Cinética da degradação da cor de solução
hidrossolúvel comercial de urucum, submetida a
tratamentos térmicos1
Vera Lúcia Pupo FERREIRA2, Rodrigo Otávio TEIXEIRA NETO3,*,
Silvia Cristina Sobottka Rolim de MOURA3, Marcelo Souza SILVA4
RESUMO
Soluções comerciais hidrossolúveis de urucum foram submetidas
a diferentes tratamentos de tempo/temperatura, a fim de se
investigar a estabilidade da cor nestas condições. A cor foi
medida em um espectrofotômetro COMCOR 1500 Plus no
sistema Lab Hunter e os resultados são discutidos neste artigo,
assim como as alterações de concentração do sal de norbixina e
os parâmetros de cor L, a e b Hunter. Os resultados foram
analisados quanto à ordem da reação e a dependência da
temperatura pôde ser descrita pelo modelo de Arrhenius, com
valores de energia de ativação entre 11 e 25 kcal/mol. As
alterações de cor observadas foram o aumento de luminosidade
do amarelo e diminuição do vermelho. As reações de degradação
do sal de nobixina foram de 2a ordem e de 1a ordem para os
outros parâmetros de cor.
Palavras-chave: sal de norbixina, cinética da degradação de cor,
tratamento térmico, urucum.
SUMMARY
KINETICS OF COLOR DEGRADATION OF WATERSOLUBLE COMMERCIAL ANNATTO SOLUTIONS UNDER
THERMAL TREATMENTS. Commercial water-soluble annatto
solutions were submitted to different time/temperature
treatments to investigate the stability of the color in these
conditions. The color was measured in a COMCOR 1500 Plus
spectrophotometer in the Hunter Lab System and the results are
discussed, as well as the changes in the norbixin salt
concentration and L, a, b color parameters. Data were analised
for order reaction and the temperature dependence being well
explained by the Arrhenius model, with activation energy values
between 11 and 25 kcal/mol. The changes in color showed
increase on lightness and yellow color and decrease on red color.
Norbixin salt degradation reaction follows the second order and
for other color parameters, the first order.
Keywords: norbixin salt, kinetic color degradation, thermal
treatment, annatto.
1 – INTRODUÇÃO
Os corantes de urucum (Bixa orellana L.) têm sido usados há muitos anos para
a produção de produtos de maquilagem, de tintura de tecidos e de alimentos. Os
corantes são encontrados recobrindo a superfície externa das sementes de
urucum e são constituídos na sua maioria (cerca de 80%) de α-bixina que é um
monometilester do ácido carboxílico da α-norbixina [7]. Para uso em alimentos,
a extração do corante lipossolúvel é feita, usualmente, em óleo comestível sob a
ação do calor, cujo pigmento principal continua sendo a bixina, apesar da
formação de compostos de degradação e de isomerização [9]. Para a aplicação
de corantes em produtos como queijos, torna-se necessária a utilização de
corantes hidrossolúveis de urucum, que são obtidos pela hidrólise da bixina com
soluções de álcalis de sódio ou potássio, formando um sal hidrossolúvel da
norbixina com máxima absorbância a 453nm e 483nm [4, 9]. A cor do extrato
hidrossolúvel varia de castanho avermelhado a castanho, sendo a estabilidade
desta coloração de grande importância nas aplicações industriais durante os
processos térmicos.
FERREIRA et al. [2], em estudos da cor e do teor de sal de norbixina de
solução hidrossolúvel de urucum, de marca comercial, submetida a binômios de
tempo x temperatura de 29,8 a 270,2 minutos sob 79,9oC a 200,1oC e de 30,1 a
139,9 minutos sob 70,1oC a 119,9oC, utilizando delineamento de superfície de
resposta, mostraram que, de maneira geral, ocorreu diminuição dos teores de
norbixina e que as variáveis de cor observadas foram, basicamente, aumento da
luminosidade, diminuição do vermelho e aumento ou diminuição dos teores de
amarelo. Os intervalos de tempo e temperatura onde ocorreram as menores
variações de cor das amostras tratadas em relação à original foram de 30 a 63
minutos na faixa de 70oC a 107oC e de 120 a 140 minutos na faixa de 70oC a
90oC.
Em vista disto, o presente trabalho foi realizado com o objetivo de investigar a
estabilidade desta solução, quando submetida a diferentes tratamentos de
tempo/temperatura, que poderiam ser utilizados pela indústria tanto de
alimentos, como de outros produtos, como de tingimento em tecidos, utilizandose um sistema modelo em água.
