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2006
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Poeta de Gaveta
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r e a l i z a ç ã o
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Profª Drª Suely Vilela
Reitora
Prof. Dr. Sedi Hirano
Pró-Reitor de Cultura e Extensão Universitária
Prof. Dr. José Aparecido da Silva
Prefeito do Campus Administrativo de Ribeirão Preto
João Braz Martins Júnior
Diretor da Divisão de Apoio à Cultura e Extensão
Aurélio M. C. Guazzelli
Chefe da Seção de Atividades Culturais
Equipe
Aurélio M. C. Guazzelli (Lelo)
Camila de Carvalho Michelutti
Carlos de Araújo Arantes
José Gustavo Julião de Camargo
Lélis C. Cavalieri
Regina Célia Reis da Silva
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ISSN 1516-0513
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poesia & prosa
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Produção
Seção de Atividades Culturais
Coordenação do Projeto
Lelo Guazzelli
e-mail: [email protected]
Seleção de Originais
André Bordini
Osvaldo Felix da Silva
Preparação / Projeto Gráfico
Valnei Andrade
Capa / obra: Lélis Camilo Cavalieri
Artista plástico e arte-educador formado pela UNESP / Bauru. Integra a
equipe da Seção de Atividades Culturais / DVACEX / PCARP – USP.
Obra: Sem Título, 2006.
Técnica: Óleo sobre tela.
Dimensões: 1,40 x 0,60m
• A imagem que ilustra a capa deste volume é um detalhe da obra composta
por uma fusão de estilos, que integram dialeticamente o academicismo e o
abstracionismo como forma de expressar a intimidade do afeto.
SEÇÃO DE ATIVIDADES CULTURAIS • DVACEX • PCARP
Prefeitura do Campus Administrativo de Ribeirão Preto – USP
Rua Pedreira de Freitas, casa 04
14040-900 Ribeirão Preto / SP
Tel.: (16) 3602.3530
http://www.pcarp.usp.br/cultura
[email protected]
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prefácio
A Poesia da Academia e a Poesia na Academia
José Aparecido Da Silva
Poeta de Gaveta, iniciativa cultural da Seção de Atividades Culturais da
USP de Ribeirão Preto, é a concretização da poesia da academia em poesia na academia. De modo geral, ao optar por uma carreira acadêmica, o
profissional vivencia as Letras de uma forma mais sistematizada que literária, ou seja, na escrita de papers, teses, palestras e assim por diante.
Entretanto, ainda que imerso em atividades científicas, nunca se afasta do
embricamento da poiesis com a catarsis no cotidiano de seus dias. E, na
eventual falta de tempo para se dedicarem à leitura de crônicas, contos e
romances, que cobram uma quantidade maior de dedicação, que nem
sempre lhes é possível, é à poesia que os acadêmicos recorrem.
Mas recorrer à poesia para quê?, perguntariam-nos os não iniciados. Simplesmente para colaborar com a fluidez da vida, que uma vez leve e bela,
ressuscita em nós a esperança e a coragem na construção necessária de
um dia melhor.
Assim, ao folhear esta coletânea Poeta de Gaveta, que hoje me chega às
mãos, penso na esperança e coragem depositadas em suas páginas por
integrantes de todo o Campus, a revelarem que a poesia da academia é a
verdadeira propulsora da poesia na academia.
Sonhos e desilusões, alegrias e tristezas, coragem e esmorecimentos compuseram seus versos, revelando a todos que na quietude dos laboratórios
e nas prescrições das enfermarias, profissionais sentem a vida e a ensinam
a todos que se questionam como ela está a passar.
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Emergindo das gavetas, do anonimato e do silêncio, estes poetas ganham
voz e buscam nos ensinar que é preciso caminhar, sem medo de sofrer
ou chorar. Logo, com seus poemas delicados e profundos, conclamam a
vida a ser bela, apesar de todas as pedras no meio do caminho.
Parodiando Castro Alves, penso ser possível perguntar “Poetas! Oh poetas! Onde estão que não respondem?” Para, em coro, ouvi-los responder
“Aqui! Lançando para os próximos dois mil anos o nosso grito!”
A todos os integrantes e organizadores desta coletânea o nosso “muito
obrigado”. Muito obrigado por não desistirem da poesia enquanto vida
que ela é.
Novembro de 2006
José Aparecido Da Silva
Prefeito do Campus da USP de Ribeirão Preto
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comissão de seleção
A palavra é a matéria essencial do poeta. A linguagem — articulação de
palavras — tende a dar sentido ao que vemos e sentimos. A tarefa do
poeta é escoimar a linguagem, libertá-la de todo e qualquer excesso, fazêla significar, transformá-la em instrumento agudo capaz de ferir e afagar a
superfície dos desejos.
Nos 138 trabalhos inscritos na 13ª edição de Poeta de Gaveta ocorrem erros de diversas ordens, estruturais e gramaticais. Mas os erros
têm o dom de fecundar, de fazer germinar a semente da transformação, o
que nos permite perceber que nas Instituições Acadêmicas existem pessoas dispostas a não sucumbir ante uma realidade reificadora, e que, para
isso, lançam-se na humana e por isso arriscada aventura da escrita. Certamente, são pessoas que procuram, através da escrita, compreender e
fazer compreender que o que já foi vivido, só ganha significado se auxiliar
a desvendar o que permanece.
Os textos evidenciam um processo de criação desenvolvido num espaço
indefinido entre a fidelidade a certos sentimentos e a liberdade estilística
capaz de lhes conferir vida. O resultado é um conjunto de textos que
oscilam entre a extrema subjetividade, manifesta em versos despretensiosos, e uma certa objetividade firmada na adequação a certas estéticas já
consagradas pelo tempo, como a estética concretista.
