeito do papel efetivo de ilustrações, gravuras,
gráficos, mapas e outros, no processo de aquisição de LE (Jones, 2004). Ou seja, nesse
contexto, o uso de imagens estáticas parece indiscutivelmente contribuir, de forma positiva para
o processo de aprendizado/aquisição. Assim sendo, como se vê no Quadro 13, os instrumentos
aqui aplicados objetivam permitir análises que venham se somar ao atual cenário de pesquisas
da área em foco.
142
QUADRO 13: Instrumentos de pesquisa e análises decorrentes
INSTRUMENTOS DE PESQUISA
Segmentos de vídeo
e atividade de conhecimento lexical
ANÁLISES DECORRENTES
A composição de elementos do texto multimodal e
fatores que possam contribuir para a construção do
significado.
Efeitos do uso de um texto multimodal com imagem
em movimento sobre o conhecimento lexical do
aprendiz.
Questionário de reflexão pessoal
Percepção pessoal do aprendiz sobre processos
cognitivos individuais durante a exposição ao texto
multimodal.
Percepção pessoal do aprendiz sobre o uso de
filmes como recurso de instrução.
Em sequência, retomamos as questões de pesquisa, referências delineadas em 1.2 neste
estudo, a fim de analisar como nossas indagações justificam as escolhas do caminho
metodológico adotado:
1) De acordo com a Gramática do Design Visual, de Kress e Van Leeuwen (2006), que
elementos o filme, na qualidade de instrumento multimodal, oferece para seu
aproveitamento pedagógico na sala de aula de inglês como LE?
2) Em que medida, e de que forma, a coocorrência de imagens e língua falada, presente
em filmes, pode favorecer o ensino e o aprendizado do léxico em língua estrangeira?
3) O aprendiz percebe o uso de filmes em sala de aula como recurso pedagógico, ou
esse se destaca à sua atenção por seu valor de entretenimento?
Os vídeos foram utilizados visando à elucidação da primeira e da segunda perguntas. No
primeiro caso, fizemos uso de conceitos da Gramática do Design Visual (ibid) para a análise
das imagens que, em conjunto com a produção verbal em foco, compõem o texto multimodal
utilizado como instrumento de intervenção.
Com vistas à segunda indagação, complementamos a mostra de vídeos com uma
atividade de conhecimento lexical utilizada antes e após sua exibição, conduta a ser detalhada
no próximo segmento. Nessa fase, acreditamos criar condições para que os dados numéricos
viessem a ilustrar eventuais alterações no processo cognitivo de compreensão do vocabulário,
como resultado da exposição ao recurso multimediático utilizado.
O questionário de reflexão pessoal foi delineado visando ao levantamento de dados que
respondessem à terceira questão: era nosso objetivo permitir ao aprendiz expressar sua visão
143
pessoal sobre o uso de filmes na sala de aula, assim como refletir sobre seu próprio processo
cognitivo. Acreditamos que as informações levantadas, por meio da percepção subjetiva dos
informantes, funcionem como um complemento esclarecedor aos resultados estatísticos da
primeira fase.
Para o desenvolvimento das referidas atividades considera-se que:
•
A leitura de um texto multimediático ocorre como resultado da construção de um
significado único.
•
Há necessidade da adoção de práticas pedagógicas que colaborem para a formação
de indivíduos multiletrados.
•
A relevância do aprendizado de vocabulário no processo de aquisição de LE justifica
um tratamento direto e sistemático no contexto instrucional.
•
É preciso desenvolver no aprendiz de inglês como LE o conhecimento da noção de
colocabilidade entre palavras.
•
O aprendizado é resultado de um processo de construção do conhecimento.
•
É pertinente que aprendizes de LE tenham sua atenção despertada para o potencial
pedagógico de filmes autênticos.
•
Faz-se necessário preparar professores e criadores de material para melhor
compreender e lidar com a questão da multimodalidade no contexto pedagógico.
Acreditando haver justificado os caminhos metodológicos aqui adotados, passamos à
explicitação dos recursos de intervenção.
5.5.1 Os segmentos de vídeos
Para Baltova (1999, p.41), o uso de vídeos autênticos, através dos quais o aprendiz é
exposto à língua alvo falada de forma natural, não adaptada, ou facilitada para um determinado
nível de proficiência, é um recurso extremamente eficiente, mesmo quando o conteúdo
apresenta um desafio tão grande para o aluno que esse se sinta forçado a assistir ao material
diversas vezes.
Secules, Herron e Tomasello (1992, p.480) acreditam que o uso de filmes na sala de
aula corresponde à percepção de linguistas, criadores de material e professores, a respeito da
necessidade de expor o aprendiz a situações que se assemelhem, ou reproduzam o mundo real.
Os autores avaliam que:
144
O vídeo permite aos aprendizes de segunda língua testemunhar a dinâmica da
interação quando observam falantes nativos em cenários autênticos, falando e usando
diferentes sotaques, registros e sinais paralinguísticos (por exemplo, postura e gestos).
Secules, Herron e Tomasello (1992, p. 480)116
No contexto desta pesquisa, em função dos cuidados tomados na seleção dos itens
lexicais e referidas imagens, assistimos, ao longo de mais de cem horas, a cerca de oitenta
horas do seriado “Friends”, com o objetivo de selecionar dez itens lexicais, que se incluíssem
na categoria “colocações”, conforme conceitos estabelecidos no segmento 2.3. “Friends” é um
sitcom (situation comedy: uma comédia de situações do cotidiano), que alcançou grande
sucesso e que esteve no ar, na televisão americana, de setembro de 1994 a maio de 2004. A
série foi televisionada ao longo de dez temporadas e recebeu quase oitenta prêmios, incluindo
Prêmios Emmy de Melhor Comédia. Todos os episódios destacam o cunho humorístico de
histórias que giram em torno das experiências de vida de seis amigos que moram em Nova
York, no bairro de Greenwich Village. A escolha levou em consideração os seguintes aspectos:
* a série, embora tenha alcançado enorme sucesso, não é mais televisionada com regularidade,
apenas um canal de TV a cabo apresenta reprises ocasionais. A despeito de mesmo alunos mais
jovens, em geral, saberem do que se trata, perguntados, a maioria afirmou não haver assistido
aos episódios, o que dificultaria a possibilidade de que os segmentos utilizados fossem
previamente conhecidos pelos informantes;
* a linguagem utilizada pelos personagens é ágil e contemporânea, dentro dos padrões
desejáveis de conformidade com a norma gramatical vigente da língua inglesa. O léxico é
adequado ao convívio social, com poucas gírias e sem palavras de baixo calão;
* os personagens vividos pelos atores da série não apresentam sotaques distintivos ou dialetos
que pudessem agregar um fator de dificuldade extra (Sherman, 2003, p. 16), não desejável no
estudo em questão;
* as situações dão destaque ao humor, o que torna os segmentos mais prazerosos para a
audiência, mesmo se considerando a curta duração de cada trecho selecionado;
* em se tratando de uma série, os personagens centrais dos vídeos exibidos são, em sua
maioria, os mesmos. Essa reduzida variedade de rostos desperta um sentimento de
familiaridade do espectador com o contexto e facilita que seu foco de atenção se volte para o
desenrolar da ação em pauta.
* a série apresenta enredos simples, por meio de episódios leves, ágeis, expressivos de valores
culturais de falantes da língua-alvo;
116
“Video permits second langue learners to witness the dynamics of interaction as they observe native speakers in
authentic settings speaking and using different accents, registers, and paralinguistic cues (e.g.: posture, gestures.).
(Secules, Herron and Tomasello, 1992, p. 480)
145
* os personagens fazem uso de linguagem categorizada por Kress e Van Leeuwen (2006,
p.129), como “linguagem dos íntimos” (language of intimates): para os pesquisadores, essa
modalidade de comunicação se caracteriza pelo uso de expressões familiares, apenas aos
membros do grupo, assim como o emprego recorrente de recursos, como expressões faciais,
entonações de voz e olhares carregados de significado, que completam e, às vezes, chegam
inclusive a substituir a fala. Os autores avaliam que essa linguagem cria fortes vínculos
emocionais entre os participantes, sentimento que, ponderamos, pode, por extensão, afetar
favoravelmente os elos afetivos entre observados e observadores, no caso, os sujeitos da
pesquisa.
Para Dondis (1973, p. xi), “O modo visual é todo um conjunto de dados que pode ser
utilizado, assim como a língua, para a composição e a compreensão de mensagens em muitos
níveis de utilidade.”117 Sendo assim, procuramos avaliar os elementos envolvidos nas imagens
selecionadas de forma abrangente. Destacamos as seguintes características composicionais:
» sua duração varia de um minuto e quarenta e nove segundos (o mais longo) a dezessete
segundos (o mais curto), com duração média de cerca de 50 segundos;
» as cenas ilustram situações do cotidiano, facilmente reconhecíveis pelos informantes;
» a imagem é considerada clara o suficiente para que possa servir de pista visual para o
aprendiz;
» as imagens da ação em foco ocorrem em concomitância com a verbalização do item lexical
equivalente, ou em estreita relação temporal. Segundo Sherman (2003, p. 15), uma conexão
acentuada entre ação e fala facilita a utilização de vídeos como instrumento pedagógico;
» os segmentos aqui utilizados atendem à prescrição de King (2002, p. 514) para quem o mais
importante aspecto, no uso de filmes, como recurso de instrução, é que apresentem alto nível de
inteligibilidade. Para a autora, essa qualidade é alcançada por meio do equilíbrio entre
linguagem falada e um elevado número de pistas visuais, além de outros aspectos, como clareza
no que toca ao sotaque dos falantes e à velocidade da fala;
» as cenas escolhidas apresentam o que Norris (2004, p. 103-4) conceitua como alta densidade
modal (high modal density), termo cunhado pela autora, para se referir à coorrência de diversos
elementos comunicativos que interagem e concorrem para a construção do significado final,
tais como cores, luz, posicionamento, linguagem corporal e outros.
117
“The visual mode is a whole body of data which can be used, like language, for composing and understanding
messages at many different levels of utility.” (Dondis, 1973, p. xi)
146
Acreditamos que, em função dos aspectos citados, nossa escolha se encontra em
harmonia com o embasamento teórico que respalda este estudo, no tocante à composição do
texto multimodal.
Avaliamos, ainda, que o uso dos vídeos em questão concorreu para a criação de um
ambiente favorável, para que esses alunos se sentissem envolvidos e motivados. Nesse aspecto,
tomamos a definição de Crookes e Schmidt (1991, p. 480), para quem o aluno motivado é
aquele que se engaja de modo produtivo nas tarefas de aprendizagem e assim se mantém, sem
que se faça necessário um encorajamento contínuo.
O Quadro 14 resume a ação das imagens e informa sua duração. A reprodução das cenas
visualizadas, no momento da produção verbal em foco, encontram-se em Apêndice 4 neste
trabalho.
QUADRO 14: Os segmentos de vídeo e sua duração
Ação visualizada
Tempo
1-Na primeira cena, homem abre uma máquina de lavar roupas em uma lavanderia automática 1m
e diz animado para a amiga: “Vamos lavar roupa!”. Na cena seguinte, a amiga olha desolada 49s
para suas roupas manchadas e diz: “Eu não sei nem mesmo lavar roupas!”.
2- Homem discute com amigo e diz: “Deixe-me bater a porta!” e sai, batendo a porta com 22s
gestual exagerado. Em seguida, outro homem que estava na sala faz o mesmo após apontar
para a porta e indicá-la com uma expressão significativa sem, entretanto, verbalizar a ação.
3- Dois homens conversam de modo tenso enquanto um pica alho sobre uma tábua. O outro 43s
pergunta o que ele está fazendo e ele responde incisivo: “Picando alho!” “Você não vai
esmagá-lo?”, pergunta o primeiro. O segundo responde: “Você está tendo um caso e eu estou
picando o alho!”
4- Homem fala ao telefone. Ele insiste que a pessoa do outro lado desligue: “Não, você 52s
desliga!”. “Você também não desligou!” ele brinca. “Não, você desliga!” ele insiste,
observado por uma mulher que, por fim, tira o telefone das suas mãos e o desliga, deixando o
homem aturdido.
5- Na primeira cena, uma mulher se dirige a um homem, usando óculos de grau 1m2s
exageradamente grandes e pergunta: “De quem são esses óculos?”. Na próxima cena, o dono
dos óculos pergunta ao mesmo homem: “Você está usando os meus óculos?”. Esse, então, os
tira do rosto e os entrega ao outro.
6- Homem chega com papéis na mão e diz à mulher: “Eu peguei os papéis do divórcio. Eu já 1m4s
assinei tudo. Eu coloquei um X onde você tem que assinar.” Eles discutem e ele diz: “Vamos
assinar os papéis!”. Ele os coloca sobre uma mesa e ela assina três folhas de papel com
gestual exagerado.
7- Uma campainha soa insistentemente e um homem corre pela sala para atender, enquanto 17s
grita em tom ameaçador: “Se vocês, garotos, tocarem minha campainha mais uma vez!...” e
abre a porta se deparando com uma mulher.
147
8- Na beira da calçada, três amigos perguntam à moça que usa capacete de ciclista e segura 40s
uma bicicleta: “Você sabe andar de bicicleta, não sabe?” Ela responde que sim, mas eles
insistem: “Nós podemos ver você andar?”. Ela monta na bicicleta, pedala em um pequeno
trecho e cai.
9- Três homens participam de um jogo de palavras. Um deles diz a um dos amigos: “Prenda a 45s
respiração!” Ele o faz, inflando as bochechas. O primeiro esclarece: “Você tem que prender a
respiração até responder à pergunta.” Ele acena concordando, mas parece sufocado enquanto
os outros dois continuam a brincadeira, até ele soltar o ar de modo exagerado.
10- Dois amigos estão no cinema e um deles dorme. Quando acorda, o filme terminou. O outro 1m
está zangado e o acusa: “Você dormiu!” Ele tenta se desculpar. Ao saírem ele aponta outro
homem na plateia que dorme sentado e grita: “Ele dormiu!” Ele dormiu!”
5.5.2- O conteúdo lexical
A autora escolheu assistir a todos os 240 capítulos que compõem as dez temporadas da
série, a fim de ter uma visão ampla de seu campo de escolha. Itens lexicais que poderiam,
potencialmente, ser utilizados eram assinalados para conferência posterior. Ao final, chegamos
a dez expressões que comungam os seguintes aspectos:
■ O vocabulário selecionado é pronunciado com grau de clareza sonora, considerado adequado,
para a compreensão auditiva por parte dos alunos.
■ Esse léxico é utilizado pelo falante, no mínimo, uma a, no máximo, três vezes durante a cena.
■ A fala de um personagem não se sobrepõe à outra, ocorrência que, nesse contexto,
dificultaria a compreensão oral desnecessariamente (Sherman, op. cit., p. 18).
■ Ausência de fatores, como ironia ou sátira, que podem criar conflito entre a fala e a ação
(ibid), o que desaconselharia seu uso nesse contexto.
■ A produção sonora do léxico em questão e a imagem que o ilustra acontecem dentro de uma
margem de contiguidade temporal, breve o suficiente para que o aprendiz possa construir
ligações referenciais entre os dois modos de representação: sonora e visual (Princípio de
Contiguidade Temporal: Mayer, 2001: ver 3.2 neste estudo)
■ A verbalização das expressões não foi veiculada por meio de legendas, porque se considerou
que poderiam funcionar como um fator de distração, já que desejávamos o foco na imagem em
movimento (detalhamos o conceito no próximo segmento).
■ À exceção de um item, formado por verbo e adjetivo (fall asleep), todos os outros nove são
compostos por verbo e substantivo: do laundry, slam the door, chop garlic, hang up the phone,
wear glasses, sign a paper, ride a bike, ring one’s bell, hold one’s breath e fall asleep: lavar
roupa, bater a porta, picar alho, desligar o telefone, usar óculos, assinar um documento, andar
148
de bicicleta, tocar a campainha, segurar a respiração e adormecer. À luz da tipologia sugerida
por Haussman (1984) (ver 2.3 neste trabalho), são, portanto, colocações verbais _ no formato
verbo + objeto _ formadas por um substantivo na base e um verbo, como termo colocado, à
exceção de fall asleep, que se classifica como uma colocação adjetiva, já que seu colocado é
um adjetivo.
Considerando-se o contínuo proposto por Howarth (1998) (ver 2.3 neste trabalho)
avaliamos que, em função do seu grau de comutabilidade, do laundry, wear glasses, hang up
the phone, hold one’s breath e fall asleep recaem na categoria de colocações restritas, já que
uma tradução, literal, dos elementos lexicais isolados não corresponde ao seu significado no
todo. As colocações slam the door, chop garlic, sign papers, ride a bike e ring one’s bell se
situam no grupo das combinações livres, por apresentarem um grau mais reduzido de rigidez
em sua composição e exprimirem, em sua totalidade, a soma dos significados isolados: o verbo
ride, por exemplo, aceita várias outras combinações, como com a bus, a train, a car e outras.
Entretanto, apesar da aparente facilidade, vale ressaltar a conveniência do enfoque, mesmo
sobre sequências, aparentemente, óbvias.
Para Tagnin (2002 p.194) e Nesselhaulf (2003, p. 223-4), as colocações, por serem, em
grande parte, composicionais, costumam ser de fácil compreensão e, justamente por isso,
tendem a passar despercebidas. A falta de esforço consciente para sua memorização torna mais
difícil que sejam buscadas na memória. Essa aparente clareza acarreta com que expressões,
facilmente reconhecidas pelo aprendiz, não sejam espontaneamente utilizadas em sua produção
oral, ou escrita. Nesselhauf (ibid, p. 238) destaca: “[...] é, sem dúvida, essencial que os
aprendizes se deem conta de que um expressivo número dessas combinações, embora
facilmente compreendidas, podem causar problemas em sua produção.”118. Em consequência,
avaliamos que mesmo as colocações livres (como em Howarth, op.cit.), embora de fácil
entendimento, nem sempre são corretamente produzidas, dificuldade que justifica seu enfoque
sistemático no processo de instrução, e, por conseguinte, abona sua inclusão neste estudo.
À semelhança de Howarth (op.cit.), Nesselhauf (op.cit., p. 225) distingue um contínuo
de gradação no grupo das colocações. As “colocações livres” de Howarth são denominadas por
Nesselhauf de “combinações” (como em Cowie, 1998). Àquelas a que Howarth denomina
“colocações restritas”, a autora se refere como “colocações” propriamente ditas. Combinações
livres são definidas como sequências baseadas em suas propriedades semânticas. Ou seja, no
caso de chop garlic (picar alho), o verbo chop só pode se colocar com um substantivo que
possua a propriedade semântica de significar algo que possa ser picado e, por sua vez, garlic
118
“[...] it is doubtless essential for learners to realize that a substantial number of those combinations that are
easily understood can nevertheless cause problems in production.” (Nesselhaulf, 2003, p. 238)
149
não poderia combinar com um verbo que, semanticamente, não formasse uma sequência lógica,
como, por exemplo, *read garlic. As “colocações” são definidas por Nesselhauf como
coocorrências que envolvem um certo grau de arbitrariedade em seu sequenciamento. Assim, a
colocação adjetiva fall asleep (fall significa, literalmente, cair) está sujeita a uma convenção da
língua para significar “adormecer”.
Para melhor visualização das variações de nomenclatura aqui mencionadas e sua
aplicação aos itens lexicais selecionados, o Quadro 15 categoriza as colocações em foco, em
conformidade com as terminologias e conceitos dos autores em pauta:
QUADRO 15: Comparando categorias de colocações em Howarth e Nesselhauf
Howarth
Nesselhauf
Colocações livres
Combinações
slam the door
chop garlic
sign papers
ride a bike
ring one’s bell
slam the door
chop garlic
sign papers
ride a bike
ring one’s bell
Colocações restritas
Colocações
do laundry
wear glasses
hang up the phone
hold one’s breath
fall asleep
do laundry
wear glasses
hang up the phone
hold one’s breath
fall asleep
Fonte: Howarth (1998) e Nesselhauf (2003)
Queremos salientar que, no segmento acadêmico escolhido para esta investigação,
alguns dos itens lexicais selecionados _ “ride a bike” e “wear glasses” _ já teriam sido
apresentados ao aprendiz, considerando-se o programa curricular da instituição. Entretanto,
conforme assinalado na seção anterior, esse conhecimento prévio pode apenas ser teorizado, em
função da variedade de históricos e perfis acadêmicos dos sujeitos. Consideramos que a
facilidade, eventual, que algumas colocações poderiam apresentar, permitiria que avaliássemos,
com maior acuidade, o efeito do recurso de multimídia utilizado, facilitando a comparação
entre os resultados de itens considerados mais fáceis e aqueles classificados como mais difíceis.
