MOYSÉS ROMERO BORGES OLIVEIRA
EDUCAÇÃO ESTÉTICA E FOTOGRAFIA NA FORMAÇÃO DE
PROFESSORES EM NÍVEL DO ENSINO MÉDIO: A RELEVÂNCIA DAS
CONTRIBUIÇÕES DE ADORNO E FREIRE
UNIVERSIDADE CIDADE SÃO PAULO
SÃO PAULO
2011
2 MOYSÉS ROMERO BORGES OLIVEIRA
EDUCAÇÃO ESTÉTICA E FOTOGRAFIA NA FORMAÇÃO DE
PROFESSORES EM NÍVEL DO ENSINO MÉDIO: A RELEVÂNCIA DAS
CONTRIBUIÇÕES DE ADORNO E FREIRE
Dissertação apresentada para defesa da
dissertação, como exigência parcial da
obtenção
do
título
de
Mestre,
no
Programa de Mestrado em Educação, sob
a orientação da Profa. Dra. Margaréte
May Berkenbrock Rosito UNIVERSIDADE CIDADE SÃO PAULO
SÃO PAULO
2011
3 Ficha elaborada pela Biblioteca Prof. Lúcio de Souza. UNICID
O48e
Oliveira, Moysés Romero Borges.
Educação estética e fotografia na formação de
professores em nível do ensino médio: a relevância das
contribuições de Adorno e Freire / Moysés Romero Borges
Oliveira --- São Paulo, 2011.
143p. ; anexos
Bibliografia
Dissertação (Mestrado) - Universidade Cidade de São
Paulo. Orientadora Profa. Dra. Margaréte May Berkenbrock
Rosito.
1. Formação de professor. 2. Educação estética. I.
Rosito, Margaréte May Berkenbrock. II. Titulo.
CDD 371.1
4 _________________________
_________________________
_________________________
Comissão Julgadora
5 DEDICATÓRIA
A Deus
Aos meus familiares
Aos meus professores
Aos meus amigos
Ao Instituto dos Irmãos das Escolas Cristãs.
6 AGRADECIMENTOS
Ao Instituto dos Irmãos das Escolas Cristãs, especialmente, à Comunidade
Religiosa de São Paulo e de São Carlos, cujo apoio foi fundamental no
processo de elaboração dessa dissertação.
Á orientadora deste trabalho, Profa. Dra. Margaréte May Berkenbrock-Rosito,
pela dedicação.
Aos Membros da Banca Examinadora, Profa. Dra. Mary Rangel e Prof. Dr. Julio
Gomes Almeida, pelo cuidado, pela sensibilidade e pelas contribuições
necessárias à finalização do trabalho.
Aos professores do Programa Mestrado em Educação, da Universidade da
Cidade de São Paulo – UNICID: Profa. Dra. Ecleide Cunico Furlanetto, Profa.
Dra. Edileine Vieira M. da Silva, Profa. Dra. Célia Maria Haas, Prof. Dr. Júlio
Gomes de Almeida, Prof. Dr. Jair Militão da Silva, Prof. Dr. João Gualberto de
C. Meneses, Prof. Dr. Potiguara Acácio Pereira, pela competência e seriedade.
Ao Irmão Clóvis Trezzi, que me ajudou neste processo.
À Prof. Dra. Tereza Telles, por seu trabalho de revisão.
A todos os colegas que estiveram comigo neste processo em sala de aula e
nos grupos de pesquisa. 7 RESUMO
O presente trabalho apresenta um estudo sobre a possibilidade de educação
estética, a partir do projeto “Fotografar a Escola”, um processo educativo que
considera a arte fotográfica como um fenômeno desencadeador da experiência
formativa. Elege-se, como problema, o sentido e o significado da fotografia
produzida pelas alunas no processo de formação de professores, do Curso de
Magistério na modalidade do Ensino Médio. A pergunta-norteadora é: É
possível, através das lentes fotográficas, o desencadeamento da experiência
formativa? A hipótese deste estudo vincula-se à percepção de que a estética é
uma experiência formativa, no processo de emancipação e autonomia do
sujeito. O referencial teórico adotado, em Freire e Adorno, fundamentam a
hipótese. O grande desafio, na obra de Adorno, é a percepção da Educação e
da Arte, como modos de rompimento com a alienação decorrente da indústria
cultural, visando a emancipação do individuo. Em Freire, o desafio associa-se à
percepção da estética como forma de justiça entre os homens, à autonomia do
sujeito. Os objetivos deste trabalho são: compreender a experiência formativa
através das imagens - as fotografias – e das palavras - o texto; compreender a
influência da massificação, imposta pela indústria cultural, na formação das
alunas; analisar o referencial da trajetória que essas alunas têm. A análise
documental é o procedimento adotado para a coleta de dados. Adota-se o
enfoque hermenêutico, na perspectiva de Gadamer, para analisar e interpretar
os dados. O material analisado e interpretado são as fotografias e os relatos
autobiográficos, tratados neste estudo, como a documentação produzida pelas
alunas do Curso de Magistério na modalidade do Ensino Médio. Nesse sentido,
a fotografia é adotada, neste estudo, em dois níveis: como método de pesquisa
e como linguagem no processo de formação de professores. Os resultados
associam-se à percepção de que a utilização da fotografia é relevante como
fenômeno de construção da trajetória formativa do aluno. Ainda, a experiência
com a fotografia é um elemento transformador, de reconhecimento da
identidade do professor, como resistência à estética da indústria cultural,
caminhando em direção à recriação da autonomia e da emancipação, oriundas
da narrativa da própria história.
PALAVRAS-CHAVE: Formação docente; Narrativa; Educação Estética.
8 ABSTRACT
This paper presents a study about the possibility of an aesthetical education
from the project “To take a School through photographical eyes, an educational
process that regards photography as an initiate of the Formative Experience. It
was elected as a problem: The meaning and the significance of photography
produced by the students who are in the teacher’s formation process – high
school. A guiding question has been established: Is it possible through the
camera lens to initiate the formative experience?
Our hypothesis is linked to the perception that aesthetic is a Formative
Experience in the emancipation and autonomy process of the individual. The
big challenge in the Adorno’s work is Education and Art as a way that breaks
with the alienation, as consequence from the cultural industry, in Freire the
aesthetic is a form of justice among men. The adopted theoretical framework, in
Freire and Adorno, is related to the presence of art aiming the individual’s
educational freedom, humanization, autonomy and emancipation.
The
research’s aims are 1) to understand the formative experience through images
in the pictures and through words in the text; 2) to comprehend the influence of
the mass imposed by the cultural industry in the students’ formation and 3) to
analyze the reference of the student’s trajectory.
The documental analysis is the procedure adopted for data collection.
Theoretically speaking, the research is based on the hermeneutic approach,
bearing on mind Gadamer’s perspective, to analyze and to interpret the
collected data. The analyzed material, which means the photographs and
autobiographical reports, this study treated as documents produced by students
from the teaching method in high school. In this sense, the photograph is taken
- in this study – at two levels: as a research method and as the language in the
teachers’ education process. The results present photograph as the
construction of the formative history of students, a transforming element of the
teacher’s gaze, as recognition of their identity and appreciation of their choices,
such as resistance to the aesthetic of cultural industry and recreation of
autonomy and emancipation as a result of the narrative of their history.
KEYWORDS: TEACHER TRAINING, NARRATIVE, AESTHETIC EDUCATION
9 SUMÁRIO
LISTA DE QUADROS ………………………………………………………
LISTA DE FIGURAS ………………………………………………………..
INTRODUÇÃO ………………………………………………………………
1 UM PERCURSO SINGULAR: O SENTIDO DAS EXPERIÊNCIAS
FORMADORAS ......................................................................................
1.1. Os episódios autobiográficos: o encontro com a arte..................
1.2. Central do Brasil: o desencadeamento de uma experiência
formativa .............................................................................................
1.3 Experiência formativa: um processo oriundo da própria história .
1.4 A compreensão das experiências formadoras .............................
2 A EDUCAÇÃO ESTÉTICA: UM CAMINHO PARA A HUMANIZAÇÃO ........................................................................................................
2.1 A construção da identidade no mundo contemporâneo ...............
2.2 A educação libertadora na contemporaneidade............................
2.3 A presença da arte nos caminhos da educação libertadora. .......
2.4 O papel da escola na busca do sentido da educação estética ....
2.4.1 O papel da arte no processo de formação de professores..
3 A FOTOGRAFIA AUTOBIOGRÁFICA: UM PROCESSO DE
FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO CURSO DE MAGISTÉRIO ......
3.1 Cenário Escolar: a pedagogia estética lassalista .........................
3.2 Fotografia na escola: um caminho para o autoconhecimento .....
3.3 O entendimento dos discursos autobiográficos: uma abordagem
hermenêutica.......................................................................................
3.4 Imagem, narrativa e formação docente ........................................
3.4.1 A formação docente: uma decorrência da reflexão sobre
as imagens ...................................................................................
3.4.2 A construção da própria trajetória formativa e as imagens
das fotografias .............................................................................
3.4.3 A fotografia: um elemento transformador do olhar do
professor ......................................................................................
3.4.4 A fotografia como reconhecimento da própria identidade...
3.4.5 Valorização das próprias escolhas .....................................
3.4.6 A indústria cultural e a resistência à estética ......................
3.4.7 A fotografia autobiográfica: a experiência formativa e a
recriação da autonomia e da emancipação..................................
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................
REFERÊNCIAS ......................................................................................
ANEXOS..................................................................................................
10
11
12
18
18
23
29
30
43
43
56
62
68
75
78
78
82
90
100
104
107
112
114
117
120
123
126
131
143
10 LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Linha da Vida – Momentos Charneiras .......................................... 23
11 LISTA DE FIGURAS
FIGURA 01: Projeto Álbum de Fotografia ..............................................
104
FIGURA 02: A Mesa do professor, por Adriana .....................................
105
FIGURA 03: A quadra, por Leonice .......................................................
105
FIGURA 04: A Sala de Aula, por Magna ...............................................
105
FIGURA 05: Professor Apaixonado, por Sheila ....................................
106
FIGURA 06: A Carteira, por Silmara .....................................................
106
FIGURA 07: O Palco, por Silvia .............................................................
106
12 INTRODUÇÃO
Este estudo apresenta a reflexão sobre a utilização da fotografia, aliada
aos estudos autobiográficos, como experiência formativa, contribuindo para a
reflexão da estética, como teoria e prática de formação de professores.
Trata-se de uma reflexão crítica sobre a experiência formativa e sobre as
práticas escolares que visam à instauração de procedimentos pedagógicos em
sua tridimensionalidade: ensinar, aprender e formar, que conduzam os alunos à
autonomia, à emancipação e à liberdade.
A compreensão do sentido de ser professor e das práticas pedagógicas,
que abordam a caracterização da arte fora dos parâmetros da indústria cultural,
instaura uma reflexão sobre a educação libertadora, cujo objetivo é a
humanização do indivíduo.
Esta humanização decorre de um processo educativo que considera o
confronto com a própria vivência, por meio do processo da narrativa,
estabelecendo-se a relação entre o indivíduo e o mundo, visando à
compreensão da situação existencial da qual o indivíduo participa.
Esta reflexão é concretizada, a partir da análise de material fotográfico
produzido por alunas do Curso de Formação de Professores, na modalidade
normal, em nível médio, de uma escola privada da Zona Leste da cidade de
São Paulo. Analisaram-se, ainda, dados da própria vivência dessas alunas.
Promoveu-se uma atividade voltada para a fotografia e para os relatos
autobiográficos, elaborados pelas alunas. Elas selecionaram e fotografaram
espaços da escola que marcaram e influenciaram, positivamente ou
negativamente, a sua escolha de ser professora.
No projeto realizado com as alunas, buscou-se a aproximação do olhar,
do foco, com o objetivo metodológico de captar o arrebatamento e o
entusiasmo dos sujeitos, nele, envolvidos. Investigou-se, assim, o motivo pelo
qual elas escolheram o magistério e quais são os referenciais simbólicos ou
estereótipos que se deram, por meio da experiência formativa.
Compreende-se, neste estudo, que o componente estético da escola é
esta vivência da experiência formativa. Por isso, a atitude de olhar a escola e
refletir sobre as imagens vivenciadas, em um determinado momento histórico,
é trazida e avaliada de forma materializada ao cotidiano. Neste processo,
13 instaura-se uma reflexão crítica das práticas escolares, por isso, a importância
de reler estas imagens, pois, nelas, está contida uma linguagem do dito e do
não dito.
O momento da realização do projeto “Fotografar a Escola” é um
exercício de modos de subjetivação, no processo de recuperação da
experiência do concreto sensível. Há a recuperação das imagens da própria
memória, para contar a experiência formativa, contemplando-a “como
caracterização da arte fora dos parâmetros da indústria cultural” (ADORNO,
2000, p.24). O indivíduo passa a uma ação e sai da sombra para a luz, é a
transição do indivíduo para o sujeito: “aprende pela via mediante da elaboração
do processo formativo”. (ADORNO, 2000, p.24)
Esta compreensão do processo formativo perpassa o processo de
reelaborar a própria história, na qual a interpretação será algo novo, um dado
que era despercebido vai brotar, vai ser iluminado, se tornará um foco para um
novo conhecer. Ao conseguir focar a realidade, o sujeito torna-se mais
consciente.
A fotografia é uma ferramenta pouco utilizada na escola. A escolha desta
modalidade de registro deve-se às possibilidades de resgate dos fatos
significativos, que ela representa. Ela pode também captar, por meios dos
diferentes olhares, o cenário escolar, por via das diversas dinâmicas dessa
modalidade.
Nos procedimentos vinculados à escolha dos locais a serem
fotografados e aos relatos associados às fotografias, realiza-se a busca da
compreensão da contribuição das imagens e das palavras nos processos de
reconstrução da experiência formativa.
No estudo, realizado com as alunas do Ensino Médio, apresentam-se as
seguintes questões:
Por que as alunas escolheram estas imagens como significativas para
sua formação?
Contar o significado das imagens fotografadas remete à construção de
sua trajetória formativa?
O registro fotográfico faz emergir o interesse para olhar seu modo de
ser?
14 A fotografia permite o reconhecimento de sua identidade e a valorização
de suas escolhas e formas de resistir à estética fomentada pela Indústria
Cultural?
Perceber o sentido e o significado de suas escolhas em seu contexto,
através das lentes fotográficas, é uma possibilidade de experimentar e recriar a
partir de sua própria história?
Como formar professores que possam se encarregar da formação de
sujeitos que sejam donos da própria palavra, autônomos e emancipados?
Este estudo adéqua-se às necessidades do novo milênio. Nele, os
dividendos das importantes descobertas e dos progressos científicos da
humanidade exigem que a educação seja uma das prioridades na conjuntura
mundial. Torna-se imprescindível que haja novas formas de ensinar,
considerando-se que é necessário que se formem sujeitos autônomos, diante
das ininterruptas transformações tecnológicas, científicas e sociais da
contemporaneidade.
Nesta atual conjuntura, espera-se que a escola forme um aluno que
tenha aprendido a aprender; que tenha desenvolvido a competência de saber
se relacionar em grupo, que saiba resolver problemas. O exercício da
cidadania supõe um indivíduo que desenvolva a compreensão de si mesmo e a
do outro.
O conceito de emancipação, aqui utilizado, está vinculado à perspectiva
de Adorno: o sujeito é um ser social, cuja autonomia será bem sucedida, caso
haja um processo coletivo que crie condições para que os indivíduos,
socialmente, sejam donos da própria palavra.
Neste trabalho, recorre-se a Freire, nos aspectos relacionados à
educação libertadora, cujo objetivo é a humanização do indivíduo. Esta
humanização decorre de um processo educativo que considera a narrativa da
experiência do sujeito-aluno. O confronto com a própria vivência ocorre no
processo da narrativa, estabelecendo-se a relação entre o indivíduo e o mundo
e propiciando a compreensão da situação existencial da qual o indivíduo
participa.
Na conjuntura da contemporaneidade, é necessário que a educação
esteja voltada para a aprendizagem que afirme a dignidade humana. Assim,
entende-se a educação como a contribuição para uma vivência solidária, em
15 busca da justiça e da ética que possam envolver a sociedade, a política, a
economia e a cultura neste compromisso coletivo.
A hipótese deste estudo vincula-se à percepção de que a estética é uma
Experiência Formativa no processo de emancipação e autonomia do sujeito. O
grande desafio na obra de Adorno é a Educação e a Arte, como modos de
rompimento com a alienação decorrente da indústria cultural.
A análise documental é o procedimento adotado para a coleta de dados.
Adota-se o enfoque hermenêutico, na perspectiva de Gadamer, para analisar e
interpretar dos dados. O material a ser analisado e interpretado são as
fotografias e os relatos autobiográficos, tratados neste estudo, como
documentação produzida pelas alunas do curso no qual a pesquisa foi
realizada. Nesse sentido, a fotografia é adotada, neste estudo, em dois níveis:
como método de pesquisa e como linguagem no processo de formação de
professores.
A compreensão das imagens - as fotografias – e das palavras - o texto tem, como propósito, analisar, em que medida, as questões da massificação
imposta pela indústria cultural interferem na formação das alunas, em questão,
e qual é o referencial da trajetória que essas alunas têm.
O olhar hermenêutico fundamenta a compreensão, na perspectiva de
Gadamer. Adota-se o conceito de círculo de compreensão, de Gadamer, o qual
por sua vez, baseia-se em Heidegger. O círculo de compreensão consiste em
interpretar, rompendo com os preconceitos e pré-compreensões, que o
intérprete, no caso o pesquisador, tem ao deparar-se com seu objeto de
estudo. O desvelar dos sentidos e significados do texto narrativo e da imagem
fotográfica é posto à prova. Evidencia-se a primeira possibilidade de desvelar
os pré-juizos e pré-conceitos do pesquisador para, no momento seguinte,
estabelecer uma coerente compreensão.
O círculo abre espaço para um constante reprojetar, porque a
interpretação inicia-se com conceitos prévios e, no decorrer do trabalho e do
tempo, tais conceitos são, geralmente, substituídos por outros mais adequados,
surgindo outras lentes de compreensão. Isto significa que o círculo não é
fechado, mais sim, dinâmico, interage com o sujeito.
Em outras palavras, a existência de diversos horizontes possibilita a
variação dos métodos, na busca de alcançar os objetivos. O pesquisador que
16 tem horizontes múltiplos pode ter uma acessão universal mais elevada, o que
possibilita alcançar novos horizontes.
Toda e qualquer primeira interpretação para o pesquisador tende a
acontecer, a partir dos conceitos preexistentes do indivíduo. É neste arriscar-se
que o interprete percebe que só se tem a compreensão, por meio do contexto,
fazendo da interpretação um possível conhecimento, por via da linguagem e da
natureza. Isto é, o interprete tem que estar atento e respeitar a alteridade do
texto e do contexto que produziu.
Esta dissertação estrutura-se da seguinte maneira:
No primeiro capítulo, aborda-se o percurso de vida do autor e a
narrativa de suas experiências em duas áreas de atuação: a acadêmica e a
formadora. O autor analisa o filme Central do Brasil, buscando a compreensão
do processo formativo da personagem “Dora”. Fundamenta-se a experiência
formadora nos autores: Adorno, Josso, Freire, Larossa e Maturana, para
melhor compreender o Método da Fotografia Autobiográfica, como sendo um
meio de levar os alunos a resgatar, na consciência, a sua experiência
formadora. Sendo assim, este trajeto só acontece quando se rompe com os
preconceitos e fundamentalismos de certos mecanismos que impedem a
autocrítica dos sujeitos envolvidos no processo e, para isto, é usada a
hermenêutica em Gadamer.
No segundo capítulo, há indagações sobre as marcas da atual educação
brasileira, na qual existem mecanismos de manipulação cultural, que impedem
a formação de sujeitos plenos e conscientes. Aqui, utilizam-se os fundamentos
teóricos de Adorno, visando à compreensão do processo de manipulação, de
massificação e de semiformação, que caracteriza a sociedade e que é uma
decorrência da instauração dessa indústria cultural.
Em Hall (1998) busca-se compreender a crise da identidade na pósmodernidade. O autor afirma que a descentração do sujeito tem, como
consequência, a crise da identidade. As práticas pedagógicas, voltadas para a
humanização do homem, suscitam questionamentos cujas respostas poderiam
estar na reflexão sobre o entrelaçamento entre a denúncia da existência da
educação bancaria, em Freire, e da semiformação, em Adorno. A abordagem
da arte pode ser considerada uma medida para resgatar a experiência
17 formativa. Tal abordagem pode tornar o sujeito autocrítico, considerando a sua
relação consigo mesmo, com o mundo e com o outro.
No terceiro capítulo, apresenta-se uma experiência bem sucedida, que
envolve a utilização de fotografias e de autobiografias. A análise desses
documentos ocorre por meio da hermenêutica. O objetivo dessa prática
pedagógica volta-se para a compreensão da experiência formativa, por via das
vivências das alunas do Curso Normal, em nível de modalidade média.
18 1
UM
PERCURSO
SINGULAR:
O
SENTIDO
DAS
EXPERIÊNCIAS
FORMADORAS
Descreve-se, neste capítulo, o processo do percurso individual do autor
deste trabalho, construído no coletivo, o que possibilitou a sua transformação
em documento. Trata-se da história da trajetória pessoal e profissional. É um
processo metodológico e epistemológico, desenvolvido por BerkenbrockRosito, concretizado dentro da abordagem da pesquisa (Auto) Biográfica.
Durante os encontros do grupo de pesquisa, esse documento foi elaborado por
meio da narrativa escrita, pictórica e oral, proporcionando o encontro com a
autoria de ser docente e pesquisador, que culmina na elaboração da Colcha de
Retalhos.
Esse processo de reflexão sobre a trajetória do autor deste trabalho
levou-o a eleger a fotografia e a autobiografia, como tema de pesquisa, assim
como o conduziu à compreensão da experiência formativa em Adorno,
articulando-a à estética, em Freire, e aos diálogos com Josso, Freire, Larossa e
Maturana.
Buscando a compreensão da experiência formativa, por meio da
fotografia autobiográfica, recorre-se à hermenêutica, como recurso que
possibilitará o entendimento de diversas possibilidades de ler, compreender e
perceber o mundo. A hermenêutica é um recurso de suma importância para
que se possa recuperar o sentido da experiência formativa relatada nas
fotografias.
1.1 Os episódios autobiográficos: o encontro com a arte.
A narrativa escrita é produzida por meio de duas estratégias. A primeira
estratégia trata da narrativa biográfica, considerando as experiências do Ensino
Superior. O trabalho consiste no resgate de três cenas marcantes, no período
referente ao Ensino Superior. Descrevem-se as cenas e analisa-se a própria
formação, através dos seguintes questionamentos: Como foi a sua relação com
as disciplinas no Ensino Superior? Foi de autoria ou submissão? Como foi a
19 sua relação com o professor? Foi de autoria ou submissão? Que aluno você
foi?
A segunda estratégia é a narrativa da História de Vida, propriamente
dita, onde há a elaboração do “Quadro da linha da Vida”, buscando “os
momentos divisores de água”, inspirados nos “momentos charneiras” (Josso,
2002), que são os acontecimentos da vida, que causam transformações e
divisões na vida do indivíduo. Tais acontecimentos formam e modificam os
seres humanos. O Quadro da Vida tem como objetivo, fazer o mapeamento
dos momentos “divisores de água”, buscando, no percurso de vida da pessoa,
os espaços e tempos, nos quais ocorreram acontecimentos que provocaram
uma transformação de referenciais de vida, uma mudança profunda, no modo
de pensar e agir do indivíduo. Esse quadro da linha da vida consiste em ter
foco nas categorias de espaço e tempo: vida familiar, escolar/acadêmica,
profissional,
pessoas,
professores,
livros,
filmes,
relações
amorosas,
deslocamento geográfico.
A minha vivência, como estudante universitário, foi de questionamento e
de reflexões importantíssimas. Tive a oportunidade de posicionar-me diante da
realidade, de fazer questionamentos, especialmente, por pertencer a um núcleo
familiar que partilhava desse processo de aprendizado.
A família proporcionou-me a possibilidade de enxergar o mundo escolar
como um processo de aquisição de informações necessárias para a formação
de um sujeito cidadão.
A narrativa de minha experiência acadêmica, na Universidade Católica
de Brasília – UCB, no curso de Filosofia, entre 2001 e 2004, manifesta a
existência de um período repleto de muitas descobertas e de quebras de
paradigmas.
As primeiras imagens que me vêm à memória são a fisionomia
arquitetônica e o ambiente da própria universidade Era um local bem
organizado, com salas aconchegantes. Havia algumas características bastante
peculiares, como por exemplo, a porta da sala de aula ficava no fundo da sala,
para não atrapalhar a concentração do aluno e nem a do professor. Outro
aspecto relevante era a exuberância da área verde, contribuindo para o bemestar daqueles que por ali transitavam. Havia um teatro ao ar livre como os da
Grécia Antiga. Ainda mais, as aulas não eram em uma sala permanente,
20 muitas vezes, as aulas aconteciam em outros blocos e/ou outras salas do
mesmo bloco. Também poderíamos escolher em qual curso desejaríamos
cursar determinadas disciplinas, dando-nos a oportunidade de escolher a turma
com a qual iríamos estudar. Este pormenor foi marcante; permitiu que o meu
contato com a educação fosse mais agradável, pois este ambiente
proporcionava a sensação de liberdade e evitava a monotonia tão comum nos
ensinos fundamental e médio.
A segunda passagem a ser destacada associa-se às aulas do professor
da disciplina Filosofia Estética. Essas aulas foram relevantes na minha
formação acadêmica, pois esse professor acompanhava os seus alunos
individualmente, sempre buscando, antes de tudo, despertar, nos alunos, o
compromisso com as leituras direcionadas à elaboração dos trabalhos.
Destaco uma característica de sua metodologia que, até hoje, me inspira como
educador: se um aluno tivesse uma nova ideia e pretendesse utilizá-la em um
trabalho, poderia contar com a disponibilidade de tempo do professor para
discutir a pertinência dessa nova ideia. Eu e alguns colegas usufruímos dessa
disponibilidade. Ele colaborava com observações relevantes. Os alunos,
eventualmente, se sentiam constrangidos com as idas e vindas do mesmo
trabalho, mas o professor manifestava prazer em poder colaborar com o
estudante.
Na devolutiva dos trabalhos, ele tinha a preocupação de, primeiramente,
devolver os exercícios corrigidos e avaliados daqueles que não o tinham
procurado antecipadamente. Percebiam-se as notas mais baixas. Os trabalhos
dos alunos que tinham sido acompanhados pelo professor, geralmente,
estavam repletos de anotações, mas as notas eram melhores. Recebemos a
justificativa: era possível avaliar o progresso do aluno, no processo de
elaboração do trabalho, a partir das próprias anotações do professor.
Comparando-se os rascunhos com o resultado final, era óbvia a percepção do
avanço do aluno. O professor avaliava o processo de construção de
conhecimento...
Este professor de Filosofia da Estética procurava interagir com o aluno
visando à (re) construção do saber. Um olhar para as obras de arte e uma
leitura sobre o pensamento dos autores/filósofos contribuíam para a
aprendizagem. Os alunos vinculavam essas reflexões às experiências reais,
21 vivenciadas por eles. Seus imaginários eram despertados. Ocorria uma
experiência autoformadora, porque a aprendizagem era parte integrante
daquilo que foi vivido pelo aluno.
As lembranças, os sentimentos, as pessoas, os lugares, as imagens
estão armazenados em um depósito, na minha memória. São imprescindíveis,
no processo da busca de mim mesmo, por meio de minha história. São
valiosos, nos aspectos concernentes à valorização da minha história, e são
imprescindíveis naquilo que se refere à percepção de passagens, na minha
biografia, que contribuíram para o aprimoramento da minha índole, do meu
modo de ser.
Rememorando o meu passado, (re) vivenciando as experiências que
permaneceram na memória, recriando-as por meio de imagens mentais,
retomo o meu caminho, na tentativa de dar sentido à minha prática no
magistério.
A presença marcante desse professor possibilitou-me a oportunidade de,
por meio da experiência em sala de aula, como aluno universitário, revisitar o
meu contato com a arte, de senti-la e percebê-la de forma real e concreta,
propiciando e despertando sentimentos e questionamentos da realidade. Esta é
uma nova forma de perceber a arte que, quando livre de quaisquer vínculos
com a realidade, possibilita a construção de um relacionamento livre e
apaixonado.
A terceira passagem a ser rememorada está também no mesmo cenário
universitário. Uma professora da instituição superior apresentou-me a obra do
filósofo Theodoro Adorno, “Educação e emancipação”. Este livro, já no primeiro
contato, pareceu-me especial. A percepção da educação como uma estrutura
vinculada a um sistema opressor não era muito óbvia para mim. Talvez eu
pudesse apreender esta situação, mas de forma mais ingênua e superficial.
