O IMPACTO DA DEFICIÊNCIA DE UM FILHO A doença, e de um modo especial a deficiência num filho, são geradoras de elevados níveis de stresse na família/pais, representando um dos eventos mais dramáticos que a mesma pode sofrer. Submerge a família numa crise emocional, tornando-a vulnerável, afetando sem dúvida, a sua dinâmica e até algumas das suas funções. A crise situacional instalada, poderá gerar uma sensação de impotência, de ineficácia, uma desorganização do seu funcionamento tornando os pais mais vulneráveis. Convém realçar que a fase inicial põe à prova a capacidade dos pais em lidar, não só com a certeza de que alguma coisa está mal, como também com a restauração do seu “estar”, após ser desvendado a natureza do problema, conduzindo frequentemente a situações em que um dos elementos do grupo familiar pode apresentar níveis de stresse muito elevados. Nesta fase, a adaptação implica o confronto com a realidade traduzida pelas manifestações da doença, a consciencialização dos recursos internos e externos, pois a revelação ou a constatação da deficiência tal como refere uma mãe “…é um ponto de viragem para os pais e para a família toda que tem que fazer um processo de luto” do bebé imaginário para o bebé real. São verdadeiras fases dum trabalho de luto por um filho idealmente belo, atendendo a que os pais vivem primeiro na imaginação, mesmo antes de crescer no útero materno. Depois do nascimento/parto, há uma passagem do bebé imaginário ao bebé real e ao confrontarem-se com a realidade de um filho diferente, todas as suas expetativas e sonhos desmoronam-se como um castelo de areia. Podem surgir sentimentos de agressividade: medo, raiva, revolta, perda de auto estima, culpabilização contra tudo e todos (muitas vezes, os 1 pais reagem com hostilidade em relação aos amigos, familiares e técnicos de saúde), revolta contra a própria vida, ouvindo-se com alguma frequência: “Como é que isto nos aconteceu, a nós?... Como é que foi acontecer logo ao nosso filho?”. O Estigma social da deficiência não está ultrapassado... Por outro lado, o sentimento de estigmatização culpabilizante, relativamente à deficiência ainda é uma realidade incontornável: é-se “herói” ao cuidar de um familiar com doença oncológica, com a mesma facilidade que se é “suspeito” ao cuidar de um filho com uma deficiência mental. O futuro é incerto pois a própria conceção dum mundo, baseado na eficácia e na competição, inibe uma cultura de solidariedade e solicitude, lançando-o ao isolamento e à exclusão social. A doença de evolução prolongada de um filho, exige dos pais a consolidação de mecanismos de coping, numa tentativa de ajustamento, quer às necessidades do seu filho, quer às próprias. O aparecimento e a gravidade de outros problemas de saúde associados, obriga a mudanças, cujos significados não podem ser apreendidos apenas pelo que se sabe sobre a deficiência, mas sim por um construtor psicossocial, tendencialmente à adequação de um “modus operandi”: há que fazer nascer no imaginário dos pais outro filho, tornando-se assim possível uma aceitação que, embora dolorosa, é possível, pois “o lento caminho do luto pelo filho perfeito [é] muitas vezes contrabalançado pelo encontro com aquele bebé real, cujo crescimento, apesar de tudo [serve] de compensação e lhes [mantém] a esperança. Uma mudança sentida como dolorosa, compensada pelo amor…e por ajuda especializada. É demasiado evidente o esforço feito pelos pais, e particularmente pelo cuidador, relativamente a tudo o que tem de fazer ou, 2 quem sabe, de se privar para satisfazer o filho. A par deste, a responsabilidade dos cuidados implica muitas vezes (para os pais), uma deterioração da relação, que pode culminar na rutura conjugal. O leque de amigos pode reduzir-se drasticamente e os cuidadores alteram a sua rotina em função do envolvimento que, por vezes, pode levar a negligenciar os outros filhos, quando os têm. A tolerância sociocultural face à deficiência reflete-se na sensibilidade governamental para os apoios à criança deficiente enquanto pessoa, contemplando os apoios: igualdade de oportunidades, pensões, estruturas comunitárias e a criação de sistemas de saúde com vista a satisfazer as necessidades das pessoas com deficiência (acessibilidades, diferenciação de cuidados). As expetativas derrubadas em relação ao filho deficiente, acabam por desenvolver nos pais, às vezes, sentimentos de desmotivação e desinteresse progressivos, à medida que se vai constatando alguns défices comprometedores dos projetos inicialmente elaborados. Ao sentimento de dor pela perda da criança idealizada, associa-se a dificuldade de passarem a partilhar uma vida com um filho diferente, aceitando que essa “... pessoa que existe, precisa de ser aceite e ajudada...” Mas o grande desafio é o emocional, pois reside muitas vezes nos pais a incapacidade de comunicarem, de entenderem o seu filho que sofre, assim como de se fazerem entender, de perceberem os problemas e as angústias do próprio filho. Compreender as suas angústias, as suas birras e dificuldades exige dos pais gestos de permanente atenção, de tolerância, carinho e um complexo esforço todos os dias. Para isso, são necessárias escolas com apoios especializados, encontros entre pais (grupos de auto-ajuda) com filhos que sofrem da mesma perturbação, visitas frequentes a técnicos, o que implica um dispêndio económico, tornando a vida dos pais complexa, 3 sendo necessário um esforço constante e imaginação na procura de soluções, nem sempre fáceis de conseguir, tendo em conta as exigências da sociedade que tem, cada vez mais, objetivos competitivos. Porém, é a mãe/mulher que assume o papel de cuidadora, talvez pelos afetos associados à relação maternal (proteção de vida), ou aos traços de maior passividade, tolerância, resignação e capacidade de aceitação, veiculados como estereótipos da condição feminina Muitas vezes a demissão do pai que tanto é apregoado do processo de cuidar tem a ver com a consciencialização da sobrecarga (sofrimento) que ele tenta evitar, refugiando-se no trabalho ou no silêncio, como “fator protetor” de um bem-estar individual, ao mesmo tempo que se desculpabiliza, por desta forma, estar a minimizar a carga financeira a jusante. O Enfermeiro Especialista em Saúde Mental está preparado para dar o seu contributo nesta ajuda especializada que necessita da intervenção de um leque variado de profissionais da saúde e da educação. Aos pais, apenas uma breve nota, pois certamente é muito difícil estar desse lado, lembrem-se sempre que a vossa maior arma é o amor incondicional pelo vosso filho, é esse amor que irá alimentar a esperança e a coragem permanente de vencer o desafio da integração social. Carlos Freitas Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica 4