150 Dissertações dependerá daquela por necessidade. Assim, ao autonomizarem-se, acabam por permitir, por um lado, a legitimação universal a priori da obra de arte, enquanto conceito, porque um produto ideal e, por outro, o desenvolvimento de uma subjectividade radical do acto criador, enquanto critério de adequação plástica. Ora, a criação de uma metafísica da arte permite, deste modo, pela autonomização da concepção em relação à execução, a utilização da forma desabitada, u-tópica (sem lugar), como critério universal para a projecção antropocrática do mundo. Entendendo a arte como uma segunda natureza, sua concorrente, a actividade artística vê ser-lhe legitimada a capacidade de desdobramento do mundo, através da adequação deste às suas possibilidades figurativas. Com este desenvolvimento teórico somos introduzidos na última parte deste estudo dedicado à articulação da invenção com a vontade. Nele se procura demonstrar como a forma pura utópica é afinal a solução para a criação de um estilo universal. Estava aberto o caminho ao desenvolvimento de uma poética de intervenção global, baseada na internacionalização dos modelos artísticos. Neste contexto, o artista, iluminado pela graça do seu talento, ao ter acesso privilegiado à ideia formadora do mundo, consubstancial com Deus, pode assim, na concepção de Holanda, actualizar as possibilidades do real, reconduzindo-o à sua própria ideia-imagem. A arte é transformada em projecto de idealização do mundo. Mas, como esta idealização é mediada pelo homem, pode concluir-se que a arte, segundo Holanda, se assume finalmente como um processo de humanização do mundo. A estratégia hermenêutica adoptada neste estudo baseou-se na interpretação do discurso de Francisco de Holanda como um complexo sistema de referências legitimadoras. Consequentemente, o texto da dissertação procura partir sempre do estabelecimento prévio da possível rede referencial que fundamenta afinal a própria recepção do tratado do pintor português. Uma rede que, como se torna claro na indicação das fontes do estudo, procura, por isso mesmo, conjugar as suas diferentes naturezas intratextual (estabelecida entre Da Pintura Antiga e os outros textos do autor), contextual (entre o texto central e outras obras da cultura clássica portuguesa) e intertextual (entre o texto central, os escritos de arte do Renascimento europeu e as obras da tradição filosófica). DO NOME EM JACQUES LACAN. DE COMO SE POE VM CORAÇÃO A BATER' EM TORNO DO UNO E DA PRESENÇA por Maria João Ceitil Dissertação de Mestrado em Filosofia, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Lisboa, 1994. A Dissertação sobre Jacques Lacan, intitulada Do Nome em Jacques Lacan, estrutura-se em torno da problemática do devir humano. A interrogação é a seguinte: como é que se devêm humàno? O presente estudo não sc pretende Dissertações 151 como uma resposta a tal interrogação; perspcctiva-se antes como um vai-c-vem, uma crrância em torno do devir humano em Jacques Lacan. A questão do devir humano remete-nos para as relações parentais, as relações do bebé - porque o ser que devem ou não humano é sempre um bebé - com a Mãe e com o Pai. Afirmamos que não existe humano fora da Relação. Sem relação, isto é, sem vai-e-vem, scparação-e-Iigação, nenhum ser atinge a humanidade. E quem introduz o bebé na relação é a Mãe, porque é ela que, 'obrigando-o' a relacionar¬ -se com a sua presença c a sua ausência, 'obriga-o' a entrar no regime da separação-e-da-ligação, que é o que define toda e qualquer relação. Esta vivência, a da presença e da ausência da Mãe, é fundamental pois a capacidade simbólica, ou seja, a capacidade de "evocar a presença na ausência e a ausência na presença", citando Lacan, é algo que só é possível realizar quando já se foi 'introduzido' na relação dialéctica entre a Presença e a Ausência. E necessário que o bebé, através da sua relação com a Mãe, construa uma figura da Permanência, para que possa simbolizar, porque, simbolizar, nomear, conceptualizar é, entre muitas outras coisas, fazer o símbolo permanecer em nós quando o ser simbolizado está ausente. O bebé acede a esta figura da Permanência através dos movimentos de vai-e-vem da Mãe; quando deixa de estabelecer a equação simbólica ausente—inexistente, isto é, quando percebe que a Mãe não deixa de existir quando desaparece. Afirmamos que ninguém devém humano sem aceder ao simbolismo, sem poder "evocar a presença na ausência e a ausência na presença". Estando sinteticamente explicado o tema do Primeiro Capítulo, intitulado Do Vai-e-Vem (da Mãe) Nomeação enquanto Vai-e-Vem, passamos ao Segundo Capítulo, intitulado Daquilo que Dura no Nome ao Nome (do Pai) da Lei, e que está mais centralizado na relação do bebé com o Pai. Para Lacan não existe simbólico i-legal, o que significa que não existe sistema simbólico algum que, ao mesmo tempo, não seja um sistema legal. A este respeito, a lei que se apresenta de um modo incontornável, na Cultura Ocidental, é a lei edipiana, o interdito do incesto. E o Pai adquire um papel central, configurador, no que respeita ao interdito do incesto: é ele que introduz o bebé na negatividade legal, própria dimensão da lei, constituição de um território i-legal: se o bebé é uma menina é ele que se interdita a si próprio enquanto ser sexuado para a menina, se, pelo lado contrário, o bebé é um menino, é cie que interdita a relação sexual desse menino com a Mãe. Daqui derivam todas as associações conhecidas (e monótonas) entre o Pai, a autoridade e a lei. O Pai é aquele que 'põe na ordem'. Concluindo, afirmamos que nenhum ser devém humano fora do âmbito da Relação. Mas, essa relação não é algo que se passa entre seres assexuados; os seres que estão em relação são sempre seres sexuados, com uma vagina ou um pénis, c essa sexualidade é de tal modo inquietante e problemática que não existe sexualidade que não seja ou legal ou i-legal. Pensar o devir humano será sempre pensar uma carne sexuada cm relação com outras carnes sexuadas.