Independentemente de um possível maior, ou menor grau de dificuldade, tomou-se o
fenômeno da colocabilidade como indicador de coesão entre as palavras escolhidas, ou seja,
embora “slam the door” permita a tradução literal, o verbo “slam” não se coloca com uma série
de outros substantivos concretos: não se pode, por exemplo, “slam the car”*, ou “slam the
150
table”*. Ou, ainda, o substantivo “bike”, em “ride a bike”, não se coloca com “cook” ou
“open”. Ou seja, a despeito da aparente transparência das expressões, há limitações semânticas
que atendem ao conceito de colocabilidade, discutido em 2.3 neste estudo.
A existência de um contínuo, para a análise de um maior, ou menor grau de
independência entre unidades lexicais tem sido mencionada por diversos pesquisadores, dada a
impossibilidade prática de estabelecer limites rígidos para a categorização do fenômeno.
Nesselhauf (op.cit., p. 228-9) menciona a existência de dois grupos extremos de construção que
vão de expressões cristalizadas, entre as quais não é possível nenhuma liberdade, a
combinações absolutamente livres e até pouco previsíveis. Entre as extremidades, situam-se
construções com diversos graus de rigidez e que podem estar mais próximos de um de outro
extremo. Dessa forma, avaliamos que o conteúdo lexical selecionado para esta investigação,
situa-se ao longo dessa escala, com diferentes graus de rigidez, conservando, contudo, a noção
de construção do significado em “blocos” (chunks) que defendemos.
5.5.3- O conteúdo lexical em seu contexto visual
Dado que o nosso estudo tem como foco o texto multimodal, cabe detalhar o conjunto
de insumos formado pelas linguagens visual e sonora a que foram expostos os sujeitos, por
meio dos vídeos aqui utilizados.
As imagens selecionadas observam os princípios de Contiguidade Espacial e de
Contiguidade Temporal, delineados por Mayer (2006), em sua concepção da Teoria de
Aprendizado de Multimídia (em 3.2 neste estudo). Desse modo, os personagens verbalizam a
unidade lexical em foco, de tal forma que palavra e imagem acontecem em uma tomada de
cena única, em breves espaços temporais.
Igualmente com inspiração nos pressupostos do pesquisador em pauta, optamos por
fazer uso dos segmentos sem o uso de legendas intralinguísticas (closed-captions). De acordo
com o Princípio da Coerência, postulado por Mayer (em 3.2.3 neste trabalho), consegue-se um
melhor aprendizado, quando há uma economia no material, para que o aprendiz possa se
concentrar no processamento das mensagens que realmente importam. Segundo o conceito,
material extra, mesmo que atraente, compete por atenção e desvia o foco, ao exigir recursos
cognitivos que sobrecarregam o processo de aprendizagem.
Entretanto, vale destacar que se encontram, na literatura, estudos que advogam todo tipo
de metodologia para o uso de filmes autênticos no contexto pedagógico de LE. Alguns autores
defendem a utilização de legendas, seja na língua original, ou no idioma materno do aprendiz
(Cunha, 2007; Danan, 2004; Taylor, 2005). Outros, diferentemente, sinalizam desvantagens no
151
procedimento (Mayer, 2006; Napolitano, 2008) e se colocam a favor da ausência de qualquer
tipo de legenda. Sherman (2003, p. 16-7) avalia que o uso ou não de legendas, na língua alvo
ou na língua materna do aprendiz, depende do objetivo e do contexto em que se dá a utilização
do material. A autora reconhece que os olhos são mais poderosos do que os ouvidos119 e estima
que, a não ser em casos muito específicos, as legendas sempre concorrem de forma desigual
com a compreensão auditiva. Essa constatação pode ser comprovada, quando áudio e legenda
são veiculados na própria LM do espectador e, este, mesmo sem precisar, tem o seu olhar
atraído para a leitura do texto verbal veiculado na tela.
King (2002, p.517) avalia prós e contras de cada caso e igualmente conclui que cada
modalidade atende a propósitos distintos. Da mesma forma, é nossa opinião que o uso, ou não
de legendas, intra ou extra linguísticas, deve ser decidido com base nos objetivos da prática
pedagógica em aplicação. Para este estudo, consideramos que, quando expostos aos segmentos
de vídeo em foco, os informantes já haviam visualizado o item lexical, durante o procedimento
da atividade escrita, como a ser detalhado adiante. Entendemos, portanto, que seria mais
pertinente que concentrassem sua atenção nos elementos-chave do recurso instrucional:
imagem e verbalização do léxico. Nossa posição implica a aceitação dos conceitos de Baddeley
(2007; 1992), para quem o processamento dos insumos se dá de forma sensorial, ou seja,
através dos canais auditivo e visual, por força de sua apresentação, pictórica ou fonológica (ver
3.2 neste trabalho.).
Dessa forma, nossa escolha se faz em consonância com os conceitos que estão na base
da base da Teoria de Aprendizado de Multimídia, postulada por Mayer, levando-se em conta o
contexto da pesquisa, o conjunto dos instrumentos utilizados e seus objetivos.
Além do contexto visual, já descrito no Quadro 14, o Quadro 16 complementa a
apresentação dos modos comunicativos que interagem, para a construção do texto
multimediático: explicita as colocações selecionadas e sua produção verbal, além de trazer as
informações sobre a temporada e o DVD em que o episódio se encontra, assim como a duração
da cena.
119
“[...] we must recognize that the eye is more powerful than the ear [...].” ( Sherman, 2003, p. 16)
152
QUADRO 16: As colocações da intervenção e seu contexto visual
COLOCAÇÃO
1
Do laundry
a) Let’s do
Temporada 1
laundry!
DVD 1
Episódio 5
Slam the door
2
TEXTO
SONORO
Temporada 1
b) I can’t even
do laundry!
a) Let me slam
the door!
DVD 2
Episódio 5
3
Chop garlic
a)Chopping
Temporada 1
garlic!
DVD 3
Episódio 1
b)I’m
chopping
the garlic!
4
Hang up the
phone
Temporada 2
DVD 1
Episódio 1
Wear glasses
5
Temporada 2
DVD 4
Episódio 3
IMAGEM
Na primeira cena, homem abre uma máquina de
lavar roupas numa lavanderia automática e diz
animado para a amiga: “Vamos lavar roupa!”. Na
segunda cena, a amiga olha desolada para suas
roupas manchadas e diz: “Eu não sei nem mesmo
lavar roupas!”.
Homem discute com amigo e diz: “Deixe-me
bater a porta!” e sai, batendo a porta com gestual
exagerado. Em seguida, outro homem que estava
na sala faz o mesmo, após apontar para a porta e
indicá-la com uma expressão significativa sem,
entretanto, verbalizar a ação.
Dois homens conversam de modo tenso enquanto
um pica alho sobre uma tábua. O outro pergunta
o quê ele está fazendo e ele responde incisivo:
“Picando alho!” “Você não vai esmagá-lo?”,
pergunta o primeiro. O segundo responde: “Você
está tendo um caso e eu estou picando o alho!”
a)No, you hang Homem fala ao telefone. Ele insiste que a pessoa
up!
do outro lado desligue: “Não, você desliga!”,
“Você também não desligou!” ele brinca. “Não,
b) You didn’t
você desliga!” ele continua, observado por uma
hang up either! amiga que assistia à cena e que, por fim, tira o
c)No, you hang telefone das mãos do homem e o desliga,
deixando-o aturdido.
up!
a)Whose
glasses are
those?
b)Are you
wearing my
Na primeira cena, mulher se dirige a homem
usando óculos de grau exageradamente grandes e
pergunta: “De quem são esses óculos?”. Na
segunda, o dono dos óculos pergunta ao mesmo
homem: “Você está usando os meus óculos?”. Ele
os tira do rosto e entrega ao outro.
Tempo
1m49s
22s
43s
52s
1m2s
glasses?
Sign a paper
Temporada 6
6
DVD 1
Episódio 5
a) I’ve picked
up the divorce
papers.
I’ve
already signed
everything.
Homem chega com papéis na mão e diz à mulher:
“Eu peguei os papéis do divórcio. Eu já assinei
tudo.” e avisa: “Eu coloquei um X onde você tem
que assinar.” Eles discutem e ele diz: “Vamos só
assinar os papéis!”. Ele os coloca sobre uma
mesa e ela assina três diferentes folhas de papel
b) I’ve put an
com gestual exagerado.
X where you
have to sign.
1m4s
c) Let’s just
signthe papers!
153
Ring the bell
Temporada 6
7
Temporada 7
DVD 2
9
a) You do
know how to
ride a bike,
don’t you?
Na beira da calçada, três amigos perguntam à
moça que usa capacete de ciclista e segura uma
bela bicicleta: “Você sabe andar de bicicleta, não
sabe?” Ela responde que sim, mas eles insistem:
“Nós podemos ver você andar?”. Ela monta na
bicicleta, pedala em um pequeno trecho e cai.
Episódio 3
b) Can we see
you ride it?
Hold one’s
breath
a) Hold your
breath!
Temporada 8
DVD 4
Episódio 2
Fall asleep
10
Uma campainha soa insistentemente e um
homem corre pela sala para atender, enquanto
grita em tom ameaçador: “Se vocês, garotos,
tocarem minha campainha mais uma vez!...” e
abre a porta onde está uma mulher.
DVD 3
Episódio 2
Ride a bike
8
a) If you kids
ring my bell
one more time!
Temporada 8
DVD 4
Episódio 4
b)You gotta
hold your
breath until
you answer the
question.
a)You fell
asleep!
b)He fell
asleep! He fell
asleep!
Três homens participam de um jogo de palavras.
Um deles diz a um dos amigos: “Prenda a
respiração!” Ele o faz, inflando as bochechas. O
primeiro esclarece: “Você tem que prender a
respiração até responder à pergunta.” Ele acena
concordando, mas parece sufocado, enquanto os
outros dois continuam a brincadeira, até ele soltar
o ar de modo exagerado.
Dois amigos estão no cinema e um deles dorme.
Quando acorda, o filme terminou. O outro está
zangado e o acusa: “Você dormiu!” Ele tenta se
desculpar. Ao saírem ele aponta outro homem na
plateia que dorme sentado e grita: “Ele dormiu!”
Ele dormiu!”.
17s
40s
45s
1m
O próximo segmento discorre a respeito da estrutura e do formato das atividades de
pesquisa e descreve a metodologia adotada para a sua aplicação.
5.5.4- A estrutura das atividades de intervenção e sua aplicação
Como já mencionado, as atividades desenvolvidas para este estudo se compõem de duas
etapas distintas: uma avaliação de conhecimento lexical, aplicada em duas etapas, e um
questionário de perguntas fechadas. O questionário focaliza a percepção do aprendiz a respeito
de processos cognitivos e afetivos relativos ao uso de filmes em sala de aula. Algumas questões
enfocam o tema de modo geral e outras abordam, de forma específica, aspectos ligados à
utilização dos vídeos na atividade de intervenção. A realização da atividade de conhecimento
lexical precedeu a aplicação do questionário. Em cada turma, todo o procedimento levou, em
média, trinta minutos, considerando-se os preparativos e as explicações necessárias.
Os próximos segmentos explicitam o conteúdo dos referidos instrumentos e seu modo
de aplicação. Todos os procedimentos foram conduzidos pela pesquisadora, de modo a se
garantir uniformidade nas condutas adotadas.
154
5.5.4.1- A avaliação de conhecimento lexical
A atividade de reconhecimento lexical foi elaborada por meio de frases simples, de
forma intencional, de modo que o contexto verbal fosse pobre e limitado. Dessa forma, a não
ser que o aprendiz soubesse com segurança o significado da expressão, a contextualização
necessária à sua compreensão ficou delegada ao recurso visual. Pelo mesmo motivo, as três
possibilidades de resposta sofreram variações mínimas em sua estrutura.
Para sua aplicação, foi explicado aos alunos que receberiam uma folha com dez frases,
onde se encontravam determinadas expressões destacadas. Para cada uma das frases
encontrariam três possibilidades de significado em português. Deveriam assinalar a opção que
acreditassem estar correta. Foi esclarecido que poderiam deixar a resposta em branco, em caso
de dúvida, e que a atividade deveria ser feita individualmente, sem nenhuma possibilidade de
comunicação entre os participantes. Encerrada essa etapa, os sujeitos assistiram a dez trechos
de vídeos. Foi explicado que, em algum momento, ouviriam a expressão destacada nas frases e
que deveriam, a partir das cenas, conferir a opção assinalada anteriormente. Teriam, nessa fase,
a oportunidade de alterá-la, ou completá-la, caso avaliassem que haviam marcado uma opção
incorreta, ou caso não houvessem assinalado nenhuma opção no primeiro momento. Para esse
propósito, receberam canetas vermelhas e foi instruído que agissem como em um trabalho de
autocorreção. Foi enfatizada a necessidade de que nada fosse apagado e de que toda e qualquer
alteração fosse feita com a caneta vermelha, sempre de modo individual, sem
compartilhamento de informações. Como já mencionado, os vídeos forma exibidos sem
legendas e o processo não sofreu repetição. O Quadro 17 traz a atividade lexical aplicada.
155
QUADRO 17: Atividade de intervenção com as colocações utilizadas no estudo
Leia as frases abaixo e assinale a opção correta de significado da expressão em negrito. Use seu
conhecimento prévio e intuição linguística.
1- I usually do my laundry in the morning.
a) Eu geralmente lavo a roupa de manhã
b) Eu geralmente lavo a louça de manhã.
c) Eu geralmente faço minhas tarefas de manhã.
2- He was tired and fell asleep.
a) Ele estava cansado e saiu.
b) Ele estava cansado e caiu no chão.
c) Ele estava cansado e adormeceu.
.
3- Don’t slam the door!
a) Não tranque a porta!
b) Não feche a porta!
c) Não bata a porta!
4- I chop garlic on this table
a) Eu descasco alho nessa mesa.
b) Eu pico alho nessa mesa.
c) Eu tempero alho nessa mesa.
5- Hang up the phone right now!
a) Desligue o telefone imediatamente!
b) Atenda ao telefone imediatamente!
c) Me dê o telefone imediatamente!
6- I have to wear glasses to work.
a) Eu tenho que usar copos para trabalhar.
b) Eu tenho que usar óculos para trabalhar.
c) Eu tenho que lavar copos no trabalho
7- You have to sign these papers.
a) Você tem que escrever esses papéis.
b) Você tem que ler esses papéis.
c) Você tem que assinar esses documentos.
8- She always rings the bell.
a) Ela sempre liga o alarme.
b) Ela sempre toca a campainha.
c) Ela sempre desliga a campainha.
9- I ride my bike after school.
a) Eu guardo minha bicicleta depois da escola.
b) Eu lavo minha bicicleta depois da escola.
c) Eu ando na minha bicicleta depois da escola.
10- Hold your breath!
a) Prenda sua respiração!
b) Segure sua emoção!
c) Solte sua respiração!
156
5.5.4.2- O questionário de reflexão pessoal
É fato que nenhum questionário pode ser considerado um instrumento completo para o
levantamento de informações e que podem, às vezes, de forma determinante, conduzir ou
influenciar as respostas. Em consequência, seja qual for sua estrutura, alguns fatores precisam
ser observados de modo a garantir sua efetividade e minimizar sua fragilidade empírica.
De uma forma geral, questionários podem apresentar perguntas abertas, ou fechadas, ou,
ainda, uma combinação de ambos os tipos. No caso de perguntas fechadas, as respostas podem
se organizar em forma de múltipla escolha, ou por meio de disposição por ordem de
preferência. Respostas a perguntas abertas são formuladas sem qualquer restrição, a critério do
informante. No caso da formatação mista, uma opção aberta pode ser oferecida, para que se
complemente a opção objetiva, ou se acrescentem dados que não foram considerados nas
hipóteses nomeadas.
Segundo Rea e Richard (2002, p.40), um questionário deve partir do delineamento do(s)
objetivo(s) da pesquisa, assim como do perfil dos inquiridos. As perguntas devem ser claras, de
modo a se evitar ambiguidade, e relevantes em função do objetivo em pauta. Para os autores
(ibid, p. 45) a maior vantagem na adoção do formato de perguntas fechadas é que, além de
maior clareza para o entrevistado, permite-se uma uniformidade de respostas, o que facilita a
interpretação dos subsídios na fase de análise. Em contrapartida, respostas fechadas limitam as
opções e podem deixar o informante inseguro, levando-o a assinalar qualquer alternativa, sem
que a indicação reflita, necessariamente, a realidade. Além de uma possível inexatidão,
respostas fechadas limitam o escopo de informações, por não permitir a livre expressão.
Perguntas abertas, por sua vez, podem gerar informações repetitivas e irrelevantes,
ocasionando a quase impossibilidade de levantamentos estatísticos, e acarretando um maior
esforço interpretativo por parte do analista. Essa modalidade costuma, igualmente, exigir maior
conhecimento por parte dos inquiridos sobre o assunto em pauta e melhor capacidade de
entendimento e expressão.
Ressalte-se, ainda, que as perguntas introdutórias devem ser de natureza básica e
factual, estruturadas de forma a estimular o interesse do entrevistado, bem como relativamente
fáceis de responder. As questões seguintes devem obedecer a uma sequência lógica e coerente,
em relação às perguntas precedente e subsequente.
Os conceitos aqui apresentados de forma concisa foram utilizados para a criação do
questionário escolhido como instrumento complementar à nossa investigação. Avaliamos que o
levantamento de dados seria mais preciso se usássemos o formato de perguntas fechadas, com
respostas de múltipla escolha. Considerou-se que, como as informações solicitadas são de
157
caráter notadamente subjetivo, a preferência por respostas abertas poderia levar a uma
interminável variedade de subsídios, comprometendo sua interpretação numérica e o posterior
processo de análises. Ademais, seu uso exigiria um enfoque mais minucioso no levantamento e
na interpretação das respostas, esforço que se considerou não condizente com o papel
complementar que o instrumento preencheu em nosso estudo, cujo foco se concentra na
intervenção lexical.
Dado que questionários concisos são mais recomendáveis (Rea e Richard, ibid, p. 54),
optamos por traçar seis questões com foco nos processos cognitivo e afetivo. O subsídio tem
como objetivo fornecer pistas sobre como os sujeitos se sentem em relação ao uso do recurso
multimediático em questão e de que forma vivenciaram o procedimento.
A questão inicial introduz o tópico de forma abrangente, abordando o sentimento dos
aprendizes a respeito do uso de filmes no ambiente instrucional. As quatro perguntas
subsequentes focalizam sua percepção sobre os processos cognitivos envolvidos na exposição
ao insumo multimediático. O questionário se encerra, retornando ao tema do primeiro item,
com o objetivo de aquilatar se o procedimento afetou, de alguma forma, sua primeira avaliação.
Embora reconheçamos que informações amplas e precisas sobre esse tipo de processos
demandariam um instrumento muito mais elaborado e abrangente, acreditamos que um maior
aprofundamento fugiria ao escopo deste estudo. Considere-se, ainda, que, com informação nas
leituras realizadas, estamos conscientes de que qualquer formato apresenta vantagens e
desvantagens e, portanto, cabe ao pesquisador utilizar sua capacidade de interpretação para
minimizar potenciais distorções, ou limitações, esforço sobre o qual discorremos no capítulo de
análises.
O questionário utilizado, que pode ser visto no Quadro 18, foi respondido pelos sujeitos
após a realização da atividade lexical como apresentado em 5.5.4.1. Solicitamos que
respondessem de forma imediata, sem elaborar as respostas, que deveriam ser rigorosamente
individuais. No caso de considerarem mais de uma resposta como verdadeira, pediu-se que
assinalassem a situação mais frequente, ou mais próxima de sua realidade.
No próximo capítulo, fazemos a análise do texto multimodal na qualidade dos
segmentos de vídeo aqui utilizados, assim como dos dados estatísticos resultantes da aplicação
das atividades de intervenção descritas.
158
QUADRO 18: Questionário de reflexão pessoal
1- Quando assisto a filmes na aula de inglês,
a- eu acho que é para eu me divertir;
b- eu acho que é para eu aprender alguma coisa;
c- eu acho que é para eu aprender e me divertir ao mesmo tempo.
2- Antes de assistir aos vídeos, eu marquei a resposta da tradução,
a- porque eu tinha certeza do significado;
b- eu usei a frase para me ajudar a descobrir;
c- eu “chutei” para não deixar em branco.
3- Durante os vídeos,
a- eu prestei atenção primeiro à fala e depois à imagem;
b- eu prestei atenção primeiro à imagem e depois à fala;
c- eu prestei atenção à fala e à imagem ao mesmo tempo.
4- Nas questões em que eu alterei/completei a resposta com caneta vermelha,
a- eu fiz isso por causa da fala no filme;
b- eu fiz isso por causa da imagem no filme;
c- eu fiz isso por causa da fala e da imagem juntas.