Com esta nova edição, o projeto Poeta de Gaveta mantém viva a sua
tarefa: a de fazer vir à luz o texto de pessoas que não se afastaram da
dimensão humana da vida.
André Bordini é bacharel em Ciências Sociais e Jurídicas pela UNESP, psicólogo, escritor
e professor de redação e interpretação de texto do ensino médio e curso pré-vestibular do Sistema
COC de Ensino.
Osvaldo Felix da Silva é doutor em Estudos Literários pela UNESP (Campus de
Araraquara) e professor de literatura no Colégio Quarup-Objetivo, Sertãozinho.
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Sumário
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20 autores + 35 textos
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11 | Língua • Edberto Ferneda
13 | De cabeça baixa • Edberto Ferneda
15 | Vilma Godê • Carla Cristina Barizza
17 | Olhar meio-amargo • Carla Cristina Barizza
19 | Meio a meio • Cristiano Chaves
21 | Como Frida • Clarissa Mendonça Corradi-Webster
23 | Cogitações • Werner Robert Schmidek
25 | Na química dos sentimentos • Stefania Lello Wilkeris
27 | Transubstanciação de mim • Stefania Lello Wilkeris
29 | Alma fria e congelada • Stefania Lello Wilkeris
31 | Polícia • Alex Wagner Dias
33 | Papel de presente • Felipe Watarai
35 | Desdita • Felipe Watarai
37 | Epitáfio • Felipe Watarai
39 | Diálogo • William Lyudi Sanai
41 | Bichopovo • Maria Luiza de Moraes Souza
43 | A vida inevitável tornou-se... • Maria Luiza de Moraes Souza
45 | Não percas tempo com este poema... • Maria Luiza de Moraes Souza
47 | Estrela • Janaína de Godoy Gonçalves
49 | Sonhos • Alexandre Donizeti dos Reis Cintra
51 | Eufemismo • Glauco Fernando Ribeiro de Araújo
53 | Trenzinho • Fabio Scorsolini Comin
55 | Castigo • Fabio Scorsolini Comin
57 | Milagre • Fabio Scorsolini Comin
59 | Luz do ocaso • Ronie Charles Ferreira de Andrade
61 | Reexplorificatízio • Fellipe Miranda Leal
63 | Arames com veludo • Fellipe Miranda Leal
65 | Prólogo feliz • Fellipe Miranda Leal
67 | Esboço de tarde, com metamorfose • Manoel Antônio dos Santos
69 | As fomes de domingo • Manoel Antônio dos Santos
71 | As armas da aurora (Viagem da carne) • Manoel Antônio dos Santos
75 | A rebrota • Eduardo Francisquine Delgado
77 | Mágico • Edmir Ravazzi Franco Ramos
79 | Minha fortaleza de papel • Michel Renato Manzolli Ballestero
81 | Álgebra no coração • Michel Renato Manzolli Ballestero
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Língua
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Edberto Ferneda
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A pá
lavra
sem front
eira
nem
beira
Nenhuma palavra é necessária
depois que as línguas se tocam
Edberto Ferneda
Pós-graduando – FFCLRP
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I
A calçada passa
passo
por
passo
Edberto Ferneda
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De cabeça baixa
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A ponta do calçado desponta mecânica
mente
II
Sentado no meio-fio
a água suja
e
s
c
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r
r
e
como
vida
III
Sozinho no cinema
tento desvendar a arquitetura
e a minha vida
passada
em super-oito
no fundo
musical
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Vilma Godê
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Carla Cristina Barizza
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Vilma era viciada em tintas, goma-laca e solventes.
Possuía um coração em tons pastéis e sentimentos azuis.
Fazia pinturas modernas e abstratas em seus cabelos,
Amava Paul Klee pela sua experimentação incansável.
E usava seis cores de rímel nos cílios, ao redor de cada olho.
Era incrível a habilidade em transformar seus cílios em um corte do arco-íris.
Às vezes seu corpo surgia coberto de bolinhas vermelhas...
Pintura orgânica dizia, técnica da reação alérgica.
Antialérgico era sopa e hidratante era água de banho.
“Vilma Quatro Cores” era como a chamavam os amigos da gráfica.
“Vilma Godê”, o apelido entre os artistas pintores.
Vilma, na verdade, era composta em milhões de cores.
Só não pintava a íris dos olhos porque já possuíam duas cores... uma verde,
outra azul.
Certo dia arranjou um namorado de verdade.
Bancário e engomadinho, um tanto acadêmico para seu estilo.
Trabalhava no caixa e odiava o sol.
Seus cabelos e olhos eram pretos e sua pele, um papel em branco.
Parecia uma xilogravura monocromática.
Aparência que incomodava Vilma.
Acostumada às abundâncias pictóricas, sentia desejo pela sua pele tela nova.
Resolveu pincelar a óleo aquele corpo tela, imerso no sono dos embriagados.
Ele adorou acordar com o corpo repleto de tons cromáticos...
Pena ter ficado de pintura orgânica uma semana.
Na dieta: antialérgico e banho de hidratante.
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A coisa mais emocionante da vida dele.
Casaram-se, claro...
E todos os convidados espantaram-se ao vê-la entrando de branco clássico.
É que Vilma havia feito uma exigência aos padrinhos, que cumpriram...
Ao invés de arroz, ao final da cerimônia, jogaram baldes de tinta acrílica
colorida neles.
Tornaram-se então, um casal contemporâneo.
E viverão alérgicos e felizes para sempre.
Até que um edema de glote os separe.