Por meio da leitura desta obra de Adorno, caiu o véu da semiformação,
da qual eu era vítima. Embora eu fosse dotado de um olhar de apreciador de
arte, como música, cinema, museus, certamente, o meu senso crítico deixava
muito a desejar.
A elaboração do passado e a teoria crítica da análise da realidade
concreta do sujeito demonstram que a recordação de fatos vivenciados, no
22 passado, possibilita a compreensão de questões que estavam esquecidas,
reprimidas e mal entendidas.
Isto propicia a criação de um círculo vicioso, no qual as atitudes e os
hábitos são repetidos de forma massificante, de forma que alguns fatos
ofuscam os outros. Agora, a leitura da realidade é desvendada, por meio de
meu próprio olhar, de forma mais clara.
A vivência que tive com o conhecimento foi de descoberta. Gostava
muito de discutir as ideias com os professores e colegas de sala de aula e de
ver outras possibilidades. Participava intensamente das discussões em sala de
aula, fazia perguntas. Cabe salientar que esse fato impulsionava-me a
apresentar um bom desempenho acadêmico. Esse desejo fazia-me sentir
sujeito e não objeto da aprendizagem. O papel de vitima não me cabia.
Assim, busco compreender a experiência formativa como um processo
cujo sentido é o desvelamento de “mim mesmo”, como profissional e como
pessoa, revelando a historicidade das experiências formadoras que habitam os
seres. Maturana e Varela (1995, p.26) dizem que: “a libertação do ser humano
está no encontro profundo de sua natureza consciente consigo mesma”. Por
isso, busca-se em Nóvoa focar olhares nas experiências, que foram
significativas e marcantes, dando “um sentido no quadro de suas histórias de
vida” (1992, p.25).
A biografia educativa, no contexto da Universidade, possibilitou-me
perceber o movimento circular de construção e reconstrução, ressignificando o
meu olhar neste percurso de aprendizagem, tanto pessoal como profissional,
fazendo com que haja uma interligação da autoconsciência com a experiência
formativa. Segundo Josso (2002: p.08), “[...] a consciência nasce quando
interpretamos um objeto com o nosso sentido autobiográfico, a nossa
identidade e a nossa capacidade de anteciparmos o que há de vir”.
A segunda estratégia, “O quadro da Linha da Vida”, possibilita-me
observar o meu itinerário, de onde pude extrair os momentos charneiras
ocorridos, dentro e fora da escola e da academia. A relação tempo e espaço
levou-me a identificar a arte, no meu percurso, como a minha própria
experiência formativa.
23 Quadro Linha da Vida – Momentos Charneiras
CATEGORIAS DE ESPAÇO E TEMPO
Vida
Familiar
Férias em Itamaracá
com os pais, primos, tios,
tias, avós - 1986
Renovação dos
meus votos
religiosos - 2001
Falecimento da
minha avó paterna 2008
Olimpíadas
Internas
da escola - 1989
Congressos
Marianos 1987
Defesa da
Monografia de
Filosofia -2004
Entrada
no
Postulado -1997
Professor Clóvis Matemática –1989
Filmes: Sociedade dos
poetas mortos
Trabalho
na Biblioteca 2001
Professora M.
Filosofia Moderna
– 2003
Filme:
Central do
Brasil
Gestor
Escolar2008
Professor L.C. –
Filosofia da
Estética – 2004
Filme:
Marx e May
Fortaleza - 1994
São Paulo - 1997
Vida escolar
Acadêmica
Vida
Profissional
Professores
que
Influenciaram
e Filmes
Deslocamento
Geográfico
João Pessoa -1984
1.2 Central do Brasil: o desencadeamento de uma experiência formativa
Neste quadro, elejo o filme Central do Brasil como desencadeador da
autoria, como pesquisador e profissional. Tive um insight, durante o Seminário
Temático: “Educação estética e formação de professores”, ministrado pela
Profa. Dra. Margaréte May Berkenbrock Rosito, no Mestrado em Educação, em
uma aula, na qual refletíamos sobre a formação do professor, numa
perspectiva estética.
A cena que veio à tona foi extraída do filme Central do Brasil, com
direção de Walter Salles, de 1998, que teve como protagonista a atriz
Fernanda Montenegro (Dora); e outros artistas consagrados como: Marília Pêra
24 (Irene), Vinícius de Oliveira (Josué), Othon Bastos, (César), Sonia Lira (Ana),
Otávio Augusto (Pedrão), Stella Freitas (Yolanda), Matheus Nachtergaele
(Isaías), Caio Junqueira (Moises). A cena desvela a tomada de consciência da
professora Dora, interpretada pela atriz Fernanda Montenegro.
Refleti sobre a personagem Dora - uma professora que atuou no cenário
escolar, por algum motivo não esclarecido no filme. Ela se tornou uma pessoa
com baixa autoestima, frustrada, amarga e individualista. Interpreto que a
professora Dora não teve nem oportunidade e nem força de vontade para
mudar o seu papel social, na sua práxis como agente de transformação, social,
cultural, política e econômica.
Esta oportunidade talvez não tenha sido proporcionada a ela pelo gestor
ou pelo coordenador pedagógico. Ambos, provavelmente, não lhe ofereceram
uma formação continuada, que desenvolvesse as posturas crítica e reflexiva da
história. Supõe-se que ela não teve força de vontade, para oportunizar
momentos de debates, de criação e de elaboração de projetos educacionais.
Ou como diz Nóvoa “cada um formar a si próprio”. (NÓVOA, 2001, p.15)
Sabe-se que a escola, desde a sua origem, tem tido desafios para
concretizar o seu ideal, que seria proporcionar e defender o direito do ser
humano.
Ela
seria
responsável
pela
correção
das
injustiças,
das
desigualdades, da exclusão social e de tantas outras situações sociais
inadequadas. Assim sendo, a ação pedagógica não se dá separada da vida.
Então, Dora compreendia essa função, mas faltava algo que fizesse com
que ela mudasse e acreditasse no papel escolar e na sua profissão/ vocação
de ser professora.
Para compreender melhor a Dora, é importante recordar a personagem.
O filme começa com a professora, aposentada, chegando à Estação Central do
Brasil, no Rio de Janeiro, arrumando o seu cantinho: o seu birô, a sua cadeira,
e as pessoas chegando, analfabetas, com inocência, cheias de esperanças, de
emoções e de sentimentos. As pessoas acreditavam que ela, como uma
educadora e, portanto, conhecedora das palavras, iria escrever as cartas, com
honestidade, respeitando as solicitações das pessoas que necessitavam de
seus serviços. No final, tais pessoas pagavam a ela uma quantia de R$ 2,00
(dois reais), para arcar com as despesas relativas à postagem da carta.
25 Na sucessão desses episódios, é possível que se perceba a imagem,
com que o professor é apreendido na sociedade: reconhecem-no como alguém
confiável e competente, portanto, capaz de formar cidadãos atuantes.
Essas pessoas simples que aparecem no filme, nordestinos, na maioria
das vezes, são pessoas que não tiveram oportunidades de frequentar uma
escola. Aqui o diretor, Walter Salles, mostra muito bem a situação social do
Brasil, um país que tem uma desigualdade muito grande, caracterizado pela
exploração social. Essas pessoas saem da sua terra natal, para conseguir uma
posição social melhor, muitas vezes, na busca da própria sobrevivência.
Nessa condição, encontra-se a mãe de Josué, Ana, que, de acordo com
o que se pode perceber, é uma guerreira por poder sobreviver no Rio de
Janeiro, um grande centro urbano, que oferece aos seus habitantes, uma vida
bastante difícil. Ana conseguira educar Josué, seu filho, de forma satisfatória.
Em um encontro entre Dora e Josué, na Central do Brasil, inicia-se a
saga entre os dois protagonistas: Josué (9 anos) e Dora (50 e poucos anos). A
partir desse encontro, inicia-se a redenção de Dora. Devido à descoberta do
afeto, há o rompimento com sua existência viciada.
A relação entre Dora e Josué tem início quando a mãe de Josué é
atropelada por um ônibus; ela chama Josué para ficar perto dela ao atravessar
a rua. A única pessoa que ele conhece é Dora e, a partir daí, estes encontros
se tornarão mais frequentes. Dora, num certo momento, se sensibiliza com o
menino que dorme no chão da Estação Central do Brasil.
A professora Dora convence Josué a ir ao seu apartamento no subúrbio
do Rio de Janeiro. Lá, ele conhece Irene que é a única pessoa com quem Dora
tem uma relação de confiança, talvez por ela também ser uma professora
aposentada. Irene é, ao contrario de Dora, uma pessoa que acredita na
possibilidade de mudança, nos valores morais e éticos, na justiça, é
extrovertida e comunicativa e acredita nas pessoas.
No convívio com Dora, Josué percebe que ela zomba das cartas e das
pessoas simples. Ela não se conscientizara de que essas pessoas eram
indivíduos esperançosos e confiantes. Ela trai a confiança de seus clientes,
quando rasga ou deixa as cartas na gaveta, chamada de “purgatório” por Irene.
26 No desenrolar do filme, fica claro que o “sonho 1” de Dora é uma
televisão grande e de controle remoto. Ela não tem dinheiro para comprar uma.
Recebe uma proposta do Pedrão, que é um tipo de “Xerife” na Estação Central
do Brasil. Pedrão recebia uma contribuição dos transeuntes da estação, em
troca de garantir-lhes a segurança. Sabendo que Dora estava cuidando do
Josué, ele a engana dizendo que conhece uma ONG que cuida de crianças.
Ele garantia que, por meio dessa ONG, as crianças encontrariam famílias que
as adotassem, inclusive, famílias estrangeiras, que pagariam a Dora, quando
ela lhes cedesse o menino.
Conforme o combinado, Dora leva Josué para o local, deixa o menino no
suposto abrigo – ONG. Recebendo o dinheiro, ela compra a sua televisão, o
seu sonho de consumo, a sua felicidade, conforme é imposto pela Indústria
Cultural.
Quando Irene descobre o que Dora fez, desaprova a sua atitude.
Responsabiliza a amiga por tráfico de crianças para famílias estrangeiras.
Argumenta, perguntando a Dora se ela não lia jornais e revistas e se não
assistia à televisão.
Em decorrência dessa discussão, Dora toma consciência dos próprios
equívocos e vai ao local onde deixara Josué. Ao entrar no apartamento,
arranca-o da cama e pega um táxi até a rodoviária, com o propósito de levar
Josué ao seu pai, Jesus. Este é o sonho do menino, desde o início do filme. O
importante aqui é analisar a questão “multifocal” da Dora como uma professora
que rompe um paradigma existencial.
Neste processo, ela vai se dando conta da sua própria história de vida,
das suas lembranças. Isto fará com que ela reflita sobre suas próprias
frustrações. Ao viajar de caminhão até Bom Jesus do Norte com Bené –
motorista do caminhão -, Dora, que antes tinha uma postura masculina, não se
arrumava como uma mulher, vai descobrindo o campo da sexualidade e se
dando conta da sua feminilidade. Constata-se este fenômeno nas alegações de
Josué que afirma que considerara Dora mais bonita, quando ela usa batom.
No decorrer dessa viagem, a professora Dora vai se transformando e se
1
Um dos sonhos, este é o de consumo, que é imposto pela mídia.
27 aceitando como sujeito reflexivo da sua própria história, ou seja, aqui a
experiência formativa vai ocorrendo, até ela se libertar de uma experiência
massificada. Neste processo, a viagem era também uma viagem pelo mundo
interno de ambos, ou seja, de Josué e de Dora.
Neste contato diário, surge um relacionamento de afeto e de confiança.
Isto fará com que os dois personagens do filme possam compartilhar as suas
expectativas, as suas histórias de vida, ou seja, vão se dando conta da sua
miséria. Conforme Adorno (2000), este é o processo da experiência formativa,
pois é por meio da elaboração do passado que o sujeito consegue atingir a
experiência formativa.
No filme, pode-se entender que há uma experiência multifocal no
processo de aprendizagem e, ao mesmo tempo, estético, ou seja, há,
concomitantemente, um relacionamento próximo e distante da realidade. Neste
processo da experiência material (real) que vai ao encontro da experiência
histórica, acontece a experiência do sensível concreto, que é a sensibilidade o
momento estético, que conscientiza o sujeito da sua percepção de outra
realidade, propiciando ao sujeito, a possibilidade de negar 2 a experiência
passada para concretizar a experiência formativa, tornando-se um sujeito
reflexivo.
Challob (1983) afirma que a tomada de consciência se faz:
Partir da própria prática, teorizar sobre ela para regressar à prática;
partir do concreto, realiza o processo de abstração, para voltar ao
concreto; partir da vida, da ação, refletir sobre ela, para novamente
voltar à ação, - aqui está a lógica do processo do conhecimento.
Outra não pode ser a lógica do processo educativo (CHALLOB, 1983,
p.37).
Voltando ao filme, quando chegam à cidade do Bom Jesus do Norte,
eles percebem que não têm dinheiro, então Josué descobre uma forma para
consegui-lo. Numa cena, ele comunica a uma mulher que Dora é uma
escrevedora de cartas. Ele anuncia em voz alta: “Olha a carta! Quem quer
2
O negar – significa o sujeito se libertar das experiências negativas, que reproduz a
massificação, a barbárie, a semiformação.
28 mandar a carta para casa, mensagem pro Santo, só paga um real”; “e dois se
quer que a gente bota no correio”.
Ao chegar ao hotel, Josué tira as cartas do saco plástico e começa a
colocar as cartas no cesto de lixo. Dora, ao perceber o que estava acontecendo
diz: “não... não faça isso”. E Josué exclama: “tem que rasgar primeiro, né?”
Dora diz: “Depois eu vejo o que faço, ta”?
No outro dia, pela manhã, Dora vê uma agência de correios e toma a
decisão de ir até lá. Josué se espanta, ao ver a sua transformação.
Esta
atitude de Dora desvela o processo reflexivo, vivenciado por ela, no decorrer da
viagem com o menino. Suas atitudes recentes demonstram que ela tomou
consciência da sua história de vida, vivenciando uma experiência formativa.
Enfim, a sua autobiografia vai sendo escrita ao entrar no ônibus: “Josué,
faz muito tempo que eu não mando uma carta para alguém, agora estou
mandando está carta para você. Você tem razão. Seu pai ainda vai aparecer.
Com certeza... ele é tudo aquilo que você diz que ele é. Eu me lembro do meu
pai me levando na locomotiva que ele dirigia. Ele me deixou, e eu era apenas
uma menininha, acionar o apito do trem durante toda a viagem. Quando você
estiver no seu caminhão enorme... lembre-se de que eu fui a primeira que o
ajudou a pôr as mãos num volante. Também vai ser melhor para você ficar aí
com seus irmãos. Você merece muito mais do que eu tenho para te dar. No dia
que quiser lembrar de mim dá uma olhada no retrato... que a gente tirou junto.
Eu digo isto porque tenho medo que um dia, você também me esqueça. Tenho
saudade do meu pai. Tenho saudade de tudo. Dora”.
Ela tira uma fotografia em que aparece com Josué junto de uma imagem
do padre Cícero, finalizando assim o filme.
Dora recupera a memória histórica, por meio da imagem, do espaço e
do tempo da sua infância, presentes na fotografia. Acontecimentos, no decorrer
de sua existência, fizeram que com que negasse sua História de Vida. Ao
resgatá-la, liberta-se, para construir um trajeto consciente de suas escolhas. É
possível vincular este episódio às palavras de Adorno sobre a indústria cultural:
ela fez com que a imagem, o espaço e o tempo se apagassem na sociedade.
Na realidade, como na ficção, a máquina fotográfica registra, na maioria
das vezes, os momentos marcantes, trazendo personagens significativos como
pais, avós, amigos, focando rostos expressivos.
Ao olhar a fotografia, o
29 indivíduo passa a perceber a importância do registro de determinados
momentos. Por meio da fotografia, há o deslocamento para outras épocas,
outras situações vividas. O indivíduo transporta-se para o passado e,
concomitantemente, resgata, as memórias afetivas.
1.3 Experiência formativa: um processo oriundo da própria história
Toda fotografia evoca lembranças e, ao narrá-las, por meio de textos,
significados são acrescentados. O sujeito experimenta o momento do concreto
sensível e este momento é forte, possibilitando, nesta ligação, um rompimento
de um estado passivo. Isto ocorre, devido ao fato de que as lembranças vêm à
tona, ecoando dentro do sujeito, tornando-as ativas, em movimento, na
dinâmica e vibração de toda uma carga de experiências vividas. Experiências
essas que são importantes e significativas, pelas quais o cenário escolar com
os seus atores, muitas vezes, passa sem dar a devida importância, tornando-se
neutra de participação, impossibilitando de enxergar a formação num todo.
Com o estímulo do tema do filme, surgiu a ideia de se desenvolver um
projeto com Fotografias. Além disso, ocorreu um fato com um aluno do 7º ano
do ensino fundamental II, que incentivou a realização desse projeto: A
professora pediu ao aluno que fosse ao almoxarifado/mecanografia pegar a
atividade de classe. Então ele perguntou a professora: - é onde se encontra o
“homem verde”? A professora ficou espantada, porque não sabia quem era o
homem verde. Dizia com firmeza o aluno: - Há um homem verde na escola,
todos os dias, eu o vejo na entrada.
A professora pediu que o aluno lhe mostrasse o “homem verde”, ao qual
ele se referira. Ele a levou para o hall de entrada. No balcão onde fica a
recepcionista da escola, há uma imagem do Santo Fundador do Instituto dos
Irmãos das Escolas Cristãs: a imagem de São João Batista de La Salle – este
era o “homem verde”.
O filme, somado a este relato, trouxe-me a inquietação a respeito do
referencial que este aluno tem da escola: o “homem verde”. É nesta imagem,
que ele concentra algumas relações de pertencimento à escola, um valor em si,
símbolo dito do não dito.
30 Nasce o Projeto: “Fotografar a Escola” com as alunas do curso de
Formação de Professores na Modalidade Normal, em nível do Ensino Médio,
de tal maneira que elas, fotografando a escola, pudessem buscar, na sua
história, elementos que foram mais marcantes, constituintes de sua experiência
formativa. O processo envolve o resgate da experiência de vida, que pode ser
boa ou ruim, para valorizá-la. Isso permite criar um espaço de respeito,
compreensão mutua, e até mesmo, dar um novo enfoque, um novo horizonte.
O uso da fotografia pode romper com o sistema de formação da
Educação Bancária, que não se volta para a pessoa e sua história. Este
sistema nega o processo de experiência formativa, quando se preocupa com
uma formação de reprodução, dificultando um olhar para perceber novas
perspectivas
sobre
o
processo
educativo
e
formativo,
buscando
a
emancipação e a autonomia.
1.4 A compreensão das experiências formadoras
A experiência formativa, na perspectiva de Adorno, como foco para se
pensar a formação de professores, por meio da narrativa autobiográfica, aponta
para a possibilidade de compreensão da própria história do sujeito. A questão
da experiência formativa, para Adorno, relaciona-se com a relação com a razão
e verdade. Neste movimento, nega-se a razão para afirmá-la, dando assim um
novo olhar para a realidade.
A experiência é dialética, por estar ligada às questões, aos processos, à
realidade, de verdade de experiências, que nada mais seria para Adorno do
que a própria razão. “Trata-se de advertir a razão contra si mesma em nome de
si mesma”. (ADORNO, 2000, p. 20).
Para Adorno, o primeiro passo em direção à emancipação do sujeito da
indústria cultural é elaborar o passado, para compreender a realidade com um
novo olhar. Afirma-nos Adorno que o indivíduo se emancipa, quando o
conhecimento é fruto de uma reflexão, diante de informações recebidas pela
indústria cultural, ou seja, há uma interpretação, uma análise do fato, para
assim, o sujeito posicionar-se.
A narrativa é um procedimento através do qual o sujeito pode olhar para
a realidade, que a Indústria Cultural descaracterizou como verdade. “Não se
31 pode mais narrar; os passos que a forma do romance exige a narração”
(ADORNO, 1980, p.269); com essa premissa, o autor denuncia o declínio de
não poder mais narrar a vida, como sendo uma arte, e acrescenta:
Desintegrou-se a identidade da experiência - a vida articulada e
contínua em si mesma - que só a postura do narrador permite. [...]
Narrar algo significa, na verdade, ter algo especial a dizer e
justamente isso é impedido pelo mundo administrado pela
estandartização e pela mesmidade (ADORNO, 1980, p.269).
Maar (2000) descreve a dinâmica que fundamenta a teoria de Adorno,
que são dois grandes processos: primeiro, é o Momento Materialista e o
segundo, o Momento Histórico. Neste segundo momento, o indivíduo é levado
a experimentar o Concreto Sensível, que pode ser descrito pela metáfora de
luz e sombra. Aqui o indivíduo vai se abrindo para o novo, para uma
compreensão sem estar influenciado por nada; é um momento único,
interpretativo, é o descobrimento de “um novo mundo”; é algo deslumbrante
para, por fim, atingir o que é o desejável, isto é a experiência formativa.
É compreendida a teoria crítica também como a filosofia da história, que
oferece ao homem uma reflexão da própria história, tendo como objetivo a
comparação da razão ocidental e do mito, onde se percebe a crise do
Iluminismo: “o próprio mito é já a razão e a razão volta a ser mitologia.” (MAAR,
2000, p.74)
Em conseqüência disso, se o homem não for capaz de enxergar o que
está à sua volta, os acontecimentos, as relações conflitivas, o domínio das
elites nos meios de comunicação, nas propagandas, nos jornais, nas
telenovelas, nos esportes e outros mecanismos, quando são usadas imagens
fortes, poderão ser induzidos a uma má compreensão da realidade e, com isso,
a capacidade de julgar e de condenar fica nula no homem, levando-o a um
julgamento precipitado, sem nenhuma reflexão crítica.
Esquecer o passado é difícil, mas o homem tem que buscar reelaborá-lo,
de forma que a sombra do terror, da culpa e da violência que, muitas vezes,
marca a história do próprio homem, possam ser compreendidos de forma a ser
possível ressignificá-los. Além disso, é fundamental saber que qualquer
experiência traz marcas de quem está narrando, por isso, Adorno busca
32 possibilitar, por meio dos seus saberes, condições para o povo de seu país – a
Alemanha.
Adorno (2000, p. 29), ao se reportar ao povo alemão afirma que “o
nazismo sobrevive, e continuamos sem saber se o faz apenas como fantasma
daquilo que foi tão monstruoso a ponto de não sucumbir à própria morte [...]”. O
povo alemão está preso ao passado e por isso eles assumem uma culpa
coletiva, que não é deles. O ponto negativo disso é o risco de reproduzir tudo
de novo, por isso Adorno pretendeu com essa teoria criticar a forma política,
social, econômica e educacional, que ao invés de conduzir o conhecimento
para a libertação, simplesmente fez com que o sentimento de culpa, a
compreensão da própria história se tornassem fatores de escravidão.
O sujeito só pode ter uma crítica da própria história quando se referir ao
passado, no presente, sem nenhuma culpa e, para isso, recorre-se à educação
estética. Por isso, entende-se que a ideologia reduz a possibilidade de
emancipação das pessoas e a educação é um fator primordial para essa
reelaboração do passado. Adorno, na sua conclusão, afirma que o passado:
Só está plenamente elaborado no instante que estiverem plenamente
eliminadas as causas do que passou. O encantamento do passado
pôde manter-se até hoje unicamente porque continuam existindo as
suas causas. (ADORNO, 2000, p, 49)
Por isso, Adorno prioriza uma reflexão do passado para poder criticar as
formas de repressão e levar “o povo alemão” a uma reflexão mais profunda
sobre sua própria história. Assim, pode-se motivar os indivíduos a terem
coragem de romper com fatos passados que os impeçam de ter uma vida mais
autêntica.
Por produção do conhecimento, entende-se tudo aquilo que o sujeito
produz no campo do conhecimento. Por ela, o sujeito tende a tornar-se
autônomo do próprio saber. Como Adorno sugere uma libertação do passado
e, consequentemente, propõe uma educação crítica dos fatos que a indústria
cultural manipula, gerando uma crise de informações, pois, muitos dos fatos
ocorridos são transmitidos superficialmente ou retomados, de acordo com sua
aparência. Por isso, a produção de conhecimento é de fundamental
33 importância para que o sujeito tenha uma assimilação concreta da própria
realidade.
Adorno visa à educação como meio de ajudar o homem a ser agente do
próprio conhecimento. A formação da independência do homem diante da
indústria cultural é relatada pelo autor através da influência do Marxismo,
rompendo com a alienação trabalhista, ou seja, o homem só tem valor pelo que
produz e não pela forma de julgar a sua própria história.
Portanto, a filosofia da história assim esboçada é, com efeito, uma
desmontagem da mitologia da modernidade burguesa: a razão não é
só o referente da análise, mas o seu objeto, com razão entrando em
conflito com ela mesma no coração da história. (ASSOUN, 1991, p.
84)
Horkheimer e Adorno procuram entender o motivo pelo qual a
humanidade decaía na barbárie, levando à autodestruição da razão. Na
tentativa de sair do conflito e erguer a razão é que os filósofos da Escola de
Frankfurt vão propor uma nova teoria do conhecimento feita pela análise de
uma filosofia da história.
A teoria do conhecimento crítico irá combater em nome da razão o
reducionismo positivista, que vem idealizar com uma falsa consciência a
autonomia do trabalho cientifico, através do qual, à medida que o sujeito está
preso ao mecanismo do trabalho alienador, do mesmo dependerá para
sobreviver e a condição para o aprendizado será limitada. Mas, do modo que
Adorno enxerga a educação, o indivíduo terá todas as condições necessárias
para emergir de uma consciência crítica da própria realidade, para se chegar
ao entendimento crítico e libertador.
Adorno apresenta dois problemas importantes para chegar a um
resultado sobre o conhecimento: o Conhecimento da “Doxa” e da “Episteme”.
Concorda que o problema social está vinculado à formação do senso comum
(Doxa). Toda formação do conhecimento ocorre, por meio dos relatos de
jornais,
na
opinião
pública,
nas
telenovelas,
enfim,
sempre
mostra
distorcidamente os fatos.
Portanto, a formação do conhecimento (episteme) só se dá em
pequenos grupos, ou seja, nos grupos pequenos que conseguem sair das
34 amarras que o sistema capitalista oferece. Uns são pessoas que possuem
visão pura da realidade e outros são aqueles manipuladores que lutam pela
alienação da sociedade. De acordo com Adorno, esta reflexão tem por base:
A íntima vinculação entre a questão educacional e formativa e a
reflexão teórica, filosófica e política constitui a manifestação mais
direta do núcleo temático essencial ao conjunto da Escola de
Frankfurt. (ADORNO, 2000. p.14-15)
É por meio deste conhecimento epistêmico que o indivíduo rompe com a
alienação produzida pela indústria cultural, pois a reprodução do conhecimento
está vinculada à reflexão filosófica. E para isto, é necessária uma auto-reflexão,
para que as produções de novos conhecimentos possam sugerir um meio de
emancipação do indivíduo nesta sociedade que se deixa manipular pela
indústria cultural.
Benjamin diz que a experiência é a “fonte a que recorrem todos os
narradores” (1994, p.198). A experiência não é somente um fato pessoal, como
também o coletivo, sendo algo muito mais profundo por envolver o ser-nomundo e com–o-outro, envolvendo questões culturais, afetivas, espirituais,
relacionais, de aprendizagem, de vivências. Isto ocorre, porque sem a
experiência é impossível comunicá-la, expressá-la, transmiti-la.
Em Freire, o sentido de experiência é compreendido como a realidade
concreta com a qual o sujeito se depara para confrontar com a compreensão
de mundo, ou seja, é compreender a situação existencial da pessoa humana, a
do oprimido.
Neste sentido, o oprimido, ao se deparar com esta situação de opressão,
torna-se refém de uma realidade de massificação e a possibilidade de tornar-se
consciente da sua realidade é anulada pelo sistema opressor. Com isto, a
experiência formativa dessa pessoa só pode acontecer, quando houver uma
educação que propicie uma autonomia, havendo uma participação democrática
na sociedade.
Freire (1997), no livro “A pedagogia da autonomia”, apresenta sua
reflexão sobre a prática pedagógica progressista e a conservadora. É na
progressista que se dá a verdadeira experiência que despertará nos discentes
a curiosidade para poderem questionar, buscar, entender, solucionar os
35 problemas sociais, políticos, culturais, educacionais, enfim, o discente deixará
de ser um mero receptor neutro, para ser o atuante da própria história.
Quando o docente rompe com alguns dados da sua prática, assume
também a sua condição de formando; “assume-se como sujeito também da
produção do saber”. Sendo assim, Freire continua o seu pensamento, “ensinar
não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para a sua produção ou
a sua construção” (1997, p.25). São nestes dois verbos - produzir e construir que a experiência formativa inicia, por via da curiosidade do docente.
Ora, com este novo sentido de olhar para a educação como uma mão
dupla de ensinar e formar, podemos então fazer um esquema para situar-nos
neste processo da experiência.