5- Quando eu corrigi meus erros, ou completei questões em branco,
a- eu não me lembrei de ter visto antes as expressões que eu não conhecia;
b- eu acho que eu já tinha visto algumas das expressões, mas eu não tenho certeza;
c- eu me lembrei de que já tinha visto essas expressões antes.
6- Depois de ter feito essa atividade,
a- eu acho que filmes sempre podem me ajudar a aprender vocabulário;
b- eu acho que filmes podem me ajudar a aprender vocabulário apenas quando estou na aula;
c- eu acho que filmes não podem me ajudar a aprender vocabulário.
159
CAPÍTULO 6 - ANÁLISE E DISCUSSÃO DE DADOS E INSTRUMENTOS
A primeira subseção deste capítulo é dedicada à análise dos segmentos de vídeo aqui
utilizados como instrumento de intervenção. Enfocamos os modos de comunicação, que atuam
e interagem na construção do sentido, segundo o conceito de multimodalidade abordado.
Temos como objetivo identificar os elementos semióticos que participam de sua composição,
com a finalidade de traçar caminhos interpretativos, para a melhor compreensão dos resultados
estatísticos gerados por esta pesquisa. Concluímos com a análise dos dados numéricos
levantados, por meio da atividade de conhecimento de vocabulário e do questionário de
reflexão pessoal.
6.1 ANÁLISE E COMPREENSÃO DOS SEGMENTOS DE VÍDEO
Ao longo da última década, o conceito da multimodalidade tem exercido grande
influência no estudo do sentido em textos complexos, formados a partir da multiplicidade de
modos semióticos (Maier, 2009). Kress e Van Leeuwen (2001, 2006) aprofundaram a temática,
ao demonstrar que a dinâmica de sua organização não se estabelece, unicamente, em função
dessa coocorrência, mas como resultado direto do processo de interação e amalgamento que se
estabelece entre as diversas camadas dos modos semióticos participantes.
Considerando-se que um dos intuitos deste trabalho é investigar o papel que o texto
multimodal pode exercer sobre o processo de aprendizado lexical em LE, passamos a analisar a
composição dos segmentos descritos em 5.5.1, no que tange às funções da imagem, segundo os
conceitos desenvolvidos em Kress e Van Leeuwen (2006) que serviram de norte a esta
investigação. O arcabouço teórico proposto por Norris (2004a, 2004b), para a análise e a
compreensão dos processos interativos inerentes aos papéis sociais, é utilizado de forma
complementar em nossa análise.
As cenas aqui ilustradas são aquelas que podem ser obtidas por meio do botão de pausa,
no momento em que o item lexical em foco é verbalizado pelos participantes. Nesse instante,
160
ao insumo auditivo, soma-se o contexto visual em que o mesmo ocorre. Embora centremos
nossa investigação nesse cenário, cada segmento é considerado, no todo, como contexto
comunicativo do vocabulário em estudo.
Para essa análise, vamos abordar os conceitos de cada função que nos parecem mais
pertinentes, aplicando-os à cena em questão. Em alguns casos, (ver 5.5.1), foram utilizados dois
momentos distintos que resultaram em duas cenas para o mesmo item vocabular. Todos os
termos que foram utilizados no escopo da Gramática do Design Visual se acham grafados em
letras maiúsculas.
6.1.1 SEGMENTO 1: “TO DO LAUNDRY”
Na primeira cena, a leitura se faz a partir dos Participantes que ocupam a porção central
do texto. O homem tem ligeiro destaque, por estar levemente à frente e ser maior, mas seu
braço direito forma um vetor na direção da mulher que funciona como elemento inclusor da
Participante na ação em curso. É igualmente do homem que parte o vetor formado pelo braço
esquerdo. Ambos olham para o interior da máquina de lavar, Circunstância de Meio, ou
Instrumento que, naquele momento, embora apenas parcialmente visível, tem sua posição
hierarquizada como de relevância, por se encontrar em primeiro plano. Os olhares dos
participantes os colocam na função de Reagentes, ao passo que a máquina de lavar se torna o
Fenômeno, alvo desse olhar. O Processo Reacional (olhares como vetores: eyeline) e o vetor do
braço reforçam a mensagem veiculada pela fala, produzida naquele instante: “Vamos lavar
roupa!”, que é a Meta, ou “Goal” do Processo de Ação Transacional retratado. No plano da
oralidade, o personagem acentua a mensagem, reforçando o tom de voz e pronunciando as
palavras de modo destacado.
Em segundo plano, duas pessoas, de costas, e com os rostos apenas entrevistos,
incluem-se na categoria “Circunstância de Acompanhamento”, compondo a mensagem verbal
que pode ser decodificada como “Pessoas lavam roupa em uma lavadora automática”. Sua
visualização apenas parcial reafirma a centralidade dos Participantes em destaque, do mesmo
modo como as cores escuras do cenário ao fundo contribuem para ressaltar as máquinas de
lavar brancas. O todo da composição visual relaciona os Atores ao Cenário (Circunstância
Locativa), “Lavadora Automática”, local de prestação de serviços muito popular nos Estados
Unidos e que, em menor escala, também é conhecido em nosso país.
A proximidade física dos personagens centrais (Distância Íntima e Pessoal) e desses
com a própria máquina de lavar denota intimidade entre ambos e familiaridade com a situação
e o Instrumento Circunstancial. No tocante à dimensão do envolvimento entre Participantes e
161
observador, o ângulo é horizontal frontal e os Participantes se encontram no nível do olhar,
perspectiva que produz um sentimento de igualdade de poder e convida o espectador à
aproximação e ao envolvimento emocional.
No âmbito dos elementos composicionais, o homem ocupa o espaço da informação
nova (Novo). Esse posicionamento pode estar relacionado ao fato de que, no episódio, ele se
ofereceu para ajudar a amiga, ou seja, a presença dele representa a novidade. Outro fator a
colaborar para a coerência do texto visual diz respeito ao posicionamento da máquina de lavar
no espaço inferior (Real), reforçando-se o caráter de aspecto prático do Instrumento, cujo
significado se subordina aos elementos que ocupam a parte superior da composição (Ideal). As
máquinas formam, ainda, uma linha horizontal, em primeiro plano, arranjo que atua como fator
de conexão entre os Participantes da cena, acentuando a coesão entre os elementos do texto.
Na imagem seguinte, os Participantes desempenham a função de Reagentes, em um
Processo Reacional Transacional, ao estabelecerem linhas do olhar, na direção da peça de
roupa que ocupa a posição de Fenômeno no Processo em curso.
Uma segunda mulher ocupa o espaço do Novo: representa a informação original, o
desconhecido a ser incorporado pelo receptor. A que se encontra ao centro tem sua importância
reforçada pela tampa da máquina que está aberta e destaca a centralidade da Participante na
cena: nesse momento, a atenção do observador se volta para a reação dela, quando se dá conta
de que sua roupa ficou manchada. Por sua vez, o homem, à esquerda, destaca-se por ser o mais
alto dos três, proporção que realça seu papel na ação: é ele que segura a peça de roupa para a
qual se voltam todos os olhares. A gradação de altura sugere uma hierarquia de poder entre os
Participantes, sendo que o homem, o mais poderoso, está levemente voltado para a mulher ao
centro, incluindo-a no Processo.
Ao fundo, um homem dá as costas ao grupo. Seus braços estão levantados e ele segura
uma peça de roupa, detalhe que reforça o significado da colocação em foco. Assim como na
imagem anterior, a linha horizontal, estabelecida pelas máquinas em primeiro plano, contribui
para a coesão entre os elementos do texto visual.
Ao longo de toda a cena, as máquinas ocupam posição de relevância no contexto visual:
além da cor branca se sobressair no cenário, quando o enfoque não as coloca em destaque no
primeiro plano, aquelas posicionadas ao fundo mantêm a mensagem a respeito do local onde os
Participantes se encontram: um local onde as pessoas lavam roupas _ do laundry.
Em sua abordagem para o estudo dos processos de interação, Norris (2004b, p. 11)
toma a ação como a unidade básica de análise do evento comunicativo e a conceitua como ação
de nível macro (higher-level action), ou ação de nível micro (lower-level action). Ações de
nível macro, como uma conversa entre amigos, demandam mais atenção dos participantes e são
162
compostas por uma diversidade de ações de nível micro, como a postura corporal, a
movimentação, o espaço pessoal entre indivíduos (proxêmica), os olhares, os elementos em
cena e sua disposição, música, ruídos de fundo e outros. Para a autora (2004a, p.103)120,
“qualquer evento comunicativo consiste da interação que ocorre entre uma multiplicidade de
modos de comunicação.”
Na cena em questão, a produção verbal do item linguístico em foco é sublinhada pela
linguagem corporal e pelos olhares dos participantes, que se voltam para a execução da ação de
“lavar roupas”, além de se encontrarem fisicamente próximos às lavadoras. Para Norris (2004b,
p. 19), a relação espacial entre os indivíduos, assim como o posicionamento entre esses e os
objetos relevantes no contexto estão diretamente relacionados à ação, a ela se integrando, para
significar modos comunicativos.
Ao longo da cena no vídeo, há três momentos (não ilustrados) em que os personagens
centrais se ocupam de colocar, ou retirar peças de roupa da lavadora, situações de alta
densidade modal, na qualidade de ações ritualizadas que requerem atenção, como definido em
Norris (2004a, p. 103), e que reforçam o sentido do léxico em teste. A mesma movimentação
ocorre igualmente com os personagens ao fundo.
Para a autora, objetos presentes no evento comunicativo, elementos a que se refere
como “modos desincorporados” (disembodied modes_Norris, 2004b, p.14), estão vinculados a
ações de densidade mais alta, denominadas, nesse caso, de “ações congeladas” (frozen actions_
Norris, 2004a, p. 103; ibid, 2004b, p.11). A nomenclatura visa a distinguir ações traduzidas
pela presença de elementos inanimados daquelas que são fruto do processo de interação entre
os atores sociais. Na imagem em análise, as máquinas de lavar cumprem esse papel, pois têm
alta relevância no contexto visual e reafirmam o significado do item lexical em pauta.
No que se refere ao nível de atenção dedicada pelos atores sociais ao evento
comunicativo, Norris (2004a, p.112) sugere um contínuo em cujos extremos se situam “ações
de primeiro plano” (foreground actions) e “ações de segundo plano” (background actions),
construto que avalia a importância da ação em análise: quanto mais próxima do extremo de
primeiro plano, mais relevante é a ação. A cena em foco mostra um alto nível de atenção dos
participantes, no que concerne à ação em curso _ a lavagem de roupas _, o que nos permite
qualificar o evento como uma ação de primeiro plano, de alta densidade modal.
No plano da movimentação corporal, em diversos momentos, a gesticulação dos
personagens chama a atenção do espectador para as lavadoras.
120
“Any communicative event consists of the interplay among a multiplicity of communicative modes.” (Norris,
2004a, p. 103)
163
Considerando-se os instrumentos teóricos disponibilizados, tanto por Kress e Van
Leeuwen (op.cit.), como por Norris (op.cit; op.cit.), avaliamos que a cena em questão se
constitui em um complexo de modos comunicativos que concorrem positivamente para a
compreensão do item lexical em foco.
FIGURA 30: Cena 1 _to do laundry / FIGURA 31: Cena 2 _to do laundry
Linguagem
corporal
Olhar
Linguagem
sonora
Disposição
espacial
Objetos
inanimados
6.1.2 SEGMENTO 2: “TO SLAM THE DOOR”
No patamar da Função Composicional, a primeira cena se apoia sobre um eixo vertical,
em que os hemisférios esquerdo e direito são demarcados por meio da porta entreaberta. No
164
plano do Enquadramento, esse divisor funciona como uma barreira que coloca os Participantes
em campos opostos, elemento ilustrativo do momento de discórdia entre os amigos. O homem
que se encontra na porção esquerda (Dado) está de costas, o que acarreta um sentimento de
desconexão emocional com o espectador. Essa posição é coerente com a história, pois ele havia
beijado a mãe do amigo, infringindo um código de ética tácito, colocando-se em posição de ser
julgado pelo público. Em contrapartida, embora o Participante ofendido se encontre em um
plano ao fundo, o fato de estar voltado de frente o coloca em um posicionamento de maior
interação e envolvimento com o observador.
À direita, onde se veicula a informação nova (Novo), o Participante dirige seu olhar _
reforçado pela expressão facial _ para o homem de costas. Atuam, respectivamente, como
Reagente e Fenômeno em um Processo Reacional Transacional.
O braço que segura a porta _ Circunstância de Instrumento _ forma um vetor
representativo do Processo Acional que irá ocorrer a seguir, codificado no plano da oralidade,
quando o item verbal é falado com entonação de destaque: “Deixe-me bater a porta!”.
A apreciação dos elementos composicionais pode, igualmente, ocorrer a partir da
centralidade do Instrumento porta no conjunto visual. Essa interpretação subordina os outros
subsídios da cena ao seu significado, análise que reforça a acepção do vocabulário em foco.
No tocante à dimensão da Perspectiva, o enquadramento em ângulo horizontal frontal
aproxima observado e observador, o qual é convidado a participar do mundo retratado e a ser
parte dele, em termos de igualdade de poder.
Na cena seguinte, embora a porta forme, do mesmo modo, um eixo vertical, o
Participante se encontra no centro da imagem, concentrando o foco da ação. Esse realce é
minimizado pelos seus braços e, em especial, pelo dedo indicador da mão esquerda que formam
vetores apontando para a porta, destacando-a.
Na categoria das Representações Narrativas, o Participante atua como Reagente de um
Processo Reacional Não-Transacional, ou seja, é o elemento ativo, cujo olhar _ reforçado por
meio da expressão facial _ dirige-se para um alvo que se encontra fora do nosso campo de
visão e que podemos apenas adivinhar. O conjunto desses elementos reforça a ação em
desenvolvimento: embora não haja verbalização, a não ser por um “Hum!”, a cena prenuncia o
que virá a seguir, quando o homem sai, batendo a porta com estrondo.
No tocante ao Enquadramento, as listas horizontais da camisa do Participante
funcionam como elemento integrador entre as duas portas visualizadas, cujo significado textual
se harmoniza pela mesma cor verde.
Fazendo uso do construto proposto por Norris, o posicionamento dos indivíduos, em
relação à porta, bem como a visualização de suas mãos na maçaneta a vinculam ao significado
165
da ação, o que facilitaria a compreensão do item lexical em teste (slam the door). No plano
sonoro, o ruído do bater da porta, modo comunicativo que se dá por duas vezes, reforça
igualmente o sentido do léxico.
FIGURA 32: Cena 1 _ to slam the door
Posicionamento
FIGURA 33: Cena 2 _ to slam the door
Ruído
(efeito sonoro)
Gestual
6.1.3: SEGMENTO 3: “TO CHOP GARLIC”
A cena 1 abre em “close”, focalizando duas mãos que picam vários dentes de alho,
sobre uma tábua de madeira. No plano das Representações Narrativas, a imagem caracteriza
um Processo de Ação na categoria Evento, já que apenas a visão parcial do Ator _ suas mãos _
ilustra a Meta em questão: picar alho. Não há verbalização nesse primeiro momento, apenas o
166
barulho da faca (Circunstância de Instrumento) sobre a tábua. O som é levemente exagerado,
sugerindo irritação por parte de quem corta. Os dentes de alho e as mãos ocupam a posição
central da imagem (Centro) e concentram o significado do texto visual. O foco de luz sobre
esses elementos confere Saliência aos mesmos, em relação aos outros componentes que se
situam às margens.
A próxima tomada se estrutura sobre um eixo vertical. No campo do Valor de
Informação, o Participante à direita ocupa o espaço Novo, onde se transmite a informação a ser
incorporada pelo receptor. Esse mesmo Participante, na dimensão dos Processos Reacionais,
estabelece um vetor, criado pelo olhar e reforçado pela expressão facial, que o coloca na função
de Reagente. O homem que está de costas e atua como “Fenômeno”, embora haja um ponto de
luminosidade no alto da sua cabeça, tem sua expressividade diluída pela roupa preta que se
confunde com a base do próprio cabelo e com o fundo da imagem. A composição reforça a
dinâmica da história: no momento, o filho acusa o pai de estar tendo um caso amoroso. O fato
de o pai estar de costas para o observador dificulta um envolvimento emocional com o
espectador. A identificação se dá, mais facilmente, com aquele que se encontra de frente.
O Reagente tem uma das mãos pousada sobre a tábua criando um vetor que aponta para
os dentes de alho. É nesse trecho que se ouve a verbalização do item lexical em foco, quando o
rapaz responde ao pai sobre o que está fazendo: “Picando alho.” E reforça: “Você está tendo
um caso e eu estou picando alho!”
Como o momento ilustrado é de litígio, os Participantes mantêm entre si uma Distância
Social, afastamento que é reforçado pela mesa entre ambos. A faca na mão direita, uma
Circunstância de Instrumento, aponta para o espectador e cria, simultaneamente, uma barreira
entre os Participantes e um vetor de aproximação entre observador e observado.
Embora na primeira cena não haja a verbalização do item lexical, o realce da ação,
proporcionado pelo enquadre e pelo som peculiar da faca sobre a tábua, funciona como
complementação para o segundo momento, quando os elementos ilustrativos da Meta em foco
_ picar alho _ são realçados pela iluminação, assim como pelo vetor formado pela mão sobre a
tábua. Na primeira tomada, o enquadramento em primeiro plano atua como um poderoso
recurso de linguagem. Para Maier (2009, p.163)
Uma tomada em close-up tem um significado avaliativo específico que lhe é inerente,
porque convida o espectador a dar mais importância ao que é mostrado em detalhes na
respectiva imagem, dessa forma enfatizando o papel significativo daquela imagem em
uma determinada cena. (Maier, 2009, p. 163)121
121
A close-up shot has a certain inherent evaluative meaning because it invites the viewer to attach more
importance to what is shown in detail in the respective image, thereby emphasizing the meaningful role of that
image in a certain scene. (Maier, 2009, p. 163)
167
Na sequência, embora mantenha um diálogo com o pai, o indivíduo que pica alho
parece dedicar mais atenção à tarefa do que à conversa. Dessa forma, a ação cujo significado
está sendo avaliado (chop garlic) se situa como uma ação de primeiro plano (foreground
action), segundo o contínuo proposto por Norris (2004a, p. 112), fazendo com que, apesar da
simultaneidade de eventos comunicativos, esse se sobreponha ao outro, contribuindo para a
compreensão do aprendiz. Embora a cena ilustrada na Figura 35 mostre os dois homens se
encarando, o maior nível de atenção dedicado à ação de cortar alho é sublinhado, ao longo do
episódio, pelo olhar do participante que, a despeito da conversa, converge, na maior parte do
tempo, para a atividade em curso. Sua proximidade física com os objetos envolvidos no
processo e, em especial, o manuseio da faca são aspectos de expressiva relevância
comunicativa (ibid, p. 110)122.
FIGURA 34: Cena 1 _ to chop garlic
Enquadramento
Manuseio do
objeto
Posição pessoal
(proxêmica)
Iluminação
Ruído
(efeito sonoro)
122
“The action of handling an object has important communicative implications” (Norris, 2004a, p. 94)
168
FIGURA 35: Cena 2 _ to chop garlic
6.1.4 SEGMENTO 4: “TO HANG UP THE TELEPHONE”
Na imagem, um casal se encontra em primeiro plano, ao Centro, concentrando o
núcleo da informação visual. No próprio Centro desse conjunto, vê-se um telefone. O
posicionamento destacado do aparelho _ Circunstância de Instrumento _ estabelece uma
hierarquia que vai definir o caminho da leitura textual, subordinando todos os outros itens à sua
relevância e significado. Contribuindo para o ordenamento dos elementos, o braço direito dela,
seus joelhos e o braço esquerdo dele formam vetores que apontam para o aparelho. Nesse
instante, a Participante desliga o telefone, Meta de um Processo Acional Transacional.
No âmbito dos Processos Reacionais, a mulher atua como Reagente ao criar uma
linha de olhar na direção do rapaz. Esse acumula os papéis de Fenômeno, por ser alvo passivo
do olhar dela, e Reagente, ao olhar para o telefone. Os vetores formados pelos olhares e pelas
mãos de ambos formam todo um caminho para a leitura do texto que começa e termina no
próprio telefone, ratificando-o como núcleo da informação.
No tocante à dimensão Interativa, os Participantes mantêm uma Distância Íntima e
Pessoal entre si, codificadora de seu relacionamento próximo. O ângulo horizontal frontal, no
nível do olhar, é responsável por um sentimento de envolvimento e aproximação entre
observador e observados, entre os quais se estabelece um equilíbrio de forças.