Carla Cristina Barizza – F – EERP
“Escrevo contos há vários anos. Tenho trabalhos publicados
no Poeta de Gaveta. Hoje, optei por contos breves, por ser
breve o tempo que existe para a leitura.”
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Carla Cristina Barizza
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Olhar meio-amargo
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Ló olhou para seu chocolate com avelãs pelo qual sempre foi apaixonada.
Doce demais.
Enjoou dele. Largou tudo.
Um desejo inesperado de que aquele doce se transformasse em amargo.
Desejos súbitos em mutação.
Ló reconhecia no espelho sua gostosura, suas estrias ao leite, suas aeradas
celulites.
Olhou seu corpo minuciosamente, sentindo água na boca.
Ló lembrou daquele outro olhar. Que a comia sem perdão, lambendo até
os dedos.
O olhar chocolate. Visualmente doce. Distantemente amargo.
Olhar meio-amargo.
Ló derreteu.
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Meio a meio
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Cristiano Chaves
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O ópio me consome,
Com rosto e nome,
Fascínio que me chama,
Chama que se inflama.
É ódio que não some,
Tem olhos e sobrenome,
Desamor em corda bamba,
Que chora e descamba.
Bato, entro, lamento.
Sento, adentro, sem alento.
Olho, procuro, não te vejo.
É teu cheiro que ainda almejo.
No vício de te desamar,
Denuncio-me por inteiro,
Tropeço ao te falar,
Não te quero meio a meio.
Cristiano Chaves
Residente – FMRP
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Como Frida
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Clarissa Mendonça Corradi-Webster
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Aquele vestido florido do verão
disfarçando muitas tristezas
uma barriga vazia
um caroço de ameixa
as rosas todas esvoaçantes
o espinho cortando por dentro
sangue cor-de-rosa
Clarissa Mendonça Corradi-Webster – F – EERP
“Participei da sétima edição do Poeta de Gaveta (2000).”
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Cogitações
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Werner Robert Schmidek
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Eu penso
e logo insisto:
“Descarte
quem mente
e corpo
quer por aparte”
Werner Robert Schmidek - D – FMRP
“Participei da edição anterior do Poeta de Gaveta (2005).”
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niilismo dos sentimentos modernos
dos meus, somente.
químico.
atuação: dissolução fracionada
daquela que reage por ti
sobre o bico de bulsen vira
como produto.........lágrima
condensado no tubo: minha paixão
fator exógeno de atuação: teu sexo
Stefania Lello Wilkeris
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Na química dos sentimentos
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dissipada força proveniente do calor
que aquecia
agora em forma de vapor
o sentimento chora o produto
rendimento de poucos por cento
na química dos meus sentimentos
a soma dos reagentes nem sempre
é igual à soma dos produtos e
Proust, descrente, injeta no béquer
meu descontentamento depositado
como a areia na solução bifásica heterogênea
como nossos corpos
água + óleo = solução heterogênea
corpo A + corpo B = solução homogênea
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a reação
catalisada pela minha mente
permite que o bastão de vidro
introduza no interior do béquer
dissolve a solução bifásica
catalase
na base
fase assim
mono fase
não desfaze
que fico assim
sem fim
mim
sim sim
fim.
Stefania Lello Wilkeris – A – FFCLRP
“Meus poemas, minha terapia.”
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Stefania Lello Wilkeris
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Transubstanciação de mim
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Os meus suspiros são pra você
Um estranho jeito de dizer “mas pra quê?”
Entornada em seus delgados braços
Entorpecida de êxtase hilariante
Amotinada por hematomas periclitantes
Apaixonada por ti
Humanizado, encarnado, real
O amor transcendente e imortal
Dá formas às palavras que não cabem
apenas sentem
não ditas
A transubstanciação de mim.
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Stefania Lello Wilkeris
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Alma fria e congelada
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Com selvageria alcançou o segundo andar e deu as mãos ao coração selvagem Apertou com insistência sem entender o motivo da dor
Fitou e deduziu Não reconheceu As mãos sedentas de prazer alcançavam
a tão sonhada amiga Ignorou o fato do prazer O medo pela figura angelical
alcançou o par de olhos que não suportaram a brancura dos dois pendurados à parede amarelo-clara.
Sentiu asco a ternura no olhar e pensamentos distantes Como afirmar se algo estava errado? Aparentemente tudo certo O gelo instalou-se
por alguns minutos Mudou de idéia quanto ao local e buscou meus olhos
para sugerir que retomasse ao cômodo de início Talvez pela assustadora
figura angelical.
Sugestão de um contato mais profundo A resposta veio como ignorância “por quê?” Seria óbvio se ele respondesse Mas não... Calou-se
no modo da exposição absurda do seu mais tenro desejo.
A sabatina Sem propósito Só contra suas frases e sentenças mal
colocadas “Why?” Era tudo para fazê-lo se sentir inferior no entanto não
assim se sentia.
A amargura por sua vez alcançava um patamar mais notório na minha sabedoria Ganhou novos versos Um corpo dotado de vontade e de
princípios Versos outrora sem sentido Nonsense.
Características próprias e o rosto voltado para a televisão Que fala
mostra figuras mas não diz nada Só a linguagem corporal Que busca meu
corpo como quem agarra um copo e mata a sede com a boca imersa em
saliva.
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Combinação de culturas desacordos implícitos Somente a vontade
Algo unia os dois corpos Quem vai abrir a boca para dizer o quê? Tá tudo
certo não tá? Não!
A tempestade de neve já foi embora Minha alma no entanto ainda
clama o êxtase.
Exausta no tédio balanço meus negros cabelos no ar em busca de
um reconhecimento pelos meus cachos “Não prende não!” como se dissesse Mas ele é mudo Eu sou surda E nosso mundo não tem diálogo em
comum.