Quem: Ensina ................Produz
Aprendizagem
Logo: (Re)Forma ..........Constrói
Freire (1997, p.25) dizia que o verbo ensinar “é um verbo transitivo
relativo. Verbo que pede um objeto direto – alguma coisa – e um objeto indireto
– a alguém”. Com isto, percebe-se que a questão da formação está no sujeito e
no objeto, na dialética da experiência.
Por isso, Freire e Adorno têm em comum a ideia da formação (Kurt)
como sendo uma questão ética e estética. Então, para pensar em educação,
hoje em dia, é necessário saber relacionar as dimensões - ética e estética,
como possibilidade de construção de um novo saber, por via da experiência
formadora dos novos sujeitos críticos.
Freire (1997) apresenta estes saberes dando-nos um precioso presente
de uma valia importantíssima para a práxis escolar. A formação do sujeitoprofessor só se concretiza, quando o mesmo processar novos saberes como
aprendiz, ou seja, ao ensinar o saber, o professor tem que conseguir processálo,
interpretá-lo,
reinventá-lo,
recriá-lo
e
transformá-lo
em
novos
conhecimentos, dando-lhe uma visão e um horizonte crítico do mesmo.
Por meios das leituras dos escritos de Freire (1997, 2000, 2001),
percebe-se que esses saberes só podem ser construídos, na medida em que
36 haja propostas educacionais que visem a uma educação ampla, completa e
crítica,
dinamizando
as
potencialidades
e
tornando-as
aceitas
pelos
professores comprometidos.
Sendo assim, a pedagogia progressiva, que é precursora de uma nova
visão de mundo, supera as questões fragmentadas e tecnicistas do ensino,
aspectos constituintes de ordem bancária.
É nesta ação proposta pela
pedagogia progressiva que o professor é desafiado no seu cotidiano. “A
passagem para um novo paradigma não é abrupta e nem radical. É um
processo que vai crescendo, se construído e se legitimando” (BEHRENS, 2005,
p.26)
O foco da pedagogia progressiva na visão de Freire é fazer com que as
relações entre o corpo docente e discente possam ser discutidas, levando
assim, por meio da discussão, a levantar questões para dar respostas aos
problemas que atingem os valores, aspectos da práxis pedagógica na
educação básica.
Cunha ajuda-nos a compreender essa relação entre professor e aluno
em relação de uma educação libertadora: “O relacionamento entre educador e
educando não se fixa pelas intenções ou palavras, mas pelas estruturas de
exercício do diálogo, da comunicação, da tomada e execução de decisões.
(1983. p.22).
Freire também, ao propor este modelo de pedagogia progressiva, pontua
a questão do fator social que, por sua vez, Adorno (2000) também observa a
mesma questão e faz a sua crítica social, juntamente com Horkheimer.
Ao analisarmos os autores Adorno, Freire e Horkheimer, percebe-se que
há uma linha entrelaçada entre eles. Ao analisar a obra de Adorno, Educação e
emancipação (2000), é importante antes de tudo compreender as críticas que
ele faz à indústria cultural. Porque, para ele, esta é a responsável por
prejudicar a aptidão, a competência da capacidade humana de agir com
autonomia. Assim sendo, para Adorno a crise da educação é, na realidade, a
crise da formação cultural da sociedade capitalista como um todo, que
massifica, cria a semiformação (Halbbildung), impedindo a autorreflexão. “A
semiformação constitui o resultado de um processo sistemático de dominação
da formação cultural pelos mecanismos político-econômico” (SCHMIEDKOWARZIK, 1984,p. 114)
37 Há convergências entre Freire e Adorno, quando ambos percebem que a
educação se distanciou de seu objetivo central, que é promover o domínio
pleno do conhecimento e a capacidade de reflexão. Isto é fazer com que o
educando e o educador possam experienciar, na sua formação (Bildung),
novos saberes, possibilitando recriar, reinventar conhecimentos a partir da
curiosidade de interpretar o mundo.
Quando o dominador assume o poder, as classes menos favorecidas
continuam sendo dominadas. De acordo com Freire, a educação bancária
contribui para isso, pois nela os professores não se tornam agentes de
transformação, e sim, são fantoches, marionetes dessa classe que controla o
conhecimento. Em Adorno, a classe dominante assumiu um mecanismo para
iludir, persuadir, enganar, as pessoas para uma falsa formação, por via da
indústria cultural.
Com isto, é evidente que ambos os autores vêm denunciar a forma pela
qual a educação se torna refém de um grupo de sujeitos que, por meio do
mecanismo de construção da heteronomia (ou seja, a sujeição do individuo à
vontade de terceiros), torna o indivíduo igual ao coletivo, perdendo sua
individualidade. Sob essa ótica, o indivíduo anula a capacidade de pensar e
agir por conta própria e também tem reduzida sua capacidade de ser solidário
e respeitar o próximo, que são duas vertentes éticas e estéticas. Na opinião de
Adorno, apenas a alienação poderia explicar uma situação tão grave e
existencial como a barbárie presente na sociedade; Adorno parte do fato real
como o holocausto e os campos de concentração como símbolos, imagens,
máximos da selvageria humana.
Bandeira (2011), fazendo uma leitura da obra de Zuin, “Indústria Cultural
e Educação: O novo canto das sereias”, afirma que:
O escravo-trabalhador aos poucos vai adquirindo consciência de que
é a sua subjetividade que é objetivada na imanência do produto
gerado, a auto-consciência do escravo provém do auto
reconhecimento da sua perpetuação particular, que transcende a si
própria e representa a permanência do gênero humano no produto do
seu trabalho ( BANDEIRA, 2011, p.5 acessado 10/02/11)
Conforme este entendimento, percebe-se que, por meio do trabalho, o
sujeito tem a possibilidade de formar-se. Com isso, a experiência formativa,
apresentada entre Adorno e Freire, aponta para a possibilidade da autonomia
38 do sujeito, quando o mesmo rompe com a alienação, dando suporte para a
formação (Bildung); e o sujeito deixa de ser ingênuo, para tornar-se construtor
de novos saberes.
A crítica destes dois autores à educação e à formação de profissionais
qualificados está na avaliação do papel social da escola. Na compreensão de
Adorno (2000), o cenário escolar se transformou em simples instrumento a
serviço da indústria cultural, que visa ao ensino como uma simples mercadoria
pedagógica, em prol da semiformação (Halbbildung).
Com a perda dos valores éticos e estéticos pela educação bancária
(Freire) e pela manipulação da indústria cultural (Adorno), anula-se o
desenvolvimento da autorreflexão e da autonomia humana.
É gerada, na
sociedade, uma escola de massa que tem como interesse instalar e cultuar a
massificação, chegando ao núcleo de que isso gera a deformação da
consciência, criando na sociedade a semiformação (Halbbildung).
A compreensão da leitura realizada por Adorno de que a sociedade é
refém da má formação de professores pode ser feita a partir do fato de que o
sujeito não consegue raciocinar e nem ter consciência de que é dominado pela
comercialização e banalização dos bens culturais. Isto é um fenômeno batizado
posteriormente por Adorno e Max Horkheimer de "semiformação”, no livro “A
Dialética do Esclarecimento”, escrito nos anos 1947. Este fenômeno é o
responsável por prejudicar a capacidade humana de agir com liberdade moral,
intelectual e com autonomia.
Sair deste mecanismo de dominação e dar passos que possibilitem
assumir a pedagogia progressiva é, na verdade, fazer com que a formação de
professores tenha a função de promover a vontade de buscar o domínio pleno
do conhecimento e a capacidade de reflexão, rompendo com uma educação
bancária que busca fazer com que os alunos absorvam somente alguns
trechos, ideias, palavras necessárias para responder os exercícios e de onde o
professor só espera essas respostas.
A educação, mesmo sendo considerada como ideal, está condicionada a
uma realidade e não se compromete no seu propósito de ser. O caminho para
a superação disso é a formação, que contemple o sentido de humanização, de
um indivíduo com conhecimentos científicos, humanos e artísticos, que
despertem e provoquem a curiosidade, a crítica devido à capacidade de se
39 relacionar consigo mesmo e com o outro. Este indivíduo, a partir da visão
sociológica, em Adorno, faz com que a escola seja considerada uma instituição
apta a formar o sujeito, ou seja, aquele que não é dominado, é pleno de
autonomia de pensamento e atua reflexivamente em todas as instâncias da
vida social.
Nesta ótica, a educação que visa à vivência da experiência formativa é
uma formação de amplitude humanística, tendo como objetivo uma educação
para a diferença, visando à possibilidade de que os sujeitos possam valorizar a
dignidade e o respeito às diferenças.
A contribuição de Cunha, ao resgatar o pensamento de Freire, nessa
linha é a seguinte
A dialética da educação está na utopia da igualdade e na
desigualdade das utopias...A educação para a liberdade passa pela
regulamentação, pela repressão à espontaneidade opressora dos
oprimidos. Educar é tirar aos dominadores a possibilidade de
oprimirem; retirar aos dominados a mamadeira pacificante e
paternalista da tranqüilidade. (CUNHA, 1983,p.23-24).
Josso (2004) propõe uma abordagem de formação na perspectiva do
paradigma experiencial ao apresentar a visão de que a experiência é única e
pessoal:
Falar das próprias experiências formadoras é, pois, de certa maneira,
contar sobre si mesmo a própria história, as suas qualidades
pessoais e socioculturais, o valor que se atribui ao que é "vivido" na
continuidade temporal do nosso ser psicossomático. [...] é também
um modo de dizermos que, neste continuam temporal, algumas
vivências têm uma intensidade particular que se impõe à nossa
consciência e delas extrairemos as informações úteis às nossas
transações conosco próprios e/ou com o nosso ambiente humano e
natural. (JOSSO, 2004, p. 47)
Para Josso, a vivência está relacionada aos fatos que são quotidianos.
Estas vivências, não necessariamente, permanecem na memória do indivíduo,
elas também não contribuem, necessariamente, para uma formação, voltada
para a aprendizagem reflexiva. É importante frisar que toda experiência se dá
por meio de uma vivência, isso quer dizer que o sujeito escolhe uma vivência
na qual ele perceba que haja algum sentido, que traga um aprendizado; isto é,
elege-se uma fonte de aprendizagem que ofereça instrumentos para a
formação para a vida.
40 Afirma Josso (2004), que há uma distinção entre vivência e experiência.
Todos têm uma vivência só se pode afirmar que se tem uma experiência, a
partir da reflexão sobre a vivência, transformando-a em experiência. A reflexão
do que foi vivenciado é sistematizada, ao estabelecer critérios para nomear o
que se aprendeu com a experiência.
Só se pode construir o saber quando houver perguntas às experiências,
para entendê-las e percebê-las como parte integrante de nós mesmos.
Conforme Josso (2004), a história de vida, a autobiografia, a pesquisaformação, que ocorrem, ao mesmo tempo, envolvem o indivíduo e
comprometem outras pessoas e objetos.
Quando o sujeito estiver disposto a percorrer, “o caminho para si”, ou
seja, formar-se, deve ter a noção de que será uma viagem de experiência
formativa e, no percurso, na trajetória, haverá mudança tanto no campo
pessoal, quanto no processo em si. Isto acarretará uma nova consciência que
não será fácil de percorrer, pois exigirá do sujeito uma disposição pessoal e
uma abertura para o processo.
O professor deve narrar a sua história, a partir de seu olhar sistemático,
crítico e reflexivo. Em relação à sua escolha de ser um transformador de
saberes, o professor, ao narrar, faz como uma ação de (re) pensar e dar novo
sentido à sua história, percebendo que ela é parte integral de um período, de
uma comunidade, integrando-se em um meio sócio cultural, que possibilita,
assim, revelar-se e revelar os contextos nos quais ela se forma.
Para Josso (2004), a experiência profissional e pessoal dos professores,
prepara ordem e elabora saberes que ajudam no diálogo entre suas
experiências profissionais e pessoais e nas teorias que proporcionam
elementos e recursos para uma contextualização mais ampla das experiências
de cada sujeito. Fica claro que as experiências profissionais e pessoais estão
consonantes com as suas escolhas.
A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos
toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase
impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar
para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais
devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais
devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o
juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da acção,
cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar
sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar os outros,
41 cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e
espaço. (LARROSA, 2002)
Maturana, apresenta a ideia da “autopoiesis”, que significa criação de si,
em grego. Para Maturana, o ser humano está constantemente em mudança, se
autoproduzindo, se autocriando. Este processo de autocriação e de reação é
definido por Maturana de conhecimento, pelo motivo de que os seres vivos têm
que compreender os desafios impostos, para poderem inventar novas formas
de ser, internamente.
Conforme Maturana, este processo não é percebido como algo
mecânico, ou seja, de fora para dentro. O processo é aberto, ele estimula,
organiza e elabora, internamente e com autonomia, as relações entre as partes
envolventes.
Falar de ética e estética é falar de sentimentos subjetivos. Esses
sentimentos nos direcionam a olhar o mundo e o que nos circunda de forma
bela.
Há os sentimentos que geram a vida como o amor, a bondade, a
gratidão, que abordam a relação entre o eu e o outro. Já, no entanto, existem
aqueles sentimentos que deixam os indivíduos descontentes, como a dor, a
raiva, o medo, agressão, que impedem um convívio social. Sabe-se que as
emoções são motores da ação de cada pessoa.
Busca-se, em Maturana, a fundamentação da relação do professor
humanista que, por sua prática pedagógica, valoriza a pessoa do estudante,
pois, o seu olhar é direcionado para possibilitar um ensino para a vida, pelo
motivo de que a sua energia é voltada para a vida, para o belo e para o bem.
Maturana (2008) trata da biologia do amor que fundamenta a existência do
homem. Sem o amor não existiria o ser humano. A estrutura do ser humano
está baseada no amor, na afetividade e na intimidade. Conforme Maturana;
Rezepka (2008, p. 27), “A biologia do amor é a dinâmica constitutiva do ser
humano como ser social desde sua condição biológica e não desde sua
condição cultural”.
E mais:
O amor como emoção, é o domínio das condutas relacionais através
das quais surge o outro como legítimo outro em convivência com
alguém. Como tal, o amor é a emoção que funda o social como
âmbito da convivência no respeito por si mesmo e pelo outro.
(MATURANA; REZEPKA, 2008, p.25)
42 Maturana e Freire defendem a ideia da amorosidade no cenário escolar,
como forma construtiva da relação professor e aluno. “espaço educacional
como espaço de convivência na biologia do amor deve ser vivido como espaço
amoroso” ((MATURANA; REZEPKA, 2008, p.17)
Boff (1999) apresenta um pensamento importante sobre este tema do
amor, do sentimento, da responsabilidade para com o outro, que está voltada
para a questão da ética.
O que se opõe ao descuidado e ao desespero é o cuidado. Cuidar é
mais do que um ato; é uma atitude. Portanto, abrange mais do que
um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma
atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e de
envolvimento afetivo com o outro. (BOFF. 1999, p.33).
Como diz Maturana (1998, p.31): ”Sem aceitação e respeito por si
mesmo não se pode aceitar e respeitar o outro, e sem aceitar o outro como
legítimo outro na convivência não há fenômeno social”.
Adorno, Freire, Josso e Maturana, nas suas teorias, buscam por via da
experiência formativa do sujeito, levar a uma consciência da plenitude do ser,
tornar-se participante do processo de construção da própria formação de si no
mundo, onde as experiências de vida, de profissão, do meio podem caminhar
de mãos dadas.
Neste recriar, a educação pode ser construída e, assim, há a
possibilidade de uma educação que proporcione uma vivencia humanizante.
Finalmente, há a força da ideologia que massifica o sujeito, impedindo-o
de compreender a vivência (Josso) e a experiência, como atos de recriação e
de ressignificação, através do ato da narração. A apropriação estética
representa a fuga dessa ideologia.
43 2 A EDUCAÇÃO ESTÉTICA: UM CAMINHO PARA A HUMANIZAÇÃO
Neste
capítulo,
visa-se
à
compreensão,
no
contexto
da
contemporaneidade, da construção da identidade dos sujeitos, para a reflexão
sobre a Educação Estética, na perspectiva de Adorno e Freire, na formação de
professores. A aproximação entre os autores diz respeito à compreensão dos
mecanismos que impedem uma consciência crítica, à emancipação dos
sujeitos históricos e às práticas pedagógicas, voltadas para a humanização do
homem.
2.1 A construção da identidade no mundo contemporâneo
Conforme Hall (1998), vive-se uma crise da identidade na Pósmodernidade. A ideia da Pós - modernidade como algo que vem, depois da
modernidade, não significa a superação da modernidade, é uma reação contra
a modernidade.
O filósofo Lyotard foi um dos primeiros a fazer essa reflexão. O autor se
refere à Pós-modernidade, como sendo um pseudônimo, pelo fato de que o
termo moderno foca o “agora”, sendo assim, é impossível existir algo depois de
“agora” como o termo “pós”.
Vattimo diz que:
O pós de pós-moderno indica, com efeito, uma despedida da
modernidade, que, na medida em que quer fugir das suas lógicas de
desenvolvimento, ou seja, sobretudo da idéia de ‘superação’ crítica
em direção a uma nova fundamentação, busca precisamente o que
Nietzsche e Heidegger procuraram em sua peculiar relação ‘crítica’
com o pensamento ocidental (VATTIMO, 1996, p. VII).
A Modernidade surgiu no século XVIII, proporcionando às pessoas
esperança, segurança, confiança no triunfo da razão técnica. É uma promessa
que o progresso, por meio das leis naturais acima de todas as leis humanas,
elevaria os homens à condição de igualdade e felicidade. A promessa não
cumprida leva ao fracasso da modernidade, porém, isso não significa a sua
extinção, emergiu uma cultura ou subcultura, denominada Pós-modernidade.
44 Baum (1993, p.13) acrescenta dois grandes impulsos da racionalidade
iluminista. Primeira: “a razão instrumental que lida com a ciência e tecnologia e
a razão subjuntiva ou razão prática”. A segunda que busca “lidar com o destino
humano e a liberdade humana”. Daí, surge a ideia de liberdade de
pensamento, que contribui para novas formas de mistificação trazidas pelo
progresso das ciências e, consequentemente, acompanhadas pela tecnologia.
A racionalidade do Iluminismo reduziu-se à pura razão instrumental.
Baum (1992) refere-se à possível “morte da modernidade”.
O sistema econômico mundial, aparelhado para manter e melhorar
seu desempenho, já não tem um sujeito histórico. Nem pessoa, nem
grupos de pessoas, nem, governos são capazes de assumir a
responsabilidade por sua orientação. A economia tornou-se sem
sujeito (BAUMAN, 1992.p.16).
Vattino (2001, apud Lima, 2004, p.1) reitera que:
a chamada "pós-modernidade" aparece como uma espécie de
Renascimento dos ideais banidos e cassados por nossa
modernidade racionalizadora. Esta modernidade teria terminado a
partir do momento em que não podemos mais falar da história como
algo de unitário e quando morre o mito do Progresso. É a emergência
desses ideais que seria responsável por toda uma onda de
comportamentos e de atitudes irracionais e desencantados em
relação à política e pelo crescimento do ceticismo face aos valores
fundamentais da modernidade. Estaríamos dando Adeus à
modernidade, à Razão (Feyerabend) Quem acredita ainda que "todo
real é racional e que todo real é racional"(Hegel)? Que esperança
podemos depositar no projeto da Razão emancipada, quando
sabemos que se financeiro submetido ao jogo cego do mercado?
Como pode o homem ser feliz no interior da lógica do sistema, onde
só tem valor o que funciona segundo previsões, onde seus desejos,
suas paixões, necessidades e aspirações passam a ser
racionalmente administrados e manipulados pela lógica da eficácia
econômica que o reduz ao papel de simples consumidor.
Hall (1998), ao fazer a analise da sociedade na contemporaneidade,
aponta três concepções: o sujeito do Iluminismo; o sujeito sociológico, o sujeito
pós-moderno. Essas concepções convivem entre si, no mesmo tempo e no
mesmo espaço, e provocam um pensar e agir em fragmentos.
Explica-se a crise de identidade da Pós-modernidade: “As velhas
identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em
45 declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo
moderno” (HALL, 1998, p.7).
De acordo com Hall, a crise de identidade, torna-se mais aguda pelo fato
de a sociedade estar em estado constante de mudança. “Uma vez que a
identidade muda de acordo com a forma como o sujeito é interpelado ou
representado, a identificação não é automática, mas pode ser ganhada ou
perdida.'' (HALL, 1998, 21) . Assim, “O próprio conceito [...] identidade, é
demasiadamente complexo, muito pouco desenvolvido e muito pouco
compreendido na ciência social contemporânea para ser definitivamente posto
à prova.'' (HALL, 1998, 8).
Hall (1988, p.22) aponta aspectos que caracterizam a crise de identidade
na Pós-modernidade:
•
A Modernidade e a Pós-Modernidade não cumpriram com as suas
propostas e metas. A Pós-Modernidade inverteu o foco: em vez da
claridade definitiva da luz da razão, anunciou a irracionalidade, pelo fato
de que o homem não se tornou livre. Tornou-se preso às tiranias de
todas as cores, ao invés da fraternidade e igualdade. A sociedade ficou
à mercê da marginalidade e do totalitarismo, colonialismo, etnia, raça,
classe, gênero, racismos. Os meios de comunicação impõem o
consumo, de forma que a exploração do capital é reconhecida de forma
lícita.
•
A Pós-Modernidade é considerada como sendo uma transeunte de
ideias. Isto que dizer que as idéias são passageiras, mudam, conforme
as circunstâncias, adéquam-se à realidade conforme a direção do vento.
•
Para os pós-modernos, o futuro não é levado em conta, o que importa é
o presente. Aqui se percebe que o que há por detrás dessa ideia é o
pensamento da indústria cultural, o consumismo, a exploração da mão
de obra e do descartável.
•
O individualismo presente também é visto pela Pós-Modernidade, pelo
fato de que induz o indivíduo a ser o que ele deseja ser.
•
Para eles, não existe redenção possível à história, não havendo nada
que possa mudar a marcha da história. Levam assim, o indivíduo a
46 esquecer a história. O que conta é a realização pessoal, nesta
dimensão, considerada positiva, quando o indivíduo desfruta o presente,
a sua realidade aqui e agora, esquecendo-se da história e também da
utopia e da esperança.
•
Enfim, a Pós-Modernidade, ao negar novamente todo o projeto e a
história que foi construída pela humanidade, não somente joga fora as
bases colocadas com tanto esforço, mas também anula as dimensões
estética e ética, que se referem à valorização do humano, como sendo
um ser em relação com o outro e com o mundo.
A fragmentação da identidade do sujeito havia sido denunciada por
Adorno. Aponta o autor que a fragmentação é decorrente das relações, das
informações instáveis e descartáveis que a indústria cultural, a partir da razão
instrumental, instituía um movimento histórico universal, transformando a
cultura em mercadoria.
Baum, diz:
Por volta da virada do século Max Weber, seguido por outros
intelectuais alemães, chegou acreditar que a tendência racionalizante
da modernidade, a força cultural da razão instrumental, era tão
avassaladora que acabaria sobrepujando todas as tendências
contrárias na sociedade, produzindo uma sociedade inflexível,
opressora, cientificamente programada, a “gaiola de ferro”(das eherne
Gehäuse), acompanhada pelo declínio cultural e a morte de todos os
sonhos verdadeiramentes humanos (BAUM, 1992,p.12)
Baum (1992) assinala que:
Os filósofos da Escola de Frankfurt [...] concordaram com Max Weber
em que o poder crescente da razão instrumental estava
desumanizando a sociedade, mas recusaram-se a fazer o coro com
os pensadores que rejeitavam completamente a herança do
Iluminismo. Enquanto herdeiros críticos da tradição marxista, os
membros da Escola de Frankfurt defenderam apaixonadamente,
como uma exigência da própria razão, a emancipação de todos os
grupos humanos das estruturas de exclusão e desprezo e dos
pesados fardos colocados sobre seus ombros (BAUM, 1992. p.12).
Adorno, Horkheimer e outros filósofos da escola de Frankfurt,
anunciaram que o Iluminismo se tornou uma resistência em oposição à
emancipação humana. Em Adorno, a natureza da indústria cultural é uma
47 manifestação desse processo que se desenvolve pela transformação social, na
passagem do século XIX para o XX. A finalidade desta indústria é assegurar a
expansão das relações mercantis. Concisamente, os objetos produzidos por
ela perdem o seu significado de criação artística e literária, assumindo forma a
fim de atividades econômicas.
A indústria cultural gira em torno da atividade de levar os bens de
consumo a adquirirem o mercado. Ou seja, aquilo que é chamado de cultura
torna-se símbolo de consumismo. Este incentivo de consumo se dá por via das
propagandas, tornando os consumidores como objeto manipulável. “As
mercadorias se transformam em imagens, no próprio conteúdo da mídia,
passando a construir um só processo com ela, nos diversos contextos da vida
em sociedade”. (RÜDIGER, 1999, p.17).
Para entender a dominação, Adorno juntamente com Horkheimer vai
buscar em Kant (1724-1804) o termo Aufklärung, Iluminismo que, no Brasil,
ficou traduzido como Esclarecimento 3. Significa também colocar sobre a mesa,
ou deixar evidente.
Adorno e Horkheimer tiveram, como objetivo, explicar o mecanismo pelo
qual a Aufklärung valorizou o homem e a razão. Para Kant, Aufklärung significa
a saída do homem de sua menoridade, pela qual ele próprio é responsável. A
menoridade é a incapacidade de se servir de seu próprio entendimento sem a
tutela de outro. Aufklärung tinha inicialmente uma proposta de levar o homem à
emancipação e à autonomia. Mas, com a mistificação do mito, a racionalidade
vai buscar a técnica para explicar a realidade e, com isto, a dominação dos
burgueses sobre a técnica vai criar mecanismos que impedirão o homem de
emancipar-se, surgindo assim a chamada Indústria Cultural.
Adorno e Horkheimer (1985, p. 11) questionam a promessa da
Aufklärung, que se baseava em um pensamento livre dos mitos e da
superstição, onde a sociedade iria entrar em um estado de ouro, salvando-se,
tirando-se, livrando-se do perigo, ou seja, da barbárie. Para eles, a ideia de
3
O termo "Esclarecimento" foi preferido ao termo "Iluminismo" para traduzir a palavra alemã
Aufklärung. O termo tem sido adotado em traduções brasileiras, como na obra Dialética do
Esclarecimento, traduzida por Guido Antonio de Almeida (Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
1985.
48 Aufklärung foi uma ilusão, recebendo por isso muitas críticas, especialmente de
Adorno.
De acordo com o pensamento da Aufklãrung, o homem era dominado
pelo mito e, por essa razão, não era considerado esclarecido; a razão tinha
então como objetivo desmitificar o mundo e colocar o homem na posição de
senhor. A grande aspiração do Esclarecimento, Aufklärung, era esconder as
interpretações “irracionais” dos mitos e dar outro sentido por meio do saber.
Sendo que este saber é transformado em algo prático, pragmático, ou
padronizado, pelo fato de que, para o Pós-Modernismo, é melhor viver sem
ideias de que sacrificar a própria vida diante de ideias que nunca poderão ser
atingidas.
É no pensamento de Bacon (1561) que Adorno e Horkheimer vão buscar
uma análise da racionalidade técnica e da Indústria Cultural 4 e a sua
contribuição para o saber técnico, sobre o domínio da natureza, ou seja, a ideia
de que para colocar a natureza a serviço da humanidade é necessário
conhecê-la. “A técnica é a essência desse saber, que não visa a conceitos e
imagens, nem prazer do discernimento, mas o método, a utilização do trabalho
de outros, o capital”. (ADORNO; HORKHEIMER, 1985 p.20)
Bacon proclama a separação, a cisão, entre o sujeito e objeto. Por isso,
Adorno e Horkheimer culpam Bacon pelo descaminho, pelo desvio da cultura e
da sociedade europeia:
A estéril felicidade de conhecer é lasciva tanto para Bacon como para
Lutero. O que importa não é aquela satisfação que, para os homens,
se chamam “verdade”, mas a operation, o procedimento eficaz. Pois
não é nós (citando Bacon) “discurso plausível, capazes de
proporcionar deleite, de inspirar respeito ou de impressionar de uma
maneira qualquer, nem em quaisquer argumentos verossímeis, mas
em obras e trabalhos e na descoberta de particularidades, antes
desconhecidas, para melhor prover e auxiliar a vida”, que reside “o
verdadeiro objetivo e função da ciência”. Não deve haver nenhum
mistério, mas tampouco o desejo de sua revelação. O iluminismo
ignorou a exigência clássica de pensar o pensamento (ADORNO;
HORKHEIMER,1985, p.20)
4
O esclarecimento como mistificação de massa. Monopólio cultural, Cultura administrativa,
reprodutibilidade mecânica de bens culturais padronizados. Rádios, cinemas, jornais, revistas e
outros
49 Trazendo para os dias de hoje esta ideia, percebe-se que, para Adorno,
o Aufklärung estabeleceu, criou uma sociedade de massa, que determinou um
pensamento único, massificado, normalizado, ou seja, onde os indivíduos
acabam pensando a mesma coisa, para se autoconservarem. Mas estes
pensamentos são estabelecidos, segundo os modelos, referências padrões de
uma inteligência tecnológica, social, econômica e pragmática.