A verbalização do item lexical ocorre, reiteradas vezes, imediatamente antes da cena
visualizada na Figura 36. No momento da imagem analisada, ouve-se apenas o ruído do
169
aparelho sendo desligado, subsídio que serve de reforço para o sentido do vocabulário em foco.
A composição cênica (layout) dos elementos em cena, o gestual do casal e as ações
em curso se integram e convergem para o aparelho. Como ocorre no segmento anterior, o
manuseio do objeto em questão _ aspecto que se desenrola ao longo de toda a cena _ sublinha a
relevância do papel que o aparelho telefônico exerce no tocante à compreensão. A ação é
igualmente destacada através do gestual: a maneira como a mulher pega o aparelho, desliga e o
devolve, com certa brusquidão nos movimentos, são, da mesma forma, elementos de reforço
que contribuem para o entendimento do léxico.
FIGURA 36: Cena 1 _ to hang up the phone / FIGURA 37: cena 1 _ to ring the bell
Linguagem
corporal
Centralização
Posicionamento
Manuseio do
objeto
Olhar
Plano auditivo
Composição
espacial
Ação congelada
(frozen action)
6.1.5 SEGMENTO 5: “TO RING THE BELL”
A imagem se constrói sobre um eixo vertical, formado pela porta entreaberta. O
homem à esquerda ocupa o espaço da informação já assimilada _ Dado_, ao passo que a recém170
chegada se encontra na posição do desconhecido: Novo. A menor relevância do Participante
masculino é reforçada pela cor escura da sua roupa que se confunde com o plano ao fundo. Em
contrapartida, a função do Participante mulher pode ser analisada, a partir de sua centralidade
no conjunto do texto visual. Esse posicionamento de destaque é acentuado pelo realce dos
longos cabelos louros e de sua jaqueta vermelha, elementos que concentram maior
luminosidade. O grau de Saliência é, igualmente, destacado por ela se encontrar entre a porta e
o batente, enquadramento que funciona como uma moldura para a sua imagem.
Na esfera da Função Interativa, os dois mantêm uma Distância Social entre si,
delimitada pela linha da porta, distância que é minimizada pelo vetor criado pela mão do
homem, apontando em direção à visitante. No tocante à Perspectiva, o ângulo horizontal
frontal, no nível do olhar, estimula envolvimento e aproximação entre observador e observados,
em igualdade de poder. A inclusão se faz de forma especial com a mulher, por ela estar de
frente para o espectador, sentimento que se reduz em relação ao homem, retratado de costas,
em um ângulo levemente oblíquo.
Esse segmento apresenta uma diferença significativa em relação a todos os outros: a
ação expressa pela colocação em teste _ tocar a campainha _ não é visualizada. A coocorrência
de modos comunicativos se dá exclusivamente no plano auditivo, quando se ouve o som
insistente da campainha e o Participante verbaliza o item lexical. Para Norris (2004b, p. 11), a
porta aberta, enquanto a visitante aguarda do lado de fora, traduz uma ação congelada (frozen
action) que vincula o elemento inanimado a ações de alta densidade modal, no caso tocar uma
campainha e se esperar que alguém venha atender. No conceito da autora:
Ações congeladas são, de um modo geral, ações de nível mais alto que foram
realizadas por um indivíduo ou um grupo de pessoas em um momento anterior ao
momento real da interação em curso que está sendo analisada. Essas ações se
encontram congeladas nesses objetos materiais e são, por conseguinte, evidentes.
(Norris, 2004b, p. 14)123
No vídeo, há um enfoque não visualizado na ilustração _ imediatamente posterior ao
toque da campainha _ em que a mulher se encontra de costas para o espectador e o homem está
ao lado da porta aberta, enquadramento que reafirma o elemento porta na qualidade de “ação
congelada”. Ao modo comunicativo expresso por meio da visualização da mulher à porta, a
autora se refere como layout que traduzimos como “composição”. A composição visual e o
objeto porta remetem, nesse caso, à ação expressa pelo item lexical em teste.
123
Frozen actions are usually higher-level actions that were performed by an individual or a group of people at an
earlier time than the real-time moment of the interaction that is being analyzed. These actions are frozen in the
material objects themselves and are therefore evident. (Norris, 2004b, p. 14)
171
6.1.6 SEGMENTO 6: “TO WEAR GLASSES”
A primeira cena articula seu valor de Informação sobre os eixos Dado _ a mulher _ e
Novo _ o homem. Vetores formados pelos braços e mãos dele, e, até mesmo, pela mão dela que
segura o copo apontam para os óculos que ele está usando, realçando o grau de Saliência do
Instrumento.
No âmbito narrativo, os Participantes estabelecem um Processo Reacional Transacional
ao se olharem, desempenhando as funções de Reagente e Fenômeno de forma concomitante.
Para Participantes que, como nesse caso, tanto criam vetores de olhar como são,
simultaneamente, alvo do olhar de outro, Kress e Van Leeuwen (2006, p. 67) sugerem a
denominação de Interagentes (Interactors), para descrever um Processo semelhante aos
Processos de Ação Bidirecionais. Manteremos, contudo, em nossas análises, os termos e as
apreciações relativas a Reagente e Fenômeno.
No domínio da interação, os Participantes mantêm uma Distância Social entre si. O
sentimento de aproximação emocional do espectador se dá de forma mais acentuada com o
Participante masculino, por esse ocupar um ângulo menos oblíquo em relação ao observador.
A segunda imagem exibe dois homens, em outra composição, com valores de
Informação Novo e Dado, sempre ilustrando o homem que usa óculos, na posição da
informação nova, a ser incorporada. O brilho metálico de um dos aros acarreta um relativo
efeito de Saliência sobre o Instrumento, considerando-se a predominância de cores escuras na
cena.
A codificação da Distância entre eles se faz de modo ambíguo: ao passo que o
Participante à esquerda mantém uma postura corporal de distanciamento e, até, de
enfretamento, o outro tem seus braços levemente estendidos na direção do primeiro, traduzindo
uma possível intenção de aproximação. O arranjo ilustra a dinâmica da história, em que o
Participante à esquerda é sogro do mais jovem e não lhe dedica muita simpatia.
No plano narrativo, há uma linha de olhar entre os Participantes, que acumulam as
funções de Reagente e Fenômeno à semelhança da cena anterior.
Recorrendo ao arcabouço teórico proposto por Norris (op. cit.; op. cit.), os diálogos que
se desenrolam, respectivamente, entre o homem dos óculos e os outros dois personagens
(Figuras 38 e 39) são ações de nível macro (higher-level action), compostas por uma série de
outras de nível micro (lower-level action). Entre essas, o gestual e o manuseio dos óculos são
modos comunicativos que se verificam ao longo de toda a duração do segmento em foco e dão
destaque ao objeto. Logo no início da primeira cena, o homem traz os óculos em uma das mãos
e os olha, manuseando-os como para verificar se são o que procurava. Na sequência, ao
172
responder à mulher, que quer saber a quem os óculos pertencem, faz um movimento ostensivo
e os coloca no rosto de forma cuidadosa. Na segunda cena, o gestual inverso _ quando retira os
óculos do rosto e os entrega ao outro indivíduo _ ocorre, igualmente, de forma destacada no
contexto comunicativo. Ao receber os óculos, o outro homem os coloca no rosto, mas os retira
em seguida, para limpá-los na barra da camisa.
Avaliamos que os modos expressos pelo gestual e pelo manuseio do objeto em questão
funcionam como fortes elementos de comunicação no contexto, para a compreensão do
vocabulário em teste.
FIGURA 38: Cena 1 _ to wear glasses / FIGURA 39: Cena 2 _ to wear glasses
Proxêmica
Gestual
Manuseio do
objeto
Olhar
6.1.7 SEGMENTO 7: “TO HOLD ONE’S BREATH”
A cena pode ser analisada a partir da posição central ocupada pelo homem que realiza a
ação expressa pelo léxico em foco: o rapaz, que se destaca pela iluminação generosa sobre sua
173
camisa clara e calças vermelhas, prende a respiração. Seu braço e mão esquerda funcionam
como um vetor que aponta para o próprio rosto de bochechas estufadas, assim como o braço e a
mão do Participante à esquerda e os braços cruzados daquele que se encontra à direita formam
um vetor na direção do homem ao Centro, acentuando sua Saliência na composição visual.
O homem de pé, à esquerda, encontra-se em um nível mais alto em relação ao do meio.
O destaque pode estar relacionado ao fato de que esse Participante é quem está no comando e
dá as ordens ao amigo que prende a respiração. Diferentemente, aquele que se encontra à
direita ocupa o nível mais baixo na composição visual. Na cena em curso, esse Participante se
coloca como mero espectador e seu reduzido envolvimento na ação se traduz em um certo
distanciamento físico dos outros. O posicionamento em primeiro plano do homem mais alto
tem seu efeito reduzido por estar em um ângulo oblíquo, delegando-se ao Participante que infla
as bochechas uma maior aproximação com o espectador.
No plano narrativo, o Participante exerce a função de Fenômeno, em um Processo
Reacional Transacional, ao ser alvo dos olhares dos Reagentes. Esse conjunto de fatores
constrói um efeito de subalternidade de todos os elementos da cena, em relação ao núcleo da
informação textual, núcleo esse codificado pelo Participante central e a ação em curso. No
campo da oralidade, o inflar de bochechas é acompanhado por uma ruidosa inspiração,
reforçando o significado do item de vocabulário enfocado.
Para Norris, modos de comunicação à primeira vista subalternos, como olhar, postura e
linguagem gestual podem exercer um papel de elemento superordinado (superordinate) em
relação à linguagem verbal, ao qual, ou aos quais essa se encontra subordinada (ibid, 2004b, p.
x). Na cena em questão, o sentido do item lexical em estudo (hold one’s breath) é verbalizado,
apenas uma vez, de forma breve, sem destaque sonoro especial. O fio condutor para sua
compreensão se apoia de forma mais contundente nos ruídos produzidos pelo indivíduo,
quando prende a respiração e depois exala o ar de forma exagerada, no seu gestual, quando
aponta as próprias bochechas, para chamar a atenção dos outros para o fato de que estava sem
respirar e, finalmente, na sua expressão facial, com as bochechas infladas. O conjunto de
modos de comunicação descritos se somam à verbalização do léxico, para compor um todo de
alta densidade modal (ibid, p. 103), favorecendo a compreensão do vocabulário em estudo.
174
FIGURA 40: Cena 1 _ to hold one’s breath
Gestual
Ruídos
(efeito sonoro)
Expressão facial
Proxêmica
6.1.8 SEGMENTO 8: “TO FALL ASLEEP”
Ambas as cenas se desenvolvem no interior de uma sala de cinema, Circunstância
Locativa que relaciona os Participantes a um elemento específico, no caso a baixa
luminosidade. Esse elemento funciona como fator de coesão entre os dois segmentos, nos quais
se destacam poucos pontos de iluminação.
Na cena 2 que, no episódio, acontece, de fato, antes da primeira imagem ilustrada na
Figura 41, ocorre um Processo Reacional Transacional: o Participante à esquerda se encontra
na posição de Reagente, ao estabelecer uma linha de olhar na direção do Ator à direita, no
papel de Fenômeno, alvo passivo desse olhar. Ambos se encontram no Centro da imagem,
concentrando em si o núcleo da informação textual.
As pessoas à volta atuam como Circunstâncias de Acompanhamento, compondo a
significância do conjunto: pessoas assistem a filme, mas homem dorme. O destaque criado pela
parte da camisa branca que se entrevê aponta para o rosto do Participante e realça o fato de que
sua atenção está voltada para o homem adormecido ao lado, e não para a tela à frente, como
acontece com os outros Participantes. O Processo poderia ser transcodificado em linguagem
verbal como: “Homem olha para homem adormecido.
Na segunda cena, o vetor formado pelo braço e pelo dedo em riste do Ator à direita
estabelece um Processo Acional Transacional, no qual o homem adormecido é a Meta: homem
aponta para homem adormecido. No âmbito da Função Composicional do texto, a luminosidade
da camisa branca do Participante à esquerda ressalta seu rosto adormecido, acentuando a
175
Saliência da informação. O fato do Ator se encontrar de pé o coloca em uma posição de
detentor do poder em relação ao outro Participante. Entre os dois, o corredor iluminado forma
uma divisão, colocando-os em campos opostos.
Na dimensão Reacional, o Ator desempenha a função de Reagente ao criar uma linha de
olhar para algo, ou alguém fora da cena, estabelecendo um Processo Reacional Não
Transacional: é deixado ao espectador imaginar o alvo desse olhar.
Vale destacar que a cena se abre com os dois indivíduos na sala de cinema e, ao fundo,
ouvem-se os acordes, sonoros e espalhafatosos, da música que assinala a conclusão do filme
exibido. Ao mesmo tempo, um dos indivíduos olha de modo reprovativo o outro que dorme e
abana a cabeça de forma eloquente. Nesse momento, as palmas das pessoas na plateia o
acordam, elemento sonoro que igualmente funciona como destaque para a ação dormir. A
música, as palmas, o olhar e o gestual com a cabeça são modos comunicativos que contribuem
para que a atenção do espectador se volte para o fato de que o homem se encontrava
adormecido, item lexical em pauta nesse segmento.
FIGURA 41: Cena 1 _ to fall asleep / FIGURA 42: Cena 2 _ to fall asleep
Gestual
Iluminação
Verbalização
sonora
Música de fundo
Palmas
Gestual com a
cabeça
Olhar de
reprovação
176
6.1.9 SEGMENTO 9: “TO SIGN A PAPER”
Na imagem ilustrada, o significado do léxico em foco se encontra sublinhado tanto no
âmbito dos Processos Acionais, como na dimensão Reacional.
No tocante à primeira categoria, o Ator mulher segura uma caneta e escreve sobre um
papel que é a Meta da ação Transacional, possivelmente codificada por “Mulher escreve em
papel”. Além de a própria caneta funcionar como um vetor, as mãos da mulher apontam na
direção da Meta em curso. O Processo é realçado por um vetor adicional, formado pela mão do
Ator homem que segura uma das folhas.
Na esfera Reacional, ambos são Reagentes, em um Processo Transacional, ao
estabelecer uma linha de olhar que coloca os papéis sobre a mesa na função de Fenômeno. Ou
seja, os papéis são igualmente Meta da ação e alvo dos olhares dos Participantes.
No patamar Composicional, o todo formado pelo casal e pela mesa à sua frente ocupa a
parte central da imagem. O posicionamento dos papéis na parte inferior _ Real _ está
relacionado ao fato de ser esse o espaço em que se localiza a informação de caráter mais prático
e concreto. A postura corporal dos Participantes cria um elemento de Saliência que destaca o
Processo de Ação em curso. Nesse conjunto, a luminosidade da roupa clara confere à mulher
uma posição de destaque, em relação ao homem, na escala hierárquica da leitura do texto.
No campo da Função Interativa, os Participantes são visualizados em ângulo frontal,
convidando o espectador ao envolvimento e à participação. A Perspectiva, em um ângulo
levemente inferior, confere ao observador certo grau de poder sobre os observados: essa
construção pode ser fruto do fato de que o casal está assinando documentos relativos ao seu
divórcio, decisão controvertida na trama da história, que permite ao espectador julgar sua
propriedade, ou não.
Em conformidade com o construto teórico proposto por Norris (2004b, p. 104), “[...]
ações de nível mais alto podem ser teoricamente descritas como aquelas que ocorrem em
primeiro plano, no que toca à atenção ou consciência do ator social.”124 Mas, ao mesmo tempo,
a autora pondera que “atores sociais frequentemente se engajam em várias ações de forma
simultânea, em diferentes níveis de consciência e/ou atenção.” 125(ibid, p. 102)
No segmento em questão, o diálogo entre o casal abre a cena e canaliza sua atenção.
124
“[…] higher-level actions can be theorized as occurring in the foreground of a social actor’s awareness or
attention”. (Norris, 2004b p. 104)
125
“Social actors are often engaged in various interactions simultaneously at different levels of awareness and/or
attention.” (Norris, 2004b, p. 102)
177
Mas, em paralelo, passam à assinatura dos papéis, ação que envolve, igualmente, um
elevado nível de consciência, situando-a em primeiro plano no evento comunicativo, ficando a
interação verbal relegada a segundo plano. O foco de atenção do espectador acompanha o
intrincado processo de interação entre as camadas de múltiplas ações que se desenrolam e
transitam sobre o contínuo de primeiro-segundo plano (foreground-background continuum).
O gestual exacerbado, quando o indivíduo retira as folhas de papel, na medida em que a
mulher as assina, assim como os ruídos de fundo relativos ao gestual e ao deslizar da caneta
sobre o papel são modos de comunicação que sublinham o significado do vocabulário em teste.
A caneta se enquadra na posição de objeto que, atrelado ao conteúdo lexical em questão, atua
como elemento de reforço.
FIGURA 43: Cena 1 _ to sign a paper / FIGURA 44: Cena 1 _ to ride a bicycle
Gestual
Ruídos
Linguagem
corporal
Composição
visual
Olhar
Verbalização
Linguagem
corporal
Gestual
178
6.1.10 SEGMENTO 10: “TO RIDE A BICYCLE”
A cena se estrutura em um eixo vertical. Pode-se observar a construção de Processos de
Ação e de Reação. No segmento à direita _ Novo _ encontra-se o elemento original de
informação, a ser incorporado pelo receptor: mulher anda de bicicleta. A leitura textual é
conduzida pelo destaque das cores alegres do capacete, da cestinha e da própria bicicleta, no
conjunto predominantemente escuro, contraste que realça a posição hierárquica de relevância
da ciclista. A Participante acumula os papéis de Ator e Reagente, pois dela parte uma linha de
olhar em direção à bicicleta que se encontra na função de Meta, no campo acional, e de
Fenômeno na dimensão Reacional. Na parte esquerda da imagem _Dado_ encontram-se as
pessoas que observam a cena. Dessas, duas olham diretamente para a ciclista, ao passo que, um
casal, à direita dos primeiros, estabelece um vetor de linha de olhar entre si. No momento em
que
a mulher sobe na bicicleta, entretanto, todos os quatro olham para a ciclista, nela
concentrando-se o foco da atenção.
No âmbito da Interação, os Participantes à esquerda conservam uma Distância Íntima e
Pessoal entre si, consequência natural do relacionamento de amizade de que desfrutam. Em
relação ao observador, a ciclista parece estar mais próxima, impressão que se acentua pela
sensação de movimento, colocando-a em uma postura de maior intimidade com o espectador
em comparação com os outros observados. Esse sentimento de distância e maior
impessoalidade é acentuado pelo ângulo levemente oblíquo em que se encontram, assim como
pela barreira visual criada pelos objetos de ferro à sua frente.
O objeto bicicleta é o fio condutor do significado do léxico em questão e sua dimensão
comunicativa é destacada, não apenas por meio das cores, como visto, no âmbito do modo
comunicativo gestual, quando, no início do segmento, a ciclista pendura enfeites na bicicleta.
No que toca à verbalização, um dos indivíduos dá destaque sonoro ao verbo “ride”, ao
perguntar se a moça sabe andar de bicicleta.
6.1.11 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para Van Leeuwen (2004, p. 7), “A coesão entre o verbal e o visual é geralmente
reforçada por meio de alguma forma de unidade estilística entre a imagem, a tipografia e a
composição visual.”126 Ao analisarmos as imagens de vídeo utilizadas neste trabalho,
procuramos aplicar os arcabouços teóricos disponibilizados por Kress e Van Leeuwen (op. cit.)
126
“The cohesion between the verbal and the visual is usually enhanced by some form of stylistic unit between the
image, the typography and the layout.” (Van Leeuwen, 2004, p. 7)
179
e Norris (op.cit.; op.cit.) visando a observar que unidades de comunicação atuam e interagem
no referido recurso. É nosso propósito detectar e avaliar se e de que forma essas múltiplas
camadas de linguagem podem facilitar a compreensão dos itens lexicais em estudo.
Se a Gramática do Design Visual disponibiliza um complexo arcabouço teórico, para a
análise do texto visual como um todo, os conceitos de Norris (op.cit.; op.cit.) propõem um
modelo de análise do discurso que se apóia na multimodalidade e encompassa todo o cenário
composto por uma pluralidade de (inter)ações, cujo significado ultrapassa o âmbito da
interação verbal. Ou seja, a noção de contexto do discurso se expande, abordagem que pode
contribuir para a compreensão dos elementos que atuam na recepção do texto multimodal.
Embora a temática se revele atual, a necessidade de instrumentos que viabilizem um
melhor entendimento sobre a dinâmica e a composição de textos resultantes da soma e da
interação entre várias linguagens é defendida por profissionais da área há bastante tempo:
Dondis, em 1973, argumentava:
Existe uma sintaxe visual. Existem parâmetros para a construção de textos compostos.
