Moda e Imprensa: uma relação de interdependência passional Erisson Rosati Anhembi Morumbi O crescimento do mercado de moda e sua estreita relação com a mídia fez surgir um novo e interessante nicho de trabalho para jornalistas: o de especialista em moda. Em um primeiro momento, a moda foi relegada ao segundo plano nas redações de grandes veículos de imprensa. Considerada superficial, fútil e sem apelo junto ao público masculino, era dada como uma editoria secundária, geralmente agregada aos cadernos de variedades ou comportamento. Com o crescimento do mercado e investimentos do setor, gradualmente, a moda migrou para outras áreas. Passou a freqüentar os cadernos de economia, despertou o interesse dos cadernos de cotidiano, com seus eventos movimentados e disputados que mudaram as rotinas das cidades e marcou presença na vida das mulheres, assim como dos homens e crianças. A produção nacional melhorou e a busca pelas novidades despertou o interesse dos veículos de comunicação. As imagens produzidas pela moda são de efeito visual agradável, o que atraiu as televisões e a imprensa, com belas fotos e editorias cuidadosos. O número de lojas, confecções e fábricas aumentou e, com isso, o perfil do anunciante também mudou. A moda já deveria ser considerada uma poderosa geradora de receita dentro das redações. O interesse de jornalistas pelo assunto cresceu, ao mesmo tempo que leitores ávidos por entender essas mudanças e essa força da moda surgiam em cada canto, forçando uma busca por novas referências. Todos queriam estar por dentro de cada detalhe, de cada evento, cada fato e cada lançamento. Tudo era tão rápido e ao mesmo tempo tão rico e complexo, que tornava-se difícil de entender. Como o simples fato de usar e criar roupas podia suscitar tantas perguntas e mexer com tantas áreas de atuação humana ao mesmo tempo? Os jornalistas que antigamente eram designados a escrever sobre moda, em geral, tinham pouco conhecimento do assunto. Poucos eram aqueles que viajavam, conheciam as coleções e estilistas do mundo, conviviam com os criadores brasileiros e entendiam um pouco dos hábitos de consumo e desejo criados pela moda. A grande maioria, simplesmente escrevia o que achava ser mais correto dentro de um número de fotos ou imagens do desfile, fazendo uma compilação daquilo que achava mais certeiro e agradável. Dados fundamentais para compreender uma roupa e seu processo de criação eram completamente esquecidos, como o tecido, o corte, as formas, as cores, os acabamentos, a inspiração e os modos de quem veste. Tudo era resumido em poucas linhas sobre o que era mais bonito, mais feio e o que seria mais usado na próxima estação. Mas tudo isso teve seu fim. O renascimento da moda ganhou ares iluministas e as idéias e a razão deram lugar aos “achismos”. Jornalistas precisaram adequar-se aos novos tempos e às necessidades dos seus leitores. A moda chegou imponente e instalou-se definitivamente nas redações. As revistas femininas, um dos poucos lugares onde a moda era encarada com alguma seriedade, deixaram de ser vistas com olhar de desprezo e ganharam seu espaço e seu público com boas informações de moda. Muitas vezes, seguindo modelos americanos de cobertura jornalística da moda, trouxeram um novo olhar para os desfiles e lançamentos do setor. Aos poucos, em uma suave dança, quase imperceptível aos nosso olhos, estas duas forças tentam encontrar seu ponto de equilíbrio, em busca de uma convivência harmoniosa e mais amável. Como dois parasitas, uma depende exclusivamente da outra para manter-se mais interessante, viva e ativa. Ainda que alguns obstáculos tenham que ser superados e, muitas vezes, as coisas venham a ser mais complicadas do que parecem, o resultado está sendo positivo para ambas. E elas crescem, lado a lado. Mídia de Consumo O universo da mídia é atraente e sedutor. Os jornais, revistas e programas de rádio e tevê são feitos exclusivamente para entreter e para saciar o desejo de lazer de milhares de espectadores e leitores passivos diante do que lhes é mostrado. São estratégias simples que dão aos receptores exatamente aquilo que eles desejam ver, sentir, experimentar e usar. Essa relação tão próxima com o desejo, que beira e intervém no imaginário humano, é a maior arma da comunicação de massa. Por meio deste mecanismo de aproximação, identificação e