MINHA TERRA É GAÚCHA, NÃO EXISTE OUTRA IGUAL:
Negociações identitárias ligadas à tradição gaúcha no espaço do
IFFarroupilha – Campus Alegrete
ROSSI, Rossana
IFFarroupilha – campus Alegrete
[email protected]
Resumo: Neste artigo, apresenta-se algumas análise a respeito de como os sujeitos jovens se
movimentam em uma cultura ligada à tradição gaúcha e as tensões produzidas por meio daquilo que
consomem; enfoca-se, assim, nos processos de produções identitárias e de negociação de
significações culturais em um espaço singular: o IFFarroupilha, Campus Alegrete. O corpus empírico
da pesquisa é composto de observações de campo e registros fotográficos feitos durante o cotidiano
institucional e de alguns eventos promovidos por esse Campus. Através das análises, aponta-se que
os jovens do Campus reconfiguram os elementos da “autêntica” tradição por meio do consumo de
seus artefatos, apontando para uma liquidez da identidade tradicionalista gaúcha.
Palavras-chave: tradição gaúcha, processos identitários, negociação de significações.
Minha terra é gaúcha
Sou aqui do Alegrete
Terra de guria bonita
E de guri que é ginete.
(Muryel Castro Dias – Aluno Formando do
Curso Técnico em Agropecuária)
Os jovens do Instituto Federal Farroupilha, Campus Alegrete – interior do Rio Grande
do Sul –, têm produzido diversas manifestações culturais, as quais estão evidentemente
marcadas pela tradição gaúcha, tal como pode ser apontado nos versos acima. Essas
manifestações podem ser demonstradas também através daquilo que consomem, uma vez
que, em uma cultura de consumo, aquilo que se possui pode contribuir nos processos
identitários, sugerindo, pois, que consumimos não só imagens, mas identidades, valores,
modos de ser. Para SARLO (1997: 28), os objetos desempenham um importante papel na
construção de identidades, uma vez que eles “nos significam: eles têm o poder de outorgarnos alguns sentidos, os quais estamos dispostos a aceitá-los”. A partir de tais
entendimentos, investiga-se como os sujeitos jovens se movimentam em uma cultura ligada
à tradição gaúcha e as tensões produzidas por meio daquilo que consomem; enfoca-se,
assim, nos processos de produções identitárias e de negociação de significações culturais
em um espaço singular: o IFFarroupilha, Campus Alegrete.. O corpus empírico da pesquisa é
composto de observações de campo e registros fotográficos feitos durante o cotidiano
institucional e de alguns eventos promovidos por esse Campus, tais como o Encontro
Cultural e Tradicionalista dos Institutos Federais do Rio Grande do Sul e a Semana de
Aniversário do Campus.
Um cenário líquido
Diversos autores têm teorizado sobre a Pós-Modernidade. Segundo LYOTARD
(1988), Pós-Modernidade é “o novo estado da cultura, após as transformações que afetaram
as regras dos jogos da ciência, da literatura e das artes a partir do século XIX” (idem: 14).
Essas transformações, segundo o autor, diz respeito ao abandono das metanarrativas
iluministas, dentre elas aquelas que se referem ao sujeito centrado, unificado, dotado das
capacidades de razão, masculino. Para HARVEY (1992), é uma condição cultural
caracterizada principalmente pela fragmentação, pelo descontínuo, pela efemeridade,
superficialidade, pelo caótico, pela compressão espaço-tempo. Já para JAMESON (1996), é
a lógica cultural do capitalismo avançado.
Enfocando nas características da cultura pós-moderna, pode-se apontar que essa
parece ressoar na cultura de consumo – ou poderíamos dizer o contrário? A efemeridade, a
compressão espaço-tempo, a superficialidade, características dessa condição cultural, vão
ao encontro do caráter efêmero dos objetos, da dinâmica do descarte, da aceleração da
produção, da crescente valorização da aparência (dos indivíduos e dos objetos) – daquilo
que se consome e se parece possuir – na constituição das identidades. É nesse sentido que
se torna relevante olhar para a cultura de consumo e compreender o consumo como uma
prática social que opera por meio das e nas culturas e que também transforma as culturas
em mercadorias. COSTA (2003: 01) elucida: “a arquitetura, as imagens, os sons, os
alimentos, nas versões „shopping center‟, vídeo, „MTV‟, „Big Mac‟, entre outros artefatos
culturais, são exemplos da cultura transformada em mercadorias que vão moldando nossas
maneiras de ser e viver”.