Assim é melhor senão destrói e demole a alma fria e congelada e é
depois que
O âmago sôfrego
tro
p
e
ç
aaaaaaaaa
na calada da noite
como quem tem fome
não se alimenta
Só hesita
A amargura da solidão
Por sua vez
soluça
no peito
desassossegado
doentio
clama o êxtase.
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Polícia
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Alex Wagner Dias
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Nervoso
Nervoso com maracujá no estômago
Com maracujá no estômago, nervoso.
O mundo instiga-me e nervoso, ansioso, preguiçoso,
Com maracujá. Sem água, e açúcar, e polpa.
A vida é o mundo todo.
E toda vida sou eu.
O todo.
Nervoso, ansioso, sem água,
açúcar.
Preguiçoso como polpa.
Nervoso como o maracujá:
Maracujá remédio que o próprio
Não pode tomar.
Nervoso!
Nervoso maracujá do universo
Numa semente de contrição e estouro.
Alex Wagner Dias – A – FFCLRP
“Participei dos volumes 10, 11 e 12 do Poeta de Gaveta; da
coletânea Poemas de Amor (Ed. Riopretense) e Uni-Verso,
coletânea de poemas (tema livre).”
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Felipe Watarai
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Papel de presente
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Guarde contigo
— como esta caixa —
o mais bonito
verso que caiba
não em presente,
nem em canção,
mas no que sente
o coração.
Felipe Watarai – Pós-graduando – FFCLRP
“Publiquei poemas no volume 9 do Poeta de Gaveta (2002).
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Desdita
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Felipe Watarai
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Despejo despautérios
desde quando
descobri que tudo é
desespero nas minhas
despedidas de você.
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Epitáfio
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Felipe Watarai
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O FIM
ENFIM
EM MIM
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Diálogo
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William Lyudi Sanai
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Duvido
Não faço
Desafio
Paraliso
Instigo
Me calo
Questiono
Sem resposta
Obrigo
Eu brigo
Forço
Te bato
Te mato
Morro
William Lyudi Sanai – A – FMRP
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A caneta é bicho fêmea,
é mulher essencialmente dura,
essencialmente tórrida,
essencialmente.
é mulher que se demora em curvas
e se desmancha em retas
e acaba no sem fim,
em reticências:
brancas duras penas
brancas duras presas
brancos duros partos
de cada letra, de cada
palavra-ovo
do novo
que lhe infla o ventre
fruto do sexo entre o nexo
e o léxico.
Bichopovo
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Maria Luiza de Moraes Souza
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A caneta é bicho mãe
da poesia
muito embora o cérebro macho
queira sê-lo.
É sangue que se derrama em cores
e se perde em mares
e se espatifa verde
em Ilha Negra.
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É torrente do humano
que deságua tinta,
e dilui metáforas
em grafite gris,
que de ponto e pena
escreve e encena
o alfabeto nosso
e recita rezas
e receita versos
e revolve rios
e revive ossos;
é mulher ilimitada
humanamente pétrea,
humanamente tépida,
humanamente
e que pinga pontos
que não são finais
no sem fim do mundo
no sem fim do tempo
no sem fim de nós.
Maria Luiza de Moraes Souza – A – FMRP
“Participei do volume 12 do Poeta de Gaveta (2005).”
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Maria Luiza de Moraes Souza
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A vida inevitável tornou-se
criança feia e torta
(respirar e seguir sendo)
É impossível não ser
ao menos nada.
Do suicídio
a carta
é a vida.
Não valem os pulsos cortados
mas o sangue na camisa
Não é a bala
mas o resto de chumbo
o estampido nos tímpanos
segundos antes
quando se vivia.
Irrefutavelmente.
O choro explode do berço rouco
Sino inevitável do presente
Talvez fugir
Talvez não ser
(ser sem que tu sejas)
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Às quatro horas
matar é pouco
Às quatro
estateladas
horas
o sangue, lento,
não tem nenhum prazer
A morte é como se acordássemos
Fim de um sonho que nem merece recordação
Mas a vida!...
A vida bale
A vida berra, grasna, ruge, zurra
a pulmões tão plenos
que é só o espanto:
Respirar
E seguir sendo.
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Não percas tempo com este poema
que eu só escrevo porque não posso não fazê-lo.
O que se segue te distrai da vida,
da vida real tangível que é o que realmente importa:
O haver outras pessoas como tu apoiadas sobre as patas
O haver bichos e seres e montes
O haver vento quando há vento
ou sol quando é dia e faz sol
e chuva quando inevitavelmente chove.
Não leias.
Sai à tua janela metálica
e olha as coisas do mundo.
Percebes?
Não precisas que eu te diga que da tua janela se vêem os prédios
e que não há pássaros na cidade
nem nuvens.
Não precisas que eu te lembre de que há um horizonte
diferente de tudo o que nunca viste,
um horizonte, em algum ligar,
visto por outros olhos amarelos-puxados-russos-redondos
em que talvez haja neve ou arroz ou mar ou nada
ou apenas uma menina que corre
e esquece,
perdido no ar,
um cheiro de cabelo e infância
que existe dentro de qualquer um —
— mesmo de ti e de Adolf Hitler.
Maria Luiza de Moraes Souza
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Não precisas de mim por detrás desta folha que devoras
(linha a linha)
esperando qualquer coisa que te renda da dureza de estar vivo.
Larga esta folha, homem,
que mesmo do teu tédio nunca tirarás um verso.
És um homem comum,
Um homem qualquer da tua espécie,
de carne e de memória,
a se distrair da vida com a tinta alheia.
Se queres mesmo um conselho, sugiro:
Não percas tempo com este poema.