Considerando a nomenclatura, vê-se que o termo Teoria Crítica, foi
criado por Max Horkheimer, nos anos 30, com o objetivo de criticar a “razão
hegeliana, por trazer a teoria da identidade como acabada”, ao contrário da
teoria crítica que dá ao sujeito uma condição de refletir a sua história. Os
demais membros da Escola de Frankfurt, entre eles Adorno, aderiram a essa
teoria, anos mais tarde.
Horkheimer e Adorno oferecem-nos uma nova visão de mundo,
denominada como Teoria Crítica. Por meio dessa teoria crítica, eles fazem uma
análise da realidade que é imposta aos seres, por meio, da indústria cultural,
através das suas idéias que os massificam. Para a libertação destas ideologias
e dos fetiches, que manipulam os seres, Adorno sugere que a educação seja
um instrumento para abrir novos caminhos, levando as pessoas a pensarem
criticamente.
A partir da teoria crítica de Horkheimer, Adorno elabora um pensamento
que visa à solução dos problemas dos tempos modernos. Este abordará uma
reflexão sobre a realidade, enfocando uma crítica à indústria cultural.
Essa teoria propõe ao homem uma interpretação da realidade de forma
crítica, de maneira a não ser enganado pela mídia, particularmente, os meios
de comunicação. Adorno, ao propor este método, fornece ao indivíduo a
possibilidade de rompimento com a manipulação imposta pela indústria
cultural, permitindo ao homem convicção de sua própria forma de pensar. O
conhecimento passa a ser qualitativo. Consequentemente, o sujeito deixa de
ser passivo para ser produtor da sua própria opinião.
Como solução para a questão da emancipação, Adorno propõe o vínculo
com os filósofos, que têm, como função, ajudar os educadores a olhar a
realidade de maneira a evitar a influência da indústria cultural. Adotando uma
visão nem ingênua e nem paranoica, é possível compreender os motivos pelos
quais o autor critica esta nova visão da cultura, com forte influência dos
50 Estados Unidos. Apesar das críticas, não se pode negar que, mesmo que feita
para ser comercializada, a cultura tem um valor, ajudando a transmitir
conhecimentos, a entreter as pessoas. O importante aqui é perceber como,
para Adorno, a cultura, quando feita de forma não comercial, que ele chama de
Indústria Cultural, atrapalha na emancipação do indivíduo.
Adorno também foi dos pioneiros, ao levantar questões como estas que
Freitas (2008 p.9-10) apresenta-nos: a inserção crítica da cultura, da sociedade
capitalista, da razão científica da cultura de massa e de diversas outras esferas
da vida contemporânea. Este pensamento, contudo, deriva da Escola de
Frankfurt.
Adorno analisa, questiona e reflete, por meio de uma autocrítica,
analisando a sua própria história. Chega à conclusão de que a técnica, como
ferramenta da indústria cultural, não está a serviço da sociedade, pois não
possibilita a emancipação do sujeito, como formador da sua própria história.
Esta técnica reproduz, na sociedade, uma semiformação, um esquecimento da
história, do tempo e do espaço onde o sujeito está inserido, deixando-o neutro,
passivo, na própria sociedade.
Nesta sociedade, o homem vai introduzindo uma nova forma de
relacionar-se com o outro e com o mundo, pois seu relacionamento se torna
normatizado, sistematizado pelo mercado capitalista. Neste mercado, a técnica
fica a serviço do capital, dos poderosos que ditam as regras e os valores a
serem seguidos. O povo está à mercê deste sistema.
De acordo com Adorno, a indústria cultural leva o homem a uma
semiformação, que nada mais é do que razão instrumental, que faz com que o
homem se torne um indivíduo educado para ficar subordinado à semicultura de
massa, anulando a sua capacidade de refletir a sua própria realidade, a sua
história.
Levando em conta a sociedade atual, vê-se que se está vivendo em uma
sociedade administrada que tem, como característica, favorecer situações de
barbárie, nas quais os indivíduos reproduzem situações de opressão,
principalmente, através dos meios de comunicação: a indústria cultural.
O conceito de indústria cultural aparece, em Adorno e Horkheimer (1985,
p.287), primeiramente, como cultura de massa, da arte como consumo; mais
tarde, a partir daí, é elaborado o conceito de indústria cultural.
51 O conceito de massa cultural vincula-se ao conceito de indústria cultural,
em Adorno:
Se de um lado, a indústria cultural especula inegavelmente sobre o
estado de consciência e de inconsciência de milhões de pessoas a
que se dirige, por outro lado, as massas não são o elemento primário,
mas um fator secundário, compreendido no calculo: um apêndice do
mecanismo. O consumidor não é, como a indústria cultural gostaria
de fazer acreditar, o soberano, o sujeito desta indústria cultural, mas
antes o seu objeto. A palavra mass-media, que a indústria cultural
cunhou para si, desloca o seu acento para o inofensivo. Aqui não se
trata em primeiro lugar das massas, nem das técnicas de
comunicação enquanto tais, mas do espírito que estas técnicas
insuflam, a voz de seus senhores. A indústria cultural abusa na sua
consideração para com as massas a fim de duplicar, consolidar e
reforçar sua mentalidade pressuposta como imutável. Tudo que
poderia servir para transformar esta mentalidade é por ela excluído.
(ADORNO, 2002, p.17)
De acordo com Adorno (2002), a indústria cultural não se inspira nas
massas, mas sim, na sua ideologia, devido ao fato de que a ideologia só
existiria, se se prescindisse da adaptação das massas. As mercadorias
culturais da indústria se orientam, pelo princípio da sua valorização, e não pela
adequação de suas qualidades. A motivação da indústria cultural é o lucro. A
introdução no mercado das criações, como mercadorias, propiciam o sustento
de seus autores. Apesar de visar ao lucro, elas conservam a sua essência
autônoma.
Novo na indústria cultural é, pelo contrário, o primado imediato e
descoberto do efeito que ela calcula com precisão nos seus produtos
mais típicos. Se é certo que a autonomia da obra de arte em estado
puro raramente se afirmou e esteve sempre atravessada pela busca
do efeito, pela indústria cultural esta é tendencialmente acantonada
com ou sem a vontade consciente dos seus promotores. Que podem
ser tanto órgãos executivos como detentores de poder. (ADORNO,
2002, p.17)
Segundo Adorno (2002), no plano econômico, buscam-se as novas
possibilidades de valorização do capital, sobretudo, nos países com maior
desenvolvimento econômico. Há um processo de concentração, sem o qual a
indústria cultural, como instituição onipresente, não se viabilizaria. As
mercadorias culturais, que devem ser consumidas, podem emancipar-se da
obrigação de serem vendidas. Nesse caso, a indústria cultural exerce o papel
52 de relações públicas. Faz-se publicidade para o mundo todo. Desde o caso do
romance comercial inglês, no final do século XVII e princípios do século XVIII, a
indústria
cultural
manifesta
categorias
fundamentais,
conservadas
e
reconhecíveis.
O que na indústria cultural se apresenta como progresso, o
continuamente novo que ela exibe, continua sendo o revestimento de
um sempre igual; em todos os lugares a verdade esconde um
esqueleto que não mudou mais do que não mudou o próprio móvel do
lucro, desde que este passou a dominar a cultura.
A expressão "indústria" , contudo, não deve ser tomada ao pé da
letra: ela se refere à estandardização da própria coisa, por exemplo, à
estandardização dos filmes western, familiares a todo frequentador de
sala de cinema, e a racionalização das técnicas de divulgação; não
ao processo de produção no sentido estrito. Se de fato no setor
central da indústria cultural, o filme, sob muitos aspectos é um
procedimento técnico, dada a generalizada divisão do trabalho, o
amplo emprego de máquinas e a separação dos trabalhadores dos
meios de produção - separação esta que se exprime no eterno
conflito entre os artistas ocupados na indústria cultural e os
detentores de poder decisório - não impede que se conservem formas
individuais de produção. (ADORNO, 2002, p. 18)
Adorno (2002) afirma que a indústria cultural tem sempre se
apresentado como “serviços” a terceiros. Ela firma sua afinidade com o velho
processo de circulação de capital, com o comércio, do qual ela é oriunda. O
funcionamento e o conteúdo da indústria cultural são desumanos, em
consequência do êxito da publicidade. A técnica da indústria cultural refere-se à
sua lógica interna: é uma técnica de distribuição e reprodução.
Ela vive por assim dizer como parasita de uma técnica extra artística,
da técnica de produção de bens materiais, sem dar-se conta, do que
a objetividade desta comporta para a forma intra artística, e além
disso, para a lei formal da autonomia estética. Daí resulta o pastiche
(Gemisch), essencial a fisionomia da indústria cultural, de
streamlining, de solidez, e precisão fotográfica, de um lado, e de
resíduos individualistas - atmosfera, romantismo confeccionado e
racionalmente dosado - de outro. Se se assume a "aura" de
Benjamim - a presença do não presente - como fator determinante da
obra de arte tradicional, a indústria cultural é definida pelo fato de que
ela não contrapõe ao princípio da aura um princípio diverso, mas
conserva a aura, putrificada, como atmosfera nebulosa. (ADORNO,
2002, p.18)
Adorno (2002) sugere que há um alerta para que a indústria cultural não
seja subestimada. Devido à sua importância para a formação da consciência,
53 ela se tornou um lugar comum entre os políticos da cultura e os sociólogos. É
ingenuidade ignorar a sua influência. Há ambiguidade: a sua relevância no
âmbito social ou é evidente ou é oculta. A incontestável importância da
indústria cultural requer que ela seja levada a sério de forma crítica e, não,
prostrar-se diante de seu monopólio. Respeitando o seu poder, pode-se
manifestar as reservas sobre sua existência. Intelectuais afirmam que
fotonovelas, filmes feitos em série, programas musicais, sessões de consultas
psicológicas e horóscopos são inócuos. De fato, são, mas também são
democráticos, na medida em que respondem a uma exigência ainda não
fomentada. Além disso, há vantagens: divulgam informações, conselhos e
modelos libertadores de comportamento.
Nesta visão estética, a indústria cultural oferece, aos indivíduos, um
prazer momentâneo e supérfluo. Um exemplo concreto está na questão da
tecnologia; os aparelhos que adquirimos, em pouco tempo, estão obsoletos,
exigindo que compremos outros novos, que suportam as novidades, ficando
assim a técnica a serviço do capital. Por isto, para Adorno o pragmatismo tem
um sentido negativo, pois procura impedir a emancipação do indivíduo,
colocando-se a serviço da semiformação.
Freitas esclarece bem este mecanismo de sedução da indústria cultural
para deixar os indivíduos sem saída:
O que se estabelece é um grande sistema em que as pessoas são
constantemente enganadas em relação àquilo de que necessitam. Os
produtos fornecidos pelos meios de comunicação de massa passam
a idéia de que as necessidades que eles satisfazem são legítimas,
próprias dos seres humanos como seres livres que podem exercer
seu poder de escolha, quando, na verdade, todas as opções são
sempre pensadas a partir de um princípio que torna todas as
alternativas idênticas, pois todas acabam sendo meramente mais
uma oportunidade de exercer o poder de compra (FREITAS, 2008,
p.18).
A partir daqui, podemos fazer a seguinte pergunta: como a indústria
cultural age na sociedade? Em resposta a esta pergunta, cita-se uma definição
retirada do livro Introdução à teoria da comunicação, elaborada pelos membros
da Escola Frankfurt:
Trata de produção em série, da homogeneização e, conseqüência, da
deterioração dos patrões culturais. A exploração comercial de bens
considerados culturais reforça a dominação técnica pelo sistema,
54 gerando passividade. A cultura, com a intervenção técnica e os meios
de reprodução em massa, perde a sua “aura” e passa a ser
mercadoria, descaracterizada enquanto manifestação artística.
Moldada para agradar aos padrões da massa consumidora, a cultura
de massa rebaixa o nível dos produtos artísticos. Além disso, a
relação entre artista e público é intermediada por técnicos. Os
produtos são carregados de ideologia dominante e provocam o
conformismo. (SANTOS, 1992. p16)
Adorno (1985), na obra, Dialética do esclarecimento, retrata dois pontos
importantes, nos quais a indústria cultural se impõe aos seres, usando
artefatos: ideologias de massa e as alienações como forma de massificar o
pensamento do homem e a ideologia no âmbito estético.
Antes de tudo, é importante deixar evidente que, para Adorno, o objetivo
da indústria cultural nada mais é do que o aniquilamento da autonomia do
indivíduo. Sabe-se que o homem é um ser racional, pensante, observador, e
por isto, se torna vítima e se deixa corromper pela ideologia industrial, que
extermina o que há de mais sagrado e singular nele, que é a liberdade de
pensar. E isso acontece de maneira mais comum através dos meios de
comunicação, quando tentam usar de artifícios para convencer as pessoas a
consumirem determinados produtos, ou mesmo obras de arte.
A indústria cultural denunciada como uma vilã surgiu, a partir do
positivismo, que valoriza acima de tudo a ciência e a técnica. Adorno critica
esta maneira positivista de colocar a ciência como ponto mais importante, na
vida da sociedade, a maneira como o sistema capitalista se apoderou de
ambas, a ciência e a técnica, para colocá-las a serviço de um sistema
opressor.
Adorno, ao questionar a produtividade, ou seja, a “sociedade industrial”
está procurando fazer uma reflexão a partir do capitalismo, que manipula as
“relações de produção” e as “forças produtivas”, que estão vinculadas à
progressividade das tecnologias e das ciências.
Assim, com o auge do positivismo, o homem deixou os seus valores,
para abraçar outros, em troca de uma falsa liberdade, oferecida pela indústria
cultural. Ela reflete a irracionalidade objetiva da sociedade capitalista tardia,
com a racionalidade da manipulação em massa.
Como vimos, a indústria cultural se torna meio de alienação, impedindo
um pensamento crítico pelo qual o sujeito possa defrontar lucidamente os seus
55 conflitos. Esses conflitos se inserem no passado histórico, onde o homem tem
que rever todos os mecanismos que o levam a se prender nos acontecimentos
que marcaram sua geração, surgindo assim uma nova compreensão acerca do
passado, reelaborando-o de forma crítica e reflexiva. A preocupação de Adorno
era esta, quando ele se referia ao povo alemão de sua época, que ficava
amarrado ao acontecimento de Auschwitz, assumindo uma culpa de um tempo,
retardando o indivíduo a emancipar-se. Pode-se afirmar que esta releitura da
história é uma questão hermenêutica, de interpretação e, por fim, de busca de
uma resposta a essa realidade. (ADORNO, 2000, p.6)
Portanto, nota-se um dos pontos importantes: falta de autonomia no
indivíduo e, consequentemente, a humanidade torna-se desumanizadora,
possibilitando a passividade do homem na sociedade. O ser humano, na visão
de Adorno, está perdendo a sua identidade, ou seja, o homem passa a ter uma
consciência técnica trazida pelo Iluminismo.
Assim sendo:
[...] bens culturais que alimentam as massas tornam dominante o
momento de adaptação, enquadrando-se numa sociedade adaptada,
e rompem a memória do que seria autônomo. (ADORNO, 2000, p.21)
Com a ausência do exercício de autonomia, o indivíduo passa a ser
alienado, deixando de lado os seus valores e aderindo aos interesses
econômicos que, consequentemente, acompanham a lei do mercado, sendo
que aqueles que não seguem esse ritmo sobrevivem, mas ficam à margem da
sociedade. Então, para os filósofos de Frankfurt, nasce o individualismo que é
fruto da indústria cultural.
Portanto, a indústria cultural comporta-se como dominadora das massas
e os indivíduos tornam-se domináveis por meio da sua ideologia. O homem que
se dizia livre, passa a ser escravo de um determinado grupo de manipuladores.
Entende-se que o pensamento de Adorno procura enxergar o presente,
ou seja, ter um posicionamento diante da sociedade e buscar estratégias para
romper com as ideologias trazidas pela indústria cultural.
Encontra-se dentro da cultura de massa a alienação, que impede o
sujeito de enxergar a sua própria realidade, assim os acontecimentos
verdadeiros que estão a sua volta passam despercebidos. Por isto, o foco
desta cultura é ofuscar, eclipsar a realidade.
56 Baum faz uma reflexão sobre o processo de libertação dessa indústria
cultural que impossibilita o sujeito a tornar-se consciente de si e da sua história.
O processo se dá por meio da dialética negativa proposta por Adorno. Ele
chama de “dialética” sua critica ao Iluminismo, envolvendo a negação e
recuperação, e se opôs a toda negação não dialética do Iluminismo,
considerando-a perigosa para a comunidade humana (BAUM,1993,p.13).
O mundo é forçado a passar pelo filtro da indústria cultural, pois ela
impõe seus valores e formas de comportamento, criando uma linguagem
“globalizada”, para que todos possam alcançar. Ela traz também camadas de
informações verdadeiras e aprendizados, que não negam o seu valor, mas,
simplesmente favorecem as classes sociais, que não podem ser vistas como
algo negativo e sim algo a ser pensado e refletido. (ADORNO, 2000, p.22)
Observa-se que esses mecanismos aparecem em Adorno, no início do
século XX, na crítica à educação para a massificação, da barbárie e da
semiformação. Em Freire, na década de 60, na critica à Educação Bancária.
2.2 A educação libertadora na contemporaneidade
A educação deve voltar-se para a libertação do homem, da sua
emancipação e da democratização. Ela estaria, portanto, em uma posição
oposta à opressão e à semiformação, estabelecida pela indústria cultural.
Freire, um pensador crítico da educação brasileira, apresenta-nos um
modelo de ser professor transformador, aquele que tem o papel de levar os
alunos a se tornarem pesquisadores, ativos, transformadores, da própria
realidade.
Freire (1975) apresenta como o “processo histórico” e as suas
mudanças que formam o homem nas relações que ele tem consigo mesmo e
com o mundo.
[...] provocam as primeiras tentativas de uma volta sôbre si mesma.
[...] Um mundo nôvo se levanta diante dêles, com matrizes até então
despercebidos. Ganham, pouco a pouco, a sua consciência de suas
possibilidades, como resultado de uma inserção no seu mundo e da
captação das tarefas de seu tempo ou da visão nova dos velhos.
Começam a fazer-se críticos, e por isso, renunciam tanto o otimismo
57 ingênuo e aos idealismos utópicos, quanto o pessimismo e à
desesperança, e se tornam críticamente otimista. (FREIRE, 1975, p.
53).
Freire defendia as seguintes premissas: “o homem deve estabelecer
relações com o mundo e, por um jogo de criação e re-criação a partir do mundo
da natureza, chegar e efetuar uma contribuição pessoal, uma obra cultural”
(1974, p.108). Com essa ideia, o autor conclui que o sujeito estabelece relação
com o mundo e com o outro, mesmo sendo relativo o seu conhecimento.
Todavia, sabe-se que o sujeito tem suas limitações e, por isso, não consegue
perceber com clareza os fenômenos do mundo de forma nítida, objetiva, clara.
E esse conhecimento apreendido é expresso por via da linguagem, a partir do
significado estabelecido da experiência histórica.
A linguagem é um fenômeno da consciência humana, porque a
linguagem é a forma pela qual o sujeito expressa suas experiências a outras
pessoas, fornecendo significados, transmitindo suas emoções.
Adorno considera a educação a partir de dois conceitos fundamentais:
barbárie e emancipação. Para Adorno a preocupação com a questão da
barbárie é fundamental. Ele define a barbárie da seguinte forma:
Suspeito que a barbárie existe em toda a parte em que há uma
regressão à violência física primitiva, sem que haja uma vinculação
transparente com objetivos racionais na sociedade, onde exista,
portanto a identificação com a erupção da violência física. Por outro
lado, em circunstâncias em que a violência conduz inclusive a
situações bem constrangedoras em contextos transparentes para a
geração de condições humanas mais dignas, a violência não pode
sem mais nem menos ser condenada como barbárie (ADORNO,
1995, p. 159-160).
Em Adorno (2000), a educação tem como papel:
Qualquer debate acerca das metas educacionais carece de
significado e importância frente a essa meta: que Auschwitz não se
repita. Ela foi a barbárie contra a qual se dirige toda a educação.
Fala-se da ameaça de uma regressão à barbárie. Mas não se trata de
uma ameaça, pois Auschwitz foi à regressão; a barbárie continuará
existindo enquanto persistirem no que têm de fundamental as
condições que geram esta regressão (ADORNO, 2000, p. 119).
Adorno (2000, p.119-138) questiona a educação pós-Auschwitz,
preocupado com a educação que não é humanizante, uma vez que, ao não
58 humanizar, ela impede o homem de tornar-se sujeito, em relação com o mundo
e com o outro. Ela o impossibilita a tornar-se consciente da própria história e
experiência, uma educação voltada para banalizar a práxis do professor; neste
modelo, é de reproduzir o conhecimento sem nenhuma reflexão crítica para a
compreensão da realidade.
Freire, quando denuncia a educação bancária está em consonância com
o modelo de educação apresentada por Adorno. Freire critica o professor que
deposita o conteúdo sem levar em conta a pessoa do aluno, como sujeito que
se relaciona com o mundo.
A educação bancaria não se refere ao professor que não leva em conta
o aluno, mas ao todo da escola, o gestor, os coordenadores, o poder público,
pois trata-se de uma rede interligada neste processo. Por isso, Freire mostranos a relevância da educação voltada para a cidadania, para a consciência
crítica que conduz à assunção e à valorização das questões culturais,
econômicas, políticas e de suas próprias histórias.
Freire e Adorno apresentam a dimensão dialética, na relação homem e
mundo. Freire, ao apresentar essa educação dialética, denuncia o modelo da
educação bancária, cuja função é fazer do professor um objeto do sistema e
assim sendo, assume atitudes direcionadas à aniquilação e à banalização do
próprio aluno, tornando-o passivo diante dos desafios da sociedade. Esta
educação impede o aluno de ter conhecimento do papel social da escola e do
seu papel, que é aprender a transformar a realidade. Segundo Adorno, o
professor que não consegue fazer uma leitura nova da sua experiência
“docente”, reproduz tudo, conforme determina o sistema.
A educação voltada para a humanização resgata o valor do ser humano,
como sujeito e não, como objeto da realidade. As críticas de Freire e de Adorno
resgatam as práticas pedagógicas voltadas para uma educação direcionada à
vida, para a transformação homem.
A reflexão de Adorno aponta para o ideal de uma educação na qual o
olhar e o pensar ocorrem numa ótica da reflexão critica da realidade. A ação
pedagógica é voltada para o resgate da dignidade da pessoa. Adorno não
propõe uma educação mecanicista e pragmática, mas uma nova educação
humanizadora. Para este autor, por meio da estética e da arte, o sujeito se
constrói e se humaniza.
59 Adorno e Horkheimer fizeram uma distinção entre as teorias críticas e
cientificas. Na teoria crítica, a emancipação e o esclarecimento são fatores que
levam os alunos a se tornarem agentes cientes da realidade; fazendo-os se
libertarem das coerções, levando-os a encontrarem seus verdadeiros
interesses. Trata-se do “conhecimento transitividade” (Freire, 1975, p.65). Nas
teorias cientificas, há um ideal: a manipulação satisfatória do mundo exterior,
usando a mão de obra do indivíduo de forma que restringe o conhecimento (o
tecnicismo), usando o conhecimento para fins comerciais – uso instrumental,
num senso de competição. Trata-se da “inteligência intransitiva” (1975, p. 63).
Por conseguinte, as teorias científicas requerem confirmação empírica,
por meio da observação e do experimento; as teorias críticas são
cognitivamente aceitáveis, apenas se elas sobreviverem a um processo
complicado de avaliação, cuja parte central é uma demonstração de que elas
são “reflexivamente aceitáveis” (GUESS 1988, p, 92). Há então a teoria social
que é possuidora de uma estrutura cognitiva social e reflexiva que visa levar o
indivíduo a uma convicção sobre a sua sociedade, sendo o próprio consciente
de que ele mesmo é uma dessas convicções.
Teoria social é um conjunto de convicções que determinados agentes
têm sobre a sociedade - pelo menos o teórico social que a propõe –
portanto, isto também pode ser descrito como uma maneira de a
sociedade refletir sobre si mesma (GUESS,1988, p 93).
A teoria crítica, em Adorno, apresenta, como foco, a análise da formação
da sociedade. Pesquisam-se as opiniões dos grupos como família, igreja,
grupos de amigos, levando-os a observar como cada grupo forma sua opinião
pública, pois a formação se dá na proporção em que cada indivíduo expressa
suas idéias, em relação aos fatos. Assim sendo, a teoria social apresenta
argumentos que possibilitam o surgimento de um novo sentido para a
educação.
Outro ponto que Adorno traz para ser questionado é a “reflexão
educacional”, focalizando uma política social. É essencialmente necessário
pensar a sociedade e a educação em seu devir, na medida em que ela reflete e
questiona a história, visando à emancipação.
60 Assim, a educação tem a função de confrontar a realidade do sujeito
com a realidade proposta pela indústria cultural, o que quer dizer: o homem
assume a sua história, a partir do seu próprio conhecimento, para assim
entender a sua própria limitação. A experiência formativa é o movimento pelo
qual a figura realizada seria confrontada com a sua própria limitação.
Freire contribui para pensarmos uma educação libertadora. A educação
deve englobar a relação total do ser humano. A visão do professor deve girar
em torno dos sentimentos e das emoções, gerando uma dimensão ética e
estética.
A conscientização é um tema caro na pedagogia de Paulo Freire. Nessa
direção, a tomada de consciência é um ponto chave para a passagem da
consciência ingênua para a consciência crítica. Para Freire é fundamental o
respeito pelo grau da consciência do sujeito, pois cada um tem o seu tempo.
A consciência tem para Freire os seguintes níveis:
Primária: as características encontradas neste nível são a ausência da
autonomia, a limitação da percepção, a falta de consciência da história, o
relacionamento passivo em relação à vida, “apreensão dos problemas que se
situam fora da sua esfera biológica escapa ao homem cuja consciência está no
estágio primário” (Freire, 1978, p.60).
Mágica: aqui o sujeito, ao não saber compreender o fenômeno da
realidade, classifica-a como decorrência de forças superiores. O sujeito não
tem a capacidade de compreender o fenômeno da realidade e transformá-la, é
uma pessoa ingênua, acredita que o destino, a sorte, determina a sua vida. “o
homem se volta para a magia, porque não percebe as verdadeiras relações de
causa e efeito.” (Freire, 1978ª, p.60)
[...] que as pessoas que tem consciências mágicas, mas que primária,
do mundo, aumentam o poder de compreensão e de respostas diante
das solicitações do seu ambiente. Elas são mais capazes de dialogar,
não só com outras pessoas, mas também com o seu próprio mundo:
elas despertam para então e sua consciência se torna “transitiva”
(TARDIF E GUATHIER, 2010 p. 315).
Crítica: aqui a consciência é vista como aquela que se origina em um
estágio onde, antes, o sujeito compreendia a sua realidade por meio de
explicação mágica, para uma resposta lógica e a partir de verificação das suas
61 próprias conclusões. O sujeito, neste nível, se liberta das ideias preconcebidas,
se livrando das interpretações falsas e das crendices. Outro fator importante é
que, nesta tomada de consciência, o sujeito não é passivo e sim ativo, o seu
estado é de questionamento, buscando um rigor do raciocínio, está sempre em
dialogo para compreender a realidade, acolhendo o novo sem rejeitar o antigo.
Segundo Freire, a pedagogia da libertação tem como ideal despertar a
consciência critica, buscando por meio das habilidades em consonância com a
práxis libertadora.
Para que a alfabetização dos adultos não seja uma pura mecânica e
um simples recurso à memória, é preciso dar-lhe os meios de se
conscientizar para alfabetizar-se [...], pois, à medida que um método
ativo ajuda o homem a tomar consciência da sua problemática, da
sua condição de pessoa, e logo de sujeito, ele adquirirá os
instrumentos que lhe permitirão fazer escolhas [...] Então, ele se
politizará a si mesmo (1973, p. 125).
Para romper com a educação bancaria, Freire aposta na pedagogia que
tenha como objetivo central a conscientização, levando o sujeito-aluno de uma
consciência primária, mágica para chegar a uma consciência crítica.
No entanto, a consciência crítica instiga o sujeito possibilitando-o ser
sujeito com o outro por via do diálogo, fazendo-o com que mude e participe da
realidade.
A emancipação, na perspectiva de Adorno, se refere ao indivíduo como
um ser social. A emancipação é a formação para a autonomia, mas ela só pode
ser bem sucedida, se for um processo coletivo. A educação deve contribuir,
portanto, para o processo de formação e emancipação, contribuindo para criar
condições em que os indivíduos, socialmente, conquistem a autonomia.