É também na cultura de consumo que se pode „possuir‟ diferentes identidades em
diferentes momentos por meio daquilo que se consome. Esse sintoma vai ao encontro da
condição pós-moderna, na qual os sujeitos possuem várias identidades, sendo essas
fragmentadas, podendo, ainda, ser contraditórias ou não-resolvidas (HALL, 1997).
CANCLINI (1999: 39) argumenta que “vamos nos afastando da época em que as
identidades se definem por essências a-históricas: atualmente configuram-se no consumo,
depende daquilo que se possui ou daquilo que se pode chegar a possuir”. É, pois, na cultura
contemporânea que sujeitos podem experimentar, consumir, diversas e diferentes
identidades. O consumo permite um acesso a determinadas culturas, permite aos sujeitos
transitarem entre várias culturas, entre várias identidades quase que simultaneamente.
Permite aos sujeitos ora se identificarem com uma representação, ora com outra. O que
parece ter relevância é a aparência, aquilo que é visível, que está na superfície. Nesse
sentido, pode-se inferir que as identidades ligadas ao consumo são identidades de
superfície. Assim, o fluido, o dinâmico, a superfície são aspectos privilegiados na cultura de
consumo que ressoam na condição pós-moderna na qual os sujeitos são produzidos (ou
vice-versa).
Assim, devido à importância do contexto cultural pós-moderno e também da cultura
de consumo na constituição de identidades, torna-se relevante compreender como os
sujeitos jovens se movimentam entre diferentes culturas em um espaço singular, como o
IFFarroupilha, Campus Alegrete, no qual a tradição gaúcha está marcadamente presente.
“Sou aqui do Alegrete”
A tradição gaúcha tem instituições privilegiadas para a conservação e difusão de
seus aspectos culturais tais como o Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), o qual
congrega os Centros Tradicionalistas Gaúchos (CTGs) e os Centros de Pesquisas
Folclóricas (CPFs). Esses Centros não se localizam apenas nos limites do estado do Rio
Grande do Sul, mas espalham-se pelo país e além de suas fronteiras e buscam preservar e
transmitir a tradição desse povo, ou seja, seus símbolos, costumes, hábitos, linguagem,
memórias e outros. GIDDENS (apud HALL, 1997: 14-15) explica que a valorização do
passado bem como os símbolos associados a ele é uma das características de sociedades
tradicionais, porque eles significam e transmitem a experiência de gerações. “A tradição é
um meio de lidar com o tempo e o espaço, inserindo qualquer atividade ou experiência
particular na continuidade do passado, presente e futuro, os quais, por sua vez, são
estruturados por práticas sociais recorrentes". Para HALL (1997: 27), esse apego ao
passado pode servir para tentar legitimar ou validar uma identidade tendo como referência
um “suposto e autêntico passado”.
HALL (1997: 27), a fim de entender o processo pelo qual se busca autenticar uma
determinada identidade, por meio da descoberta de um passado supostamente comum,
examina diferentes concepções de identidade cultural e afirma que há duas formas
diferentes de se pensá-la. A primeira refere-se a uma determinada comunidade que busca
recuperar a "verdade" sobre seu passado na "unicidade" de uma história e de uma cultura
partilhadas que poderiam, então, ser representadas. Já na sua segunda concepção, Hall vê
essa identidade como "uma questão tanto de 'tornar-se' como de 'ser'", e explica que "isso
não significa negar que a identidade tenha um passado, mas reconhecer que, ao reivindicála, nós a reconstruímos e que, além disso, o passado sofre uma constante transformação"
(ibidem).
Dentro dessa perspectiva, pode-se dizer que a identidade tradicionalista gaúcha
busca resgatar e preservar elementos históricos a fim de construir uma unicidade e a
autenticá-la. Dentre esses elementos, destaca-se o hábito de tomar mate/chimarrão; comer
churrasco; usar boinas, botas ou alpargatas e vestir bombachas; escutar e dançar ao som
da “música tradicionalista”; jogar truco; saber montar a cavalo e laçar boi; ter apego a sua
terra e orgulho de sua tradição; desfilar no dia “20 de setembro”1; possuir uma linguagem
própria.