Melhor ficares com teus prédios emoldurados da janela —
— Pois estes sim existem.
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Janaína de Godoy Gonçalves – A – FFCLRP
“A poesia sempre faz parte dos meus momentos mais marcantes.”
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Poema Narrativo de Rimas Toscamente Pobres
em Alguns Parágrafos com uma Mensagem de Epígrafe
“Renda-se como eu me rendi.
Mergulhe no que você não conhece, como eu mergulhei.
Pergunte, sem querer, a resposta, como estou perguntando.
Não se preocupe em “entender”.
Viver ultrapassa todo o entendimento.”
Clarice Lispector
Sonhos
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Alexandre Donizeti dos Reis Cintra
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Foi assim que se deu. A grande cientista sonhou, adormeceu. No
silêncio da noite viveu e morreu. Sentiu, sofreu e acordou para um novo
dia.
Era de noitinha e estava Sophie às voltas com seus experimentos.
Eles eram complicados e nem vale muito a pena explicar. Basta dizer que
Sophie queria descobrir uma essência, um tudo, o segredo de nossos
pensamentos e sentimentos. A razão, uma razão.
Era física, matemática, teóloga e socióloga; filósofa, historiadora,
geógrafa e economista; bióloga, médica, escritora contista; tentava tudo
juntar a sonhadora cientista. Mas nada conseguira até agora...
Desde criança fora um prodígio. Enigma profundo, livre de litígio;
trilhara os caminhos com total maestria e agora contemplava o final enigma que se abria.
Clara, obstinada e pensativa, Sophie trilhara os caminhos da vida.
Não se contentava com ideologias, políticas e senões. Tinha ela suas próprias razões.
E agora, ante o experimento primordial e final; ela pensava, pensava, mas o fulgor de sua razão era enfim vencido. As horas passavam (passavam) e o silêncio de Morfeu trocava sua obstinação pela falta de razão.
Os sonhos começavam a povoar sua mente e em seu mundo entrou tranqüilamente.
Ah, o mundo dos sonhos...
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Delírio onírico dos poetas, palco da visão dos profetas; palco da
vida que fulgura, com tal clamor e candura, que chega a comover o mais
racional dos corações.
Sophie se viu criança a andar, tentando mistérios explicar, mas com
a mente livre do pensamento e plena do encantamento; que é típico das
crianças, mas que é comum aos adultos abandonar na busca de seus mistérios explanar.
Ela corria, vivia; mistérios desvendava, florescia; vivia e sonhava, só
isso bastava. Essa era a vida que tanto queria.
Então Sophie se viu pensando, estudando; a solução do mistério
sonhando, procurando; buscando algo que há décadas descobrira.
Sophie acordou, encontrou, seus mistérios solucionou, se encontrou; enfim entendera. Ganhara um entendimento mágico, que só traduzir-se-ia na serenidade de um sonho.
Estava a vida explanada, como causa solucionada que não carecia de
solução. Sophie entendia, vivia; solenemente refletia. Sua vida mudava. Ela
vivia.
Lá fora, as estrelas ainda brilhavam e os mistérios oníricos se traduziam na beleza epifânica de um vaga-lume.
Alexandre Donizeti dos Reis Cintra – A – FMRP
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Eufemismo
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Glauco Fernando Ribeiro de Araújo
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Decretou um silêncio estridente, que fez sua mãe chorar, seu pai
perder a fé, os vizinhos chamarem polícia e médico e o síndico de seu
prédio pedir para ele gritar.
Somente quem se calou sabe, que o sol nasce e não dura mais que
um dia, depois da luz, surge à escuridão e aqueles que não acreditam em
deus, imploram para alguém lhe ninar, me ninar, menina.
O cessar de sua voz denuncia o desejo de quem não quer mais ser
ímpar, denuncia o desejo de dividir sobre as batalhas ganhas, as aventuras
enfrentadas e os caminhos que passou. E não importa as guerras e as
festas imensas, ou se na sala as rosas estão cheirando mal, tudo esta muito
distante, afinal tudo é super, as garotas são super, os dias são super, a vida
é superficial e não adianta se calar que a dor não passa.
Glauco Fernando Ribeiro de Araújo – A – EERP
“Sou um iniciante na atividade literária.”
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Trenzinho
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Fabio Scorsolini Comin
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“Lá vai o trem com o menino.
Lá vai a vida a girar.
Lá vai ciranda e destino.
Cidade e noite a rodar.
Lá vai o trem sem destino
para vida nova encontrar.
Correndo vai pela serra,
vai pela terra, vai pelo mar,
correndo entre estrelas ao luar
no ar, no ar.”
Letra de Ferreira Gullar para Trenzinho do Caipira,
de Heitor Villa-Lobos.
Foi numa festa de Santa Rita que eu pedi para você nascer. Tomei
banho de cheiro, cobri minha cara com pó e abri todos os trinta e dois
dentes para o dia da ceia de santo. E rezei terços, quartos, quintos, todos
os rosários, para o dia de você chegar. Pintei as unhas e deixei o laço de
fita para que me visses mais mulher. Guardei um verso rimado em papel
de carta, com sete chaves. Aguardei tua chegada na estação como quem
recebe um trem de presente.
O amor tinha olhos puxados, a cara amarrada e um sotaque folgado, como quem diz que vai à praia, todo vestido de preto. Eu deixei meus
olhos verdes fechados, levantei a saia e abri as minhas pernas, em sinal de
devoção. Veio, se apossou, comeu pastel de vento, lambuzou-se de café
e de carinhos. Deixou pequenas mordidinhas na minha pele branca e uma
música da Bethânia para eu decorar. Eu cirandava e te sentia em mim, tal
como um bater de asas.