gozo (gozo no sentido de gostar, saciar, amar) as mídias operam muito perto da razão dos indivíduos e de seu senso de centramento, o que lhes possibilita alterar drasticamente uma forma de pensar. Sendo assim, a influência está instaurada e vai relacionar-se com o sujeito de maneira sutil, porém permanente e constante. Um editorial de moda mostra uma série de produtos que foram, teoricamente, pesquisados pela editora de moda e selecionados para fazer parte daquela matéria cuidadosamente elaborada. No entanto, é preciso entender que, nem sempre, as escolhas são feitas de moda imparcial. Algumas revistas optam pelo uso de produtos de seus anunciantes nos editoriais e matérias. Algumas vezes, os repórteres só utilizam o material de determinadas assessorias de imprensa, que enviam o release e fotos do produto, como é comum ao seu trabalho, para que os colegas conheçam os produtos e possam usá-los em editoriais. Evidentemente que, tudo que está em um meio de comunicação, vai despertar o interesse imediato do receptor. Daí as relações de consumo alteram-se a partir da influência da mídia. É completamente diferente ter um produto sendo anunciado em uma revista e outro que está inserido em uma matéria ou editorial. Na primeira opção a relação de tentar seduzir o consumidor está clara e definida e o produto enaltece as suas qualidades e diferenciais sem o pré-julgamento de outros. Já no segundo caso, o receptor entende que o produto está lá por ser “merecedor” por suas qualidades comprovadas “pela imprensa imparcial” que o escolheu entre muitos para estar no posto de eleito. Esse status de endosso dos veículos dão uma nova dimensão ao alcance do produto e podem alavancar as vendas de determinado item, lançando-o no hall de desejos de consumo. Desta maneira, o público consome exatamente aquilo que a mídia deseja, aprova, aconselha, orienta, dá o aval. Daí a moda passar a fazer sua estreita relação com a mídia algo mais proveitoso e que gera um poder financeiro real, de acordo com a capacidade de desejo que ela será capaz de incitar em um determinado receptor. Neste ponto, torna-se clara a estratégia da moda para estar em voga. Exclusividade é o primeiro passo para ter uma legião de adeptos que irão desejar ter o seu produto. Atualmente, mais do nunca, as revistas e jornais dão preferência para produtos exclusivos, inéditos, sem cópias e, quase sempre, caríssimos. Quando olha para algo e não pode ter, o desejo do espectador fica aflorado e torna-se um companheiro e aliado da moda em busca de conseguir e manter seu posto de glamour e endeusamento. A idéia de que apenas alguns poucos mortais terão acesso a determinado produto, o torna mais especial e, portanto, merecedor do aval da imprensa especializada, ainda que esta nunca o tenha visto de perto. Página 2 Moda e Imprensa: uma relação de interdependência passional Outro ponto interessante, está no fato de que jornalistas, repórteres e editores se acham no direito de eleger, arbitrariamente, quem vai ser o sucesso da estação. Com demonstrações de amadorismo e falta de imparcialidade, muitos escolhem alguns criadores para elencar como as novas e bem-sucedidas apostas do mercado. Da mesma forma, se colocam no trabalho de adivinhar as tendências da estação e de dar uma cartilha do que usar e como usar, sempre priorizando desejos próprios e razões pessoais das mais fúteis e diversas. Com um olhar pouco apurado e sem treino, muitos ainda se arriscam em criticar os trabalhos de estilistas e criadores, sem ao menos buscar as razões e motivos que causam esta tremenda e desproporcional fúria fashion. Isso é falta de pura informação, respaldo e embasamento. O jornalista não é um versado em todas as áreas e nem espera-se isso de um bom profissional. Por outro lado, o mínimo de bom-senso e conhecimento sobre o assunto se faz imprescindível para realizar a crítica de moda ou de qualquer outro tema. Deve-se observar as maneiras como a notícia é estruturada. O máximo de perguntas deve estar respondida sem duplas interpretações, seja em uma reportagem, crítica ou artigo. Dados fundamentais como quem, onde, quando, como e porque são a base para entender a notícia. No entanto, outras informações são fundamentais para entender o conjunto da moda e sair do amadorismo que instalou-se nas editorias de moda. Fast-News Com o crescimento