2 – MATERIAL E MÉTODOS
2.1 – Material
Solução hidrossolúvel do corante de urucum, de marca comercial, foi
homogeneizada em banho ultrassônico e submetida a tratamentos térmicos de
90oC, 100oC, 120oC e 140oC em cinco períodos de duração variando de 90 a
450 minutos. As amostras (10mL) acondicionadas em tubos de aço inox
vedados e acoplados a termopares do tipo T foram aquecidas em banho
termostático de óleo e a temperatura controlada por meio de termômetro digital.
Imediatamente após tratamento térmico as amostras foram resfriadas com água
corrente até temperatura ambiente, acondicionadas em tubos de vidro
protegidos da luz e estocadas a 5 ± 2 oC (máximo de 4 dias) até serem
analisadas.
2.2 – Métodos
2.2.1 - Cor
Foi empregada a diluição de 0,2mL de corante previamente homogeneizado
para cada 100mL de água destilada.
Cor objetiva
As amostras foram analisadas, em duplicata, quanto à cor (reflexão) por meio
de um espectrofotômetro COMCOR 1500 Plus, configuração DREOL, ângulo
de observação 10o, iluminante C, sistema Lab Hunter, espessura da amostra de
15mm controlados por anteparo branco (LH = 89,09, aH = -1,41 e bH = 3,23)
(Comunicação pessoal, V.L.P. Ferreira e colaboradores, Instituto de Tecnologia
de Alimentos, Campinas-Brasil. 1995).
O sistema Lab Hunter é um sistema de coordenadas retangulares que define a
cor em termos de luminosidade (L), vermelho versus verde (a) e amarelo versus
azul (b).
Foi calculada a diferença total de cor (∆E) [3], de acordo com a equação:
∆E = [ (∆L)2+(∆a) 2 +(∆b) 2 ]1/2
em que ∆ = diferença entre cada parâmetro de cor das amostras com e sem
tratamento.
Não foi necessária a análise estatística dos resultados, pois se desejava testar
apenas a repetibilidade da análise e não do tratamento.
Cor subjetiva
Cada grupo de amostras tratadas e a amostra não-tratada foram avaliadas
visualmente sob iluminante C, por equipe de 3 a 5 julgadores com
discriminação superior para cor, pela ordenação em termos de intensidade
maior para menor, dos parâmetros luminosidade, vermelho/verde e amarelo, sob
delineamento estatístico de blocos completos. Os dados obtidos foram
analisados estatisticamente pelo teste de Friedmann, empregando-se a tabela de
Newel e Mac Farlane [8].
2.2.2 - Teor de norbixina
A concentração do sal de norbixina nas diferentes amostras tratadas
termicamente foi determinada pela diluição das amostras em solução de KOH
5% (E1%1cm= 2850 ± 40, λ = 453nm), de acordo com método da FAO/WHO
[1] em espectrofotômetro Varian.
2.2.3 - Parâmetros cinéticos
Os dados obtidos da concentração de sal de norbixina e dos parâmetros de cor
L, a, b Hunter, para cada tratamento, foram analisados quanto à ordem de
reação de degradação e calculadas as respectivas constantes de reação (k) a
diferentes temperaturas, as energias de ativação (Ea) e o quociente entre as
velocidades de reação a uma determinada temperatura e a uma temperatura 10
oC mais baixa (Q ) [10].
10
3 – RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1 – Cor objetiva
A amostra original apresentou valores de LH = 44,2; aH = 20,8 e bH = 30,5
(Tabela 1) e foi observada a formação de precipitado branco em todas as
amostras tratadas termicamente que foram homogeneizadas para as
determinações de pigmento. A quantidade de precipitado é mínima não
interferindo assim na determinação espectrofotométrica já que esta envolve
comprimentos de onda específicos. Supõe-se que deva ocorrer o mesmo em
alimentos.
Os aumentos dos valores de luminosidade (LH) foram muito pequenos nas
amostras tratadas a 90 oC, mas elevaram-se com o tempo nas outras
temperaturas, representando um clareamento das amostras. Os valores de
vermelho (aH) diminuíram, sendo esta diminuição mais intensa quanto mais alta
a temperatura, representando a degradação praticamente total do sal de
norbixina, e a 140 oC/270 min. passaram a apresentar valores de aH negativos,
indicando a presença do componente verde da cor. Houve aumento dos valores
de amarelo (bH) para todas as temperaturas, com exceção para os tempos
maiores que 180 min. a 140 oC. O aumento do amarelo (bH), segundo
MCKEOWN [6], é devido à formação de compostos de degradação da cor
amarela e a sua diminuição a T= 140 oC é devida à degradação dos pigmentos
amarelos a altas temperaturas. Observou-se aumento dos valores de DE com o
aumento da temperatura e do tempo, representando perdas significativas da cor
da amostra original.