Tais manifestações da tradição gaúcha têm sido experimentadas em inúmeras
práticas cotidianas culturais dos jovens do Campus. O chimarrão, por exemplo, está
presente não só nos espaços externos da Instituição como também entra na própria sala de
aula, uma vez que a direção de ensino do campus permite tomar a bebida, desde que esteja
em conformidade com o professor que está no momento lecionando. Junto ao chimarrão,
outra bebida bastante consumida é o refrigerante da marca Coca-Cola. A frase “professor,
paga uma Coca” é tão freqüente no ambiente que até se tornou uma charada como parte de
uma atividade na gincana da Semana de Aniversário do Campus deste ano. O que mais se
destaca nesse cenário não é o simples fato de consumirem quase que diariamente essa
bebida – como muitos outros jovens o fazem –, mas de fazê-lo trajados de boinas,
bombachas e alpargatas.
Apesar de sermos significativamente produzidos por uma cultura global, que acaba
nos produzindo como sujeitos „globais‟ ao consumirmos os mesmos produtos, identidades,
valores que outros sujeitos em diferentes lugares do mundo, também somos sujeitos
constituídos em culturas locais. Assim, embora estejamos vivendo em um tempo marcado
por uma cultura global, essa não se configura como homogênea e única (HALL, 1997). Ou
seja, o „global‟ não substitui o „local‟: o que possivelmente ocorre é uma nova articulação
entre „global‟ e o „local‟ – a qual se tem denominado de „glocal‟. Nesse entendimento, podese indicar essa articulação pelo ato de tomar chimarrão e refrigerante Coca-Cola e também
entre o consumo desta bebida com o uso da vestimenta tradicionalista.
Ajudando a compor essa paisagem „glocal‟, evidencia-se uma mistura de estilos:
combinam bombachas e botas com a camiseta de seus times de futebol preferidos
(Internacional ou Grêmio); ou, ao invés de botas, as substituem pelo tênis da Nike, por
exemplo; ou, ainda, no lugar do chapéu, usam boina ou boné e bombachas. Além disso,
verifica-se que a suposta autêntica e legítima identidade da tradição gaúcha se confronta
com elementos de uma cultura globalizada, transformando o cenário tradicionalista bem
como apontando para uma liquidez dessa identidade. Para BAUMAN (2004), vivemos uma
modernidade líquida, na qual tudo é leve, se esvai facilmente, nada é sólido, nada é estável
ou mantêm sua forma com facilidade.
1
Data comemorativa do “dia do gaúcho”, no qual é celebrada a Revolução Farroupilha.
De modo semelhante, as músicas que ouvem operam como marcadores identitários
da figura gaúcha. Sobressai-se o consumo da música tradicionalista, a qual se configura
como a maior parte da seleção de suas listas em seus celulares, aparelhos de MP3 e
variantes, contrastando, assim, elementos da tradição, que se caracteriza pela sua
rusticidade, com elementos tecnológicos globalizados. O gosto por esse estilo musical é tão
marcante que, em gincanas escolares, na tarefa de parodiar uma música qualquer, todos a
fazem tendo como base uma tradicionalista. Destaco, ainda, cenas de um evento,
denominado Encontro Cultural e Tradicionalista dos IFs Sul, ocorrido no Campus em 2010, o
qual reunia diversas Instituições Federais do estado. Apesar de a música tradicionalista ser
a mais predominante na ocasião, era possível encontrar alguns agrupamentos juvenis
tocando e cantando músicas de repertórios do rock-pop, pagode e outras. Esse fato vai ao
encontro da multiplicidade de estilos e identidades que os sujeitos pós-modernos podem
assumir, ao mesmo tempo ou não, em diferentes momentos, sendo contraditórias. Devido a
tal pluralidade, os sujeitos jovens não se identificam a um estilo específico, mas a vários.
Os exemplos acima indicam como os jovens ressignificam tais produtos, imagens e
identidades através do uso. Assim, a indumentária gaúcha, um elemento de uma cultura
local passa a coexistir com elementos de uma cultura global e vice-versa, inserido tais
jovens tanto em culturas caracterizadas como regionais – o que, por sua vez, os identificam
entre seus pares – como globalizadas – que os identificam com outros jovens de diferentes
regiões do mundo. Como argumenta CLARKE et al (1976), as culturas juvenis se apropriam
de produtos do mercado e constroem seus estilos, suas músicas. Embora os sujeitos
utilizem materiais e produtos oferecidos pelo mercado para construir estilos, ou mesmo
artefatos da tradição gaúcha, os objetos são apropriados, modificados, reorganizados e
submetidos a processos de re-significação. Assim, ao buscarem valorizar a tradição por
meio do consumo de seus artefatos, os jovens do Campus reconfiguram os elementos da
“autêntica” tradição ao combiná-la com elementos de outras culturas. Isso vai ao encontro
da já citada afirmação de HALL (1997b) sobre o processo de autenticação de uma
identidade, cuja uma de suas concepções diz respeito justamente à reconstrução das
identidades que ocorrem nesse processo e ao entendimento de que o passado se modifica,
tal qual tem acontecido com a tradição gaúcha nesse espaço analisado.