Adorno explicita que, quando a subjetividade do indivíduo se torna
ferramenta emancipatória nos processos educativos, leva-os a desenvolverem
uma consciência crítica voltada para o desenvolvimento da sociedade nos
princípios de liberdade e autonomia. A educação é a ferramenta que leva à
formação cultural dos indivíduos que desejam superar a barbárie.
A educação tem a função de confrontar a realidade do sujeito com a
realidade proposta pela indústria cultural, o que quer dizer: o homem assume a
62 sua história, a partir do seu próprio conhecimento, para assim entender a sua
própria limitação.
Considerando a formação de professores em nível médio, estabelecemse, neste aspecto, analogias com o pensamento de Adorno: trabalhar o sujeito
de maneira tal que a barbárie, representada por Auschwitz, não aconteça na
escola nem na sociedade. Por conta disso, Adorno insiste na educação da
primeira infância que tem, como função, a questão da formação do caráter, e
do processo de esclarecimento da população, na sua obra Educação após
Auschwitz (ADORNO, 2000)
Por fim, a teoria crítica para Adorno dá ao homem uma compreensão da
própria realidade e da própria história da humanidade. Propõe ao homem a
ruptura do mito e da razão. Conscientiza o homem da manipulação da natureza
como meio de conhecimento, portanto, a teoria crítica tem como fim emancipar
o conhecimento do homem tornando-o livre do autoritarismo.
2.3 A presença da arte nos caminhos da educação libertadora.
A educação crítica é uma educação dialógica, que pressupõe uma
educação estética: os sujeitos são ativos e inseridos em seus contextos sóciohistóricos e culturais, fazendo-os conscientes de sua realidade.
A base da reflexão sobre a educação estética é o incentivo ao sujeito a
tomar consciência da realidade em que vive e convive, levando-o a vencer as
banalizações, a semiformação, a educação bancária e as limitações que são
estabelecidas pela indústria cultural.
A Arte, conforme Adorno (2001), é o principal meio de criar sujeitos
emancipados. A função da arte é a de apreender o conceito da verdade,
assumindo uma postura crítica em relação à indústria cultural. Assim sendo, a
arte também assume uma função social, por meio dela, pode-se denunciar a
barbárie da sociedade administrativa, ou seja, a indústria cultural. Conforme
Adorno, “o aparelho econômico, antes mesmo do planejamento total, já prevê
espontaneamente as mercadorias dos valores que decidem sobre os
comportamentos dos homens” (1985, p. 40)
63 A presença da arte na educação, ou a teoria estética, propicia, na
formação de sujeitos, a superação das tendências da educação conteudista e
instrumentalista.
O processo e o movimento que o sujeito faz para recriar, reinventar, na
sua relação com o mundo e com o outro, dá-se por meio da educação.
Conforme Aranha, em seu livro Filosofia da educação, “a educação não é
simples transmissão de heranças dos antepassados, mas o processo pelo qual
também se torna possível a geração do novo e a ruptura com o velho”.
(ARANHA,1996, p.50)
Boal, na obra, Teatro do oprimido, afirma que o teatro foi a primeira
invenção do sujeito, fazendo o sujeito criar e recriar, inventar e reinventar as
coisas, transformando a sua realidade. O sujeito, ao ver-se em ação, no teatro,
consegue perceber-se e corrigir as suas limitações, buscando trabalhar as suas
competências, habilidades e potencialidades. Conforme Boal, o único animal
que é capaz de abstrair a realidade e torná-la autoconsciente é o homem.
Teatro ou teatricidade é aquela capacidade ou prioridade humana
que permite que o sujeito se observe a si mesmo, em ação, atividade.
O autoconhecimento assim adquirido permite-lhe ser sujeito (aquele
que observa) de um outro sujeito (aquele que age); permite-lhe
imaginar variantes ao seu agir, estudar alternativas. O ser humano
pode ver-se no ato de ver, de agir, de sentir, de pensar. Ele pode se
sentir sentindo, e se pensar pensando (BOAL, 2006, p.27).
O Teatro do oprimido iniciou-se 1956-1971, na cidade de São Paulo,
onde Boal foi diretor do Teatro de Arena. Ele buscou trabalhar as técnicas de
interpretação; criando laboratórios, levando a imitar a realidade a partir do
concreto. A questão da interpretação ficou para o povo e não para os atores.
Conforme Boal: “A interpretação seria tão melhor na medida em que os atores
fossem eles mesmos e não atores” (BOAL, 2010,p.244-245).
“O que a Poética do Oprimido propõe é a própria ação” (Boal, 2010,
p.182); possibilitando o sujeito a entrar nesse universo que é o teatro e a
contracenar. Adentrar este cenário é uma oportunidade de poder ampliar as
próprias potencialidades que este espaço estético oferece.
O autor acrescenta:
64 O espectador não delega poderes ao personagem para que atue para
que pense em seu lugar: ao contrário, ele mesmo assume um papel
protagônico, transforma a ação dramática inicialmente proposta,
ensaia soluções possíveis, debate projetos modificadores: em
resumo, o espectador ensaia, preparando para a ação real. (BOAL,
2010,p.182)
A autoconsciência, conforme Boal, é que o ator é o próprio espectador,
ele se vê se percebe na ação e na história, permitindo-lhe tomar consciência de
que é o próprio sujeito da ação e, por isso, ele próprio pode modificar a ação.
Por isso Boal diz:
O Teatro do Oprimido, ao contrário, queremos transformá-lo,
queremos que mude sempre em direção a uma sociedade sem
opressão. É isso que significa humanizar a humanidade: queremos
que o “homem deixe de ser o lobo do homem”, como dizia um poeta.
(BOAL, 2010, p.25).
O Teatro do oprimido é uma obra clássica e reconhecida mundialmente.
Nesta reflexão, o brasileiro Boal provoca o olhar do espectador, tornando-o ator
e co-autor do próprio texto. A inovação é que Boal cria um espaço estético no
cenário, sem querer oferecer um texto pronto e pré-estabelecido, mas se
qualifica, por ser uma construção dialética de um espaço estético, por se
caracterizado de forma coletiva. Neste espaço – o cenário - espectadores e
atores participam de forma ativa em unidade uns com os outros, na construção
de um conhecimento – histórico-cultural – dos temas abordados.
Este espaço estético é um universo estético-social. De forma que se
sensibilizem a criação e a discussão de dimensões sócio-culturais, ético políticas e existenciais, nas quais os próprios grupos sociais, ainda que o lócus
teatral (estético) mantenha-se destacado das demais instâncias – como “lugar
de representação” –, mas no qual ator e espectador se confundem na mesma
persona.
O espaço estético existe sempre e quando ocorre a separação entre
os dois espaços: o do Ator e o do Espectador. Ou a dissociação de
dois tempos: hoje, eu, aqui, e ontem, eu, aqui mesmo; ou, hoje e
amanhã; ou, agora e antes; ou, agora e depois. Eu coincido sempre
comigo mesmo no momento presente, pois o estou vivendo e o ato
de vivê-lo é lembrar o passado ou imaginar o futuro. O Teatro (ou
Tablado, na sua expressão mais simples; ou Espaço Estético, na sua
expressão mais pura) serve para separar o Ator do Espectador,
aquele que atua daquele que vê. Estes dois podem ser pessoas
65 diferentes, ou podem coincidir na mesma pessoa. (BOAL, 1996, p.
33)
Conforme Koudela :
O teatro, enquanto proposta de educação, trabalha com o potencial
que todas as pessoas possuem, transformando esse recurso natural
em um processo consciente de expressão e comunicação. A
representação ativa integra processos individuais, possibilitando a
ampliação do conhecimento da realidade (KOUDELA, 1998, p. 78).
Quando a escola é transformada em um cenário no qual se torna
possível fazer com que os alunos busquem compreender a sua realidade e
refletir sobre ela, há a compreensão de sua situação existencial. Essa práxis
pedagógica cria um espaço onde esses alunos se interessem em
compreender esse contexto social e cultural, econômico e político. Ela
proporcionará a esses sujeitos a possibilidade de se tornarem críticos e
emancipados.
O sujeito, quando vivencia a experiência e recorda por meio da memória
o fato realizado no passado, utiliza os mecanismos necessários para uma autoreflexão crítica de si. Esses mecanismos são: memória, reflexão e experiência.
Por isso, o teatro do oprimido resgata essa dimensão da memória ao fazer com
que os personagens sendo os próprios espectadores, tornem-se conscientes
da experiência formadora, por via desse exercício do teatro.
Adorno não desvincula a arte do seu papel social; pelo fato de que a arte
tem a função de denunciar a manipulação da indústria cultural.
Adorno observa que a arte é auto-reflexão e pode levar o sujeito à
emancipação e à autonomia.
Zuin (2001) comenta que a crítica que Adorno faz ao filósofo
Kierkegaard, que insere a arte no domínio da imediatidade subjetiva e
irracional, porque ela se utiliza das emoções dos sentimentos. Para Adorno, o
filósofo utiliza as emoções, os sentimentos e os sentidos para racionalizar a
arte através da filosofia, por isso, para ele, a arte depende da filosofia para sair
desta irracionalidade.
E Zuin acrescenta:
66 Para Adorno a experiência estética era na realidade formas mas
adequadas de conhecimento, porque nela sujeito e objeto, ideia e
natureza, razão e experiência sensual estavam inter-relacionadas
sem que nenhum dos pólos predominasse, proporcionando um
modelo estrutural para o conhecimento dialética materialista (ZUIN,
2001,p.101).
E acrescenta a fala do Adorno, apud Zuin (2001,p.97-98)
É minha convicção de que [...] uma racionalidade (que pode julgar a
verdade ou falsidade das obras de arte) não é uma questão da
“ciência” referida à arte, e sim da própria arte. Isto que dizer que toda
a arte que merece consideração séria se aproxima da racionalidade
por sua própria estrutura e tende cada vez mais para o conhecimento.
(BM, p.237-251)
A arte tem também o aspecto de artefato, porque além da utilização da
técnica, o artista utiliza-se dos aspectos sociais para denunciar a realidade
política, econômica, cultural e social. O artista não somente se baseia nos seus
sentidos, mas também no coletivo. Do mesmo modo, ela é considerada aberta
para a experiência, por ser produto do trabalho do sujeito. Logo é autônoma.
O artista que traz em si a obra de arte não é único a produzi-la: por
seu trabalho, sua atividade, ele se torna o lugar-tenente do sujeito
social universal; submetendo-se à necessidade da obra de arte, ele
dela elimina tudo o que é devido à contingência de sua
individualidade. (ADORNO, 1977,p.116)
A autonomia é outra característica da arte definida por Adorno. Segundo
ele, a arte tem essa característica por denunciar a realidade social. Por ter esta
característica de autônoma, ela é crítica, auto-reflexiva, ela reeduca, reconstrói
uma nova realidade. Se, por acaso, a arte deixar de ser autônoma, ela perde a
sua finalidade de denunciar a realidade, ela se tornaria imóvel e estática.
A arte, além destes aspectos filosóficos e de artefatos, também pode ser
compreendida como fait social, porque ela traz características próprias da
Indústria Cultural, ou seja, ela é objeto, utensílio, “coisa entre coisa”. Neste
sentido, é uma “arte não arte”, simplesmente pode servir como ornamento.
Portanto, a estética utilizada pela indústria cultural deixa de ser uma
relação do sujeito com o objeto, para ser algo frio e sem subjetividade,
simplesmente mercadoria. Um dos objetivos da estética é a sensibilização,
67 passando a ser instrumento do capital, ou seja, a indústria cultural ao utilizar a
estética, manipula o conhecimento para envolver o consumidor com a
mercadoria e seus aparatos: as embalagens, layout, publicidade gráfica, os
rádios, televisão, com o propósito de seduzir o indivíduo ao consumo. Neste
contexto, Adorno e Horkheimer apresentam uma reflexão sobre as difusões
imagéticas e sonoras:
[...] nos objetos, apresentados ao público de um modo tal que, na
ausência de um mínimo de reflexão, não resta ao “consumidor” outra
alternativa senão de “compra”, agora não mais essa ou aquela
mercadoria, mais o sistema de exploração econômica como todo.
(Duarte,s/ano,p.6)
A ideologia estética não só se apresenta nas propagandas, na televisão,
revistas, em rádios, mas também nos filmes e nas músicas. Mas, para Adorno,
o cinema deixa de ser um elemento de arte para ser um meio de manipulação,
pois deixa de ter um enfoque de lazer para ser um negócio comercial e, com
isto, se manifesta contra a racionalização, onde o seu enfoque principal está na
fantasia além da imaginação.
Os filmes de animação eram, outrora, expoentes da fantasia contra o
racionalismo. Eles faziam justiça aos animais e coisas, eletrizando por suas
técnicas, dando aos mutilados uma segunda vida. Hoje apenas confirmam a
vitória da razão tecnológica sobra a verdade.
A arte sempre esteve no poder da burguesia. Era comercializada até o
século XVIII, mas, ao mesmo tempo, não era feita exclusivamente para o
comércio, mas também existia a arte pela arte.
Só através da indústria cultural, a arte assume juntamente com o
progresso econômico, a sua comercialização, perdendo assim, o caráter
principal da natureza da obra de arte, pois, a lei do consumo assume e
manipula toda uma estrutura e coloca na arte algo ontogênico, perdendo toda a
sua singularidade, que é uma característica da arte, pois a contemplação é a
sua própria natureza.
Freitas afirma que:
Que a cultura de massa como um todo é narcisista, pois ela vende a
seus consumidores a satisfação manipulada de se sentirem
68 representados nas telas do cinema e da televisão, nas músicas e nos
vários espetáculos. Todos os heróis da industria cultural são sempre
pensados para refletir algo do que as pessoas já percebem em si
mesmas, só que engrandecido pela elaboração dos meios técnicos
cada vez mais refinados da indústria da diversão. (FREITAS, 2008,
p.19).
A ideologia da arte está na manipulação e na comercialização da própria
arte. A arte, por ser algo comum, já perdeu o caráter da sua própria natureza,
ela não é algo determinado. Seu papel é trazer algo de novo ao homem, algo
que seja ligado ao contexto histórico da relação do sujeito e do objeto.
A indústria cultural, ao monopolizar o conhecimento, cria no homem uma
percepção distorcida da realidade. A Teoria Crítica surge como uma solução de
aniquilar esta falsa realidade, propondo ao homem uma auto-reflexão da sua
própria existencialidade.
A indústria cultural é tão ampla que está envolvida no campo estético:
nas grandes arquiteturas, nos prédios faraônicos, que mostram o esplendor de
uma época capitalista onde as formas exuberantes trazem status e, por fim,
isto tudo resplandece “o louvor do progresso técnico.” Nota-se que:
Até mesmo a manifestação estética de tendências políticas opostas
entoam o mesmo louvor do ritmo de aço. Os decorativos prédios
administrativos e os centros de exposição industriais mal se
distinguem nos países autoritários e nos países. (ADORNO, 2000,
p.113)
O teatro retrata a realidade e a vivência da sociedade de uma
determinada época. É uma forma desinteressada e lúdica de retratar situações
sociais, econômica, política e cultural.
2.4 O papel da escola na busca do sentido da educação estética
A Constituição de 1988 inclui a Educação no Capítulo III do Título VIII.
De acordo com a Constituição, a educação é “um direito de todos e dever do
Estado e da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”
Surge, então, a LDB 9394/96, que estabelece, no Título II, art. 2º, que “a
educação, dever da família e do estado, inspirada nos princípios de liberdade e
69 nos
ideais
de
solidariedade
humana,
tem
por
finalidade
o
pleno
desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho.”
No Título V, Capítulo II, Seção I da LDB 9394/96, é estabelecido que a
formação indispensável para o exercício da cidadania e os meios para
progredir no trabalho e em estudos posteriores são finalidades da educação
básica, que é constituída pela educação infantil, ensino fundamental e ensino
médio.
Os temas transversais buscam oferecer, ao sujeito, mecanismos, por
meio da educação, para romper com a banalização, com a massificação, com o
ódio, com a depredação do meio ambiente, com as injustiças e as
desigualdades que impedem a prevalência da dignidade humana.
Os temas transversais também têm, como objetivo, a afirmação e a
conscientização de que todos os brasileiros têm deveres e compromissos
sociais. Por isso, a educação tem em vista a formação do cidadão.
No documento dos PCNs – Temas Transversais – há as explicações da
necessidade de uma educação voltada para a aquisição da cidadania:
O compromisso com a construção da cidadania pede
necessariamente uma prática educacional voltada para a
compreensão da realidade social e dos direitos e responsabilidades
em relação à vida pessoal e coletiva e a afirmação do princípio da
participação política (1998, p.17).
Por isso, Nunes, contribui com esse pensamento ao falar do papel da
escola.
Não tenho dúvida de que cabe a escola um lugar de destaque no
alargamento das condições de exercício da cidadania e o domínio da
'norma culta' (no plano da linguagem) e dos conhecimentos, hábitos e
comportamentos mais valorizados socialmente (dos quais, uma boa
parcela é veiculada pela escola) (NUNES, 1989, p.36).
A escola é o lugar onde, além do estabelecimento de um processo de
aquisição de conhecimentos sistemáticos, deveria ser um espaço de reflexão
sobre os valores, visando à formação de cidadãos.
A escola é o cenário onde os Temas Transversais devem ser discutidos,
entretanto, reflete-se muito pouco, por parte de alunos e professores, sobre os
70 valores éticos e estéticos que estão na raiz, da justiça entre os homens, de
uma sociedade democrática.
Fica claro que os Temas Transversais são questões que a sociedade
está vivendo, são temas do cotidiano, buscando solucionar ou, pelo menos,
atenuar as mazelas das quais a sociedade é vítima. Os Temas Transversais
não anulam os conteúdos, mas agregam-nos Assim sendo, fazem parte do
currículo escolar.
[...] todas as áreas educam em relação as questões sociais por meio
de suas concepções e valores que vinculam nos conteúdos, no que
elegem como critérios de avaliação, na metodologia de trabalho que
adotam, nas situações didáticas que propõe aos alunos
(MEC/SEF,1998, p.26).
São questões que buscam refletir sobre a Ética, sobre o Meio Ambiente,
sobre a Orientação Sexual, sobre a Pluralidade Cultural, sobre a Saúde e sobre
o Trabalho e o Consumo. Neste trabalho, os Temas Transversais não serão
abordados especificamente. Busca-se apenas uma reflexão mais minuciosa
sobre a estética, como um recurso na busca da formação de sujeitos
autônomos.
Nóvoa refere-se à formação dos professores, como sendo uma arte a
ser construída diariamente:
A formação não se constrói por acumulação (de recursos, de
conhecimento ou de técnica), mas através de um trabalho de
reflexividade sobre as práticas e de (re) construção permanente de
uma identidade pessoal. Por isso, é tão importante intervir a pessoa e
dar um estatuto ao saber da experiência (NÓVOA, 1992,p.25).
Nesse sentido, o professor deve assumir o seu processo formativo com
a experiência de vida. Tornando-o assim, uma arte, criando condições para que
a relação com a aprendizagem se torne mais fecunda e germine esses saberes
em atitudes adequadas para a aquisição das transformações sociais,
enfatizando a práxis de um olhar estético.
Sobre os desafios para uma compreensão da Estética da Formação
(Bildung), diante da indústria cultural e da semiformação, cabe aqui uma
reflexão.
71 Segundo Adorno (1995), não se trata da volta ao passado, do
saudosismo, do retorno ao conceito original ou da espera de uma solução por
meio de reformas pedagógicas. Trata-se da compreensão do fenômeno de
forma social e objetiva. Do ponto de vista teórico, a tarefa que se impõe à
educação, numa perspectiva adorniana, seria a construção de uma “educação
negativa”, uma educação capaz de pensar sobre si própria e buscar a
autonomia dos indivíduos envolvidos no processo formativo.
Adorno (2000) afirma que, se a educação ficar acomodada, gerará
indivíduos sem individualidade, pois o pensamento ficará uniformizado.
A mudança social começa pela educação na proposta de formação que
incentivar o aluno a pensar a própria realidade, de gerar, nele, o sentimento de
“pertença”.
Oliveira afirma:
Quando existir esse sentimento de pertença, de cuidado na educação
haverá uma consciência mais fortificada e emancipada, e a educação
deixará de ser subordinada a esquemas que limitam o educando. Por
assim dizer, a educação deve formar cidadãos que tenham atitudes e
competência que são trabalhadas seriamente no decorrer da
formação. (OLIVEIRA, 2007, p.19)
Como se desenvolve a dimensão estética em Freire? Na expressão da
ética. Nas atitudes das práticas pedagógicas visando a uma construção e a
uma reconstrução de novos saberes, no relacionamento com aluno e professor,
na relação família e escola, na escola bem arrumada, decisões onde todos
participam.
Freire afirma que a educação é inerente ao ser humano. O processo de
ensinar não se limita somente à escola, ele envolve todos os campos da
sociedade. Todos são responsáveis para construir saberes e desenvolver
competências e habilidades. Não sendo somente o professor o responsável por
este processo.
O caminho, a trajetória a ser percorrida para uma estética e uma ética
que ilumina o ser humano é o compromisso como cidadão, é a consciência do
próprio papel social na sociedade democrática.
Segundo Freire, a educação propicia a libertação do ser humano. É uma
aquisição para torná-lo consciente da sua realidade e, sendo assim, capaz de
72 transformá-la. A educação contribui para a autonomia de homens e mulheres,
possibilitando que eles sejam reconhecidos como sujeitos da própria história,
não como um objeto, como seria o caso da educação bancaria. A educação
em Freire é dialética por isso: “Assumirmo-nos como sujeitos e objetos da
História nos tornam seres da decisão, da ruptura. Seres éticos" (2001: p. 40).
A construção ética em Freire se dá em sala de aula, como já referido no
parágrafo anterior. No entanto, a relação professor e aluno busca uma
educação transformadora, dialógica, conscientizadora.
A educação freireana é voltada para o diálogo. O autor rompe com
aquela educação bancária onde o aluno era ouvinte, era o recipiente das
informações passadas pelo professor. A educação dialógica é a luta para
construir uma educação verdadeira, é a troca de experiência, é um novo
reinventar, pois permite a horizontalidade da educação. A ética neste processo
é fundamental porque envolve as questões da humildade, da esperança, “a
esperança faz parte da natureza humana” (Freire, 1996, p.43) pelo fato que:
A esperança é uma espécie de ímpeto natural possível e necessário,
a desesperança é o aborto deste ímpeto. A esperança é um
condimento indispensável à experiência histórica. Sem ela, não
haveria História, mas puro determinismo. Só há História onde há
tempo problematizado e não pré- dado. A inexorabilidade do futuro é
a negação da história. (FREIRE, 1996, p.43) online acessada dia
28/03
Freire afirma:
o pensamento crítico do educador ou educadora se entrega à
curiosidade do educando". [...] Mas, para isso o diálogo não pode
converter-se num bate-papo desobrigado que marche ao gosto do
acaso entre professores ou professoras e educando (FREIRE, 2002,
p. 118).
Este processo dialógico permite que o professor trabalhe questões
importantíssimas que é o respeito pela diferença cultural, econômica, social,
visando sempre ao respeito, à solidariedade e ao compromisso social de cada
um.
O professor que desrespeita a curiosidade do educando, o seu gosto
estético, a sua inquietude, a sua linguagem, mais precisamente, a
sua sintaxe e a sua prosódia; o professor que ironiza o aluno, que
73 minimiza, que manda que "ele se ponha em seu lugar" ao mais tênue
sinal de sua rebeldia legitima, tanto quanto o professor que se exige
do cumprimento de seu dever de ensinar, de estar respeitosamente
presente à experiência formadora do educando, transgride os
princípios fundamentalmente éticos de nossa existência. É neste
sentido que o professor autoritário, que por isso mesmo afoga a
liberdade do educando, amesquinhando o seu direito de estar sendo
curioso e inquieto. (FREIRE,1996 p. 35) Versão online pedagogia da
autonomia.
Quando a educação tornar-se um ato criador, em cujo domínio os
conhecimentos adquiridos se recriam, pode ser considerada uma educação
estética. A prática pedagógica que possibilita essa arte de recriar faz com que
os alunos tornem-se capazes de se sensibilizarem com o belo.
Ressalta Freire: (2000a, pp. 34-35)
[...] precisamos demonstrar que respeitamos as crianças, suas
professoras, sua escola, seus pais, sua comunidade, que
respeitamos a coisa pública, tratando-a com decência. Só assim
podemos cobrar de todos o respeito também às carteiras escolares,
às paredes da escola, às suas portas. Só assim podemos falar de
princípios, de valores. O ético está muito ligado ao estético. Não
podemos falar da boniteza do processo de conhecer se sua sala de
aula está invadida de água, se o vento frio entra decidido e malvado
sala a dentro e corta seus corpos pouco abrigados. Neste sentido é
que reparar rapidamente as escolas é já mudar um pouco sua cara,
não só do ponto de vista material, mas, sobretudo, de sua 'alma'.[...]
Reparar, com rapidez, as escolas é um ato político que precisa de ser
vivido com consciência e eficácia. (FREIRE, 2000a, pp. 34-35)
Freire salienta: "a prática educativa tem de ser, em si, um testemunho
rigoroso de decência e de pureza (FREIRE, 1996, p.36). Neste contexto, Freire
(1996), insistiu em que o ato de ensinar exige transformação e convicção do
professor para sair da ingenuidade, da passividade, para indicar caminhos,
mostrar horizontes a serem seguidos.
Ninguém pode estar no mundo, com o mundo e com os outros de
forma neutra. Não posso estar no mundo de luvas nas mãos
constatando apenas. A acomodação em mim é apenas caminho para
a inserção, que implica decisão, escolha, intervenção na realidade
(FREIRE, 1996, p. 46 acesso 28/03).
Desta maneira, a educação hoje tem que buscar soluções e respostas
para romper com a semiformação estabelecida por mecanismos de domínios
capitalistas, tecnicistas. Eles invertem, mudam, substituem a formação pela
74 historicidade de cada sujeito que era transmitida e comunicada por narrativas
orais. Por isso, é de suma importância resgatar, na memória, a vivência e
significá-la pela experiência. Adorno então indaga o que é a memória.
O que é o mesmo que dizer que a memória, o tempo e a lembrança
são liquidados pela própria sociedade burguesa em seu
desenvolvimento, como se fossem uma espécie de resto irracional,
do mesmo modo como a racionalização progressiva dos
procedimentos da produção industrial elimina junto aos outros restos
da atividade artesanal também categorias como a da aprendizagem,
ou seja, do tempo de aquisição da experiência no ofício. Quando a
humanidade se aliena da memória, esgotando-se sem fôlego na
adaptação ao existente, nisto reflete-se uma lei objetiva de
desenvolvimento (ADORNO, 2003, p.33).
Adorno e Freire denunciaram os crimes e as falhas cometidas pela
educação autoritária, que cometia equívocos como o de não assumir o ser
humano em seu desenvolvimento de potencialidades crítica, criativa e criadora,
tendo como horizonte o educar para responsabilidade, no contexto da
sociedade.
Convém salientar que o autoritarismo não é sinônimo de escola
tradicional. Houssaye (1988) reflete sobre a ausência de diálogo nos modelos
pedagógicos existentes, no campo educacional, no interior das escolas.
O autor utiliza as metáforas, “Triângulo pedagógico” e “Jogo do bridge”:
“quem fica no lugar do morto”, para sustentar a compreensão do processo
pedagógico em sua tridimensionalidade: formar, ensinar e aprender. Há uma
relação, também triangular, entre o saber, o professor e o aluno. A crítica diz
respeito ao fato de que os modelos pedagógicos vêm, historicamente e
sistematicamente, fundamentando-se na lógica da ênfase de um eixo
pedagógico. Em consequência disso, a exclusão de um dos eixos provoca o
surgimento da ocupação do lugar do morto. Isto ocorre devido à falta de ênfase
em um dos eixos pedagógicos: o conhecimento, o professor e o aluno.
Se, por um lado, na escola tradicional, o eixo pedagógico do triângulo
era considerado o ensino e o centro da relação é o professor e o saber, o aluno
fica no lugar do morto. Se, por outro lado, a escola nova, com enfoque, por
exemplo, no sócio-interacionismo, enfatiza o eixo pedagógico, a aprendizagem,
e o centro é a relação entre o aluno e o saber/conteúdo, o professor fica no
lugar do morto. Finalmente, a ênfase pode recair no eixo pedagógico, a
75 formação, que está presente na escola progressista e democrática, que prima
pela formação política. O centro é a relação entre professores e alunos. Nesse
caso, o saber/conteúdo fica no lugar do morto. Uma vez reconhecida a
necessidade do equilíbrio do triângulo pedagógico, como condição própria da
educação: formar, ensinar e aprender, é preciso enfrentar a ideia de que, se o
professor, ou o aluno, ou o saber/conteúdo estiverem no lugar morto, é uma
fantasia, ele pode deslocar-se deste lugar. Em consequência do deslocamento,
o morto é o louco, aquele que desestrutura a organização e provoca o caos do
sistema educacional.