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E um dia, como tudo-nada é eterno, nem mesmo neste conto que
lhe dito com voz frouxa, você baixou minhas pernas, fechou minha boca
e disse: “Não é nada com você, mas...”. Virei bicho, rasguei peles, pêlos,
plumas, pílulas e partituras. Cortei ladainhas, pulsos, cortei meu átrio esquerdo em cem mil pedacinhos para você juntar. Mas você não junta,
Marcelo. A gente não se ajunta. Nem com promessa, nem com aquele
verso da Clarice. Nem com cola quente.
Daí virei mulher. Fui colar outros corações por aí. Mas quando a
dor me vem, eu choro. E viro menina. E quero teu colo. Que não vem.
Que não vem. Que não vem. Que não vem. Que não vem. Que não vem.
Pego no sono com a cantiga que faz tua ausência. E um trem me atravessa.
Fabio Scorsolini Comin – A – FFCRP
“Participei de algumas antologias, entre elas os volumes
10, 11 e 12 do Poeta de Gaveta. Escrevo porque uma
idéia me perturba e porque sempre amei as palavras.
Palavras com gosto, com cheiro, com vida. E estas,
muitas vezes, me escapam. Aqui sou completo.”
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Castigo
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Fabio Scorsolini Comin
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Deus me perdoe
por amar de ato impensado,
e religiosamente,
um de teus fiéis.
Algo de sagrado me habita
e me torna seguidor
de tua palavra mansa,
esguia e sulferina.
Separo as asas por entre as costelas
industrioso operário que sou
como um homem ama o outro
assim, fiel à carne que cede.
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Milagre
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A André Ricardo
“(...) e eis que a sarça ardia no fogo, e a sarça não se consumia”.
Livro do Êxodo, 3
Fabio Scorsolini Comin
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“Me chama, me chama, me chama,
Nem sempre se vê mágica no absurdo”
Lobão
Crê, Moisés,
na chama que arde
e que aponta para teu peito
feito sarça que se desmancha
sem se esgotar.
(salpica e não fagia)
Alumbra-te com a fagulha
que devora, inconstante,
tal qual o desejo
que mal sabe
o caminho de volta.
(cerceia e não cedia)
Liberta meu povo
de cem mil homens
e reserva um espaço
para um único corpo
sagrado e secreto.
(ateia e não sibila)
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Amansa minha carne
com teu cajado
e me faz seguir-te
feito um cordeiro sedento
cada vez que passas por mim.
(saboreia e não sadia)
Ama-me, religioso,
sem vacilar,
que eu sou sarça daninha
e eu vou morrer
de tanto brotar.
(sarceia e não sacia)
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Luz do ocaso
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Ronie Charles Ferreira de Andrade
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Vinho raro desprezado.
De longa data guardado na adega dos sonhos,
Já não me embebedo.
Devo estar sóbrio.
Levemente quieto.
Serenamente distante.
Devaneando um estranho e raro silêncio.
Pacificado? Domesticado!
Soerguido das constantes avalanches da vida.
Da incerta constância das cenas,
Cansado do baile de máscaras.
Macerado na alma, escondendo escaras.
Antevendo futuros, revendo passados, estático no tempo de agora.
Desfazendo escuros, refazendo muros, redefinindo fronteiras...
Será que ainda é tempo?
Será que há tempo?
Sei sobre a poda da videira!
Que não venha a uva costumeira de aparência bela, e de sumo azedo.
Que nem vinho se faz com ela, não fermenta, apodrece!
E levemente quieto, levedando o incerto...
O que faço com tudo isto construído em beira de abismo?
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Talvez eu abra a janela.
Que a luz do sol empurra desesperada.
E queima como minha alma, na sombra da madrugada.
Em que a lua, testemunha ocular da crua insanidade,
Revela-me no que cala deste corpo que gela,
Que a realidade que me resta, e tão-somente um momento
do falso de nós.
Falseado pela minha vontade, de fazer por mim, o que você não fez,
e fazer por ti o que nunca fui capaz de deixar de fazer.
Serenamente apagado,
Já me vejo distante demais para ir, distante demais para voltar...
e sob as linhas do poema, o poente de mim,
no ocaso de nós se confunde com a noite.
Ronie Charles Ferreira de Andrade – F – FFCRP
Poeta, historiador, autor do livro “Vazantes da Alma”.
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(...)
“Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não”
Carlos Drummond de Andrade (1951)
Fellipe Miranda Leal
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Reexplorificatízio
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Parece que não sou muito bom na disciplina carinho,
querido aluno estrelar a vagar,
Parece também que meu beijocar não é tão gestante,
é motejante, planto rés pranto.
Músculos e dor sem céu para compor,
não sou mais o mesmo comigo mesmo.
Meu solitário passatempo é brincar com letras
e suas intensas cores num lépido canto.
(E também, muito oportunamente, com as palavras
estampadas nas frestas, ah palavras!
Estas mutualísticas figuras são jardim onde despejo carinho
carim – desencanto encanto).
Crio e descrio, arranjo e desarranjo, leio e desleio,
escrevo, rabisco, pinto, apago, rasgo
Compartilho e depois guardo para o sempre,
para aquecer tanto quanto um espanto!
Ultimamente, tenho escrito coisas em que noto
uma patente palavra recorrente,
Uhmm... acho que deveria registrar esta palavra,
é algo que sopra um acalanto.
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Faltava nas aulas de gramática, talvez seja um verbo,
o professor carioca um samba,
Flutuante, impessoal, incessante, anômalo, predicativo,
toante sem teto sem manto,
Nominativo, havia um motivo esplendoroso, recreativo,
primeira pessoa sem verso,
Num ato único, devia ter prestigiado aos sismos o carioca,
agora tenho um verbo santo.