Cabe destacar, ainda, que a maior parte dos jovens estudantes do campus são
integrantes do curso Técnico de Agropecuária, mesmo havendo outros cursos como o
Técnico em Informática. Tais cursos, e outros ainda oferecidos pela Instituição, são criados
para atender a demanda da região. Nesse sentido, maior oferta de vagas em Agropecuária
indica maior necessidade ou interesse de qualificação na área, já que essa região se
caracteriza por suas lavouras de arroz e soja e criações de gado e ovelha. Enfatizo, aqui,
alguns dos aspectos da figura do gaúcho que são justamente o seu apego a terra, ao
cuidado do cavalo, à criação de gado, enfim, características que remetem ao meio rural.
Logo, verifica-se uma relação entre (a) as características da região, ou seja, o meio rural, (b)
a valorização da tradição gaúcha bem como com o consumo de produtos, de identidades
dessa tradição por parte desses jovens e (c) a oferta desse curso técnico por parte do
Campus bem como a opção por cursá-lo já que os sujeitos jovens se identificam
culturalmente pela área.
Saliento, ainda, outro ponto de análise sobre esse tema, o qual se refere ao gênero.
Tradicionalmente, as gurias são chamadas de „prenda‟ – termo que significa que algo
pertence a outro; um presente. São posicionadas no ambiente privado, o lar, como mãe e
esposa. O próprio MTG reconhece, em seu site, a postura machista, justificando-a como
“originária de uma oligarquia militarizada, que demarcou fronteiras, através de lutas e de
guerras.” (MTG, 2011b) Tal entendimento é tão marcante nessa tradição que esse também
circula nas representações produzidas pela mídia, como em notícias jornalísticas. Em
estudo anterior (ROSSI, 2006), ao se analisar representações de prendas em alguns desses
artefatos midiáticos, observou-se que a figura da prenda está relacionada com a de mulher
recatada (mostrado por meio da vestimenta e do comportamento), sendo ela responsável
pelo papel de educador e transmissor os valores tradicionalistas.
Mesmo sendo visivelmente uma minoria nos cursos Técnicos de Agropecuária, as
gurias rompem com o machismo que as posicionam em espaço privado, realizando as
mesmas atividades de campo que os garotos. Além disso, elas circulam na Instituição
usando camisas e bombachas femininas – mais ajustadas no corpo do que a masculina – e
também botas e boinas, o que sugere uma quebra com a tradição de que as mulheres só
poderiam usar vestidos de prendas – fato que vem ocorrendo em diversos lugares,
evidenciando que elas são sujeitos capazes de pertencer e de se movimentar
igualitariamente em espaços antes predominantemente masculinos. No já citado Encontro
Tradicionalista, por exemplo, pode-se ver, lado a lado, garotas usando o tradicional vestido
de prenda e aquelas usando as bombachas femininas2.
Apesar de ser aceito o uso desses trajes, segundo as Diretrizes para as pilchas
(MTG, 2011a), as bombachas femininas só são permitidas em “atividades de serviços”,
entendidas como torcida, atividades nas escolas, eventos campeiros, sendo proibidas em
Congressos, Convenções, Concursos de Prendas e de Peões, Encontros Regionais, Visitas
Sociais. Também as boinas são proibidas por esse órgão por não fazerem parte da
indumentária tradicional do gaúcho. Mesmo assim, tanto as garotas como os garotos usam
simultaneamente bombachas e boinas no Campus. Ainda, as garotas não deixam de
2
Contudo, o uso de trajes masculinos por partes das mulheres não teve no início uma aceitação tão
pacífica. Há dez anos atrás, na Semana Farroupilha de 2001 em Carazinho, as prendas vestidas de
chiripá –um traje campeiro usado pelo gênero masculino – foram impedidas de desfilar no dia
comemorativo ao gaúcho, o 20 de setembro, o que se contrapõe ao lema “Liberdade, Igualdade,
Humanidade” presente na bandeira do Estado (ROSSI, 2006).