Existem elementos básicos que podem ser igualmente aprendidos e compreendidos
por todos os alunos dos meios de comunicação visual, artistas e não artistas, e que,
juntamente com técnicas de manipulação, podem ser usados para criar mensagens
visuais claras. O conhecimento de todos esses fatores pode levar a uma melhor
compreensão das mensagens visuais. (Dondis, 1973, p. 11)127
A existência de uma metalinguagem para essa melhor compreensão pode ser um
instrumento para que, constantemente expostos a mensagens e apelos que se concretizam por
meio da multimodalidade, não sejamos os receptores ingênuos de que nos fala Joly (2007, p.
10):
Por um lado lemos as imagens de uma maneira que nos parece totalmente “natural”,
que, aparentemente, não exige qualquer aprendizado e, por outro, temos a impressão
de estar sofrendo de maneira mais inconsciente do que consciente a ciência de certos
iniciados que conseguem nos “manipular”, afogando-nos com imagens em códigos
secretos que zombam de nossa ingenuidade. (Joly, 2007, p. 10)
Dessa forma, acreditamos que o uso efetivo de textos multimodais no contexto
pedagógico, inicia-se, necessariamente, por uma melhor compreensão a respeito dos elementos
que atuam em sua composição, para o que os construtos teóricos aqui aplicados podem
contribuir. Quando expostos à linguagem multimediática, haja ou não o intuito consciente de
127
There is visual syntax. There are guidelines for constructing compositions. There are basic elements that can
be learned and understood by all students of the visual media, artists and nonartists alike, and that, along with
manipulative techniques, can be used to create clear visual messages. Knowledge of all these factors can lead to
clearer comprehension of visual messages. (Dondis, 1973, p. 11)
180
compreendê-la, construímos um todo de significação. Acredita-se que materiais pedagógicos
nessa categoria apresentam e reapresentam os insumos e, dessa forma, oferecem ao aprendiz
contextos mais ricos, através de uma maior variedade e quantidade de pistas de natureza
linguística e extralinguística, além de contribuir para um melhor índice de motivação por parte
dos alunos (Souza, 2006, 2005).
Para Kress e Van Leeuwen (op.cit.), mesmo ao interagir no processo de construção de
um significado único, cada uma das linguagens, visual e verbal, possui modos de organização
distintos. Uma sistematização teórica de estudo e análise, para essa interação, pode se revelar
um instrumento eficaz, não só para o melhor entendimento do universo visual, como,
igualmente, para a formação de educadores preparados para um novo conceito de
multiletramento, tema a que nos reportamos anteriormente.
Nessa perspectiva, reconhecemos a necessidade de propostas pedagógicas práticas e é
nosso objetivo melhor informar o professor de LE, de tal forma que possa se valer dos
processos ensejados pelo uso de materiais de multimídia de modo adequado e efetivo. Para tal,
acreditamos que o processo de análise aqui desenvolvido possa contribuir.
No próximo segmento, focalizamos os dados numéricos resultantes da aplicação das
atividades de intervenção, buscando interpretar os subsídios estatísticos à luz dos pressupostos
teóricos que nos orientam.
6.2- LEVANTAMENTO E ANÁLISE DOS DADOS DE DESEMPENHO
Este segmento se subdivide para a apresentação dos dados estatísticos resultantes da
aplicação da atividade de conhecimento lexical e do questionário de reflexão pessoal. Cabe
lembrar que a primeira avaliação enfoca as dez colocações selecionadas para esta intervenção,
ao passo que o segundo instrumento se volta para a visão individual do aprendiz, acerca do seu
próprio processo cognitivo e do uso de filmes no ambiente pedagógico.
6.2.1- Dados relativos ao teste de vocabulário: análise e discussão
Após a aplicação da atividade de intervenção lexical, da maneira como explicitado em
5.5, procedeu-se à contagem dos resultados. Foram comparadas as marcações prévias feitas a
lápis, ou com caneta azul, efetuadas durante a etapa pré-tratamento, com as eventuais alterações
assinaladas pelos sujeitos com caneta vermelha, na fase pós-tratamento. Dessa análise
181
resultaram oito diferentes situações, entre as quais se distribuem os 1000 itens linguísticos em
teste128. Os dados se encontram discriminados no Quadro 19 e são ilustrados no Gráfico 1:
QUADRO 19: Resultado numérico da avaliação lexical, comparando-se as respostas
assinaladas nas fases pré e pós-tratamento
OCORRÊNCIAS DE CORREÇÃO/NÃO CORREÇÃO APÓS APLICAÇÃO DO
TRATAMENTO
RESULTADOS
NUMÉRICOS
1-O aluno assinalou a resposta errada antes de assistir aos vídeos e a retificou 263/1000
CORRETAMENTE após a exibição.
2- O aluno assinalou a resposta errada antes de assistir aos vídeos e a retificou 7/1000
INCORRETAMENTE após a exibição.
3- O aluno assinalou a resposta errada antes de assistir aos vídeos e a MANTEVE.
32/1000
4- O aluno deixou a questão em branco antes de assistir aos vídeos e a retificou 33/1000
CORRETAMENTE após a exibição.
5- O aluno deixou a questão em branco antes de assistir aos vídeos e a retificou 2/1000
INCORRETAMENTE.
6- O aluno deixou a questão em branco antes de assistir aos vídeos e NÂO 5/1000
assinalou qualquer opção após a exibição.
7- O aluno assinalou a resposta correta antes de assistir aos vídeos e a retificou 0/1000
INCORRETAMENTE após a exibição.
8- O aluno assinalou a resposta correta antes de assistir aos vídeos e a manteve 658/1000
após a exibição.
128
Destacamos que a referência a 1000 itens linguísticos é resultado das 10 colocações testadas por meio da
participação de 100 sujeitos.
182
GRÁFICO 1: Resultado numérico da avaliação lexical, comparando-se as respostas
assinaladas nas fases pré e pós-tratamento
26%
1%
3%
66%
3%
0%
1%
0%
errada/retificada certa
errada/não retificou
em branco/retificou errado
correta/retifivou errado
errada/retificada errada
em branco/retificou certo
em branco/não retificou
correta/ manteve
Visando a analisar como o uso do recurso multimodal poderia haver afetado a
compreensão dos aprendizes, as oito categorias de resultados _ como tipificadas no Quadro 19_
foram reagrupadas em dois grandes blocos:
* itens que faziam parte do conhecimento prévio do aprendiz, considerando-se, nesse
conjunto, os acertos iniciais do aluno, confirmados, e não alterados pela exposição à imagem;
* itens que não faziam parte do conhecimento prévio do informante, considerando-se
como tal os que foram, a princípio, assinalados erradamente, ou deixados em branco. Os
resultados numéricos se encontram no Quadro 20 e são ilustrados no Gráfico 2:
QUADRO 20: Conhecimento prévio / não conhecimento prévio dos sujeitos, considerando-se
os resultados na fase pós-tratamento
Itens que FAZIAM parte do conhecimento
Itens que NÃO FAZIAM parte do
prévio do informante.
conhecimento prévio do informante
658 itens lexicais
342 itens lexicais
183
GRÁFICO 2: Conhecimento prévio / Não conhecimento prévio dos sujeitos considerando-se os
resultados na fase pós-tratamento
Vale comentar que o número de colocações marcadas corretamente pelos aprendizes, na
fase anterior à intervenção _ 658 _, superou nossas expectativas. Não obstante, julgamos que os
342 itens lexicais assinalados incorretamente, ou deixados em branco representam, em seu
conjunto, um corpus significativo para a análise em curso, especialmente se considerarmos que
ilustram a atuação de 100 informantes.
Focalizamos, portanto, um novo universo, composto por esses 342 (trezentos e quarenta
e dois) itens vocabulares, previamente desconhecidos pelos sujeitos, e passíveis de correção.
Nesse contexto, interessa-nos averiguar aqueles que sofreram, ou não, processo de retificação
após a mostra dos segmentos de vídeo. Com esse objetivo, fizemos uso das categorias e dos
dados numéricos discriminados no Quadro 19, para reagrupar as 342 colocações
desconhecidas, em duas ocorrências distintas, como assinalado no Quadro 21 e ilustrado no
Gráfico 3:
QUADRO 21: Resultados de correção e não correção sobre o léxico desconhecido, como efeito
da exposição aos vídeos
OCORRÊNCIAS RELATIVAS AO VOCABULÁRIO DESCONHECIDO
1 Questões corrigidas através da imagem: considerando-se como tal,
RESULTADO
NUMÉRICO
296/342
aquelas que foram, a princípio, assinaladas erradamente, ou foram deixadas
em branco e que sofreram a correção esperada, após a exposição aos
vídeos.
2 Questões não corrigidas através da imagem: considerando-se como tal,
46/342
aquelas que foram, a princípio, assinaladas incorretamente, ou foram
deixadas em branco e que não sofreram a correção esperada, após a
exposição aos vídeos.
184
GRÁFICO 3: Resultados de correção e não correção sobre o léxico desconhecido como
efeito da exposição aos vídeos
13%
87%
questões corrigidas pela imagem
questões não corrigidas pela imagem
Os dados aqui visualizados indicam que 87% dos itens desconhecidos pelos informantes
foram corrigidos de forma adequada na fase pós-tratamento, em oposição a 13% que foram
mantidos sem correção. A comparação nos permite observar uma expressiva superioridade do
percentual de itens corrigidos sobre a quantidade de itens não corrigidos após a exposição aos
vídeos.
Dessa forma, acreditamos ser válido afirmar que os números sugerem um efeito positivo
da utilização do recurso multimodal filme no processo de compreensão do léxico em
ensino/aprendizagem de LE.
Nesse caso, o pressuposto que inspirou e serviu de norteamento a esta investigação
parece se confirmar, ou seja, como postulado em Mayer (2006, p.64), os alunos aprendem
melhor, quando os insumos se apresentam em dois, ou mais formatos distintos, de modo a
permitir que estabeleçam conexões referenciais que ampliem sua compreensão. Para o
pesquisador, como visto em 3.2, essa conjunção de linguagens oferece uma maior variedade de
pistas, de natureza linguística e extralinguística, o que beneficiaria o aprendizado. Acreditamos
que a elevada superioridade do percentual de sujeitos que retificaram seus erros em acertos
sobre o número daqueles que persistiram na incorreção, permite-nos confiar que, como
endossado pelo pesquisador, o recurso de multimídia efetivamente contribuiu para que os
informantes tivessem uma melhor compreensão do léxico desconhecido.
185
Essa impressão se confirma pelo prisma de uma avaliação estatística: a proporção de
retificações (87%) difere com significância estatística (p< 0,05) da proporção de itens que
foram deixados incorretos, ou em branco (13%). Aplicando-se o teste binomial129 o valor de p
seria menor do que 0,0001 (p < 0,0001), resultado numérico que assinala a impossibilidade de
que o desvio encontrado fosse mero fruto do acaso (Moore, e Mccabe, 2002). Por esse motivo,
desconsiderou-se a conveniência de novos testes, já que os valores encontrados são
estatisticamente significativos.
Para uma visão global, considerando-se o universo prévio de 1000 itens de vocabulário,
tomamos os dados anteriores e encontramos a proporção numérica ilustrada no Gráfico 4.
GRÁFICO 4: Comparação dos resultados obtidos com os 1000 itens lexicais na fase póstratamento
65,80%
70%
60%
s
n50%
e
ti
0
0
040%
1
e
r
b
o
s30%
m
e
g
a
t 20%
n
e
c
r
o
p10%
29,60%
4,60%
0%
questões não corrigidas
questões corrigidas
questões que faziam parte
do conhecimento
Como demonstrado, desconsiderando-se o vocabulário já conhecido pelos aprendizes, o
número de questões corrigidas é cerca de sete vezes maior do que o daquelas que não sofreram
a correção esperada. Desse modo, reforçamos que, como preconizado por Mayer (op.cit.), os
129
O teste binomial é um teste exato de significância estatística dos desvios de uma distribuição teoricamente
esperada em duas categorias. É particularmente útil em experimentos que apenas admitem duas alternativas como
resposta, tais como certo ou errado, sim ou não, verdadeiro ou falso, positivo ou negativo, e assim por diante.
(Campos, 2008)
186
subsídios numéricos sugerem que o tratamento utilizado funcionou como um aditivo ao
processo de construção do conhecimento.
O recurso de comunicação multimodal a que os sujeitos foram expostos é, como
discutido ao longo deste estudo, resultado da soma e da interação da pluralidade de linguagens
típicas da multimodalidade. Se Mayer (op.cit.) conceitua princípios, para a elaboração e o uso
efetivos de instrumentos nessa categoria, Matthiessen (2007) aborda a dinâmica por meio da
qual os diversos modos semióticos interagem. O autor (ibid, p. 1-3) avalia que o texto
multimodal se constitui da complementação dos sistemas semióticos que atuam para a
construção de um sentido único e propõe sua estratificação a partir de três perspectivas
distintas:
(i) vistos de cima, os sistemas semióticos se coordenam e se integram, para a formação do
contexto do significado, como instrumentos musicais diversos que compõem uma só
melodia;
(ii) vistos de baixo, os sistemas semióticos diferem exatamente em função dos modos
distintos que funcionam como recursos de expressão;
(iii) analisados a partir do próprio plano de conteúdo, a terceira perspectiva se dá onde os
recursos que concorrem para a construção do significado espelham a aparente contradição
de que, sendo distintos entre si (visão de baixo), os diversos sistemas semióticos
funcionam de modo unificado (visão de cima).
O Quadro 22 reproduz o esquema como concebido pelo autor:
QUADRO 22: A Página Multimodal (The Multimodal Page)
seen “from above”: (unified context)
CONTEXT
CONTENT (meaning)
seen “from below”:
diversified modalities
EXPRESSION
(modalities)
Fonte: Matthiessen, 2007, p. 3
187
A proposta parece corroborar que os modos de comunicação investigados em 6.1, neste
estudo, convergem para a construção do significado que, no plano linguístico, é expresso pelas
colocações aqui investigadas. A unicidade contextual de que nos fala o pesquisador deriva, em
consequência, da complementaridade semiótica entre os recursos de expressão que geram um
todo de sentido.
Dessa forma, acreditamos poder afirmar que os construtos teóricos por nós debatidos
(Kress e Van Leeuwen, 2006, 2001; Matthiessen, 2007; Mayer, 2006 e Norris, 2004a, 2004b)
vêm respaldar o uso de textos multimodais, no ambiente instrucional, considerando-se que a
riqueza de modos comunicativos, presentes na multimodalidade, pode atuar de forma favorável
no cenário de instrução de ensino/aprendizado de LE.
Em seguimento, visando a uma percepção mais detalhada sobre os resultados
estatísticos desta investigação, passamos ao levantamento e à discussão dos dados referentes a
cada colocação individualmente.
6.2.2 Análise individual dos dados referentes às colocações testadas
O Quadro 23 discrimina os dados numéricos de correção e não correção de cada item
lexical em estudo. As categorias avaliadas são aquelas que consideramos para a análise dos
resultados da atividade de conhecimento lexical, como um todo, conforme explicitado no
Quadro 19. Os índices se referem às cem ocorrências de cada item, considerando-se o número
de sujeitos participantes.
Ao enfocar cada colocação separadamente, é nosso objetivo avaliar uma possível
relação entre a composição do texto multimodal, como analisado em 6.1, e a resposta dos
aprendizes ao tratamento em questão.
Os dados em azul destacam os resultados positivos da utilização do recurso de vídeo, ou
seja, indicam os casos em que a exposição ao subsídio multimodal levou à escolha da opção
semanticamente correta.
188
QUADRO 23: Resultados da exposição aos vídeos discriminados por item lexical
Item
lexical
Acertou Errou e
e
corrigiu
manteve
Deixou
em
branco
e
corrigiu
Errou e
manteve
o erro
Errou e
alterou
de
modo
incorreto
Deixou
em
branco
e
marcou
errado
Deixou
em
branco e
manteve
Acertou e
alterou
incorretamente
do
laundry
41/100
55/100
2/100
2/100
0/100
0/100
0/100
0/100
fall
asleep
84/100
8/100
1/100
5/100
1/100
0/100
1/100
0/100
slam
the
door
67/100
22/100
2/100
8/100
1/100
0/100
0/100
0/100
chop
garlic
41/100
37/100
14/100
3/100
1/100
2/100
2/100
0/100
hang up
one’s
phone
25/100
67/100
1/100
3/100
4/100
0/100
0/100
0/100
wear
glasses
90/100
7/100
0/100
3/100
0/100
0/100
0/100
0/100
sign a
paper
73/100
23/100
2/100
1/100
0/100
0/100
1/100
0/100
ring
bell
a
83/100
12/100
2/100
2/100
0/100
0/100
1/100
0/100
ride
bike
a
94/100
3/100
0/100
3/100
0/100
0/100
0/100
0/100
hold
one’s
breath
60/100
28/100
10/100
2/100
0/100
0/100
0/100
0/100
TOTAL
658/100
262/100
34/100
32/100
7/100
2/100
5/100
0/100
JÁ CONHECIA
CORREÇÕES: 296
NÃO CORREÇÕES: 46
189
Os dados nos permitem traçar caminhos interpretativos, para que se analise a existência
de fatores que possam haver concorrido, para uma maior, ou menor compreensão do
significado do vocabulário em foco. Para tanto, organizamos os resultados, segundo os
percentuais de correção, em ordem decrescente de retificação, como se vê no Quadro 24.
Ressaltamos que a quantidade de erros, correções e não correções incidem sobre o total de 100
ocorrências, para cada item lexical, considerando-se o número de sujeitos participantes.
QUADRO 24: Correção e não correção de erros, via imagem, por item lexical
COLOCAÇÃO
TOTAL
DE
CORREÇÃO
NÃO
CORREÇÃO
PERCENTUAL
DE
ERROS
VIA
IMAGEM
VIA IMAGEM
CORREÇÃO
do laundry
59/100
57/100
2/100
96.6%
hold one’s breath
40/100
38/100
2/100
95%
sign a paper
27/100
25/100
2/100
92.5%
hang up the
phone
75/100
68/100
7/100
90.6%
chop garlic
59/100
51/100
8/100
86.4%
ring the bell
17/100
14/100
3/100
82%
slam the door
31/100
24/100
9/100
77%
wear glasses
10/100
7/100
3/100
70%
fall asleep
16/100
9/100
7/100
56.2%
ride a bike
6/100
3/100
3/100
50%
No caso dos quatro itens que sofreram índice de correção acima de noventa por cento _
do laundry, hold one’s breath, sign a paper e hang up the phone _ todos apresentam sua
verbalização, pelo menos, duas vezes e todos, conforme detalhado em 6.1, primam pela riqueza
de pistas visuais que podem haver concorrido para o resultado positivo. As imagens dos
segmentos em questão têm em comum a presença abundante de vetores de ação e de reação
(olhares) e de elementos de saliência que compõem um caminho de clara relevância
hierárquica, para a leitura textual, com enfoque no vocabulário em teste. Os vídeos em questão
contêm, igualmente, várias ações de nível mais alto (higher-level actions), como conceituado
por Norris (op.cit.;op.cit.), ações de acentuada densidade modal e consequente expressividade
190
comunicativa. O tempo de exposição é em média de um minuto _ com exceção de “hold one’s
breath” _ proporcionando aos informantes uma exposição significativa ao texto multimodal.
No que diz respeito a “do laundry”, o vocabulário se aplica a duas cenas distintas,
possibilitando ao aprendiz visualizar contextos multimodais diversos com enfoque no mesmo
conteúdo lexical. No caso de “hold one’s breath”, chama-nos a atenção o fato de que o
vocabulário ocorre em um contexto de excepcional contiguidade temporal: como a colocação é
utilizada como comando, ao mesmo tempo em que um personagem a verbaliza, o outro executa
a ação. Essa simultaneidade atende ao Princípio de Contiguidade Temporal defendido por
Mayer (vide 3.2.2.2), que postula que a ocorrência concomitante dos insumos sonoro e visual
facilita a construção de conexões mentais entre ambos, o que pode estimular o aprendizado.
O índice de correção, igualmente expressivo para “chop garlic”, pode ser creditado à
dupla verbalização do item, assim como ao destaque gerado pelo enquadramento em close,
como observado em 6.1.3.
Levando-se em conta a não visualização da ação em si, no caso da colocação “ring the
bell” (ver 6.1.5), chama nossa atenção o fato de que a mesma obteve um nível expressivo de
correção. Avaliamos que o significado se tornou claro o bastante por meio da transparência do
próprio modo sonoro da campainha, cujo entendimento não depende de compreensão
linguística. O mesmo pode haver ocorrido em relação a “slam the door”, considerando-se que a
curta duração do segmento (22s) e a verbalização única do léxico não concorrem de forma
favorável para o seu entendimento.