Tutu com quiabo ficam para sexta, ainda tenho
que me recompreender pertuitamente:
Tiamar. Eu tiamo. Agora fica. Volto às estrofes
sem terminar e fico a tiamar tiamando.
Fellipe Miranda Leal – A – FMRP
“Participei da última edição do Poeta de Gaveta
(2005), além de outros prêmios e instalações.”
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Vento nas árvores
As bolhas de sabão
Foram com as folhas.
Estrela Ruiz Leminski
Fellipe Miranda Leal
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Arames com veludo
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Pela manhã,
Do jornal da zona sul
Chega a notícia do mês:
“Preso no interior
Casal seqüestrador
De espuma e estrelas
Após plumas de brilhos e burburinhos”.
Pela tarde,
O telejornal local anuncia
A liberdade de mais um ex-condenado,
E segundo o horticultor
O antes preso confessa:
— Vou roubar mais confete e sorvete!
E logo chega a noite,
Crianças brincam no computador,
Tentam acertar a circunferência
Seus pais dizem austeramente:
— Já é tarde, vão dormir...
Afinal, noite é cousa de gente grande.
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Prólogo feliz
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dedicado à Clarice Lispector
Fellipe Miranda Leal
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Lacuna sem vértice,
Aresta de giz,
Ligação sem réquiem,
Determinante e raiz.
Pela escada
Goteja destoante
A mesma flutuante matriz.
“Nós terminamos adivinhando, confusos, a perfeição.”
Clarice Lispector
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Os cotovelos escorados
no parapeito da janela
esperam a seresta
Porém pavores dependurados
no espelho cego
testemunham o fim da festa
A brisa desalinha os cabelos
e eriça a pele acetinada
Embala a lassidão do dia
a lavanda da tarde lavável
— os frutos amadurecendo ao sol
com cheiro de urinol
Manoel Antônio dos Santos
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Esboço de tarde, com metamorfose
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A chama ávida cumpre
seu ciclo de perpétuo cio
Espasmo do abismo
— a borboleta examina
a mina do casulo
e perde o medo do escuro
Manoel Antônio dos Santos – D – FFCLRP
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Manoel Antônio dos Santos
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As fomes de domingo
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Domingo de chuva atravessado pela notícia brutal. Encapotados, a confraria dos ditos
malditos — ou melhor, dos tidos como amigos —, rumamos para a despedida.
Agora, de onde ele nos fita na horizontal, é curioso observar o rosto opaco sem a
barreira dos óculos. Com olhar zombeteiro, ele nos mira. O riso estacionado em um canto
dos lábios.
Custo a respirar. Esse cheiro de cravo esmagado empesteando o ar compacto. Nuvens
de mosquito subindo de águas mortas. Aflição no peito, náusea, bolha escura no estômago.
Tomou um tranqüilizante. Um não, um vidro inteiro. Para dormir. Reparo na rugosidade
da superfície da face perfeitamente escanhoada. Um corpo liso e escorreito, todavia sem
substância. Sem permanência. Só a ânsia do vazio bailando no bojo frio da carne.
Silhuetas ao redor do esquife celebram um pacto abjeto. Estivesse realmente aqui,
daria um basta na lamúria, exporia as carpideiras ao ridículo. E desmontaria a impostura da
compaixão, denunciando a meia-verdade dos conluios fúnebres.
O pernóstico cunhado costura uma retórica reverberante que contrasta com seus
pensamentos em vida, sempre singulares, quase sempre originais. Cada conto que escreveu,
uma jóia de concisão, ovo portátil.
Ele permanece impassível saboreando o legume envenenado. Parece não achar o tom
da reação. E eu temo que tenha habilmente escolhido esse momento para ressurgir como
uma aparição, mais real e cruel do que nunca, desmentindo o ceticismo da audiência.
Posso identificar essa cena em obras precedentes de sua lavra criativa. A história
contada sempre se esboçava com traços vagos, apoiada em um fiapo de enredo. Para ele, o
que contava era o poder da sugestão, não situações intensas. Estar ali, furtivo, no próprio
funeral, poderia ser mais uma de suas reiteradas obsessões, sua reserva final de ironia.
Não deixou testamento. Recém-liberto do cativeiro doméstico. Três ex-esposas, três
pensões vitalícias. E de um incômodo filho bastardo — o fruto espúrio era o segredo mais
bem guardado da família. Escapou das multas de trânsito, do tratamento de dentes, do fardo
dos compromissos pendentes. Não deixou apontamentos para um novo romance. Tampouco
seguro de vida. Nem quando soube que a vida, seguramente, escorria pelo ralo.
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Fico tentado a tocar-lhe a nuca, na parte em que o sol não alcança. O torso do herói
despido da antiga vibração. A escolta dos quatro círios, como hirtas espadas, remos n’água
ou aves de arribação. A verve de um criador que sabia esculpir a palavra até o ponto de içar
o significado mais inaudito. Agora o sabemos -nós, que o choramos e purgamos seu remorso.
Paira como uma sombra, à maneira de mortalha. Planando em sua morte, ancorado no
centro da sala, velado pela penumbra. As asas encolhidas no casulo de pinho. O silêncio tão
denso que se pode cortar com uma faca.
Enfeitiçado à meia-luz, prestes a trespassar o túnel, a ponte, o limiar. Prestes a descobrir
que não há nada lá. Borboleta grávida de espanto.
Enfeitiçado como nós, sujeitos ao esquecimento. Definitivamente provisórios.
De repente o cheiro adocicado de jasmim invade a sala. Semente nua no canteiro. Senti
um arrepio. E as asas começaram a crescer.