Para o autor, a lógica da ênfase traz consigo a exclusão, o perigo de o
vazio ser ocupado pelo autoritarismo, uma atitude que marca a existência da
cultura brasileira e do mundo.
A arte e a narrativa, são elementos que têm ficado no lugar do morto, na
formação docente. Aposta-se na arte de narrar, nos processos educativos e
formativos, como possibilidade de perceber o diálogo necessário ao equilíbrio
triangular dos processos e relações pedagógicas, como condição do
desenvolvimento da autonomia e da emancipação.
2.4.1 O papel da arte no processo de formação de professores
No ensaio, A obra de arte na época da suas técnicas de reprodução,
Benjamin destaca o deslocamento do status da obra de arte tradicional, quando
surgem os meios técnicos de reprodução, entre elas as fotografias, o cinema e
o teatro, fazendo com que a imaginação do homem aflore.
Gomes (2006), fazendo uma leitura de Benjamin, ajuda-nos a
compreender quais são as características de produção da obra de arte e da
perda da aura da arte:
Benjamin define a característica de produção manual da obra de arte
tradicional como um processo histórico único, inerente ao objecto
original, que se manifesta nesse objecto como a sua “aura”. A
proliferação subsequente de reproduções técnicas da obra de arte
original só transporta uma similitude imaginária com o original,
faltando-lhe a “aura” e consequentemente qualquer relação com a
dimensão histórica real. (GOMES, 2006, p. 3)
76 A obra de arte original é única e singular, por causa da aura. A citada
perda da aura, conforme Benjamin, dá-se por meio da reprodução técnica da
arte, quando ela é replicada de forma indevida. No entanto, o autor, afirma que
perda da aura abre novas possibilidades. E com as técnicas poderão surgir
novos tipos de artes, entre elas a arte popular.
Em sua essência, a obra de arte sempre foi reprodutível. [...] com a
reprodutibilidade técnica, a obra de arte se emancipa, pela primeira
vez na história, de sua existência parasitária, destacando-se do ritual.
A obra de arte reproduzida é cada vez mais a reprodução de uma
obra de arte criada para ser reproduzida. A chapa fotográfica, por
exemplo, permite uma grande variedade de cópias; a questão da
autenticidade das cópias não tem sentido. Mas, no momento em que
o critério da autenticidade deixa de aplicar-se à produção artística,
toda função social da arte se transforma. Em vez de fundar-se no
ritual, ela passa a fundar-se em outra práxis: a política. (BENJAMIN,
1994, p.172-172)
O autor faz uma reflexão sobre o advento e a evolução das tecnologias
e, com elas, da reprodução técnica. Com isso, as obras de arte passam a ser
reproduzidas com muito maior facilidade, fazendo com que outras pessoas
tenham acesso a elas. Com o aumento da reprodução, elas espalharam-se e
multiplicaram-se, o que destruiu a sua singularidade, ou seja, a sua aura, a sua
autenticidade, o que há na obra de arte original.
A reprodução da obra de arte, como dito, retira essa aura, fazendo com
que a obra de arte perca seu valor e se afaste do domínio da tradição.
“Liquidação do valor de tradição na herança cultural” (BENJAMIN, p.79). Para o
autor, as tecnologias e as reproduções não são capazes de preservar, de
resguardar a aura contida nas imagens.
Em outra obra-prima, intitulada O narrador, Benjamin faz perceber que
as fotografias autobiográficas são uma arte; elas nada mais são de que uma
narração, um artesanato; comunicam, exprimem uma experiência de vida.
Como dizia Benjamin (1994, p.201) “O narrador retira da experiência o que ele
conta, sua própria experiência ou relatada pelos outros”.
Adorno volta o seu olhar para a realidade da estética e critica a ideologia
e seu encantamento, que impõe a reflexão estética de forma dominante. Para
ele a Modernidade é o momento em que a experiência se empobrece, bem
como ocorre um isolamento, um fechamento à vivência.
77 Em seu livro Teoria estética, Adorno também afirma que há uma parte
da autonomia da arte, que pode ser aproveitada, por via do domínio burguês
para fazer dela, “a arte”, um meio de distração banal, massificado, passageiro.
Isso vai ao encontro daquilo que o mesmo autor fala sobre a experiência que a
obra de arte comunica, que manifesta o enfoque social da arte, porque ela
representa a sociedade.
Pucci (2001, p.97) salienta que a obra de arte não é algo que seja
conceitual, e que ela não formula juízo. Para Adorno, a arte é racional. Ela é
algo inseparável do sujeito, é imanente. A arte moderna é paradoxo, não é algo
que determina, a arte não é fechada, acabada, ela atua sobre o fenômeno. A
arte se deixa conhecer pelo que é e não pela opinião de outro.
Adorno, contudo, vai contra esta visão da arte. Para ele, a arte deve
romper com a dominação imposta pela racionalidade capitalista. Adorno
compreendeu a arte como dominação da própria burguesia. A arte é
independente do belo plástico e estético. A questão do belo resume-se em uma
concepção burguesa, ou seja, é um produto mercantil que se impõe a um
desejo de ilusão, o belo é algo imposto, manipulável. Outra compreensão do
belo em Adorno refere-se à questão de lutas políticas, de dominação, que
rompe com a arte burguesa, mercantil. Há duas compreensões então de
estética, uma da arte da burguesia que visa à arte, como instrumento de
dominação política das massas, como a estética que rompe esse mecanismo
de dominação de luta, de emancipação.
Adorno não concorda com Benjamim, pois se, para ele, é relevante a
questão dos padrões harmônicos, na obra de arte, para Benjamin a questão da
hermenêutica é mais significativa, pois abre possibilidade para o sujeito olhar,
analisar, refletir a realidade concreta, independe da harmonia e da estética.
A arte, como um elemento que conduz à emancipação, deve estar
interligada com a educação, por ser uma forma de levar à consciência critica,
de criar, nos alunos, momentos de enxergar a realidade, pois, a verdadeira arte
denuncia a própria realidade, que contradiz a indústria cultural, conforme os
escritos de Adorno.
A arte é necessária para a experiência formativa Por meio da arte
analisam-se as situações atuais na educação. A partir daí e por intermédio da
educação, denunciam-se as questões que desumanizam o próprio ser humano.
78 3 A FOTOGRAFIA AUTOBIOGRÁFICA: UM PROCESSO DE FORMAÇÃO
DE PROFESSORES NO CURSO DE MAGISTÉRIO
Neste capítulo, pretende-se apresentar a análise das imagens
fotográficas e dos relatos escritos, obtidos a partir do trabalho com as alunas
do curso de magistério modalidade ensino médio.
A análise do “Projeto Fotografia na escola”, objeto deste estudo e, mais
especificamente,
conteúdo
deste
capítulo,
é
uma
demonstração
da
possibilidade de superação da Educação Bancária. Há, ainda, a possibilidade
de superação da inadequação da sociedade pós-moderna, diante da força
avassaladora do consumo de imagens, principalmente, as imagens veiculadas
por intermédio dos meios de comunicação, plenas de mensagens, que visam à
informação.
As alunas foram submetidas ao exercício da reflexão crítica sobre a
experiência formadora que as conduziu à escolha do magistério. Tal
procedimento foi além do desafio de compreender as imagens fotográficas,
implicando a consciência da responsabilidade de capacidade de intervir no
mundo, conforme a perspectiva de Freire.
Os procedimentos de análise dos documentos produzidos pelas alunas
tiveram, como apoio teórico, o enfoque hermenêutico em Gadamer (2007).
Apoiou-se, ainda, em Adorno (2000), no que se refere à reelaboração do
passado, para compreensão do presente é para a compreensão do conceito de
experiência formativa.
3.1 O cenário escolar: a pedagogia estética lassalista
A unidade escolar, na qual ocorreu a elaboração e o desenvolvimento do
“Projeto: Fotografar a escola”, tem, como fundamento do Projeto Pedagógico,
a pedagogia lassalista. São João Batista de La Salle, há 332 anos, foi o
fundador do Instituto dos Irmãos das Escolas Cristãs, na França.
No Brasil são 36 Unidades Escolares, entre elas, cinco são de Ensino
Superior. O Instituto dos Irmãos das Escolas Cristãs teve origem na França no
79 século XVII, em 1679, na cidade de Reims - França, na paróquia de São
Maurício. A primazia deste Instituto de Educação é resgatar e desenvolver a
sensibilidade e a dignidade das crianças e jovens pobres, marginalizados.
Rangel e Weschenfelder (2008, p.17) salientam que: “La Salle enfatizou
e
praticou
educação
inclusiva
em
toda
sua
dimensão
pedagógica”,
pretendendo a instrução dos alunos para o exercício da cidadania, a partir dos
valores cristãos. Como está na Regra do Instituto dos Irmãos das Escolas
Cristã, “o fim deste instituto é a educação humana e cristã dos jovens. Os
escritos de La Salle configuram o referencial do seu olhar sobre o papel da
educação.
A escola lassalista assume o compromisso com o desenvolvimento da
consciência de crianças e jovens. Pretende educar para a responsabilidade do
seu papel na sociedade, considerando que viverão em um mundo de constante
evolução. Por isso, o objetivo da escola lassalista é a reflexão constante sobre
os valores éticos e estéticos, que fundamentam a vivência com dignidade
humana.
Esse sistema de valores éticos e estéticos tem, como base, Meditações
de La Salle (1988); Guia das Escolas Cristãs, escritos de 1706 até 1720,
quando foi impresso pela primeira vez, reeditado 23 vezes; Regras de
Civilidade, primeiro exemplar impresso no ano de 1703. São obras, conforme
Rangel e Weschenfelder, (2008, p. 28): “de consubstancial a herança
pedagógica de La Salle”
Portanto, a educação lassalista não se pauta no ideário formativo, como
mero transmissor de conhecimento. Os professores, “os mestres” como La
Salle se refere aos Irmãos, e colaboradores pautam-se na concepção de que
as crianças e os jovens são considerados sujeitos e não objetos. Eles devem
zelar pela educação de valores. Por isso, La Salle insiste “no exame de
consciência” diário aos professores: “ensinastes [...] a leitura, a escrita e todo o
resto com toda a aplicação possível?” (Meditação. 91,3). E a preocupação com
uma educação em vista da emancipação “que alcançava aspectos físicos,
aspectos intelectuais e culturais conjugados a aspectos sociais [...]” (RANGEL
E WESCHENFELDER (2008, p.17).
Em suas Meditações, La Salle refere-se aos “mestres” de Anjos das
Guardas: “os alunos têm as necessidades de Anjos visíveis que, com suas
80 instruções e bons exemplos os estimulem [...] (Meditação nº 197, nº 198),
Embaixadores e Ministros de Deus.
A formação continuada para o desenvolvimento intelectual, profissional,
é uma preocupação com a qualidade da formação e educação desenvolvida
nas unidades escolares lassalistas. Utilizando as palavras do Irmão Teodoro
Luís: “Todo professor que deixar de estudar todos os dias, deve deixar de
lecionar e educar”.
O mestre (professor) deve conhecer e cuidar de todos os alunos que lhe
são confiados, (meditação). La Salle insiste, dirigindo-se aos Irmãos: “Vós
exerceis um emprego que vos coloca na obrigação de mover os corações [...]”
(La Salle, Meditação 43,3). Também o papel da família como principal vínculo e
aliado da escola “Os professores precisam falar assiduamente com os pais
para que empreguem todos os meios para assegurar aos filhos a necessária
instrução, enviando-os à escola” (La Salle: Guia das Escolas, p.8), neste
pensamento de La Salle percebe-se a preocupação com a evasão escolar.
Sendo assim, ele buscar fazer com que os professores, inspetores, possam
encontrar soluções justas, coerentes, sem colocar o aluno em uma situação
indesejável. Trata-se da relação família- escola.
Aqui está a beleza do olhar de La Salle, de proporcionar uma educação
voltada à pessoa. Ele ressalta que os mestres têm a obrigação de zelar pelo
seu ministério (profissão), de cuidar dos alunos e instruí-los, levando em conta
que a educação lassalista é dinâmica, pelo fato de que ela é voltada para uma
educação humana e cristã. Outra beleza encontrada no Guia das Escolas, mais
uma orientação: “é preciso acostumar os professores a terem semblantes
descarregados, fisionomia serena, exterior que manifeste espírito firmes, porém
cheios de bondade” (p.6).
La Salle, hoje, pode-se afirmar, foi também pioneiro para que não
houvesse evasão escolar. Por isso, ao ler os documentos - O Guia das Escolas
e as Meditações – percebe-se que ele circula em áreas do conhecimento, tais
como: psicologia, antropologia, teologia e filosofia, visando à compreensão dos
métodos escolares de sua época.
Na pedagogia lassalista, para que haja a educação estética, sugere-se
que o professor esteja atento aos seus alunos, para que eles possam gostar da
escola. No Guia das Escolas (p. 198), informa-se que: “Se os alunos falham
81 facilmente à aula é por falha deles mesmos ou dos pais, ou dos mestres e
visitantes”. La Salle segue com a instrução: “[...] É preciso estimulá-los a virem
à escola pela brandura, convencendo-os por alguma outra razão que não
sejam correções e durezas” (apud JUSTO,1961,p.98-99).
La Salle organizou um instituto de educadores voltados à educação com
um tempo integral. Planejou atividades, nas quais os irmãos deveriam ficar
atentos para promover uma educação voltada para os mais excluídos, os
marginalizados. E, para que os alunos gostem da escola, é preciso que os
professores ofereçam aulas atrativas. Os professores devem conhecer bem os
seus alunos e a sua realidade, e a escola tem a obrigação de está sempre em
contato com os pais: “tratar de atrair esses meninos, fazê-los vir à escola [...]
será suficiente que os filhos queiram vir à escola para que os pais os enviem
contentes” (La Salle, aput JUSTO, 1961,p.100).
A estética percebida neste ambiente da escola é o bem estar dos alunos
e dos pais. A harmonia entre todos é fundamental. A formação não é somente
para os alunos, mas também para a família, levando-os a perceberem o próprio
papel neste processo formativo de seus filhos. Por isso, “O amor é a base da
pedagogia lassalista” (RANGEL E WESCHENFELDER, 2008, p.50)
A percepção pedagógica de La Salle é visível, ao instruir os Irmãos para
que as questões dos castigos fossem cada vez mais raras na prática escolar.
Diz isso, em pleno século XVII, onde a disciplina era bastante severa. Para La
Salle, é necessário perceber a pessoa em seu todo, em sua realidade concreta,
por isso ele solicita aos professores prudência, calma, reflexão antes da ação,
evitando assim a injustiça.
[...] terão todo o cuidado e vigilância possíveis sobre si mesmos, para
não castigarem os alunos senão raras às vezes, convencidos de que
este é dos principais meios para ordenar bem a escola e estabelecer
nela perfeita disciplina. (RC. 8,1) Os educadores têm a obrigação de
ganhar o coração de seus alunos como um dos principais meios para
incentivá-los a viver cristãmente! (Meditação 115,3)
Em suma, a proposta educativa em La Salle está vinculada à ética, à
estética e à moral; quando é olhada em sua totalidade. A centralidade é nos
alunos, no seu crescimento humano, afetivo, intelectual, social, psíquico,
guiados por um sistema de valores evangélicos, e esse sistema de valores
82 ensinados a essas crianças e jovens não é somente para o seu bem, mas para
toda sociedade.
O professor entende que a profissão de ensinar não é uma busca da
própria gloria, prestígios, vantagens, mas sim, como ministério; isto é, esta a
serviço do bem de outros, de promover a justiça e a dignidade humana. O
professor lassalista tem o compromisso da intervenção com seus alunos, na
reflexão dos valores éticos e estéticos para manutenção e desenvolvimento da
dignidade entre seres humanos e natureza. La Salle, em sua meditação, insiste
que: “se tendes para com vossos alunos a firmeza de pai para tirá-los ou
afastá-lo do mal, deveis ter-lhes também a ternura de mãe para atraí-los e
fazer-lhes todo o bem que depende de vós (101,3).
3.2 Fotografia na escola: um caminho para o autoconhecimento
A palavra fotografia vem do grego, (foto=luz, grafia= escrever). Significa
escrever com a luz. Sendo assim, é compreendida como um documento, um
registro, de um determinado período de tempo e espaço, e do aqui e agora.
A fotografia na formação de professoras do magistério exprime várias
possibilidades, entre elas, compreender a linguagem fotográfica que resgata e
expressa momentos marcantes que foram esquecidos. Com este exercício de
olhar a própria experiência, dentro do cenário escolar, busca-se enxergar e
direcionar o olhar para a razão de ser social da escola. Para que este registro
tenha sentido completo, é necessário que a foto não seja instrumento
objetivado, mas sim que haja relações entre o sujeito e o objeto.
Convém ressaltar que a prática do projeto “Fotografar a Escola” articulou
a pesquisa e o ensino, na formação destas alunas. Essas são dimensões
indissociáveis nos processos formativos, que proporcionam uma educação
autônoma e de emancipação.
Nesse sentido, o pesquisador experimenta uma ligação direta com o
cenário, trazendo toda a bagagem cultural, as condições, circunstâncias, os
valores, da experiência de vida. Além disso, essas alunas entram neste
83 processo formativo de pesquisadoras, que trará uma valorização da própria
história, fazendo emergir, de forma significativa, fatos perdidos na memória.
A fotografia tem, como propósito, resgatar a história, por meio de uma
ótica do passado; oferecer às alunas a possibilidade de perceberem o
presente, a experiência formativa.
Assim, neste estudo, reflete-se sobre a compreensão do sentido de ser
professor, a partir da análise de dados da própria vivência e do material
concreto a ser examinado. Instaurou-se um olhar reflexivo, por meio das
histórias, instaladas na memória, em um determinado tempo e espaço, que
foram trazidas à tona, por meio da fotografia.
Partiu-se do pressuposto de que o cenário escolar das alunas fora
esquecido. Nesse sentido, a fotografia é um meio de produção de
conhecimento. Supõe-se que, no processo de compreensão do passado, é
possível que se projete o próprio futuro.
A fotografia é uma ferramenta pouco utilizada na escola. A escolha desta
modalidade de registro deve-se às possibilidades de resgate dos fatos
significativos, que ela representa. Ela pode também captar, por meios dos
diferentes olhares, o cenário escolar, por via das diversas dinâmicas dessa
modalidade.
A fotografia adentra o tempo e o espaço da memória. A fotografia tem a
sua função de resgatar as lembranças constituintes da memória.
Tempo e memória que possibilitam conexões com as lembranças e
os esquecimentos de si, dos lugares, das pessoas e das dimensões
existenciais do sujeito narrador. É evidente que a memória inscrevese como uma construção social e coletiva e vincula-se às
aprendizagens e representações advindas da inserção do sujeito em
seus diferentes grupos sociais. A relação entre memória e
esquecimento revela sentidos sobre o dito e o não-dito nas histórias
individuais e coletivas dos sujeitos, marca dimensões formativas entre
experiências vividas e lembranças que constituem identidades e
subjetividades, potencializando apreensões sobre as itinerâncias e as
práticas formativas. O não-dito vincula-se às recordações e não
significa, necessariamente, o esquecimento de um conteúdo ou de
uma experiência. (SOUZA, 2007, p.4)
Portelli afirma que a memória:
84 é um processo individual, que ocorre em um meio social dinâmico,
valendo-se de instrumentos socialmente criados e compartilhados.
Em vista disso, as recordações podem ser semelhantes,
contraditórias ou sobrepostas. Porém, em hipótese alguma, as
lembranças de duas pessoas são – assim como as impressões
digitais, ou, a bem da verdade, como as vozes – exatamente iguais
(PORTELLI, 1997, p. 16).
A escola como lugar de memória proporciona a vivência de escolhas que
influenciam o aluno no universo profissional. A relação com professores,
diretores e outros funcionários faz parte das escolhas dos alunos A escola
deixa marcas na formação profissional. “As experiências de leitura e formação
ganham sentido, quando o sujeito transforma-se e aprende a partir de suas
próprias marcas sócio-históricas” (SOUZA, 2007, p.10).
Para Josso,
[...] o que faz a experiência formadora é uma aprendizagem que
articula,
hierarquicamente,
saber-fazer
e
conhecimentos,
funcionalidades e significação, técnicas e valores num espaço-tempo
que oferece a cada um a oportunidade de uma presença de si e para
a situação pela mobilização de numa pluralidade de registros [...]
(JOSSO, 2002, p. 28).
O conceito de experiência formadora, para Josso, “implica uma
articulação
conscientemente
elaborada
entre
atividade,
sensibilidade,
afetividade e ideação, articulação que se objetiva numa representação e numa
competência [...]” (JOSSO, 2002, p. 35)
Josso (2004) afirma que o método autobiográfico é um “processo de
formação” e “processo de conhecimento”, sendo assim, a experiência
formadora é um “processo em formação”, inacabável, onde há um investimento
de cada sujeito quando narra ou escreve sobre esses acontecimentos.
Conforme Souza, o objetivo do método (auto) biográfico é percorrer:
Os caminhos trilhados desde o início do século XX e os embates
travados em diferentes campos do conhecimento tem permitido
melhor compreender e a reafirmar e reafirmar a abordagens
biográfica e a utilização da narrativa (auto)biográfica,como opção
metodológica para a formação de professores, visto que a mesma
possibilita inicialmente um movimento de investigação sobre o
processo de formação e, por outro lado, possibilita, a partir das
narrativas (auto)biográficas, entender os sentimentos e as
representações dos atores sociais no seu processo de formação e
autoformação. (SOUZA, 2006, p.17)
85 Nascimento comen tando Finger (1984) que o método autobiográfico
“[...] se justifica pelo fato de valorizar uma compreensão que se desenrola no
interior da pessoa, sobretudo em relação a vivências e a experiências que
tiveram lugar no decurso da sua história de vida” (FINGER,1984, p.84).
O uso da abordagem biográfica necessita, conforme Josso (2004) e
Dominicé (1988, 1990 e 1996) de um “processo de investigação e formação,
que nasce das experiências” e das “aprendizagens significativas e formativas”.
Peres ressalta em Josso (2004) que:
O uso das narrativas permite-nos distinguir as experiências que
tivemos partilhadas coletivamente e as experiências que tivemos
individualmente; experiências únicas das experiências em série.
Desta forma, as experiências ajudam-nos a avaliar uma situação\ e
ou um novo acontecimento. (PERES, 2009,p.120)
Josso (2004) destaca “o caminhar para si”, sobre o qual Vaz afirma:
[...] a escrita da narrativa remete o sujeito a uma dimensão de
autoescuta, como se estivesse contando para si próprio as
experiências e aprendizagem que constituiu ao longo da vida, através
do conhecimento de si” (PERES, 2009, p.118).
Nos procedimentos de abordagem biográfica, o sujeito investiga a sua
formação, busca compreender o seu caminhar, a sua trajetória, focando o
processo de conhecimento, ou seja, há um exercício contínuo, de tomada de
consciência.
Por meio desse auto-retrato mais ou menos explícito, evidenciar as
posições existências, adotadas ao longo da vida, permite ao autor da
narrativa tomar consciência da sua postura de sujeito e das ideias
que, consciente ou não conscientemente, estruturam essa postura
(JOSSO, 2004, p.59).
Os saberes constituídos nessas trajetórias são de suma importância, e
autores como Peres (2009), Bachelard (1988) e Tardif (2008; 2002) ajudam a
perceber aspectos formativos e significativos nesses processos.
86 Para Tardif e Raymond (2008), os saberes são compostos de vários
aspectos que estão relacionados com as competências, habilidades, práticas
diárias da profissão, as experiências diárias em sala de aula são focadas como
sendo a principal fonte de saberes, como saber-ensinar e saber-ser. Atribuem,
também, o carinho que há pelas crianças, à questão cognitiva, como os
conhecimentos
sociais
que
são
partilhados
diariamente
por
serem
conhecimentos próximos aos dos alunos, colegas de profissão, pais de alunos.
Os saberes profissionais dos professores parecem ser, portanto,
plurais, compósitos, heterogêneos, pois trazem à tona, no próprio
exercício do trabalho, conhecimentos e manifestações do saber-fazer
e do saber-ser bastante diversificados, provenientes de fontes
variadas, as quais podemos supor que sejam também de natureza
diferente (TARDIF e RAYMOND, 2000, p. 214).
Os saberes importam nas trajetórias tanto pessoais como profissionais,
ambas não podem ser anuladas, pois, fazem parte das experiências
formadoras de cada sujeito.
Essas experiências a serem investigadas, na
própria formação, possibilitam que esses elementos sejam formadores, como
diz Pineau (1991, p.17) “é fundamental fazer com que os professores se
apropriem dos saberes de que são portadores; uma vez que a maneira como
cada um de nós ensina está diretamente ligado àquilo que somos como
pessoa” (NASCIMENTO, s/d, p.3).
Segundo Tardif e Raymond:
Todas as autobiografias mencionam que experiências realizadas
antes da preparação formal para o magistério levam não somente a
compreender o sentido da escolha da profissão, mas influem na
orientação e nas práticas pedagógicas atuais das professoras e
professores. (TARDIF e RAYMOND, 2000, p. 149)
E acrescenta:
As experiências escolares anteriores e as relações determinantes
com professores contribuem também para modelar a identidade
pessoal dos professores e seu conhecimento prático. Acrescentam-se
a isso, também, experiências marcantes com outros adultos, no
87 âmbito de atividades extra-escolares ou outras (atividades coletivas:
esportes, teatro etc.) (TARDIF & RAYMOND, 2000, p.220).
Na compreensão de Tardif, os saberes são amplos e a questão do saber
do profissional é uma questão de construção social. Mizukami olha a questão
dos saberes profissionais como sendo um conjunto de: “compreensões, de
conhecimentos, habilidades e disposições necessários para a atuação efetiva
em situações específicas de ensino e aprendizagem” (MIZUKAMI,2002, p.72).
Libâneo entenderá os conhecimentos dos professores como sendo:
o conjunto de conhecimentos teóricos e práticos requeridos para o
exercício profissional e Competências como as qualidades,
capacidades, habilidades e atitudes relacionadas com esses
conhecimentos teóricos e práticos e que permitem a um profissional
exercer adequadamente sua profissão (LIBÂNEO, 2004, p. 69).
Há vários lugares, no cenário escolar, que ajudam os alunos a formar
saberes, por meio de experiências significativas, que possibilitarão uma
autonomia, uma aprendizagem.
Nesta perspectiva:
O crescimento pessoal dos alunos implica como objetivo último serem
autônomos para atuar de maneira competente nos diversos contextos
em que haverão de se desenvolver. Impulsionar esta autonomia
significa tela presente em todas e cada uma das propostas
educativas, para serem capazes de utilizar sem ajuda os
conhecimentos adquiridos em situações diferentes em que foram
aprendidos (ZABALA, 1998, p. 102).
De acordo com Nóvoa (1992):
A formação não se constrói por acumulação (de cursos, de
conhecimentos ou de técnicas), mas sim através de um trabalho de
reflexividade crítica sobre as práticas e de (re)construção permanente
de uma identidade pessoal. Por isso, é tão importante investir a
pessoa e dar um estatuto ao saber da experiência. [grifos do autor]
(NÓVOA, 1992, p. 25)
Pimenta acrescenta:
88 Quando os alunos chegam ao curso de formação inicial, já tem
saberes sobre o que é ser professor. Os saberes de sua experiência
de alunos que foram de diferentes professores em toda sua vida
escolar. Experiência que lhes possibilita dizer quais foram os bons
professores, quais eram bons em conteúdos mas não em didática,
isto é, não sabiam ensinar. Quais professores foram significativos em
suas vidas, isto é, contribuíram para sua formação humana. Também
sabem sobre o ser professor por meio da experiência socialmente
acumulada, as mudanças históricas da profissão, o exercício
profissional em diferentes escolas, a não valorização social e
financeira dos professores, as dificuldades de estar diante de turmas
de crianças e jovens turbulentos, em escolas precárias; sabem um
pouco sobre as representações e os estereótipos que a sociedade
tem dos professores, através dos meios de comunicação. Outros
alunos já tem atividade docente. Alguns, porque fizeram magistério
no ensino médio; outros, a maioria, porque são professores a título
precário (PIMENTA, 2008, p. 20).
Esses saberes fazem parte da aprendizagem advindos “ do percurso de
vida de cada um e dos momentos-charneiras” (JOSSO, 2004,p.64). Esses
saberes podem e devem ser comunicados, anunciados para fortalecer a
“formação de si”; é nesse desvelar-se, nesta descoberta do percurso que se
proporciona um espaço significativo e subjetivo tornando possível uma
socialização de saberes e de experiências.