apresentar as características ditas femininas, como cuidar do cabelo fazendo tranças ou
usar maquiagem. Assim, por mais que o MTG deseje regular e instituir verdades sobre a
identidade tradicionalista, seu poder não é totalizante; desse modo, pois, as fissuras
permitem que os sujeitos a reconfigurem pelo consumo dos artefatos. Tais fatos vêm a
confirmar o processo de reconfiguração da identidade tradicionalista gaúcha bem como a
sua liquidez neste contexto Pós-Moderno.
Além das vestimentas, destaca-se no cenário do campus o jogo de truco e a “vaca
parada”, a qual tem por objetivo laçar uma vaca de madeira (que serve como um
treinamento para laçar um touro). A Instituição regula tais atividades permitindo a prática
durante o intervalo das aulas em espaços específicos, como a área de convivência e o bar
para o truco e uma área exterior na qual há uma “vaca parada”. Ainda, também incentiva
essas práticas ao promover torneios em eventos realizados pelo campus, como a Semana
de Aniversário do Campus. Essas práticas podem operar como um modo de incitar ao
consumo de imagens, produtos, identidades que compreendem a tradição gaúcha, já que,
ao mesmo tempo em que se “pratica” o gauchismo, pode-se aprender a “ser gaúcho” tal
qual a figura típica dessa tradição.
Verifica-se, ainda, que, ao propiciar a prática de tomar mate em sala de aula, da vaca
parada e do jogo de truco e ao promover eventos como o Encontro Tradicionalista e de
permitir em seu território a presença do Departamento de Tradições Gaúcha (DTG) Herança
Farrapa, a Instituição contribui para fortalecer essa cultura tradicionalista. FREITAS (2007:
58-59), ao analisar o papel da escola na constituição dessa identidade, constata que “as
práticas pedagógicas escolares, ao selecionar determinados comportamentos, destacar
certos conteúdos curriculares, e valorizar algumas práticas sociais em detrimento de outras,
colaboram para que determinados significados sejam instituídos.” Assim, segundo a autora,
a escola é um espaço singular no qual os alunos, desde crianças, aprendem a ser os
gaúchos e as gaúchas da tradição. Nesse sentido, por exemplo, o Campus Alegrete, ao
permitir as práticas do laço da vaca parada, o jogo de truco ou o chimarrão em seu espaço
ao mesmo tempo as incentivam e, ainda, ensinam a outros jovens, mesmo aqueles que não
se envolvem nas atividades, significados a respeito dessa cultura.
“Canto flor e saio!” 3
Retomando a questão da liquidez do conceito de juventude, pode-se inferir que a
constituição do que é “ser jovem tradicionalista” nesse espaço opera através de modos
fluidos, dinâmicos, distintos, os quais se contrapõem com os aspectos da tradição que se
caracteriza pela rigidez, a fixação, a unicidade. Entretanto, a própria identidade
3
Frase frequentemente dita em jogos de truco, na qual o jogador pontua com três cartas do mesmo
naipe e deixa a rodada.
tradicionalista gaúcha, nas culturas juvenis analisadas, configura-se como líquida, pois, „ser
gaúcho” toma diferentes formas dentro do contexto pós-moderno.
Para BAUMAN (2005: 91), os processos de identificação possivelmente se tornaram
líquidos, afinal “em nosso mundo fluido, comprometer-se com uma única identidade para
toda a vida, ou até menos do que a vida toda, mas por um longo tempo à frente, é um
negócio arriscado. As identidades são para usar e exibir, não para armazenar e manter”
(idem: 96). Nesse sentido, como se apontou em estudo anterior sobre os sujeitos jovens e
consumo (ROSSI, 2007), definir juventudes, no caso, tradicionalistas, talvez não seja uma
tarefa tão importante e necessária (ou mesmo possível) quanto a de pensar sobre como se
constrói suas identidades, como os sujeitos ressignificam produtos da cultura local e como a
circulação, em nossas culturas, dos significados atribuídos a juventudes produz/afeta o
momento presente. Procurei, pois, nesse recorte de pesquisa, evitar delinear um perfil, o
que certamente apagaria as diferenças, a pluraridade, e que enquadraria os gostos, as
expressões, a singularidade dos sujeitos.
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