Houve redução dos teores de sal de norbixina (Tabela 1) em todas as
temperaturas e períodos de tempo. Conforme esperado, a temperatura de 140
oC, nos períodos de tempo estudados, foi muito mais agressiva que as demais ao
sal de norbixina, reduzindo drasticamente o seu teor após 90 minutos de
tratamento. Observou-se também, dos dados da Tabela 1, que na faixa de 90 a
100oC as variáveis de cor são mais dependentes da temperatura e menos
dependentes do tempo e na faixa de 120 a 140oC são dependentes tanto da
temperatura quanto do tempo, fato este que já havia sido observado em estudos
anteriores [2].
3.2 – Cor subjetiva
Na Tabela 2, os maiores valores significam amostras mais claras para a
luminosidade e mais vermelhas ou amarelas para estes parâmetros. A partir de
360 min a 100oC e 120oC, os tratamentos diferiram (α = 5%) dos demais
quanto à luminosidade, ao vermelho e ao amarelo e quanto à luminosidade a
140 oC. Os resultados obtidos visualmente apresentaram a mesma tendência dos
dados da análise objetiva da cor.
3.3 – Parâmetros cinéticos
Com base nos dados obtidos (Tabela 1), determinou-se a ordem das reações
(Tabela 3, Figura 1): para a porcentagem de sal de norbixina - 2a ordem; para
LH, aH e bH - 1a ordem e para a diferença total de cor (∆E) - ordem zero. No
caso dos valores de amarelo (bH), a representação do modelo de Arrhenius foi
feita em duas partes (Figura 2 d,e), de zero a 180 minutos, representando os
valores crescentes de bH e, de 270 a 450 minutos, representando os valores
decrescentes de bH a 140oC, em função das alterações ocorridas na formação de
diferentes pigmentos oriundos da degradação do sal de norbixina.
FIGURA 1. Modelos cinéticos da solução hidrossolúvel de urucum: a) degradação de sal denorbixina; b) luminosidade (LH); c) vermelho/verde (aH); d) amarelo (bH); e) diferença total
de cor (∆E). l 90 oC; n 100 oC; 120 oC; ¹ 140 oC.
Deve-se levar em conta que os testes realizados a 120 oC (Tabela 3)
acarretaram resultados melhores (r2 maiores) na determinação da velocidade da
reação (k), indicando que os parâmetros de cor e teores de pigmentos
apresentaram um comportamento cinético mais uniforme do que nas demais
temperaturas. Com base nos dados obtidos neste estudo, o processo a 120oC da
solução hidrossolúvel apresenta melhor controle, porém não significando
menores alterações de cor do que a 90 ou 100oC.
Os valores da energia de ativação (Ea) foram calculados para os parâmetros de
cor e teor de norbixina (Tabela 3, Figura 2), tendo todos seguido o modelo de
Arrhenius com coeficientes de correlação (r2) superiores a 88%. Os valores de
energia de ativação foram supe-riores para as reações de degradação do sal de
norbixina (23,9 kcal/mol) e de aH (24,4 kcal/mol). As reações de alteração dos
valores de luminosidade LH, amarelo bH e de diferença total de cor DE
apresentaram valores de energia de ativação entre 11 e 18 kcal/mol. As energias
de ativação calculadas para a degradação do sal de norbixina e a diminuição do
teor de vermelho foram mais que o dobro necessário para o início das reações
de aumento de luminosidade e uma vez e meia maior do que para a reação de
aumento dos teores de amarelo. Significa dizer que a degradação do sal de
norbixina ou a diminuição dos teores de vermelho é muito mais dependente da
temperatura que as reações de clareamento da solução, aumento do amarelo e,
conseqüentemente, da diferença total de cor, ou seja, com o aumento da
temperatura houve muito mais degradação do sal de norbixina ou aumento dos
teores de vermelho do que aumento da luminosidade ou do amarelo, em um
mesmo tempo.
FIGURA 2. Dependência da temperatura – Modelo de Arrhenius: a) degradação do sal de
norbixina; c) luminosidade (LH); c) vermelho/verde (aH); d) amarelo (bH) 0 a 180 min; e)
amarelo (bH) 270 a 450 min; f) diferença total de cor (∆E).