[...] Ser professor requer saberes e conhecimentos científicos,
pedagógicos, educacionais, sensibilidade, indagação teórica e
criatividade para encarar as situações ambíguas, incertas,
conflituosas e, por vezes, violentas, presentes nos contextos
escolares e não escolares. É da natureza da atividade docente
proceder à mediação reflexiva e crítica entre as transformações
sociais concretas e a formação humana dos alunos, questionando os
modos de pensar, sentir, agir e de produzir e distribuir
conhecimentos. (PIMENTA; ANASTASIOU, 2005, p. 14).
Passeggi afirma que:
As histórias de vida, nesse sentido, permitem a observação de como
as experiências de transformação vão sendo geradas e
compreendidas, e se revelam como um material “perfeito” para
apreender os segredos da historicidade do sujeito. (PASSEGGI,
2004, p.74)
Nesse sentido, a proposta de trabalhar a fotografia na escola do ensino
médio, como uma atividade pedagógica voltada para a formação de
89 professores, encontra fundamento nos aportes teóricos que sustentam o
método autobiográfico. O uso da fotografia e relatos autobiográficos, na
formação de professores, expressa: “a importância de que os educadores
construam sua (auto)biografia e trabalhem
com elas numa perspectiva de
autoconhecimento e de permanente reinvenção de si mesmo”(SANTOS NETO,
2009, p.105).
Estrella (2009, p. 119) instiga os indivíduos, para compreender o
processo que a fotografia desencadeia para o autoconhecimento das pessoas
envolvidas, neste trajeto de formação de si, a se perceberem como sujeitos
histórico, social e cultural.
“Sabemos também que mais importante do que
formar é formar-se; que todo conhecimento é autoconhecimento e que toda a
formação é autoformação” (NÓVOA, 2001, p.1).
As
fotografias
autobiográficas
e
os
relatos
favorecem
o
autoconhecimento. No resgate do passado, a compreensão flui do encontro
com
as
experiências
formadoras,
extraídas
do
percurso
feito.
Essa
compreensão pressupõe reconhecer a História de Vida como possibilidade de
ressignificar o sentido dos saberes constituídos, no percurso da vida, e revela o
processo formativo como produção da existência humana.
O uso da fotografia visa resgatar as histórias de vida, as lembranças
extraídas da memória, busca-se capturar imagens de momentos que foram
formativos no percurso escolar, situados, simbolicamente, na vida do sujeito,
representando conteúdos importantes para a formação pessoal e profissional.
Duran (1992, p.15) acrescenta que “a fotografia é uma extensão de
nossa capacidade de olhar e de constituir uma técnica de representação da
realidade que, pelo seu rigor e particularismo, se expressa através de uma
linguagem própria e inconfundível.”
A fotografia é um objeto que expressa a realidade. Barthes afirma que
há três ações da fotografia como objeto: fazer, suportar e olhar. O fazer tem o
sentido da ação do fotógrafo, o suportar já é referente ao modo pelo qual ele
capta o objeto, denominado por ele como sendo o spectrum, e o olhar é como
o sujeito observa a fotografia, o espectador.
Godoy (p.36) esclarece que, atrás de cada imagem, há um motivo que
justifica o ato de fotografar, que vai muito além de “captar imagem”, o fotógrafo
registra opiniões, paisagens, acontecimentos. Assim, ao registrarmos pessoas
90 ou quaisquer outros temas, estamos expressando opiniões, “a nossa forma de
ver o mundo” (S\d. p.36). As fotografias trazem significados, signos, linguagens
escritas e fotográficas, em relação à escrita.
3.3 O entendimento dos discursos autobiográficos: uma abordagem
hermenêutica
A Hermenêutica, em Adorno, define-se como “reelaborar o passado”,
para poder entender os conflitos existentes da História e se libertar de
opressões que são manipuladas, por meio do conhecimento, sob o domínio da
indústria cultural.
A interpretação, deste estudo, à luz da hermenêutica, na perspectiva de
Gadamer, traz o conceito de Círculo Hermenêutico para a compreensão do
discurso autobiográfico e das fotografias. A hermenêutica é a expressão do
conhecimento por meio do qual surgem a explicação e a interpretação do
pensamento.
Conforme Dilthey, a utilização da hermenêutica está baseada em prévios
conhecimentos: histórico, literário, filosófico e outros, nos quais se busca, a
partir da realidade, a compreensão que dá sentido a essa realidade.
Dilthey, apud Castro , alega sobre o significado de compreender:
Significa, portanto, passar de uma exteriorização do espírito à sua
vivência originária, isto é, ao conjunto de atos que produzem ou
produziram sob as formas mais diversas- gesto, linguagem, objetos
da cultura, etc. – a mencionada exteriorização. (2005.p.1)
A prática em sala de aula que envolva estratégias utilizando a fotografia,
visando a experiências formativas, pode introduzir a discussão sobre o
propósito da imagem (objeto) e o olhar do fotografo (pesquisador). Estrella
(2009, p.120-121) descreve o papel do fotografo:
É através do seu olhar que entra em conexão o conteúdo que deseja
captar, fazer registrar através da máquina, para então ser revelado. A
revelação da imagem é que vai tornar visual aquele conteúdo
capturado pelo autor da foto. Isso significa que a fotografia não é
simplesmente um produto do registro em imagem, mas
91 reconhecimento nela uma escolha, uma decisão, uma motivação, um
objetivo e uma sensibilidade.
É este, na verdade, o clima do pesquisador que olha seu objeto e
contexto através das lentes de uma máquina fotográfica: tem a
possibilidade de experimentar e recriar a partir de si próprio e do que
encontra.
Nesse procedimento, o pesquisador experimenta uma ligação direta com
o cenário, trazendo toda a bagagem cultural, as condições, circunstâncias, os
valores, da experiência de vida. Estabelecendo vínculos entre a teoria e a
prática, vê-se que, na experiência analisada, neste trabalho, as alunas entram
neste processo formativo de pesquisadoras que trará uma valorização da
própria história; ao fotografar um flash da sua realidade, resgatam as suas
próprias luzes e sombras.
Para Adorno, a estética está submetida à hermenêutica. A mensagem
da obra de arte é mais importante do as questões formais e da estética
plástica, que é algo técnico e manipulável. A questão da estética nada mais é
do que um instrumento de luta política. Para o autor, é impossível separar a
estética da política, pois, é um movimento circular, não se pode separá-los, não
existe estética sem política. Já a técnica (modus operatis), uma reprodução
mecânica, é para Adorno uma questão que fica em segundo plano, pelo motivo
de que na sociedade administrativa, o sujeito é o objeto, o consumidor é objeto
do sistema capitalista.
Para que se entendam as luzes e sombras que o pesquisador traz como
bagagem, recorda-se Andrade (2002, p.114) “Olhar para o mundo é uma
condição; compreendê-lo por meio desse olhar é uma busca eterna, instigante
e fascinante [...], pode nos levar ao diferente e transforma o que estamos
viciados a enxergar”. Nas imagens, o pesquisador traz as suas intenções,
ideologias, emoções, denúncias, cultura, fatos sociais.
Por esse motivo, a pesquisa com fotografia tem, por princípio, registrar
lembranças significativas, importantes dessas alunas. Com o propósito de
preencher este espaço, que pode estar adormecido, em um espaço e tempo,
há a emersão significativa dos fatos armazenados na memória, levando essas
alunas a serem ativas da própria história de formação e não reféns de um ato
massificado.
Afirma Momberger (2010, p. 104)
92 Olhar para a fotografia, olhar de novo, com intervalo de tempo,
deixar-se absorver por ela, deixar acontecer as sensações, as
impressões, as imagens, talvez diferentes a cada vez, mas todas
reais, que durante um tempo se tornam partes de nós
mesmos.(MOMBERGER, 2010, p.104)
A fotografia tem, como propósito, resgatar a história por meio de uma
ótica, por via de uma interpretação hermenêutica do passado; dá às alunas a
possibilidade de perceberem o presente. Com isto, a experiência formativa,
decorrente desta dinâmica, permite que os envolvidos no processo possam
construir um futuro mais sólido, emancipado e autônomo.
Portanto, este projeto apoia-se na compreensão circular: parte-se do
momento no qual houve a proposta de interpretar as fotografias (imagem) e os
relatos das autobiografias, que são os textos.
E, para isto, é preciso olhar a fotografia e saber olhá-la. Delory-Momberg
afirma que:
Olhar uma fotografia é fazer a experiência de situação, de lugares, de
personagens, conhecidas e desconhecidas, que surgem em nosso
presente. Olhar uma fotografia é fazer um trabalho de memória no
qual a lembranças reais e lembranças construídas se entrelaçam.
Olhar uma fotografia é interrogá-la é retomá-la, atualizá-la, e estas
operações conduzem a experiência de si que são aprendizagem de
si. (DELORY-MOMBERGER, 2010 p.107)
O círculo abre espaço para um constante reprojetar, porque a
interpretação inicia-se com conceitos prévios e, no decorrer do trabalho e do
tempo, eles são, geralmente, substituídos por outros mais adequados, surgindo
outras lentes de compreensão. Isto quer dizer que o círculo não é fechado, mas
sim, dinâmico, interagindo com o sujeito.
[...] O conhecimento histórico não pode ser descrito segundo o
modelo de um conhecimento objetivista, já que ele mesmo é um
processo que possui todas as características de um acontecimento
histórico. A compreensão deve ser entendida como um ato da
existência, e é, portanto um "pro-jeto lançado". (GADAMER, p. 69,
1998)
Porque os conceitos são construídos historicamente, podem ser
mudados, transformados e esclarecidos, fazendo com que se tenha
93 possibilidade de uma nova perspectiva, um novo horizonte, de uma nova visão
de mundo, quebrando os pré-conceitos existentes.
O termo horizonte, em Gadamer, tem, como foco, a posição que o
sujeito tem na história, isto quer dizer que é a situação com a qual ele se
depara, limitando-se às suas possibilidades.
Horizonte é o âmbito da visão que abarca e encerra tudo o que é
visível deste um determinado ponto. Aplicando-o à consciência
pensante. Devemos falar dos limites horizontes, da possibilidade de
ampliar o horizonte, da abertura de novos horizontes. (GADAMER,
1999, p.55)
Bairon diz que:
O homem que não promove um encontro com o horizonte diversos é
um homem de visão limitadíssima e tente a valorização das
repetições metódicas. Já aquele que tem horizontes múltiplos, não se
encontra limitado a um único método e reconhece que a sua
interpretação esta sempre em estado de suspensão temporal, é
dasein. (BAIRON, 2002, p. 146)
Quando há o deslocamento em direção a outro ponto, a um novo
horizonte histórico, também o horizonte se desloca. Isto faz ampliar o horizonte
do pesquisador, permite uma acessão universal, mais elevada, possibilitando
alcançar um novo horizonte.
Toda e qualquer primeira interpretação para o pesquisador tende a
acontecer, a partir dos conceitos preexistentes do indivíduo. É neste arriscar-se
que o interprete percebe que só se tem a certeza do correto, por meio do
contexto, fazendo da interpretação um possível conhecimento, por via da
linguagem e da natureza. Isto é, o interprete tem que estar atento e respeitar a
alteridade do texto.
Escreve Gadamer:
Quem quiser compreender um texto deve estar pronto a deixar que
ele lhe diga alguma coisa. Por isto, uma consciência educada
hermeneuticamente deve ser preliminarmente sensível á alteridade
do texto. Essa sensibilidade não pressupõe “neutralidade” objetiva
nem esquecimento de si mesmo, mas implica numa preciosa tomada
de consciência das próprias pressuposições e dos próprios préjuízos. (GADAMER, 1998, p.631)
94 Marchina acrescenta ainda:
A interpretação hermenêutica refere-se à compreensão dos
significados das obras produzidas pelos homens. Ela requer do
pesquisador, a consciência de sua historicidade e do contexto
histórico, e que ele esteja suficientemente de acordo com o modo de
se relacionar com o mundo, a partir da superação do pré-saber. Esse
cuidado é necessário, pois os pré-juízos determinam a interpretação
das coisas. (MARCHINA, 2010, p.28)
Nesta perspectiva, o projeto da fotografia autobiográfica situa-se nesse
viés, porque não são negados os elementos históricos referentes à história de
vida do pesquisador.
Afirmando Gadamer:
[...] O conhecimento histórico não pode ser descrito segundo o
modelo de um conhecimento objetivista, já que ele mesmo é um
processo que possui todas as características de um acontecimento
histórico. A compreensão deve ser entendida como um ato da
existência, e é, portanto um "pro-jeto lançado". (GADAMER, 2000,
55)
Para compreender a imagem fotográfica, o papel da hermenêutica é
desvelar o olhar do pesquisador para compreender o significado do dito e do
não dito. Por isso, é fundamental que o pesquisador consiga decifrar se há a
probabilidade de comunicação, por meios de sentimentos, emoções, saberes e
conhecimentos do autor com o pesquisador, através da linguagem apresentada
neste discurso, caracterizado pela imagem fotográfica.
O pesquisador deve olhar a fotografia, rompendo as fronteiras das
questões tecnológicas. Para assim, compreender os fenômenos, signos, que
representam a imagem. A hermenêutica possibilita esse processo.
Qualquer imagem fotográfica tem atrás de si uma história, uma
experiência, que é focada e documentada. Ela pode ser usada como
instrumento analítico, possibilitando enxergar por detrás do olho do fotografo.
Portanto, a fotografia é uma realidade externa de um tempo e espaço/momento
da história.
A linguagem fotográfica é não verbal. Por ela, o interprete se relaciona
de forma livre, para decifrá-la cabe ao interprete buscar entender as situações
95 culturais, econômicas, políticas, sociais da época que retrata a foto, para
entendê-la.
A imagem fotográfica traz duas mensagens que precisam ser
compreendidas: a cognitiva e a emotiva. Mensagem cognitiva está relacionada
à denotação, ou seja, o conteúdo da mensagem, e a emotiva refere-se à
conotação, como a mensagem se organiza. A mensagem fotográfica expressa
uma experiência do sujeito, em um dado momento histórico; quando registrada,
configura-se como uma experiência vivida.
Barthes (1985, p.132), afirma que, na foto, “a imagem transforma-se
numa escrita, a partir do momento em que é significativa [...] uma fotografia
será, por nós, considerada fala exatamente como um artigo de jornal.” Barthes
(1984, p.85) afirma que “fechar os olhos é fazer a imagem falar no silêncio, pois
no fundo, a Fotografia é subversiva, não quando aterroriza, perturba ou mesmo
estigmatiza, mas quando é pensativa.” Esse fechar os olhos que o autor pede
ao interprete é uma atitude de entrar no cenário, compreendê-lo, é buscar na
consciência afetiva o caminho e a respostas a essas indagações. Ou seja, é
um caminho hermenêutico que o interprete faz.
Conforme Pais,
Todos os processos semióticos são historicamente determinados e
geograficamente delimitados, pois a ‘visão de mundo’ de uma
comunidade sociocultural e lingüística, bem como sua ideologia e
sistema de valores, acha-se sempre em processo de (re) formulação
e um constante processo de ‘vir a ser’ que paradoxalmente transmite
a seus membros o sentido de estabilidade e continuidade, ou melhor,
os processos culturais são apreendidos no convívio social, uma vez
que as semióticas-objeto são particulares em cada sociedade [...]
(PAIS, 1997, p.222)
A leitura semiótica é importante, porque o pesquisador fará diferente
leitura da imagem, é nessa diversidade que está a riqueza do trabalho
fotográfico. Remete ao intérprete essa ligação singular com a fotografia.
Então a fotografia, por retratar uma situação e uma experiência, leva o
pesquisador a buscar, na própria história, caminhos e respostas significativas
para compreender o passado, levando-o a construir um presente aberto para
uma interação com o outro e com o mundo.
96 A fotografia é tratada como método que evoca fatos, história. Tem a
finalidade de buscar, transmitir e compreender determinadas informações, que
estão registradas na história pessoal, ou de um grupo, da cultura ou de um
determinado período do passado e do presente na vida dos seres. A fotografia
tem uma linguagem própria e, sendo assim, constitui-se em um signo, ou seja,
um conjunto de significante e de significado. A fotografia se manifesta, se
declara e possui um enunciado, por isso ela é considerada uma narrativa que
transmite informações. Por conseguinte, o pesquisador pode analisá-la e
apresentar o seu conteúdo, considerando-o como uma “verdade”.
Loizos (2002, p. 171) apresenta três formas de analisar a fotografia: o
seu uso como finalidade, como método e como pesquisa qualitativa de
documento. Primeiro, afirma-se que a imagem fotográfica transmite um
“registro restrito, mas poderoso das ações temporais e dos acontecimentos
reais, concretos, materiais.” No segundo momento, “[...] ela pode ser
empregada como dados primários, como informações visuais que não
necessitam ser, nem em forma de palavras escritas, nem em formas de
números”. E por ultimo, “é influenciado pelos meios de comunicação, cujos
resultados, muitas vezes, dependem de elementos visuais”. O autor
acrescenta, considerando o que se refere a essa influência da indústria cultural:
“consequentemente, “o visual” e “a mídia” desempenham papéis importantes
na vida social, política e econômica. Eles se tornam “fatos sociais”, no sentido
de Durkheimer” (2002, p. 172)
Sabe-se que a imagem fotográfica pode ser manipulada. Assim, a
análise das fotografias, neste trabalho, será subsidiada pelas informações
escritas das alunas. Há, portanto, um documento de referência, que conduzirá
todo o percurso, apoiado pelos estudos hermenêuticos de Gadamer. Além
disso, a confiabilidade é ampliada, considerando-se que as alunas foram
informadas sobre a metodologia da análise. Para não deixar subentendidos,
recorre-se à assertiva de Loizos (2002, p. 173) “a manipulação da imagem
visual pode ser sutil e oculta, mas ela é claramente ideológica”.
Os jornalistas, quando se referem à manipulação das fotografias, por
processos eletrônicos, denominam-na de scitexing. Há a finalidade de alterar o
seu conteúdo. E para isso, o autor, Loizos esclarece-nos sobre esse tipo de
manipulação:
97 todas essas manipulações são difíceis de serem detectadas por um
olhar que não está treinado, e, scitexing é impossível de detectar, a
não ser que se possa identificar a fotografia original e ter certeza de
que ela é de fato original. (LOIZOS, 2002, p.173)
Há um sofisma que se refere à interpretação da fotografia: todas as
pessoas as interpretam de formas iguais, independentemente das classes
sociais, pois a fotografia é acessível a todos. No entanto, essa premissa é
considerada falsa, porque cada pessoa enxerga e compreende o mundo de
forma bem diferente. Conforme Loizos: “a informação pode estar na fotografia,
mas nem todos estão preparados para percebê-las em sua plenitude” (2002,
p.174).
Por isso, neste trabalho, a fotografia autobiográfica é tratada como um
documento que tem por finalidade resgatar, nas memórias afetivas e históricas
das alunas do Curso de Magistério, momentos importantes e significativos no
cenário escolar. Considerando a espontaneidade, Loizos afirma:
As imagens fazem ressoar memórias submersas e podem ajudar
entrevistas focais, libertar suas memórias, criando um trabalho de
“construção” partilha, em que o pesquisador e entrevistado podem
falar juntos (LOIZOS, 2002, p.174).
A análise dessas fotografias autobiográficas apoiam-se no autor Penn,
em seu artigo,”análise semiótica de imagens paradas”. O autor compreende
que a imagem é sempre polissêmica e ambígua, por isso vem sempre
acompanhada por um texto, usado para dar suporte à imagem e quebrar essa
ambiguidade. Está-se em consonância com Barthes, que também afirma que
toda imagem é polissêmica.
Conforme Penn:
A imagem é sempre polissêmica ou ambígua. É por isso que a
maioria das imagens está acompanhada de algum tipo de texto: o
texto tira a ambigüidade da imagem – uma relação que Barthes
denomina de ancoragem, em contraste com a relação mas recíproca
de revezamento, onde ambos, imagens e texto, contribuem para o
sentido completo. As imagens deferem da linguagem de outra
maneira importante para a semiólogo: tanto na linguagem escrita
como falada, os signos aparecem seqüencialmente. Nas imagens,
98 contudo, os signos estão presentes simultaneamente. Suas relações
sintagmáticas são espaciais e não temporais. (PENN, 2002, p.322)
Penn (2002), em seu texto, Análise semiótica de imagens paradas,
observa que, para analisar a imagem a partir da semiótica, é preciso que o
pesquisador
realize
quatros
estágios;
isto
é
importante
para
poder
compreender as mensagens e, com isso, decifrar os signos contidos nas
imagens.
O primeiro estágio consiste, antes de tudo, na disponibilidade do
material para poder “escolher as imagens para serem analisadas”, levando em
conta o material e a sua natureza.
No segundo estágio, o pesquisador deve provar, reconhecer e
identificar os elementos contidos no material, por meio de uma descrição
minuciosa, ou seja, um inventario, um relatório, para identificar elementos
constitutivos nas imagens e textos, sem ignorar nenhum dos elementos. É
importante aqui o pesquisador fazer um inventário denotativo para registrar os
dados. Segundo Penn “a abordagem sistemática ajuda assegurar que a análise
seja seletivamente auto-afirmativa” (PENN, 2002, p.326).
O terceiro estágio só pode acontecer por meio do inventário denotativo;
o pesquisador analisa o relatório, fazendo perguntas para poder chegar às
relações do material analisado, levando em conta que é preciso examinar os
níveis mais altos de significação, a conotação e o mito. Para formular o
relatório conotativo, recorre-se a Penn, “o processo de análise nunca se exaure
e, por conseguinte, nunca está completo” (PENN, 2002, p.331); com esta
afirmativa fica claro que a leitura da imagem não é fechada, é um processo
aberto e dinâmico, pois, há sempre uma nova forma de efetuar a leitura.
Finalmente, o quarto estágio refere-se aos níveis de significação. Aqui o
pesquisador apresenta os dados analisados, pela via da teoria da Semiótica. É
importante, neste estágio, o pesquisador fazer referências a cada nível de
significação, reconhecendo e identificando na imagem e nos textos, denotação,
conotação, bem como, o conhecimento cultural.
Penn acrescenta ainda: “algumas leituras, tanto denotativa como
conotativa, serão mais ou menos universais, enquanto, outras serão mais
idiossincráticas” (PENN, 2002, p.334). A autora continua: “o que será mais
99 importante para analisar não é o idiossincrático, mas as associações e os mitos
culturalmente partilhados que os leitores empregam” (PENN, 2002, p.334). A
leitura é subjetiva levando em conta limitação do pesquisador na interpretação
das imagens.
A fotografia é utilizada como método de pesquisa qualitativa, na visão de
Loizos (2002, p.137). É o registro de um acontecimento, sem empregar as
palavras escritas, é um precioso documento de investigação. “As imagens
fazem ressoar memórias submersas e podem ajudar entrevistas focais, libertar
suas memórias, criando um trabalho de ‘construção’ partilhada” (LOIZOS,
2002, p.143). Esta partilha é a relação sem nenhuma resistência do
pesquisador e do entrevistado.
A fotografia não comunica e não proporciona ação, para existir esse
movimento ela depende das narrativas e textos para ser contextualizada. Nem
sempre é possível interpretar o significado de uma das fotografias, se não vier
acompanhada do relato do contexto.
Esta pesquisa não se restringiu a apenas o emprego da fotografia como
método para produzir dados autobiográficos. Utilizam-se relatos para produzir a
narrativa escrita sobre a imagem fotográfica e sua relação com a experiência
formativa, pois as inferências causais são óbvias, mas as inferências
consistentes exigem uma reflexão mais apurada sobre o material disponível
para o estudo.
O conceito de investigação narrativa tem sido muito usado por
pesquisadores nas Ciências Sociais e em Educação, “tomando configuração
cada vez mais implicada em conflitos contemporâneos relacionados com teoria,
metodologia e política educativa” (HAAS et al, 2009, p. 10).
Suarez (2008) afirma que os professores envolvidos no processo, ao
narrar sua própria história, buscam dar sentidos a essas práticas, interpretando
as ações, focando as narrativas, tornando-se assim uma nova perspectiva
singular de pesquisa pretendendo, “[...] reconstruir, documentar, questionar e
tornar críticos os sentidos e compreensões pedagógicas que os docentes
constroem, reconstroem e negociam, quando escrevem, leem, refletem. E
conversam entre colegas sobre suas próprias práticas educativas” (SUAREZ,
2008, p.110).
100 A fotografia tem a finalidade de buscar transmitir e compreender
determinadas informações que estão registradas na história pessoal, ou de um
grupo, da cultura ou de um determinado período do passado e presente da
nossa vida. A fotografia tem uma linguagem própria e sendo assim, possui
também um signo, um significado. Na medida em que a fotografia que se
manifesta, se declara e possui um enunciado, uma narrativa, tornando viável
produzir conhecimento.
Conforme Boccato e Fujita (2006, p.86): “toda imagem é representativa,
tem um suporte, é referencial, estética, artística, sintética, emotiva, objetiva,
subjetiva. Além disso a fotografia é real pois, documenta”.
3.4 Imagem, Narrativa e Formação docente
A fotografia autobiográfica e os relatos como documentos a serem
investigados visam à compreensão da experiência formativa das alunas do
ensino normal modalidade ensino médio. A escola proporciona saberes,
experiências e vivências, em diferentes espaços, que pode ser a sala de aula,
o teatro, o campo, a quadra, o corredor, a cantina, o jardim. São espaços de
aprender a ser professor e fazer a prática pedagógica.
Ao produzir narrativas escritas, as professoras podem tornar públicos
seus saberes que, em primeira instância, são de jurisprudência
particular (Gauthier et al., 1998) e, ao torná-los públicos, poderão
contribuir para o debate com os pares, constituindo-se, assim, os
“saberes da ação pedagógica” (Ibidem). Saberes estes provenientes
da experiência da professora, mas validados pelas pesquisas e pelos
pares. Dessa forma, a narrativa constitui-se numa forma de validação
desses saberes, pois passam a ser (com)partilhados, refletidos,
rejeitados, apropriados pelos pares. Narrar pressupõe, assim, o outro.
O outro, leitor; o outro, ouvinte. O outro, cujas vozes constituem a
minha voz (NACARATO, 2008, p. 145).
As experiências aqui apresentadas são narrações de forma escrita e por
imagem, que trazem as experiências de um passado, que foi construído por
emoções, sentimentos, significados. O passado, o presente e o futuro estão
sempre em sintonia, por isso os autores Connelly & Clandinin (1995) nos dizem
que: “o lugar onde ocorre a ação, onde os personagens se formam, onde vivem
101 suas histórias e onde o contexto social e cultural assume o papel de construir e
permitir” (CONNELLY & CLANDININ,1995, p.36).
O aspecto principal da abordagem sociocultural através da narrativa
está na compreensão de que se está vivendo em um contínuo
contexto experiencial, social e cultural, ao mesmo tempo em que
contamos nossas histórias, refletimos sobre nossas vivências,
explicitando a todos nossos pensamentos, através de nossas vozes
(BOLZAN, 2002, p. 75).
As narrativas da própria história de experiência, que possibilitam e:
permitem adentrar num campo subjetivo das representações de
professores sobre as relações ensino-aprendizagem, sobre a
identidade profissional, os ciclos de vida, e por fim, buscam entender
os sujeitos e os sentidos das situações do/no contexto escolar.
(SOUZA, 2006, p. 136)
Soligo e Prado (2005) afirmam que a narrativa por meio da escrita tem a
função de comunicar ao leitor uma compreensão da realidade narrada. Esse
processo é complexo pelo fato de que a experiência é única, singular. Por isso
o papel da escrita é:
uma arma poderosa, senão por outra razão, porque seu destino é a
leitura. A escrita documenta. Comunica. Organiza. Eterniza. Subverte.
Faz pensar. A nós mesmos e aos leitores. Mas é um ato difícil. Muito
mais difícil que a leitura (SOLIGO & PRADO, 2005, p.35)
Suárez comentando (McEwan, 1998), “la escritura de relatos de
experiência resulta ser un proceso de formación en si mismo” (s\d, p.183). O
processo de formação de si mesmo, a partir da narrativa escrita, deve ter como
meta o pesquisar, descobrir, informar, indagar de forma reflexiva acerca de
suas próprias experiências.
[...] o estímulo à construção de narrativas autobiográficas que
favoreçam a explicação das formas pelas quais se vivencia e se
concebe a própria história de formação e suas múltiplas relações com
as pessoas e os espaços que a conformaram pode constituir um
recurso inestimável às reflexões acerca da natureza dos processos
formadores e das intervenções que neles se fazem. (CATANI,
BUENO e SOUZA, 2000, p. 169)
102 Finger acrescenta: “O método biográfico se justifica pelo fato de valorizar
uma compreensão que se desenrola no interior da pessoa, sobretudo, a
vivência e a experiência que tiveram lugar no decurso da sua história de vida”
(FINGER, 1984, p.84)
[...] por meio deste método o indivíduo é visto como uma articulação
decididamente singular e complexa da dimensão cultural; por isto, a
pesquisa utiliza e desenvolve-se pelo modo dedutivo e não pelo modo
indutivo.” (ERBEN, 1996, p. 73 apud BARRENECHE-CORRALES,
2008)
Nóvoa afirma sobre este percurso:
[...] urge (re-) encontrar espaços de interação entre as dimensões
pessoais e profissionais, permitindo aos professores apropriar-se dos
seus processos de formação e dar-lhes um sentido ao quadro das
suas histórias de vida. [...] A formação deve estimular uma
perspectiva crítico-reflexiva, que forneça aos professores os meios de
um pensamento autônomo e que facilite as dinâmicas de
autoformação participada. [...] A formação não se constrói por
acumulação, mas sim através de um trabalho de reflexividade crítica
sobre as práticas de (re-)construção de uma identidade
pessoal.(NÓVOA, 1992, p.25)
Josso (2004) afirma que as narrativas têm sentido de “pesquisa-ação”,
que ajuda a iluminar certas experiências, não importa quais são os
instrumentos para construir esse caminho: oral, escrita, poética, imagética.