No tocante aos três itens com a menor incidência de correção _ wear glasses, fall
asleep e ride a bike _, avaliamos que as colocações apresentam um elevado número de acertos
prévios, aspecto que reduz a significância da ausência de correção. Ainda assim, embora os
percentuais de retificação estejam bem abaixo dos outros itens, mantiveram-se, em todos os
casos, igual ou acima de cinquenta por cento.
Cabe destacar a relação inversamente proporcional que se estabeleceu entre o percentual
de acertos pré-intervenção de cada item lexical e os índices de correção posterior: com poucas
variações, os percentuais se encontram em ordem proporcionalmente inversa, quanto menos os
sujeitos acertaram na fase pré-exposição, maior é o índice de correção após a exibição da
imagem. A comparação parece indicar que quanto menor o índice de conhecimento prévio do
léxico, maior foi a correção proporcionada pelo texto multimodal, o que concorre para
sublinhar a efetividade do tratamento utilizado. A avaliação se encontra de acordo com o
Princípio das Diferenças Individuais de Mayer (op.cit.): segundo postula o autor, aprendizes
com menor conhecimento no assunto abordado são aqueles que melhor se beneficiam de
recursos de multimídia, avaliação que nossos resultados parecem corroborar (vide 3.2).
191
Vale observar que o nível de erros e acertos não corresponde a um maior, ou menor
grau de dificuldade, no que tange à colocabilidade do vocabulário. Seguindo-se o critério de
classificação de Howarth (1998) e Nesselhauf (2003) (vide Quadro 15), “wear glasses” e “fall
asleep”, embora não se enquadrem no grupo de colocações livres, como em Howarth, ou de
combinações, como em Nesselhauf _ teoricamente as mais fáceis para o aprendiz _, tiveram um
alto percentual de acerto prévio: 90% e 84% respectivamente. Do mesmo modo, contrariando
as expectativas, o item “chop garlic”, uma combinação/colocação livre, é a terceira que os
sujeitos menos acertaram na fase pré-exposição (41%), mesmo nível de acerto apresentado por
“do laundry”, um item colocacional de maior opacidade. Esse resultado parece indicar que o
grau de dificuldade não se encontra, necessariamente, atrelado à medida de coesão entre os
elementos da colocação, mas à familiaridade do aprendiz com o vocabulário, fruto de sua
exposição ao léxico, como sugerido em Tagnin (2002) e Nesselhauf (2003). Essa impressão se
alinha às questões previamente discutidas, no que concerne à necessidade de que mesmo as
colocações com baixo grau de coesão entre seus elementos sejam sistematicamente focalizadas,
a fim de garantir sua aquisição.
Ilustrando as observações aqui delineadas, os Gráficos 5 e 6 aclaram os resultados
estatísticos obtidos com cada colocação individualmente:
GRÁFICO 5: As colocações e seus resultados individuais na fase pós-tratamento
192
GRÁFICO 6: As colocações: correção e não correção a partir da imagem
Concluímos que os dados estatísticos coletados sugerem a confirmação das hipóteses
formalizadas no Princípio de Multimídia (vide 3.2), postulado por Mayer (2006): a
apresentação simultânea de dois diferentes sistemas de representação do conhecimento _ um
canal verbal e um canal visual _ permite ao aprendiz a construção de representações mentais
mais elaboradas e o estabelecimento de conexões que ampliam sua compreensão, já que esse
encontro possibilita uma maior variedade de pistas, de natureza linguística e extralinguística.
No próximo segmento, apresentamos e analisamos os dados que se referem à aplicação
do questionário que complementou este estudo.
6.2.3 Dados relativos ao questionário de reflexão pessoal: análise e discussão
Conforme mencionado em 5.5.4.2, o questionário foi apresentado aos informantes após
a realização da atividade de vocabulário. Sua utilização visa a trazer subsídios complementares
que possam informar a respeito dos processos cognitivos e afetivos envolvidos no uso de
filmes, em sala de aula de inglês, como LE. O Quadro 25 apresenta os resultados percentuais
coletados.
193
QUADRO 25: Resultados obtidos por meio do questionário de investigação
1- Quando assisto a filmes na aula de inglês,
a- eu acho que é para b- eu acho que é para eu
eu me divertir.
7%
aprender alguma coisa.
c- eu acho que é para eu
aprender e me divertir ao
mesmo tempo.
64%
29%
2- Antes de assistir aos vídeos eu marquei as respostas da tradução,
a- porque eu tinha b-eu usei a frase para me ajudar c-eu “chutei” para não deixar em
certeza do significado.
a descobrir.
branco.
48%
41%
11%
3- Durante os vídeos,
a- eu prestei atenção
b-eu prestei atenção primeiro à
primeiro à fala e depois
imagem e depois à fala.
à imagem.
12%
c-eu prestei atenção à fala e à
imagem ao mesmo tempo.
25%
63%
4-Nas questões em que eu alterei/completei a resposta com a caneta vermelha,
a-eu fiz isso por causa da
fala no filme.
b-eu fiz isso por causa da
imagem no filme.
c-eu fiz isso por causa da fala e da
imagem juntas.
6%
32%
62%
5-Quando eu corrigi meus erros, ou completei questões em branco,
a-eu não me lembrei de b-eu acho que já tinha visto
ter visto antes as algumas das expressões, mas
expressões que eu não não tenho certeza.
conhecia.
28%
c-eu me lembrei de que já tinha
visto essas expressões antes.
16%
56%
6-Depois de ter feito essa atividade,
a-eu acho que filmes b- eu acho que filmes podem c-eu acho que filmes não podem
sempre podem me ajudar me
ajudar
a
aprender me ajudar a aprender vocabulário.
a aprender vocabulário. vocabulário apenas quando
estou na aula.
28%
56%
16%
194
O primeiro dado que se destaca à nossa atenção, diz respeito à segunda pergunta: a
despeito do índice de 66% de acertos prévios _ conforme exposto na seção anterior _ somente
48% dos participantes informaram ter certeza das respostas assinaladas. Considerando-se que
essa convicção reflita, de fato, escolhas corretas, a defasagem não pode ser explicada pelo
percentual de 11% de sujeitos que disseram haver “chutado”: mesmo que todas as tentativas
houvessem resultado em acertos, ainda assim teríamos o total de 59% contra os 66%
contabilizados. A diferença pode ser coberta por parte dos 41% que afirmam haver feito uso de
inferência textual. Contudo, vale destacar a intencional carência de pistas, que pudessem
auxiliar a compreensão do vocabulário em foco. Se não, vejamos alguns exemplos das questões
aplicadas:
1- I usually do my laundry in the morning.
a) Eu geralmente lavo a roupa de manhã
b) Eu geralmente lavo a louça de manhã.
c) Eu geralmente faço minhas tarefas de manhã
Naturalmente, esperava-se que os aprendizes reconhecessem o verbo “do” como
“fazer”, mas, caso não soubessem a colocação em seu todo, a expressão poderia significar
quaisquer das opções. Os advérbios de frequência e de tempo que complementam a frase não
oferecem qualquer informação relevante acerca do significado.
3- Don’t slam the door!
a) Não tranque a porta!
b) Não feche a porta!
c) Não bata a porta!
Na questão número 3, o sentido depende exclusivamente da acepção do verbo “slam”, já
que a frase, na forma negativa do imperativo, não oferece qualquer outro recurso para que se
deduza a tradução: todas as opções fazem sentido com o complemento “porta”.
O mesmo se passa com a íntegra dos itens testados. Nesse caso, parece-nos possível
concluir que muitos dos que afirmam haver utilizado “o contexto”, o fizeram apenas porque
sabem ser esse o procedimento adequado, por hábito, ou crença pessoal e, embora acreditem
que o tenham feito, escolheram a resposta movidos mais pela intuição, ou mesmo pela sorte, do
que pela formatação textual em si.
Levando-se em conta a diferença entre os percentuais de 66% de itens corretos e de
48% relativos àqueles que afirmam ter convicção da resposta, podemos conjecturar que 18%
dos participantes se encontram nos níveis 2 ou 3, segundo o modelo para avaliação de
195
conhecimento _ (VKS) _ desenvolvido por Paribakht e Wesche (1997) (Quadro 2), ou seja, a
despeito da resposta correta, não há uma proficiência efetiva que permita o uso produtivo das
palavras-alvo. Pode-se, no máximo, depreender que a maioria dos acertos traduz um
conhecimento passivo, ou circunstancial.
Vale destacar que o indicativo de 66% se refere ao conjunto de 1000 itens lexicais, ao
passo que os números coletados no questionário incidem sobre um todo de 100 sujeitos
participantes da pesquisa. Ou seja, no caso da questão em foco, não necessariamente os 48
aprendizes que assinalaram estar certos de suas escolhas se reportam às 480 questões a que
responderam. É possível imaginar que foram movidos pela impressão que se destacou em seu
entendimento, o que resulta em dados especialmente capciosos para que se faça uma
interpretação mais precisa.
Parece-nos, portanto, que nosso foco deve se voltar não só para o percentual de
respostas que foram corrigidas após a exibição do material de multimídia, como, igualmente,
para os processos cognitivos, percebidos pelos aprendizes envolvidos nesse processo.
Nesse aspecto, como mencionado, chama-nos a atenção o fato de que do total de
significados previamente desconhecidos, 87% foram corrigidos, como resultado da exposição,
números expressivamente significativos. Todavia, ao observarmos os dados assinalados no
questionário, essa possível efetividade do meio multimodal parece não ser percebida em sua
total potencialidade: os resultados assinalam que os informantes percebem o instrumento em
questão, como fonte de aprendizado apenas quando inserido no contexto pedagógico. Esse
entendimento se reflete nos resultados das perguntas de números 1 e 6: na primeira questão os
sujeitos revelam uma clara associação (64%) do uso de filmes em ambiente instrucional a um
objetivo pedagógico por parte do professor. Essa impressão se confirma, por meio dos
resultados da sexta questão, que nos informa que 56% consideram que o veículo só atua como
meio de aprendizado, quando inserido no ambiente da sala de aula. Esses dados nos levam a
concluir que há espaço, para que os professores se dediquem a orientar e a motivar os alunos a
fim de que estendam à sua vida particular as oportunidades de aperfeiçoar seu conhecimento,
assistindo a filmes, legendados, ou não, segundo seu nível de proficiência e estratégias de
aprendizado pessoais.
A busca por um suporte de contexto, expressa por 41% na segunda pergunta, parece se
confirmar na questão 3, na qual os sujeitos revelam, em expressiva maioria (63%), que
prestaram atenção à fala e à imagem concomitantemente. Entre aqueles que priorizaram uma ou
outra, a imagem prevalece (25%), sobre a fala (12%), destacando o inegável apelo da dimensão
visual no processo cognitivo. Essa prevalência vem corroborar os pressupostos postulados por
Kress (2010), Kress e Van Leeuwen (2006), Royce (2002) e Stein (2004, 2000), entre outros,
196
que advogam um novo e relevante papel para a linguagem visual no contexto pedagógico. Os
dados desta questão são, do mesmo modo, compatíveis com as respostas da pergunta de
número 4: com uma diferença de apenas um ponto percentual (62%), os sujeitos informam que,
após assistirem aos vídeos, corrigiram/completaram suas respostas, fazendo uso da fala e da
imagem de modo conjugado.
Avaliamos que essas informações são coerentes com a Teoria Cognitiva de
Aprendizado de Multimídia, advogada por Mayer (2006, 2005), detalhada em 3.2 neste
trabalho. Como visto, Mayer advoga que, ao processarmos informações, através de insumos de
multimídia, ocorre a integração dos modelos verbal e visual entre si, acrescidos ao
conhecimento prévio, armazenado na memória de longo prazo. O postulado parece se
confirmar por meio dos dados expressos nas perguntas de números 3 e 4, que deixam claro o
processamento combinado da imagem e do insumo sonoro pelos sujeitos.
A hipótese a respeito do papel da memória de longo prazo é ilustrada pelas respostas à
questão 5: mais da metade dos participantes (56%) revelam haver se lembrado, quando da
exposição, de encontros anteriores com as expressões-alvo. Esse dado, em particular, reafirma a
relevância de variadas experiências com o mesmo item lexical, em diferentes contextos, até sua
total aquisição, segundo a dimensão de conhecimento rico de vocabulário proposta por
Scaramucci (1995, 2007) .
Os resultados desta investigação, em especial o alto índice de correção efetiva após a
utilização dos vídeos, parecem indicar a propriedade do modelo de Mayer (op.cit.; op.cit.).
Nesse paradigma, atua um aprendiz que é agente do próprio processo de construção do
conhecimento. Esse sujeito desenvolve, ativamente, representações mentais, na tentativa de
fazer sentido de novas experiências e informações e, nesse processo, seleciona, organiza e
conecta conhecimento novo, integrando-o a conhecimento prévio.
Reafirmamos, portanto, nossa crença de que a utilização de recursos de multimídia, que
conjuguem linguagem verbal e linguagem visual, pode significar ganhos expressivos nos
processos de retenção e compreensão dos insumos, não só no que concerne à quantidade, como,
igualmente, à qualidade desse aprendizado.
No próximo capítulo tecemos as conclusões e considerações finais desta investigação.
197
CAPÍTULO 7 - CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Aquilo que você vê é uma importante parte daquilo que você conhece e o letramento
visual pode nos auxiliar a ver o que vemos e a saber o que sabemos.” (Dondis, 1973,
p. 19) 130
Este capítulo está subdivido em quatro seções. Na primeira, apresentamos considerações
baseadas na análise dos dados e instrumentos, visando a responder, de forma objetiva, às
perguntas definidas no Capítulo I desta investigação. Na segunda, apontamos as limitações
deste estudo. No terceiro segmento, tecemos sugestões, considerando-se o escopo da temática
multimodalidade e ensino/aprendizado de vocabulário no contexto da sala de aula de língua
estrangeira. Para concluir, apreciamos as contribuições que este trabalho pode haver
apresentado para os profissionais da área em questão.
7.1- RESPOSTAS ÀS PERGUNTAS DE PESQUISA
O conceito de letramento muda regularmente, à medida que novas tecnologias de
informação e comunicação surgem e usuários visualizam novas formas de exploração
dessas tecnologias. Fica cada vez mais claro que vivemos um período de rápida
mudança tecnológica; tecnologias regularmente passam por um processo fundamental
de mudança em quase todas as áreas. Esse fato é especialmente verdadeiro para as
tecnologias do letramento. (Leu Jr.; Kinzer, 2004, p. 117)131
Pesquisadores são de opinião que, de modo geral, recursos multimediáticos
proporcionam ambientes de aprendizagem atraentes e vantajosos, tanto para alunos como para
130
“What you see is a major part of what you know, and visual literacy can help us to see what we see and know
what we know.” (Dondis, 1973, p. 19)
131
“Literacy is regularly changing as new technologies for information and communication continuously appear
and as new envisionments for exploiting these technologies are continuously developed by users. It is becoming
increasingly clear that we are in a period of rapid, technological change; technologies in nearly every field are
undergoing fundamental change on a regular basis. This is especially true for the technologies of literacy.” (Leu
Jr.; Kinzer, 2004, p. 117)
198
professores. No contexto de ensino/aquisição de LE, Baltova (1999, p. 36-7) defende que a
utilização de uma ampla variedade de instrumentos como programas de televisão e vídeos
autênticos tem se mostrado muito mais eficiente do que materiais de instrução frequentemente
simplificados ou pouco naturais. Para a autora (ibid), os aprendizes podem e devem ser
treinados a fazer uso das pistas contextuais tais como linguagem corporal, cenários, ações e
expressões faciais, modos de comunicação que, por meio de suas características peculiares,
podem facilitar o aprendizado da língua alvo. Para tanto, há necessidade de estudos empíricos
que venham a orientar pesquisadores, professores e criadores de materiais a respeito da
temática multimodalidade e ensino/aprendizado de LE. O presente estudo visa a contribuir para
esse universo pedagógico, por meio dos conceitos e dados estatísticos aqui destacados e
debatidos. Os procedimentos de pesquisa foram traçados a partir das seguintes indagações:
1) De acordo com a Gramática do Design Visual, de Kress e Van Leeuwen (2006), que
elementos o filme, na qualidade de instrumento multimodal, oferece para seu
aproveitamento pedagógico na sala de aula de inglês como LE?
2) Em que medida e de que forma a coocorrência de imagens e língua falada, presente
em filmes, pode favorecer o ensino e o aprendizado do léxico em língua estrangeira?
3) O aprendiz percebe o uso de filmes, em sala de aula, como recurso pedagógico, ou
esse se destaca à sua atenção por seu valor de entretenimento?
No que concerne à primeira pergunta, a análise desenvolvida em 6.1 parece respaldar a
avaliação de que o texto fílmico resulta da coorrência de modos de comunicação visual que
atuam, interagem e significam, não de forma aleatória, mas em rica sintonia com os elementos
verbais, de forma a compor um texto multimodal coerente.
Canning-Wilson (2001, p. 2) argumenta que a multiplicidade sensorial, presente em
textos visuais, atua de forma a facilitar a construção de modelos mentais que propiciam o
aprendizado. Para a autora, recursos pedagógicos, amparados na imagem, podem, ainda,
atuar como um poderoso elo de ligação entre o conteúdo aprendido em sala de aula e sua
aplicação prática (ibid, p. 5).
Em consequência, avaliamos que a riqueza de modos comunicativos que caracteriza o
texto fílmico concorre para seu aproveitamento na sala de aula de LE, permitindo ao professor
uma diversidade de abordagens pedagógicas para sua utilização.
No que tange à segunda questão, Mayer e Sims (1994, p.390) propõem uma adaptação
da Teoria Dual de Codificação de Paivio (op.cit.) e de Clark e Paivio (op.cit.) e defendem que o
material que conjuga os modos visual e verbal se integra à memória de trabalho do aprendiz,
gerando conexões que contribuem para o processo de aprendizagem.
199
Em decorrência, acreditamos que o texto que emerge do amalgamento de diferentes
modos comunicativos oferece ao aprendiz uma pluralidade de caminhos para a compreensão
dos
significados.
Investigando
a
efetividade
de
instrumentos
multimodais,
no
ensino/aprendizado de ciências, Mayer e Anderson (1992, p. 450) concluem que a contiguidade
temporal entre imagem e linguagem verbal funciona de modo positivo no contexto instrucional:
“Alunos aprendem melhor quando as palavras e a imagem de uma explicação são apresentadas
em contiguidade espacial ou temporal” 132
Para Plass et alli (1998, p.26), a aplicação da teoria de aprendizado de multimídia à
dimensão do léxico sugere que o uso de dois sistemas distintos, um visual e outro verbal,
funciona como um efeito aditivo nos processos cognitivos. Essa pluralidade de linguagens
facilitaria a construção de conexões referenciais contribuindo para a inferência do significado e
sua retenção na memória (ibid). A avaliação dos autores vem ao encontro dos expressivos
percentuais que traduzem o efeito positivo das imagens de vídeo sobre a compreensão do
vocabulário aqui investigado.
No tocante à questão de número 3, as respostas ao questionário de reflexão pessoal
sugerem que o aprendiz tende a perceber a utilização de filmes como recurso pedagógico,
quando no contexto da sala de aula. A constatação destaca a necessidade de que professores de
LE conscientizem seus alunos, para o potencial dos referidos instrumentos, de tal forma que
estendam a prática à sua vida pessoal, segundo seus objetivos, estilos de aprendizagem e
necessidades. Maior consciência a esse respeito concorre para que desenvolvam autonomia em
relação a seu próprio processo de aprendizagem, aspecto, de modo geral, pouco valorizado.
Para tanto, defendemos que a efetiva utilização de textos multimodais se inicia por
professores visualmente letrados, segundo o conceito de competência comunicativa multimodal
proposto por Royce (2002). Nessa perspectiva, buscar uma melhor compreensão dos elementos
envolvidos na linguagem visual de instrumentos e tecnologia de imagem prepara professores e
educadores, de um modo geral, para as mudanças que, inevitavelmente, vão continuar a
acontecer.
7.2- LIMITAÇÕES DO ESTUDO
Para que as conclusões aqui apresentadas possam ser mais bem interpretadas, cabe
incluir, em nossas considerações finais, algumas limitações desta investigação. No que toca à
metodologia de pesquisa, acreditamos que a ausência de um grupo de contraste, com o qual o
132
“Students learn best when the words and pictures of an explanation are presented contiguously in time or
space.” (Mayer; Anderson, 1992, p. 450)
200
mesmo conteúdo fosse abordado, por meio de um tratamento distinto, não nos permitiu uma
análise comparativa, que poderia se mostrar valiosa. Esse procedimento não foi adotado,
porque, à época, deu-se preferência a um único grupo com um maior número de sujeitos.