de novas tecnologias e o aumento de veículos especializados em moda, a informação tornou-se mais acessível do que nunca. Agora, com um ritmo de vida acelerado e com novas relações de tempo, o homem busca obter o máximo no menor tempo possível. Desta maneira, entramos na “era do fast-food”, em que todas as relações humanas passam por um processo de rapidez exagerada, consumo imediato e descarte veloz. Da mesma maneira que todas as áreas da vida humana passam por este processo irreversível, a imprensa também é afetada. Hoje, os meios de comunicação estão mais imediatos do que nunca. A rapidez é essencial para aqueles que desejam conquistar um público fiel. Ainda que isso acarrete em prejuízos sobre a qualidade da notícia e sobre o conteúdo veiculado, a importância de sentir-se informado (e não mais bem-informado) é o que conta como fator decisivo ao escolher a fonte. Sendo assim, os jornalistas começaram a ser pressionados por engrenagens de tempo quase inumanas, onde o espaço para reflexão e produção intelectual é deixado de lado em detrimento da produção do novo. As redações passam por reformulações, ficam cada vez menores e a atualização da informação é imediata. Os fechamentos mais corridos, uma equipe menor para realizar a mesma tarefa que era de uma equipe maior em menos tempo. E tudo deve ser sempre satisfatório, agradável, levemente informativo. Assim como os lanches das grandes cadeias de lanchonetes, são feitos para enganar a fome, mas não alimentam e seu efeito não é duradouro. Pelo contrário, seu uso exagerado pode causar aumento de peso e problemas sérios pela ingestão de substâncias pouco saudáveis. Da mesma maneira, as redações passam por este processo e acabam dando aos leitores a informação menos saudável. Quando vemos que tal roupa é mais bonita, tal formato será o hit da estação ou que a cor tal será a próxima febre de verão devemos entender que aí estão expostas uma pequena parte de opiniões de uma parcela muito pequena de pessoas para que isso seja Anhembi Morumbi Página 3 levado como um dos 10 mandamentos. É claro que tendências sempre vão exisitir, mas o poróprio nome diz: são tendências, o que não garante que serão certeza de sucesso e acerto. Ter a capacidade de errar e de não sermos tão apegados ao que é ditado nos dá a incrível capacidade de criar, de “inventar moda”. É deste processo que surge a verdadeira moda como formadora de novos padrões e como geradora do novo. Além disso, devemos entender que a moda sempre estará na mídia e a mídia estará na moda. Uma faz parte da outra e uma se dá por meio da outra. Como irmãs siamesas, permanecem unidas na necessidade de criar e de surpreender, trazendo aquilo de mais espetacular que possa surpreender o homem. Isto posto, estarão sempre juntas e fazem parte de uma mesma engrenagem que as torna possíveis e que gera uma infinidade de outras possibilidades que podem ser benéficas ao humano. Por fim, nos cabe entender as maneiras como a mídia se relaciona com a moda e aprender a ver além das aparências e do que está escrito. Nos perguntar diante de matérias, editorias e críticas é uma boa forma de exercitar um senso crítico pessoal que não irá guiar-se pelo senso comum. Devemos, antes de tudo, confiar naquilo que sentimos e saber decodificar o que nos é mostrado e a forma como recebemos isso. Saber distinguir aquilo que nos move pois é belo, inovador e criativo daquilo que se liga com nossas experiências pessoais ou que carrega algo de memória afetiva. Claro que todos somos seres de sentimentos e emoções e que elas fazem parte de nossa humanidade, mas ao menos poderemos enxergar um pouco além daquilo que está em nossa frente. Entender o que está escrito nas entrelinhas da moda e as formas como tudo isso está ligado em um processo e afeta todo um universo que rege e faz da moda aquilo que ela é. A partir desta consciência, podemos construir um novo olhar, mais ético, responsável, verdadeiro e real. Página 4 Moda e Imprensa: uma relação de interdependência passional Bibliografia DROGUETT, Juan. (org.) Mídia, Cultura e Comunicação. São Paulo: Arte & Ciência, 2002. FREUD, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização. São Paulo: Imago, 2003. LIPOVETSKY, Gilles. Império do Efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo: Companhia das Letras, 2003 Anhembi Morumbi Página 5