Os valores de energia de ativação obtidos encontram-se dentro da faixa de 10 a
30 kcal/mol, como mencionado por LUND [5] para cor de alimentos. Os
valores de Ea equivalem a Q10 na faixa de 1,5 a 2,3 para a faixa de temperatura
de 90 a 140oC (Tabela 3), significando que as reações são aceleradas apenas
moderadamente pela temperatura, isto é, a cada 10oC de aumento na
temperatura nesta faixa, praticamente as reações no máximo alcançam um
pouco mais que o dobro de velocidade. Deve-se observar que sendo as energias
de ativação maiores para as reações de degradação do sal de norbixina (2,2) e
de alteração de vermelho (2,3), os valores de Q10 para estas reações foram um
pouco superiores aos alcançados para as reações de alteração de luminosidade
(1,5), para o amarelo (1,8/1,4) e para a diferença total de cor (1,5).
4 – CONCLUSÕES
Nas condições do estudo observou-se que as alterações de cor e diminuição dos
teores de sal de norbixina são dependentes da temperatura e do tempo de
tratamento. Nas temperaturas de 90 e 100oC as reações são menos dependentes
do tempo do que nas de 120 e 140oC, quando as amostras tornaram-se mais
claras, menos vermelhas e mais amarelas, chegando a esverdeadas a 140oC/270
minutos. Esta informação é relevante para as aplicações industriais já que é de
fundamental importância a estabilidade do pigmento. Pôde-se também observar
que os testes realizados a 120oC acarretaram resultados melhores para a
determinação da velocidade da reação, indicando que os parâmetros de cor e os
teores de pigmentos apresentaram um comportamento cinético mais uniforme
do que nas demais temperaturas.
As reações de degradação de cor e os teores de pigmentos foram
moderadamente afetados pela temperatura, praticamente dobrando sua
velocidade a cada 10oC de aumento, sendo que a degradação do sal de
norbixina e o parâmetro aH são mais influenciados que os demais parâmetros
analisados, apresentando valores de energia de ativação maiores.
5 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[1] FAO/WHO Specifications for identify and purity of some food additives.
FAO Nutrition Meetings Reporting Series, n. 54B, p. 4-10, 1976.
[2] FERREIRA, V.L.P.; YOTSUYANAGI, K; CARVALHO, P.R.N.;
TEIXEIRA NETO, R.O. Comportamento do sal de norbixina (Bixa orellana,
L.) frente a diferentes binômios de tempo e temperatura. Anais do III
Congresso Brasileiro de Corantes Naturais e III Simpósio Brasileiro sobre
Urucum, Porto Seguro: Editora Bahia, 1999 (no prelo).
[3] FRANCIS, F.J.; CLYDESDALE, F.M. Food colorimetry: theory and
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[4] HERNANDEZ C.P.; RUSIG, O.; CARVALHO, P.R.N. Influence of heating
time on thermal degradation of bixin in alkaline extracts of annatto (Bixa
orellana L). Arq. Biol. Tecnol., v. 36, n. 4, p. 819-838, 1993.
[5] LUND, D.B. Effect of commercial processing on nutrients. Food Technol.,
v. 33, n. 2, p. 28-35, 1979.
[6] MCKEOWN, G.G. Composition of oil-soluble annatto food colours. II
Thermal degradation of bixin J. Assoc. Off. Anal. Chem., v. 46, n. 5, p. 790796, 1963.
[7] MCKEOWN, G.G.; MARK, E. The composition of oil-soluble annatto food
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comparison procedures in the analyses of ranked data J. Food Sci., v. 52, n. 6,
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[9] REITH J.F.; GIELEN, J.W. Properties of bixin and norbixin and the
composition of annatto extracts J. Food Sci, v. 36, n. 6, p. 861-864, 1971.
[10] [VITALI, A.A; TEIXEIRA NETO, R.O. Introdução à cinética de reação
em alimentos. In: Teixeira Neto, R.O; Vitali, A.A (Coord.) Reações de
transformação e vida de prateleira de alimentos processados, 2. ed.
Campinas: Instituto de Tecnologia de Alimentos, 1996. p. 2.1-2.13. (Manual
Técnico no.6)
6 – AGRADECIMENTOS
Projeto apoiado pelo Programa de Bolsa de Produtividade em Pesquisa do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq para
o autor principal, e financiado pelo Governo do Estado de São Paulo.
1
Recebido para publicação em 15/05/98. Aceito para publicação em 13/04/98.
2 Common Sense - Serviços e Assessoria em Análises Físicas e Sensoriais.
Fone/Fax: (019) 241-6741, Campinas-SP
3 Instituto de Tecnologia de Alimentos, Av. Brasil 2880, CEP 13073-001. Fone:
(019) 241-5222 ramal 170 Fax: (019) 242-3104. Campinas-SP,
[email protected] [email protected]
4 Bolsista de Iniciação Científica - CNPq.
* A quem a correspondência deve ser enviada.
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