Outra limitação é o fato de não havermos realizado um pós-teste que investigasse a
retenção do léxico em estudo.
Tal decisão se deu em função do calendário escolar, do
transtorno causado às turmas participantes e, principalmente, devido à dificuldade de se
garantir a participação posterior dos mesmos alunos. Acreditamos, contudo, que uma avaliação
subsequente poderia contribuir com dados que indicassem se, e até que ponto, os alunos
haveriam incorporado os novos itens lexicais ao seu repertório.
O expressivo conhecimento prévio dos sujeitos, que invalidou mais da metade dos 1000
itens lexicais testados, reduziu a abrangência da amostra, que seria mais significativa, caso a
quantidade de colocações desconhecidas houvesse sido maior. Como comentado no capítulo
anterior, o ocorrido pode sinalizar que o nível de proficiência dos informantes deveria ter sido
mais baixo, ou o grau de dificuldade do vocabulário mais alto.
No que diz respeito a instrumentos multimediáticos e nível de conhecimento, Mayer e
Sims (op.cit., p. 400) avaliam que os primeiros são especialmente efetivos com aprendizes
iniciantes. Para os pesquisadores, alunos com maior domínio, em um determinado assunto, já
possuem representações mentais que podem tornar desnecessárias as pistas visuais, reduzindo
sua significância. Assim sendo, esta intervenção talvez produzisse resultados ainda mais
esclarecedores se nossos informantes cursassem um segmento anterior àquele por nós
investigado. Poderíamos, ainda, haver optado por grupos menores, de níveis acadêmicos
distintos, recorte que permitiria análises comparativas sobre a efetividade do recurso
multimodal segundo o nível de proficiência.
Para concluir, esta investigação produz dados restritos a itens lexicais concretamente
visualizados por meio de ações, excluindo-se segmentos narrativos, descritivos, ou conceitos
abstratos, limitação que reduz sobremaneira o contexto utilizado como recurso para inferências.
Da mesma forma, o enfoque em colocações restringiu, significativamente, a seleção de
imagens, especialmente se considerarmos a necessidade de contiguidade temporal entre os
elementos sonoros e visuais.
7.3- SUGESTÕES
Como amplamente discutido, um limitado repertório lexical pode ser um elemento
complicador, no que tange à expressão linguística, considerando-se que o uso correto de
palavras, tanto na dimensão semântica, quanto na pragmática, é o meio pelo qual interagimos
201
com o mundo que nos cerca. Nessa temática, a variável da coocorrência entre itens lexicais tem
sido pouco pesquisada (Farghal e Obiedat, 1995, p. 318; Weinert, 1995, p. 180). Em
consequência, consideramos a necessidade de estudos que investiguem a eficácia de diferentes
abordagens pedagógicas, para o estudo de colocações, assim como o papel que essas unidades
sequenciais exercem na proficiência do aprendiz.
Cumpre destacar que, apesar de nossa posição a respeito do papel crucial desempenhado
pelo léxico, não faz parte de nossos objetivos defender uma visão reducionista, que atribua ao
conhecimento de vocabulário uma relação de causa e efeito no que tange ao processo de
construção do significado. Nesse caso, um amplo e sólido conhecimento lexical possibilitaria,
por si só, compreensão e expressão linguísticas efetivas e bem sucedidas, o que, sabemos, não é
verdade. Vislumbramos, portanto, diversos rumos que a pesquisa, na área de multimodalidade e
ensino/aprendizado de LE pode tomar, com vistas a investigar a pluralidade de modos
comunicativos presentes no texto multimodal.
Nesse cenário, percebemos a necessidade de pesquisas que analisem e comparem o
efeito de instrumentos multimediáticos, em níveis distintos de proficiência, e, ainda, os modos
e as condições de utilização que melhor favoreçam o potencial pedagógico dos referidos
recursos. Outra dimensão que merece ser investigada diz respeito aos estilos de aprendizagem
que melhor se beneficiam de materiais pedagógicos com amparo na multimodalidade, assim
como que habilidades linguísticas se mostram mais adequadas à aplicação de tais materiais. No
que toca a filmes, no contexto instrucional de LE, sugerimos algumas abordagens
investigativas:
1- analisar a relação entre a trilha sonora do filme e o contexto imagético;
2- analisar as cores e os efeitos visuais do filme;
3- analisar a representação de personagens e cenas do filme por meio de mímica e
linguagem corporal;
4- analisar interpretações pessoais a respeito de enfoques, enquadramentos e outros
recursos visuais;
5- analisar a descrição oral, ou escrita ensejadas por determinadas cenas, com enfoque em
modos de comunicação visual.
Para finalizar, é nosso entendimento que processos instrucionais calcados no uso da
imagem, seja ela em movimento, ou não, podem e devem ser mais explorados por professores e
criadores de material. A crescente sofisticação tecnológica, ilustrada por recursos solidamente
inseridos na sociedade, precisa ser absorvida no contexto pedagógico. Para tal, cabe formarmos
educadores aptos a utilizar plenamente o potencial que esses instrumentos apresentam, para sua
202
inserção na sala de aula, processo que demanda uma crescente e continuada investigação por
parte de pesquisadores da área.
7.4 – CONTRIBUIÇÕES
É verdade que, muito antes de fazer uso da escrita, a humanidade já recorria a imagens
para se expressar e o fenômeno das representações visuais deu origem a inúmeros estudos de
natureza acadêmica, ou não. Da mesma forma, a linguagem corporal, a música e todos os
modos através dos quais o ser humano se expressa e se comunica sempre foram alvo dessa ou
daquela área do conhecimento. Para Kress (2010, p.5), o que distingue o movimento atual é a
busca por um único campo teórico que abarque todas essas expressões, de tal forma que o
significado seja percebido em sua unicidade, como resultado de um todo de múltiplos
significados. Para o autor, essa necessidade é fruto das mudanças sociais, econômicas, culturais
e tecnológicas por que tem passado o mundo.
Nesse sentido, confiamos que este estudo venha a contribuir, para que a questão da
multimodalidade seja inserida no contexto de ensino e aquisição de língua estrangeira.
Acreditamos, ainda, que reflita nossa concepção no que concerne à propriedade de se vincular a
teoria à prática, já que julgamos haver contribuições, tanto de uma natureza, quanto de outra. O
foco no vocabulário foi o segmento por nós pinçado para a presente pesquisa, não apenas em
função de crenças pessoais da autora, como, igualmente, devido à renovada atenção para o
assunto. Ressalvamos, contudo, que advogamos a aplicabilidade de recursos multimodais para
o ensino e aprendizado de outras competências na área de aquisição de LE.
Em um estudo realizado por Petrie (2003, p. 140), a respeito da percepção de
professores de inglês como L2, a pesquisadora constatou que gráficos, imagens, símbolos e
textos visuais são, de um modo geral, percebidos como uma barreira à compreensão do
aprendiz. Essa atitude se deve, aparentemente, ao fato de que os elementos visuais são
percebidos como desconectados do texto linguístico, ao invés de integrados ao sentido final
(ibid, p. 137). Destaca-se, por conseguinte, a necessidade de trabalhos que concorram para a
informação de educadores capazes de perceber as ligações intertextuais entre as diversas
linguagens que coocorrem para a formação de um sentido único.
Dessa forma, ponderamos que a apresentação de conceitos, para a análise de textos
multimodais e sua subsequente aplicação aos vídeos utilizados são procedimentos que
concorrem para um olhar mais informado sobre a questão da multimodalidade. Assim sendo,
acreditamos contribuir para a percepção da pluralidade e da relação de complementaridade
203
entre modos comunicativos que interagem, para a construção do significado, como destacado
em Lemke (1998, p. 87):
“O significado nunca se constrói unicamente por meio da língua. Sua construção é
sempre um processo material, bem como uma prática social semiótica e, como tal,
não pode ser adequadamente compreendida em termos de qualquer modalidade
semiótica única, como a língua.” (Lemke, 1998, p. 87)133
Por conseguinte, avaliamos que as análises aqui desenvolvidas contribuem para a
conceituação de abordagens pedagógicas fundamentadas na maneira como aprendizes de LE
interagem com materiais multimodais, já que os procedimentos adotados oferecem subsídios
práticos para sua utilização.
Outra contribuição que acreditamos propiciar com o presente trabalho, relaciona-se ao
enfoque em colocações. Embora reconheçamos as limitações do escopo deste estudo, a
temática vem ao encontro da avaliação de Bonk (2000, p. 14), que aponta a carência de
investigações que testem, de forma objetiva, a proficiência de aprendizes no que toca à sua
competência colocacional. O autor considera que a falta de conhecimento referente ao
fenômeno da colocabilidade resulta na ausência de naturalidade, tão comum entre alunos de
língua estrangeira (ibid., p. 9).
A relevância da temática é, igualmente, sinalizada por Carter (1998), para quem um dos
motivos pelos quais os aprendizes de LE têm dificuldade em deixar os níveis iniciais de
proficiência se deve ao receio de errar. Para o autor, o conhecimento de “pedaços” da línguaalvo é um meio, para que vençam a insegurança e se arrisquem mais, tanto na produção oral,
quanto na língua escrita.
Para concluir, julgamos que, não apenas por meio dos resultados empíricos gerados pelo
tratamento de intervenção, mas, da mesma forma, através da ampla discussão que
estabelecemos, no que alude às temáticas em pauta, vimos contribuir para o esclarecimento das
questões aqui debatidas. Para Royce (2002, p. 198-201), tanto aprendizes como professores
devem ser educados para descobrir o potencial de significado expresso por modos alternativos
de comunicação, que não a linguagem linear, a fim de que desenvolvam a competência
comunicativa multimodal a que fizemos menção ao longo deste estudo.
Ressalvamos, contudo, que, se por um lado, a inserção da tecnologia na sala de aula se
mostra especialmente auspiciosa, pela riqueza de caminhos que abre à criatividade de criadores
de material e professores, há que se atentar para o risco de que essa tecnologia bem como os
recursos por ela gerados se tornem o centro da atenção. Em outras palavras, cabe nos
133
“We never make meaning with language alone. Meaning-making is always a material process as well as a
social semiotic practice; as such it cannot be adequately understood in terms of any one semiotic modality, such as
language.” (Lemke, 1998, p. 87)
204
certificarmos de que o imenso potencial tecnológico esteja a serviço do processo
ensino/aprendizagem e não o oposto. Para tal, é preciso melhor compreender e conhecer esse
universo, seus benefícios, limitações e eventuais restrições, considerando-se os objetivos da
sala de aula de LE. Faz-se igualmente indispensável que os profissionais da área compreendam
que ao adotar instrumentos tecnológicos, como filmes e computadores, abrem as portas de suas
salas de aula à linguagem visual que acompanha esses recursos (Petrie, 2003, p. 140)
Embora os números levantados, por meio desta investigação, não sejam conclusivos a
respeito das nossas questões, eles, certamente, sinalizam de modo favorável a respeito da nossa
crença quanto ao uso de instrumentos multimodais na sala de aula de língua estrangeira.
205
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238
APÊNDICES
APÊNDICE 1- COLOCAÇÕES UTILIZADAS NA INVESTIGAÇÃO E SEU CONTEXTO
COLOCAÇÃO
Do laundry
1
Temporada 1
DVD 1
Episódio 5
Slam the door
2
Temporada 1
DVD 2
Episódio 5
3
TEXTO
SONORO
a) Let’s do
Na primeira cena, homem abre uma máquina de
lavar roupas numa lavanderia automática e diz
laundry!
animado para a amiga: “Vamos lavar roupa!”. Na
b) I can’t segunda cena, a amiga olha desolada para suas
even
roupas manchadas e diz: “Eu não sei nem mesmo
lavar roupas!”.
do laundry!
a) Let
slam
me Homem discute com amigo e diz: “Deixe-me
bater a porta!” e sai, batendo a porta com gestual
exagerado. Em seguida, outro homem que estava
the door!
na sala faz o mesmo após apontar para a porta e
indicá-la com uma expressão significativa sem,
entretanto, verbalizar a ação.
Chop garlic
a)Chopping
Temporada 1
garlic!
DVD 3
Episódio 1
b)I’m
chopping
the garlic!
4
Hang up the
phone
Temporada 2
DVD 1
Episódio 1
IMAGEM
Dois homens conversam de modo tenso enquanto
um pica alho sobre uma tábua. O outro pergunta
o quê ele está fazendo e ele responde incisivo:
“Picando alho!” “Você não vai esmagá-lo?”,
pergunta o primeiro. O segundo responde: “Você
está tendo um caso, e eu estou picando o alho!”
a)No,
you Homem fala ao telefone. Ele insiste que a pessoa
hang up!
do outro lado desligue: “Não, você desliga!”,
“Você também não desligou!” ele brinca. “Não,
b) You didn’t
você desliga!” ele continua, observado por uma
hang
up amiga que assistia à cena e que, por fim, tira o
either!
telefone das mãos do homem e o desliga,
c)No,
you deixando-o aturdido.
Tempo
1m49s
22s
43s
52s
hang up!
Wear glasses
5
Temporada 2
DVD 4
Episódio 3
a)Whose
glasses are
those?
b)Are you
wearing my
Na primeira cena, mulher se dirige a homem
usando óculos de grau exageradamente grandes e
pergunta: “De quem são esses óculos?”. Na
segunda, o dono dos óculos pergunta ao mesmo
homem: “Você está usando os meus óculos?”. Ele
os tira do rosto e entrega ao outro.
1m2s
glasses?
Sign a paper
Temporada 6
6
DVD 1
Episódio 5
a) I’ve picked
up the divorce
papers. I’ve
already
signed
everything.
b) I’ve put an
X where you
Homem chega com papéis na mão e diz à mulher:
“Eu peguei os papéis do divórcio. Eu já assinei
tudo.” e avisa: “Eu coloquei um X onde você tem
que assinar.” Eles discutem e ele diz: “Vamos só
assinar os papéis!”. Ele os coloca sobre uma
mesa e ela assina três diferentes folhas de papel
com gestual exagerado.
1m4s
239
have to sign.
c) Let’s just
sign the
papers!
Ring the bell
Temporada 6
7
DVD 3
a) If you kids
ring my bell
one more
time!
Uma campainha soa insistentemente e um
homem corre pela sala para atender enquanto
grita em tom ameaçador: “Se vocês, garotos,
tocarem minha campainha mais uma vez!...” e
abre a porta onde está uma mulher.
a) You do
know how to
ride a bike,
don’t you?
Na beira da calçada, três amigos perguntam à
uma moça, que usa capacete de ciclista e segura
uma bela bicicleta: “Você sabe andar de bicicleta,
não sabe?” Ela responde que sim, mas eles
insistem: “Nós podemos ver você andar?”. Ela
monta na bicicleta, pedala um pequeno trecho e
cai.
Episódio 2
Ride a bike
8
Temporada 7
DVD 2
9
Episódio 3
b) Can we see
you ride it?
Hold one’s
breath
a) Hold your
breath!
Temporada 8
b)You gotta
hold your
breath until
you answer
the question.
DVD 4
Episódio 2
Fall asleep
10
Temporada 8
DVD 4
Episódio 4
a)You fell
asleep!
b)He fell
asleep! He
fell asleep!
Três homens participam de um jogo de palavras.
Um deles diz a um dos amigos: “Prenda a
respiração!” Ele o faz, inflando as bochechas. O
primeiro esclarece: “Você tem que prender a
respiração até responder à pergunta.” Ele acena
concordando, mas parece sufocado enquanto os
outros dois continuam a brincadeira, até ele soltar
o ar de modo exagerado.
Dois amigos estão no cinema e um deles dorme.
Quando acorda, o filme terminou. O outro está
zangado e o acusa: “Você dormiu!” Ele tenta se
desculpar. Ao saírem ele aponta outro homem na
platéia que dorme sentado e grita: “Ele dormiu!”
Ele dormiu!”.
17s
40s
45s
1m
240
APÊNDICE 2- ATIVIDADE DE INTERVENÇÃO LEXICAL
Leia as frases abaixo e assinale a opção correta de significado da expressão em negrito. Use seu
conhecimento prévio e intuição linguística.
1- I usually do my laundry in the morning.
a) Eu geralmente lavo a roupa de manhã
b) Eu geralmente lavo a louça de manhã.
c) Eu geralmente faço minhas tarefas de manhã.
2- He was tired and fell asleep.
a) Ele estava cansado e saiu.
b) Ele estava cansado e caiu no chão.
c) Ele estava cansado e adormeceu.
.
3- Don’t slam the door!
a) Não tranque a porta!
b) Não feche a porta!
c) Não bata a porta!
4- I chop garlic on this table
a) Eu descasco alho nessa mesa.
b) Eu pico alho nessa mesa.
c) Eu tempero alho nessa mesa.
5- Hang up the phone right now!
a) Desligue o telefone imediatamente!
b) Atenda ao telefone imediatamente!
c) Me dê o telefone imediatamente!
6- I have to wear glasses to work.
a) Eu tenho que usar copos para trabalhar.
b) Eu tenho que usar óculos para trabalhar.
c) Eu tenho que lavar copos no trabalho
7- You have to sign these papers.
a) Você tem que escrever esses papéis.
b) Você tem que ler esses papéis.
c) Você tem que assinar esses documentos.
8- She always rings the bell.
a) Ela sempre liga o alarme.
b) Ela sempre toca a campainha.
c) Ela sempre desliga a campainha.
9- I ride my bike after school.
a) Eu guardo minha bicicleta depois da escola.
b) Eu lavo minha bicicleta depois da escola.
c) Eu ando na minha bicicleta depois da escola.
10- Hold your breath!
a) Prenda sua respiração!
b) Segure sua emoção!
c) Solte sua respiração!
241
APÊNDICE 3- QUESTIONÁRIO DE REFLEXÃO PESSOAL
1- Quando assisto a filmes na aula de inglês,
d- eu acho que é para eu me divertir.
e- eu acho que é para eu aprender alguma coisa.
f- eu acho que é para eu aprender e me divertir ao mesmo tempo.
2- Antes de assistir aos vídeos, eu marquei a resposta da tradução,
d- porque eu tinha certeza do significado.
e- eu usei a frase para me ajudar a descobrir.
f- eu “chutei” para não deixar em branco.
3- Durante os vídeos,
d- eu prestei atenção primeiro à fala e depois à imagem.
e- eu prestei atenção primeiro à imagem e depois à fala.
f- eu prestei atenção à fala e à imagem ao mesmo tempo.
4- Nas questões em que eu alterei/completei a resposta com caneta vermelha,
d- eu fiz isso por causa da fala no filme.
e- eu fiz isso por causa da imagem no filme.
f- eu fiz isso por causa da fala e da imagem juntas.
5- Quando eu corrigi meus erros, ou completei questões em branco,
d- eu não me lembrei de ter visto antes as expressões que eu não conhecia.
e- eu acho que eu já tinha visto algumas das expressões, mas eu não tenho certeza.
f- eu me lembrei de que já tinha visto essas expressões antes.
6- Depois de ter feito essa atividade,
d- eu acho que filmes sempre podem me ajudar a aprender vocabulário.
e- eu acho que filmes podem me ajudar a aprender vocabulário apenas quando estou na aula.
f- eu acho que filmes não podem me ajudar a aprender vocabulário.
242
ANEXOS
ANEXO 1- MODELO DE AVALIAÇÃO DE CONHECIMENTO DE VOCABULÁRIO
R: What does this word sound like?
SPOKEN
FORM
P: How is this word pronounced?
R: What does this work look like?
WRITTEN
P: How is the word written and spelled?
R: What parts are recognisable in this word?
WORD PARTS
P: What word parts are needed to express the meaning?
R: What meaning does this word form signal?
FORM AND
MEANING
MEANING
P: What word form can be used to express this meaning?
R: What is included in the concept?
CONCEPT AND
REFERENTS
P: What items can the concept refer to?
R: What other words does this make us think of?
ASSOCIATIONS
P: What other words could we use instead of this one?
GRAMMATICAL
FUNCTIONS
USE
R: In what patterns does the word occur?
P: In what patterns must we use this word?
R: What words or types of words occur with this one?
COLLOCATIONS
P: What words or types of words must we use with this
one?
CONSTRAINTS
ON USE
Register and
frequency
R: Where, when, and how often would we expect to
meet this word?
P: Where, when, and how often would we use this word?
Fonte: Nation 2001, p. 27
243
ANEXO 2- CATEGORIAS FRASEOLÓGICAS DE HOWARTH
FRASEOLOGICAL CATEGORIES
WORD COMBINATIONS
FUNCTIONAL EXPRESSIONS
non-idiomatic
idiomatic
COMPOSITE UNITS
grammatical composites
non-idiomatic
idiomatic
lexical composites
non-idiomatic idiomatic
Fonte: Howarth, 1998, p. 27
244
ANEXO 3- O CENÁRIO DA PESQUISA: INFORMAÇÕES INSTITUCIONAIS
A instituição que serviu de cenário a esta investigação existe no Brasil desde 1934 e
conta, atualmente, com filiais nos estados do Rio de Janeiro, do Espírito Santo, do Rio Grande
do Sul, de Goiás e no Distrito Federal. Foi fundada com o objetivo de se tornar um centro de
integração cultural entre a Grã-Bretanha e o Brasil e de oferecer serviços educacionais, tanto na
área pedagógica quanto cultural, tendo como traço distintivo a língua inglesa e suas afinidades.