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Viagem da carne nas intermitências da febre:
dispara o coração demasiado
Faço exercícios de abismado
A gaiola narra ocorrência de vôos
e abriga o vento
(penas brandas contra um céu de chumbo)
Beijo uma idéia
(enredos rarefeitos
rolam no abandono do meu desejo)
A resposta do pássaro ensolarado
escorre pela foz dos dedos
(Viagem da carne)
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Manoel Antônio dos Santos
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As armas da aurora
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Os passos
ainda errantes
na dança infinita
do sangue
Minha herança
de malogro
Algo que paira escoltado
entre o pássaro
e
o
vôo
Como ficaram para trás:
1) o sol na varanda
deposto
em pétalas de breu
2) o fogo na pele da moça
numa estrada empoeirada
de Curvelo
3) as marcas que fiz
com os dentes no estribo
ao espiar a manhã escovar seus cabelos
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Aturdida na quase cegueira
da tímida fala íntima
a língua permanece em repouso
— dardo vivo debaixo do sol
o espanto do pássaro
é assomo espesso como pedra
pode-se cortar seu silêncio com faca
antes de se atirar ao desnorteamento
O sol me ampararia
dos demais insultos
O sol tem ossos pontudos
— e o silêncio pétreo
tão sórdido e rasteiro
atravessado pelo galope de crinas
como espada
consignada
pelo canto afiado do galo cego
Uma-a-uma-a-uma-a-uma-a-uma
trilha de formigas matutando teoremas
Vaga-lumes vagavagando em velocípedes
melodiando o cansaço do brejo
O coaxar de sapos sustém
uma afinação sinfônica
até que a marcha dos insetos
e as setas inquietas das reses
prestes a parirem
bordem a aurora camaleônica
Escuta-me: daqui de onde diviso
um país em convulsão
(cadáver na vala comum da crise
em avançado estado de
decomposição)
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Daqui de onde avisto e avio
a bula da demolição
não sou nenhum e ninguém
(apenas eu e outro)
ou se mais que palpável
na erosão da pele
que se interpenetra
No outro de mim
que me premedita
renasço
E revogo disposições em contrário
Por favor, não bote reparo. É só um vício
que veio de trás, do través, do antanho
cacoete de anjo baldio
com farda de andrajo
e asas atadas com barbante
Herança do porte solene dos cães
de antes
de anteontem
ladrões de madrugada
dependurados em estrelas
ilesas
no assomo de auroras frígidas
Em suma, o que se diz em mim
(no através de meu ser)
é: volto em primeira pessoa
Volto em primavera — verás:
provisões
que se depuram
de um coração renovado
Sei o que é estar vivo
depois de morrer e ser árvore
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A rebrota
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O ramo não produtivo
crescimento excessivo no mundo
somente o vegetativo
este é cortado bem fundo
Eduardo Francisquine Delgado
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A poda é agressiva
procura limpar por inteiro
a parte que é nociva
ao olhar do perfeito floreiro
Nasce então a rebrota
que da seiva busca poder
vinda da vida nova
que do céu veio pra ser
Agora sadia e inteira
a vida eterna floresce
naquele que na verdadeira videira
bem ligado permanece
Eduardo Francisquine Delgado - D – ESALQ
“Não tenho publicações ou participação em eventos
literários, apenas escrevo como um exercício para alma
e tenho guardado meus pensamentos na gaveta.”
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Mágico
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(..)
“As rosas não falam
Simplesmente as rosas exalam
O perfume que roubam de ti, ai...”
Cartola
Edmir Ravazzi Franco Ramos
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Tirei uma rosa de minha cartola
Para dizer o quanto te amo.
Pena que as rosas de Cartola
Não falam...
Edmir Ravazzi Franco Ramos – Pós-graduando – IFSC
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Meus versos mostram minha face rara.
Escrevo poemas para me esconder,
Ocultar coisas que deveria fazer,
São o meu refúgio, minha máscara.
Minha fortaleza de papel
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Michel Renato Manzolli Ballestero
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Meu verdadeiro ego, desconheço,
Ele aparece e desaparece de repente,
Em noites de inspiração, na mente,
Em minutos sou eu, depois pereço.
É na minha poesia que eu me defino,
Nela me equilibro entre a lucidez e o desatino
Quando o real é deserto, solo seco e sol a pino,
Eu saio de cena, escrevo um poema e reanimo.
Michel Renato Manzolli Ballestero – A – ICMC
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Álgebra no coração
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Michel Renato Manzolli Ballestero
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Apesar do subespaço vetorial
Da imensidão do seu olhar
Convergir a mim,
De nossa intersecção
Tender ao infinito,
Nossa união será sempre
O conjunto vazio.
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Inscrições realizadas no período de 8 a 31 de maio de 2006.
Total de 60 inscritos com 138 trabalhos:
• Piracicaba – 13 inscritos > 29 trabalhos
• Pirassununga – 2 inscritos > 06 trabalhos
• Ribeirão Preto – 40 inscritos > 90 trabalhos
• São Carlos – 5 inscritos > 13 trabalhos
POETA DE GAVETA é uma publicação de poemas, contos e crônicas
de alunos, funcionários e docentes dos campi da USP,
editada pela Seção de Atividades Culturais da Prefeitura
do Campus Administrativo de Ribeirão Preto – USP.
Os textos publicados são de inteira responsabilidade de seus autores.
POETA DE GAVETA • Volume 13 / 2006
ISSN 1516-0513
Impresso em novembro de 2006. Tiragem: 2000 exemplares.
Distribuição gratuita. PROIBIDA A REPRODUÇÃO.
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Poeta de Gaveta - Prefeitura do Campus USP de Ribeirão Preto