A instituição é um centro autorizado para a realização dos exames internacionais de
proficiência da Universidade de Cambridge ESOL, para os quais oferece cursos preparatórios,
e, em parceria com agências de viagem e turismo, organiza programas de intercâmbio cultural
para diversos países de língua inglesa.
O conteúdo programático, assim como, os materiais e a abordagem pedagógica
adotados partem de uma administração centralizada, que padroniza o planejamento e os
procedimentos de sala de aula, assim como os instrumentos de avaliação a serem adotados em
todas as filiais que, hoje, chegam a mais de trinta unidades. Desde 2003, a instituição conta
com um departamento para a criação de materiais didáticos, utilizados na maioria dos cursos
disponíveis, à exceção de alguns poucos casos em que são adotados livros de autores ingleses,
dirigidos ao ensino do inglês como LE. Os materiais desenvolvidos pela própria instituição
abrangem livros, acompanhados de CD e CD-ROM, delineados para atender às necessidades,
específicas, de estudantes da língua inglesa cuja língua materna é o português. Esse diferencial
resulta em um produto adequado às particularidades do tipo de aprendiz em questão. O
departamento produz, igualmente, atividades de multimídia, adaptadas para a utilização em
quadros brancos interativos. Esse instrumento permite ao professor navegar pela rede mundial
de computadores, desenhar, escrever, trabalhar com um banco de imagens e sons e exibir
vídeos. Os quadros passaram a ser utilizados em todas as unidades da rede a partir de janeiro de
2007, integrando um amplo programa de inserção tecnológica, que vem sendo implementado
como parte de um planejamento, abrangente, de modernização e competitividade
mercadológica. Esse processo se iniciou em 1998, com a implementação de um projeto-piloto
de uso de tecnologia de informação, como recurso didático. Prosseguiu em 2001, quando foi
lançado um sítio eletrônico, exclusivo para os alunos da rede, que funciona como ambiente
pedagógico, complementar ao ensino em sala de aula, com exercícios e uma revista eletrônica.
Esta se compõe de assuntos variados de cultura e lazer, além de atividades desenvolvidas para o
aluno ampliar seus estudos onde estiver e no momento em que lhe for mais conveniente. Mais
recentemente, em 2006, deu-se o lançamento de um conjunto de serviços online para alunos,
ex-alunos e responsáveis: através de senhas individuais, os usuários têm acesso a históricos,
245
boletins, notas, frequência às aulas, áreas de entretenimento com músicas, jogos, notícias,
vídeos e exercícios que complementam os procedimentos das aulas.
A instituição mantém um programa de treinamento e aperfeiçoamento do corpo
docente, assim como dos profissionais que atuam em outras áreas de atividade, que visa à
padronização dos serviços e à manutenção de um elevado nível de qualidade profissional das
equipes em todas as filiais.
Os diferentes cursos oferecidos têm por objetivo atender às particularidades e perfis
diferenciados, de vários segmentos de público, e se encontram assim estruturados:
i) Crianças entre 4 e 6 anos podem iniciar o contato com o idioma ao ingressar no curso Zip’s
Planet. Nesse segmento a escola dispõe de material específico para alunos que ainda não foram
alfabetizados em língua portuguesa, sendo o foco voltado para a oralidade e, em especial, o
despertar do interesse pelo inglês, através de desenhos, atividades musicais e dramatizações. A
carga horária é de duas horas semanais, distribuídas em duas aulas de uma hora cada. O
segmento completo é de seis semestres de duração. Desde esse nível, os alunos têm à sua
disposição os recursos de multimídia mencionados anteriormente.
ii) Se o iniciante tem 7 anos, e já foi alfabetizado em português, inicia seus estudos no curso
Play in English, que, embora privilegie o lúdico e a prática oral, já lança mão de algumas
atividades escritas na língua alvo, tais como aprender a escrever os primeiros números, nomes
de animais, de cores e outros conceitos básicos. Além das questões linguísticas, esse curso
destaca como objetivo conscientizar o jovem aprendiz sobre aspectos culturais de países de
língua inglesa. A carga horária é de duas aulas semanais de uma hora, ao longo de dois
módulos de um semestre escolar cada.
Ambos o cursos, Zip’s Planet e Play in English, devido à particularidade da faixa etária do seu
público, fazem uso de material diferenciado, com farta utilização de linguagem visual,
atividades musicais, jogos, brincadeiras e dramatização, e as aulas são ministradas por
professores com formação específica para trabalhar com crianças dessa idade.
iii) Crianças maiores de 8 anos são encaminhadas para o curso Kids, com 2 semestres (não
sequenciais) de duração, com duas aulas semanais de uma hora cada. Nesse segmento, embora
o material e as atividades sejam caracterizados por seu aspecto lúdico e visualmente atraente
para o público infantil, a parte escrita toma crescente importância no processo de aprendizado
do novo idioma: a habilidade é trabalhada em atividades que estimulem o desenvolvimento
cognitivo, por meio de seleção, ordenação, jogos, histórias e outros. Além da motivação para o
aprendizado da língua inglesa, o curso tem como objetivo levar a criança a se familiarizar com
o idioma.
246
iv) Para iniciantes de 9 a 10 anos, há o curso Junior, desenvolvido a partir de tópicos de
interesse dessa faixa etária, com o objetivo de levar o aprendiz a fazer uso do inglês em
situações cotidianas. Embora a ênfase se dê na prática oral, as quatro habilidades linguísticas
são trabalhadas de forma equilibrada. O curso Junior tem quatro semestres de duração: nos dois
primeiros módulos o aluno tem duas aulas semanais de uma hora cada, e nos dois últimos as
aulas são de uma hora e quinze minutos. Ao concluir o Junior, o aluno tem o direito de se
matricular no terceiro segmento do curso Básico (Basic III) sem passar pelos primeiro e
segundo módulos. Discorremos sobre o curso Basic a seguir.
v) O curso Basic, segmento onde se alocam os sujeitos desta pesquisa, está voltado para o aluno
de 11 a 13 anos e se encontra estruturado em seis semestres. O curso tem como objetivo
desenvolver a compreensão oral e escrita a fim de levar o aprendiz a compreender cartas, emails, trechos de livros, revistas em geral, escrever textos para a comunicação cotidiana e ser
capaz de conversar em situações básicas do dia a dia, dentro do vocabulário adequado a essa
faixa etária. O curso completo tem a duração de seis módulos semestrais, com duas aulas
semanais de uma hora e quinze minutos.
vi) Iniciantes de 14 a 17 anos são encaminhados para o curso Young Express. O curso tem
como diferencial se propor a, de forma rápida e compacta, desenvolver a compreensão e a
expressão orais, a escrita e a leitura em inglês, com ênfase na oralidade. O conteúdo visa a
capacitar o aluno a se expressar em um amplo conjunto de situações do cotidiano, além de
torná-lo familiarizado com vocabulário específico para o uso de computadores e Internet. O
curso tem 3 anos de duração com duas aulas semanais de uma hora e trinta minutos cada, ou
uma única aula de três horas aos sábados, de modo a atender àqueles que não têm como
frequentar o curso durante a semana.
vii) Iniciantes acima de 17 anos, são indicados para o Cultura Express: esse curso, embora faça
uso do mesmo material que o Young Express e tenha a mesma duração, acontece em aulas
noturnas, com público majoritariamente adulto. Dessa forma, permite-se ao professor adotar
uma abordagem pedagógica e um tratamento pessoal diferenciado, assim como um sistema de
avaliação distinto, medidas que tornam o curso apropriado a uma faixa etária mais madura.
viii) No caso de não iniciantes entre 14 e 17 anos, o aluno será encaminhado para o curso mais
adequado, segundo seus interesses, objetivos e o seu nível de proficiência. O conhecimento do
candidato será aquilatado mediante testes de nivelamento que avaliem as quatro habilidades,
testes esses aplicados por professores/coordenadores que tenham suficiente familiaridade com a
instituição, a fim de que possam precisar o nível mais adequado à competência linguística do
pretendente. A partir das informações que esse passe ao avaliador, o mesmo escolhe as provas,
247
utilizadas regularmente pela instituição, que possam delinear de forma acertada o nível de
competência do futuro aluno. As opções, para esse caso, são os cursos Plus (nível
intermediário, dividido em seis semestres _ de Plus I a Plus 6, ou Master (nível avançado, com
duração de dois semestres). O curso Master se destina a alunos que tenham conhecimento
adiantado de inglês, e tem como objetivo levar os alunos a alcançar um alto nível de domínio
do idioma, de forma que sejam capazes de utilizar o inglês fluentemente em debates,
apresentações e redação de textos formais. Esses cursos são considerados de extensão, e se
voltam para aqueles que desejam aprimorar seus conhecimentos tanto no tocante tanto à língua
escrita como na parte oral, com ênfase nas necessidades do dia a dia. Em ambos os segmentos,
as duas aulas semanais têm duração de 1 hora e 30 minutos.
iv) Acima de 17 anos, os não iniciantes têm à sua disposição os cursos Express Plus (nível pósintermediário) e Express Master (nível avançado), ambos com dois semestres letivos de
duração, com duas aulas de uma hora e trinta minutos cada. No que tange ao conteúdo
programático, os cursos Express Plus e Express Master equivalem aos cursos Plus e Master,
respectivamente. Do mesmo modo como ocorre com o curso Cultura Express, são oferecidos à
noite, e como sua carga horária semestral é maior do que a dos cursos para alunos adolescentes,
são de mais curta duração, atendendo ao desejo, expresso pela maioria dos alunos desse
segmento, de concluir sua formação em menos tempo.
x) Para os alunos interessados, prioritariamente, no aperfeiçoamento da habilidade oral, a
instituição oferece os cursos de conversação Conversation Express e Conversation Master.
Ambos têm como objetivo aprimorar a fluência e a pronúncia, assim como expandir e sofisticar
o vocabulário em diversas áreas. O primeiro se destina àqueles com conhecimento
intermediário do idioma. O Conversation Master está voltado para os que já possuem
conhecimento avançado da língua inglesa e desejam tanto sofisticar seus recursos linguísticos,
como manter sua prática. Ambos os cursos são de um ano e oferecem duas aulas semanais de
uma hora e trinta minutos cada, ou, em algumas unidades da rede, pode-se optar por apenas
uma aula semanal de uma hora e trinta minutos.
xi) Para aqueles que desejam prestar os exames de proficiência da Universidade de Cambridge
ESOL, a instituição em pauta oferece cursos preparatórios específicos. Os referidos exames são
prestados por candidatos em todo o mundo, e os certificados têm reconhecimento internacional.
Os cursos preparatórios se estruturam de forma diferenciada, em função do exame para o qual
estão voltados, como abaixo discriminamos:
→ KET (Key English Test) - Indicado para quem deseja comprovar conhecimento básico de
inglês. Os candidatos são avaliados em sua capacidade de entendimento e comunicação em
248
situações do dia a dia, tais como: falar sobre sua família, amigos, trabalho e compras, entre
outras.
Para esse exame, existem cursos preparatórios de 1 hora e trinta minutos, uma vez por semana.
→ PET (Preliminary English Test) - Indicado para quem deseja comprovar conhecimento
intermediário de inglês, necessário à comunicação diária, escrita e falada. Os candidatos são
avaliados em sua capacidade de discutir temas relacionados a trabalho, escola/estudos, hobbies
e de interagir em situações de viagens.
Nesse caso, são oferecidos cursos com 1 ou 2 aulas semanais, com duração de 1 hora e 30
minutos.
→ FCE (First Certificate in English) - O FCE é indicado para quem possui conhecimento de
inglês acima do nível intermediário. Durante o exame é preciso demonstrar competência nas
quatro habilidades da língua: compreensão oral, leitura, redação e conversação. Os
candidatos são avaliados em sua capacidade de entendimento de temas variados e de
comunicação espontânea e fluente com falantes nativos da língua inglesa. Este exame
é amplamente reconhecido nas áreas do comércio e da indústria, e por instituições de ensino em
países de língua inglesa.
É possível se optar por cursos com 1 ou 2 aulas semanais, com duração de 1 hora e 30 minutos.
→ CAE (Certificate in Advanced English) - Exame de nível avançado, para aqueles que usam
o inglês para fins profissionais ou acadêmicos. Exige do candidato a capacidade de
compreender e interpretar textos mais longos e elaborados, bem como de participar de
conversas e debates sobre temas de maior complexidade. O CAE é reconhecido por um grande
número de universidades em países de língua inglesa como prova de competência linguística,
para os alunos que desejam ingressar em algum curso de graduação, ou pós-graduação. No
Brasil, é aceito por diversas universidades como prova de competência linguística, para aqueles
que desejam frequentar o curso de Complementação Pedagógica a fim de se tornarem
professores de inglês nos níveis fundamental e médio.
São oferecidos cursos preparatórios com 1 ou 2 aulas semanais, com duração de 1 hora e 30
minutos.
→ CPE (Certificate of Proficiency in English) - Exame reconhecido como prova de fluência no
uso do inglês em nível avançado. Exige do candidato a capacidade de se expressar de maneira
precisa, fluente e espontânea sobre temas complexos. Assim como no caso do CAE, é
reconhecido por universidades e empresas em países de língua inglesa, como prova de
competência linguística necessária para atuar nas áreas acadêmica e comercial e, no Brasil, é,
da mesma forma que o CAE, aceito por diversas universidades para aqueles que querem
249
frequentar o curso de Complementação Pedagógica com o objetivo de se tornar professores de
inglês nos níveis fundamental e médio.
São oferecidos cursos com 2 aulas semanais, com duração de 1 hora e 30 minutos.
A Universidade de Cambridge oferece, ainda, exames voltados, especificamente, para
professores de língua inglesa como LE. Para os interessados, a instituição em tela disponibiliza,
igualmente, cursos de preparação, a saber:
→ CELTA (Certificate in English Language Teaching to Adults) – É a qualificação da
Universidade de Cambridge ESOL para pessoas com conhecimento avançado do idioma, mas
com pouca, ou nenhuma experiência em ensino de língua inglesa. Para participar do curso, é
necessário que o candidato tenha a certificação do CAE de Cambridge.
O curso preparatório oferece qualificação em prática de ensino de inglês, bem como manejo de
classe, para pessoas que já tenham alguma certificação, com ou sem experiência de ensino.
→ TKT (Teaching Knowledge Test) - É a qualificação da Universidade de Cambridge ESOL
para professores de inglês. O TKT é recomendado tanto àqueles que desejam se tornar
professores de inglês, quanto aos que já lecionam em escolas públicas e privadas, ou em
institutos de idiomas, em qualquer momento da carreira. Para prestar o TKT é necessário que o
candidato tenha, pelo menos, o equivalente ao nível de proficiência atestado pelo Preliminary
English Test (PET) de Cambridge e que esteja familiarizado com os conceitos relacionados ao
ensino do idioma. Não há pré-requisitos formais e não se exige do candidato qualquer outra
certificação.
O curso preparatório se compõe de um módulo, com duração aproximada de 4 meses e meio,
com uma aula semanal de 2 horas de duração.
De um modo geral, são esses os cursos disponibilizados pela instituição que serviu de
cenário e esta pesquisa. Algumas alterações podem, certamente, ser encontradas de unidade
para unidade, considerando-se particularidades regionais de cada filial. Além dos cursos
citados, a instituição oferece outras duas modalidades de serviços instrucionais:
→ Serviços Corporativos (Corporate Services) - Constam de aulas, individuais ou em grupo,
ministradas no local do trabalho do interessado, de forma que profissionais com dificuldade de
horário, deslocamento, ou qualquer outro obstáculo que os impeça de se adequar aos cursos
regulares oferecidos nas filiais, possa aprender ou aperfeiçoar seu inglês, com o foco específico
em sua área de atuação profissional.
→ Convênio Educacional - Os interessados encontram, também, a possibilidade de firmar um
convênio entre a instituição e escolas de ensino infantil, médio ou fundamental. Nessa
250
modalidade, professores da escola de idiomas prestam um pacote de serviços aos alunos das
instituições conveniadas, sem que estes precisem se deslocar.
No que concerne à política metodológica que serve de orientação à estrutura dos cursos
mencionados, a instituição expressa sua opção pela Abordagem Comunicativa: as atividades
têm como ênfase o desenvolvimento da habilidade de compreensão e expressão oral em
situações do cotidiano, da forma como se espera do indivíduo na vida real. Ao mesmo tempo,
são enfocadas as habilidades de compreensão e expressão escrita de forma que se alcance o
desenvolvimento equilibrado das quatro habilidades, permitindo ao aprendiz fazer uso da
língua alvo de forma irrestrita, tanto em contextos de oralidade como de língua escrita.
As informações aqui detalhadas são fruto do material de divulgação institucional que se
encontra amplamente disponível em folhetos e páginas da internet, assim como são resultado da
experiência e conhecimento pessoal da autora, adquiridos ao longo de cinco anos de trabalho na
referida escola de idiomas.
O conteúdo aqui traçado delineia o perfil de uma instituição alinhada com seu tempo,
em busca de soluções que se adéquem à cada vez mais sofisticada demanda e elevada
expectativa daqueles que buscam o conhecimento da língua inglesa em um mundo altamente
globalizado. Essas características de confiabilidade e competência serviram de respaldo ao
desenvolvimento do nosso trabalho.
251
ANEXO 4 - QUADRO COMPARATIVO:
ABORDAGENS QUANTITATIVA/QUALITATIVA
QUALITATIVE METHODS
(ETHNOGRAPHY)
QUANTITATIVE METHODS
OBSERVATION
& COLLECTION
OF DATA
In data collection, ethnographic research (as
the most typical and concrete example of
qualitative research) doesn’t usually use
“instruments,” rather “processes” that are
supposedly free of bias and prior
assumptions: free, prolonged observation, at
times “participant observation,” open-ended
interviews, “triangulation” of information
and interpretation, “informant checking,”
access to existing documents.
The observations in quantitative research
(whether tests, attitude scales of the
subjects observed, behaviors categorized
and counted according to instruments, etc.)
usually are based on an observation
scheme or descriptive categories that have
been developed prior to the research.
Moreover, these observations are made in
a planned way, according to an order
determined by the design of the research,
and with categories that cannot be changed
once the research is underway.
NATURE OF
DATA
Ethnographic research considers those data
most relevant which arise from the natural
events in the research context. The topics of
greatest interest for qualitative researchers
are human behaviors and socio-cultural
patterns and norms which underlie the
behaviors. Data are viewed in a “holistic”
fashion, without attempting to separate them
into their components, and preferably
following the interpretations of the people
who are the object of the research (“emic”
interpretations).
Data tend to be limited by the type of
observation that is planned, and according
to the method of observation; depending
on the design and the effects of a
“treatment,” the data usually indicate
stability or variability and development in
events,
attitudes,
abilities,
skills,
knowledge, performance or production,
etc., with respect to a language and its use.
These are interpreted according to the
theoretical model or hypotheses of the
researcher, and not necessarily according
to the views of the subjects involved
(“etic” interpretation).
USE AND
DEVELOPMENT
OF THEORY
The qualitative researcher does not want to
verify or prove theories; what she/he
attempts is to observe without bias nor
narrow
perspectives.
However,
the
researcher always takes account of the
relevant theories regarding the context or
topic under study, and normally will remain
aware of her/his own assumptions during
observation and interpretation. Proper
methodology will include the appropriate
degree of “objectivity.” In the end, the
researcher will develop a “grounded” theory
which helps to relate the observations to one
another and to larger contexts, or she/he will
attempt to revise and perfect the conceptual
framework which was adopted at an earlier
stage. In the most radical form of qualitative
research
(from
the
tradition
of
phenomenology), causal explanations are not
sought, but only a better “understanding” of
the phenomena.
The researcher constructs a design to
prove some aspect of a theoretical
framework (forming hypotheses about the
goals of the research), and the results tend
to either confirm or disconfirm the
hypotheses. Although it is recognized that
the researcher’s subjectivity can influence
interpretations, in order not to generalize
beyond the research context, the design,
which includes the means of sampling the
subjects, should control the limits of
conclusions to be drawn. Thus, a
theoretical framework is slowly developed.
Fonte: Research Methods:Qualitative and Quantitative (Chaudron, 2000, p. 7)
252
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Leila Monteiro - Biblioteca Digital de Teses e Dissertações