Abrahão (2004, p.202) complementa: história oral, epístola, fotos, vídeo, filmes,
documentos [...], “são exercício de rememoração, por excelência. Este é um
componente
essencial
na
caracterização
do(a)
narrador(a)
na
construção\rememoração de sua subjetividade”.
As narrativas autobiográficas das alunas sobre a sua trajetória escolar
tornaram-se um exercício de investigação, construção e reconstrução de
sentidos, a partir da reflexão de suas próprias ações, permitindo-lhes que
troquem de lugar, ou seja, tornaram-se pesquisadoras de suas próprias
experiências.
Esse processo de formação vai além do que imaginamos. Conforme
Passeggi (2009), o termo formação, por meio das narrativas e das imagens,
repercute e reverbera diante de suas experiências autobiográficas.
103 Recuperar a trajetória formativa por meio da lente fotográfica, resgata o
caminho que foi, muitas vezes, esquecido. Essa formação é constituída como
um processo de identidade, que não é singular, mas plural, e se constitui
historicamente.
[...] práticas intelectuais, de valores éticos e das normas que regem o
cotidiano educativo e as relações no interior e no exterior do corpo
docente. Nesse processo, vão construindo seu “ser profissional”, na
adesão a um projeto histórico de escolarização. (FONTANA, 2003,
p.48)
A compreensão das imagens - as fotografias – e das palavras - o texto tem, como propósito, analisar, em que medida, as questões da massificação
imposta pela indústria cultural interferem na formação das alunas em questão.
e qual o referencial da trajetória que essas alunas têm.
A compreensão da imagem fotográfica e dos relatos exigiu que as
alunas fizessem escolhas para expressar e comunicar as experiências.
Segundo Josso, “a consciência nasce quando interpretamos um objeto com o
nosso sentido autobiográfico, a nossa identidade e a nossa capacidade de
anteciparmos o que há de vir. Isto é, a consciência se faz por meio do
movimento contínuo de construção e reconstrução de si.” (JOSSO, 2002, p.8).
Desvelar o significado da escolha da profissão pressupõe, sobretudo, a
importância da consciência do sentido de estar no mundo, reconhecer a
capacidade que o ser humano tem de observar, comparar, avaliar, decidir,
romper e ressignificar as escolhas. Isso implica reconhecer a História de Vida
como possibilidade de reinvenção de si mesmo.
104 3.4.1 A formação docente: uma decorrência da reflexão sobre as imagens
Fotografia 1
Neste projeto “Fotografar a escola”, busca-se perceber a micro-relaçãosocial presente na fotografia (auto) biográfica. Ao narrarem a sua experiência
significativa no cenário escolar; essas alunas estão narrando para outra pessoa
e, nesse processo de elaboração por via das narrativas, existe a possibilidade
de comunicar algo para alguém. Leva-se em conta que não se trata de um
relatório de fatos, porém de uma experiência de vida, algo significativo que
marcou a trajetória de uma pessoa, que se comunica. Essas alunas têm acima
de 35 anos e muitas vivenciaram a experiência da educação bancaria. Neste
curso do Magistério elas foram ampliando o olhar para uma mudança de visão
de educação.
105 Fotografia 2: “A mesa do professor”, por Adriana
Nesse momento, estou no término do curso e no
inicio da minha vida de magistério, vou terminá-lo
até o final do ano. E no ano que vem estarei em
uma Universidade e mesmo assim serei
inacabado, pois nós educadores nunca seremos
completos porque a educação nunca termina.
Porque a informação se esquece, mas
conhecimento, jamais. (ADRIANA)
Fotografia 3: “A Quadra”, por Leonice
Quando foi solicitado que as alunas escolhessem um local da escola
para tirar uma foto, pensei logo na quadra, porque onde estudei o
primário, uma vez na semana, todos os alunos, os
professores e diretor se reuniam na quadra para cantar o
hino nacional, para mim era um momento tão especial,
um momento de respeito. No ano passado, quando fiz o
estágio no horário da entrada, vi os alunos e professores
na quadra, cantando o hino nacional e em seguida a
oração, senti uma emoção tão grande que parecia que
tinha voltado no tempo e revivi o momento do meu
primário. Fazia anos que não entrava em um colégio, ver
a entrada dos
alunos durante o estágio me fez
muito bem, foi gratificante.(LEONICE)
Fotografia 4: “A sala de aula”, por Magna
A minha sala de aula foi o ambiente perfeito,
mas de certa forma foi em minha sala de aula
que encontrei pessoas excelentes que me
ajudaram em todos os meus momentos do
curso, foi muito importante para minha estadia e
progresso. As pessoas que ali passaram,
foram todas, de uma forma ou de outra,
contribuintes do meu sucesso, todas vão fazer
falta .Os professores que por ali passaram
foram formadores de opiniões, marcaram
nossas vidas e nos encheram de novidades, cada um foi arquiteto de
106 sua matéria, manejavam como ninguém o assunto.Vinham com suas
ferramentas bem afiadas e sem deixar de lado a perfeição (na medida
do possível). Bom, vou sentir saudades de tudo que passei nesse
local, foi muito produtivo e de muita importância em minha
vida...(MAGNA)
Fotografia 5: “Professor apaixonado”, por Sheila
Confesso que, nem sempre essa imagem foi legal.
Às vezes, me faz lembrar coisas ruins.
Uma
sensação, um tanto quanto, estranha foi o que eu
senti, quando se tornou atraente. Acredito que esse
processo se deu no momento em que eu me
apaixonei. Pois esse e o nome da sensação que eu
senti. (SHEILA)
Fotografia 6: “A carteira”, por Silmara Ao ver esta carteira, posso verificar a minha evolução desde quando adentrei esta instituição
até os dias de hoje. Sem noções da área educacional, sentei-me como uma simples aluna, e
com todo o aprendizado e dedicação que o curso de magistério me proporcionou, hoje, posso
pensar e caminhar num só passo, a grande caminhada
de ser educadora. (SILMARA)
Fotografia 7: “O palco”, por Silvia:
Quando vejo o palco, fico emocionada, pois lembro-me de quando estudava na Escola
Municipal Leonor Mendes de Barros, onde
estudei até a antiga 8ª série e me recordo
das peças teatrais que encenávamos
naquele palco. Em todas as datas
comemorativas (cívicas) eram feitas
apresentações e eu gostava demais, os
ensaios eram feitos com muita seriedade
e tudo saía perfeito. Uma das últimas
apresentações me lembro bem, foi uma
peça em inglês ( toda falada em inglês) e
todos os alunos saíram-se muito bem,
fomos aplaudidos por toda a escola,
realmente foram experiências que me
marcaram positivamente e eu tenho muita saudades desta época.(SILVIA)
107 3.4.2 A construção da própria trajetória formativa e as imagens das fotografias
Nesse eixo temático, é possível compreender o significado presente nas
narrativas das alunas do curso de Magistério. Para Freire, a reflexão é um
momento dialético, pois nele o professor, o aluno, movimentam-se entre o
pensar e o fazer: ”A prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve
o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer”.
(FREIRE, 2001 p. 42-43).
Aposta-se que o processo da escrita autobiográfica e da reconstrução da
trajetória formativa, por meio das imagens fotográficas, deflagra
lembranças
singulares, tecidas no contexto histórico, social e cultural. É possível perceber
que esse processo resulta na compreensão da singularidade e da subjetividade
de cada aluna.
Esse processo de investigação sobre a própria formação é um
compromisso ético e estético, percebendo-se sujeitos, conforme as palavras de
Freire (2000, p.42), sujeitos de História, que fazem história, ao mesmo tempo, a
sua historicidade, tornando-se autoras da própria história.
Passeggi (2008, p. 161) acrescenta que, quando se narra uma
experiência significativa, desperta-se a compreensão e o sentido da vida como
sendo um elo de construção de saberes, dando voz ao sujeito, estabelecendo
uma relação do conhecimento com o cotidiano, “para ou, como diria François
Dosse (1995), trata-se de humanizar as ciências humanas”. (PASSEGGI, 2008,
p.161)
A narrativa de si e das experiências vividas são tratadas como valores
estéticos, pois despertam a sensibilidade do saber escutar e olhar. “A escrita
da narrativa abre espaços e oportuniza o falar-ouvir e o ler-escrever sobre
experiências formadoras, descortinando, assim, para os professores em
processo de formação, novas possibilidades através do vivido” (SOUZA, 2007,
p.19)
As imagens das fotografias e a narrativa escrita remetem a uma
aprendizagem da arte de escrever o trajeto formativo, que contempla a cultura
escrita e empírica. Quando as alunas estabelecem pontes entre a sua história e
108 as suas escolhas profissionais, confirmando com Tardif, que: “os saberes
brotam da experiência, são por ela avaliados.” (TARDIF, 2002, p.39).
Passeggi (2006, p.2) afirma que “a formação através das práticas
autobiográficas rompe, portanto, com a concepção de transmissão de saberes
e se caracteriza com a busca da compreensão de si mesmo e de suas relações
com o saber.”
As alunas perceberam que existe um sentido no movimento, de reconstruir o passado do percurso de sua trajetória (auto) biográfica. Perceberam
que esse exercício proporciona e exige uma abertura para além da superfície
de escrita. Sobre o ato de percorrer esse caminho que possibilita uma
descoberta, diz Santos-Neto (2009, p.110), ao comprovar as palavras de Freire
que a História é possibilidade e não determinismo, um processo que perpassa
a narrativa da História do trajeto escolar de cada sujeito.
Esse encontro com si mesmo é um processo de pesquisa e formação,
que exige das alunas uma reflexão de si, colocando-as como protagonistas da
própria história, trata-se de um momento necessário para a passagem à cultura
científica. Nesse processo, os indivíduos se percebem capazes de recriar e
ressignificar o seu percurso formativo. Isto requer “atingir uma produção de
conhecimento que tenham sentido para eles próprios se inscrevam num trajeto
de conhecimento que os institua como sujeito” (JOSSO, 2004, p.25).
As imagens fotográficas das alunas, como resgate da própria
experiência formadora, são um processo de reflexão da ação. As alunas
inserem-se no que diz o artigo 67- parágrafo único que diz: “a experiência
docente é um pré-requisito para o exercício profissional de quaisquer outras
funções de magistério, nos termos das normas de cada sistema educativo”.
Retomar a trajetória feita pelas alunas é uma maneira de perceber, por
elas mesmas, a importância do caminho percorrido na escola, especialmente, é
possível, nesse processo de conscientização, a percepção de que se é sujeito
da História. Com isso, é possível romper com uma concepção que está
impregnada na visão de que o ensino e a aprendizagem ocorrem por um único
caminho que é o conteúdo dado e transmitido em sala de aula.
Fica evidente aqui, nas imagens fotográficas, que o ensino e o
aprendizado acontecem em diferentes espaços dentro da escola, sobretudo,
esses lugares são fundamentais para as escolhas pessoais e profissionais. Por
109 isso, remetem-nas a uma construção de suas trajetórias formativas; focando e
elaborando a reflexão sobre uma prática educativa.
A fotografia “A quadra”, de autoria de Leonice, ilustra os significados dos
rituais escolares na formação:
pensei logo na quadra, porque onde estudei o primário, uma vez na
semana, todos os alunos, os professores e diretores se reuniam na
quadra para cantar o Hino Nacional, para mim era um momento
especial, um momento de respeito. (LEONICE)
O relato expressa o princípio do respeito, como beleza na relação entre
os sujeitos que convivem no espaço escolar. Aprende-se a atitude de respeito
neste ritual escolar, que se expressa em dever, cidadania, democracia valores
constituintes da autonomia e da emancipação do sujeito.
É pelo ritual escolar que ocorre o processo de aprendizagem de
cidadania, conforme mencionado no Título V, Capítulo II, Seção I da LDB
9394/96. Por meio desse relato podemos depreender que esse aprendizado
ocorre no cotidiano, na relação entre professores e alunos. Na escolha desse
espaço, é possível perceber que os sujeitos rompem com a massificação,
alienação, em vista, de uma educação voltada para a cidadania.
O relato de aluna, Silvia, vinculado à fotografia intitulada “o palco”.
Quando vejo o palco, fico emocionada, pois, lembro-me de quando
estudava na Escola municipal Leonor Mendes de Barros, [...] me
recordo das peças teatrais que encenávamos naquele palco. (SILVIA)
Nesse relato, a experiência significativa focaliza o palco, como a
valorização e o reconhecimento do papel da escola no ensino da arte, a
presença das emoções, o ressignificar o olhar diante da realidade. No palco,
espaço onde o sujeito interpreta, conforme Boal, o personagem é sujeito e ator
ao mesmo tempo, levando-o a romper com a massificação, com a banalização
e com o fetiche ao qual a sociedade administrativa direciona a realidade.
Para tanto, fazer o caminho, a partir do contexto escolar, e abstrair
elementos importantes que remetem ao processo de formação das alunas do
Curso de Magistério, implica que: “A formação terá como base uma reflexão
dos sujeitos sobre sua prática docente, de modo a permitir que examinem suas
110 teorias implícitas, [...] realizando um processo constante de auto-avaliação que
oriente seu trabalho”. (IMBERNÓN, 2001, p.48-49).
Schön (1998, 200) e Alarcão (2008) estabelecem, para a reflexão da
prática do professor e dos saberes docentes, quatro conceitos importantes, são
eles: o conhecimento na ação; a reflexão na ação; a reflexão sobre a ação; e a
reflexão para a ação.
Alarcão (2008) comenta sobre “a pesquisa-ação, aprendizagem
experiencial e abordagem reflexiva” (ALARCÃO, 2008, p.48). Pela via dessa
reflexão sobre a ação, essas alunas visavam às suas experiências formativas.
Ou seja, “a reflexão sobre a ação pressupõe um distanciamento da ação” (p.
50). No caso da experiência com os relatos e as autobiografias, houve uma
reconstrução mental das ações, para poder analisá-las, chegando-se a um
valor epistemológico.
Considerando a reflexão da aluna Adriana, percebe-se que a fotografia
“Mesa do professor”, comunica um significado que retrata um lócus, no qual se
dirige um status. A aluna percebeu que o professor tem uma função “dialógica”.
Isto está em consonância com Freire, que considerou que o diálogo é um modo
de ser, que rompe com o mecanismo autoritário, totalitário, bancário do modo
de ser do professor, e que deve ser aprendido no espaço escolar durante a
trajetória escolar.
A mudança de olhar a realidade escolar é outra. Para Adriana é o ser
humano “inacabado”, o saber é o elemento com o qual o professor busca
entrelaçar com a sua experiência. Tardif (2002) apresenta-nos sua visão sobre
o saber docente: há alguns saberes docentes nos quais a práxis docente se
realiza.
Alarcão afirma sobre a aptidão de o professor ser reflexivo, como
capacidade de pensamento e reflexão, que caracteriza o ser humano como
“criativo e não como mero reprodutor de idéias e práticas que lhe são
exteriores”. (ALARCÃO, 2003, p. 41).
O olhar do professor para a sua práxis deve ser estimulado. Nesse caso,
ele pode não somente enxergar a técnica que é usada, mas também a práxis,
por meio da qual ele deve perceber e tomar consciência de novos saberes.
Essas narrativas conduziram as alunas a um processo de auto-escuta,
possibilitando assim, um conhecimento de si, focando um movimento de
111 investigação e formação, por via da tomada de consciência. No exercício deste
percurso se rompem as dimensões técnicas e instrumentais da educação
A significação desses eventos é a abertura para compreender o
processo de formação, que rompe com algo mecânico, pragmático, como nos
afirma Ferry, em seu livro, Pedagogía de la formación: não são somente os
cursos realizados na licenciatura, no mestrado, na pós-graduação, não são os
currículos, “forma parte de los soportes y condiciones de la formación, pero no
es la formación”. (s\a p.53) e acrescenta ainda o autor: “la formación es
entonces completamente diferente de la enseñaza y del aprendizaje” (p.54).
Segundo esse autor o ensinamento e a aprendizagem fazem parte do suporte
da formação, no entanto, não é formação. Por isso, essas alunas, ao narrarem
as suas experiências formativas, tomam consciência de que há ambientes
formativos e significativos que rompem com os processos conteudistas.
As fotografias autobiográficas e os relatos como “necessidade de
revelar, nos bastidores de leituras, cenas cotidianas e experienciais do
cotidiano escolar” (Souza, 2007, p.4), tornaram possível a narrativa da
experiência formativa constituinte de seu percurso formativo. Sendo assim:
“Capaz de capturar o acaso, eternizar determinado instante, a fotografia
representa uma visão simbólica da imagem original, a partir do olhar de quem
produziu aquela imagem”. (COUTINHO, I. 2006, p. 339).
Esse processo de investigação sobre a própria formação é um
compromisso ético e estético percebendo-se, nas palavras de Freire (2000,
p.42), sujeitos da história, que fazem a própria história e, ao mesmo tempo, a
sua historicidade, tornando-se autoras da própria história. Como Boal, no
Teatro do oprimido, destaca a importância e necessidade de cada sujeito
interpretar a sua história.
A narrativa de si e as experiências vividas são consideradas um valor
estético. “A escrita da narrativa abre espaços e oportuniza o falar-ouvir e o lerescrever sobre experiências formadoras, descortinando, assim, para os
professores em processo de formação, novas possibilidades através do vivido”
(SOUZA, 2007, p.19)
As imagens das fotografias remetem a uma aprendizagem em seu
trajeto formativo. As alunas estabelecem pontes entre a sua história e as suas
112 escolhas profissionais, confirmando com Tardif, que: “os saberes brotam da
experiência, são por ela avaliados” (TARDIF, 2002, p.39).
Passeggi afirma que “a formação através das práticas autobiográficas
rompe, portanto, com a concepção de transmissão de saberes e se caracteriza
com a busca da compreensão de si mesmo e de suas relações com o saber”
(PASSEGGI, 2006, p.2)
As alunas perceberam que existe um sentido no movimento, de reconstruir o passado do percurso de sua trajetória (auto) biográfica. Perceberam
que esse exercício proporciona e exige uma abertura para além da superfície
de escrita.
3.4.3 A fotografia: um elemento transformador do olhar do professor
Os relatos escritos e as imagens fotográficas tecem experiências que se
constituem em olhares subjetivos. Essas experiências exigem do professor
romper com a sua limitação de perceber o mundo de forma restrita, levando-o a
valorizar essas fotografias como instrumentos de sumo valor, porque nelas se
encontram momentos marcantes e valorativos, que permitem uma reflexão e
uma tomada de consciência da trajetória de formação dessas alunas.
O olhar dos professores, diante dessas imagens, requer que eles
consigam privilegiar a caminhada das alunas e de sua formação e de
reconstrução dos seus saberes, através da compreensão da sua história de
vida. Dominicé afirma que “a vida é o lugar da educação e a história de vida, o
terreno no qual se constrói a formação.” (DOMINICÉ, 1990, p.167 aput
NASCIMENTO p. 7) Por isso, a própria experiência possibilita abrir janelas de
formação, sendo “momentos de charneiras”: “Nesse momento de charneiras, o
sujeito confronta-se consigo mesmo. A descontinuidade que vive impõe-lhe
transformações mais ou menos profundas e amplas”. (JOSSO, 1988, p.44)
O professor só faz essa caminhada de formação e “só se torna sujeito
dessa formação, no momento em que a sua intencionalidade é explicitada no
ato de aprender e que é capaz de intervir no seu processo de aprendizagem e
de formação (JOSSO, 1988, p. 50).
113 A fotografia da aluna Magna destaca essa mudança do olhar: os
professores que por ali passaram foram formadores de opinião, marcaram as
vidas dos alunos, propuseram inovações.
Suárez afirma que o método autobiográfico tem consistência, por ser
uma “documentacíon narrativa de experiencias pedagógicas”(s\d, p.181),
levando as alunas a trabalharem no coletivo e individual, por meio de
investigação das próprias experiências, levando-as a uma formação de si. “As
imagens mentais que obtemos de nossa relação com o mundo podem ser
armazenadas, constituindo nossa memória, podem ser analisadas por nossa
reflexão e podem se transformar numa bagagem de conhecimento, experiência
e afetividade” (COSTA, 2005, p. 27).
Para o autor Suárez, “a narrativa está centrada en la elaboración de
relatos de experiência por parte de docentes que co-indagan sus prácticas e
interpretaciones pedagógicas”(181). Isto é, essas alunas, ao mesmo tempo, em
que são pesquisadoras desse processo narrativo de história de vida, elas
mesmas analisam esses trabalhos. Essas investigação e narração dos fatos
acontecem de forma horizontal. Está é uma estratégia de “formacióninvestigación” (SUÁREZ, s\d.,p.181).
Na fotografia nº 1, a aluna Adriana, relata-nos: “mesmo assim serei
inacabada, pois nós educadores nunca seremos completos porque a educação
nunca termina”. Nesta frase, fica o sentido de inacabado, vem de encontro com
o que Freire (2009, p.17) critica da educação bancaria, totalitária, pragmática,
que enxerga o ser humano como um recipiente onde se colocam conteúdos,
sem um olhar reflexivo da realidade e da história. Contudo, Adriana, assume
uma postura de uma aluna em vista do regresso profissional, agindo de forma
diferente.
Para Freire (2008a, p. 50), “onde há vida, há inacabamento. Na verdade,
o inacabamento do ser ou inconclusão é próprio da experiência vital”.
A “revisitação dos elos que nos habitam são capazes de desatar nosso
passado para nos atarmos com ele abrindo possibilidades” (JOSSO, 2006, p.
376). Por isso, o olhar fotográfico proporciona essa teia, na qual é tecida como
uma
Colcha
de
Retalhos,
proposta
por
Berkenbrock-Rosito
(2010),
possibilitando que, neste olhar, se recrie, e ressignifique a visão que essas
alunas têm do magistério. Por isso, ao tecer as imagens, conforme elas estão
114 sendo analisadas, é importante levar em conta o que afirma Costa: ”Utilizamos
nesse processo não só nosso olhar, mas nossa capacidade de comparação, de
fazer analogias e de desenvolver memória visual”. (COSTA, 2005, p. 85)
A possibilidade de contar essas experiências propiciam, aos sujeitos, a
possibilidade de criar formas para comunicá-las, por isso nas palavras de
Costa: ”desenvolvemos técnicas que nos permitem expressar todo esse
movimento interno, mental e subjetivo através de outras imagens, estas criadas
por nós”. (COSTA, 2005, p. 27)
Ao recuperar as lembranças singulares tecidas no coletivo, as alunas
rompem e transformam o seu olhar, diante da beleza das experiências
significativas e formativas.
Uma dessas imagens é citada por Leonice, na fotografia nº 2, “ver a
entrada dos alunos durante o estágio me fez muito bem, foi gratificante”; Sheila
relata na fotografia nº4 “Ao ver esta carteira posso verificar a minha evolução
desde quando adentrei esta instituição até os dias de hoje.”; a Sílvia na
fotografia nº6 diz: “realmente foram experiências que me marcaram
positivamente e eu tenho muitas saudades desta época.”
3.4.4 A fotografia como reconhecimento da própria identidade
A consciência de si, provocada pelo trabalho com a (auto)biografia,
permitirá uma atenção cuidadosa e sensível na relação pedagógica,
pois nela, educador e educando sabem-se em permanente processo
de constituição (reivenção) de si mesmo, onde racionalidade,
corporeidade, emocionalidade, espiritualidade e desejos são aspectos
importantes a serem considerados na construção da complexa
condição humana. (SANTOS NETO, 2009, p.14).
É por meio da fotografia que a estética resgata e transmite o
reconhecimento deste ato, da ação, que é transmitida pela fotografia e pelos
relatos.
Essa tomada de consciência e o reconhecimento de si como
protagonista do próprio saber, está no olhar de si para com o mundo. Pois,
formar-se é reconhecer que a sua experiência formativa e significativa é um ato
115 de formação, pelo motivo de que esta formação é inserida na vida da cada
uma.
Sabe-se que a formação vem antes mesmo das escolhas profissionais.
Essas alunas já estão sendo moldadas nessas experiências, pois, essas
experiências estão sendo refletidas através dessas imagens e relatos. Ficam
evidentes os valores, a estética, os comportamentos posturais, pessoais e
profissionais. E esse conhecimento da identidade, por via das fotografias, se
transmite nos percursos, nas trajetórias, nos caminhos feitos por essas alunas.
A identidade que essas alunas vão construindo se faz no despertar da
curiosidade, no olhar a realidade percorrida e a realidade concreta, para poder
analisar criticamente e promover a autocrítica, relacionando a história de vida e
do profissional.
Ao olhar essas fotografias, percebe-se que a trajetória é feita de forma
individual, “compreender como cada pessoa se formou é encontrar as relações
entre as pluralidades que atravessam a vida” (MOITA, 1995, p.114).
O caminho realizado por essas alunas, por via de uma identificação
significativa, na qual as imagens apresentadas e narradas por elas transmitem
essas experiências formativas.
Ao narrar o fato significativo, essas alunas transformaram o cenário que
estava esquecido para um encontro com a concretitude, transformando-o em
um movimento de interpretação e reinterpretação.
No entanto, esse percurso não é algo isolado e nem singular, deve ser
compreendido como algo universal, ou seja, no coletivo, pois ocorre em um
cenário comunitário. “A pessoa docente se conhece melhor quando olha a si
mesma diante do outro e quando tem consciência da sua trajetória de formação
profissional na relação direta com a formação de outros docentes”. (WACHS,
2010, p. 194). Esse mesmo autor acrescenta ainda, “O processo narrativo tem
a intenção de ajudar a pessoa do docente a conhecer-se melhor para
“prescrever” a dimensão de identidade pessoal e profissional mais consciente e
autônoma”. (p.194).
As imagens fotográficas e os relatos são ricos em experiências, pois
trazem sempre um rico depoimento, uma reflexão sobre as vivências
significativas, levando-as a olhar a sua realidade atual e a perceber o quanto foi
significativa essa experiência.
“As experiências escolares anteriores e as
116 relações determinantes com professores contribuem também para modelar a
identidade pessoal dos professores e seu conhecimento prático”. (TARDIF e
RAYMOND, 2000, p. 219)
Essa escolha profissional foi sendo tecida no decorrer da vida de cada
uma dessas alunas, pois cada uma delas atribui sentidos a essas experiências
narradas e fotografadas. E é nesse caminhar que vai sendo construída a
identidade. Cada uma delas usa instrumentos que possam ajudá-las a refletir
sobre esses aspectos significativos e olhá-los não de forma linear, mas
transversal. Souza (2006, p. 42), afirma que “[...] as histórias de vida, as
representações e as narrativas de formação marcam aprendizagens tanto da
dimensão
pessoal,
quanto
a
profissional
e
entrecruzam
movimentos
potencializadores da profissionalização docente”.
A formação da identidade é um processo que vai se desenvolvendo a
partir de um ato social. A identidade também é vista de forma ampla na
formação do sujeito, pois, ela abrange elementos biológicos, psicológicos,
sociais, afetivos e espirituais.
É possível depreender, dada a condição do inacabamento do humano, o
processo de identidade do profissional, por meio do qual o sujeito constrói e
reconstrói. Neste processo dinâmico, inacabado, é que essas alunas vão se
construindo e reconstruindo, ressignificando a sua identidade docente. Nóvoa
(1992, p.16) afirma que “[...] a identidade é um espaço de construção de
maneiras de ser e de estar na profissão [...]”.
A identidade profissional está ligada com os saberes e com as suas
escolhas. Ela vai se desvelando como uma construção individual e coletiva. O
percurso se faz, implicando entender como essas alunas estabeleceram a
ligação da sua escolha profissional e as didáticas que elas usaram, para
decidirem as suas escolhas. Conforme Pimenta (1997) “[...] Ainda que um
curso de Didática consiga colaborar com o processo identitário do professor, fálo-á sempre como possibilidade, uma vez que a identidade se constrói na
dinâmica pessoal e social, na sua prática, portanto não se conclui [...]”
(PIMENTA, 1997, p. 55)
Acrescenta Bolívar (2001), “[...] narrar a história de nossa vida é uma
auto-interpretação do que somos, uma encenação através da narração [...].
(BOLIVAR, 2002, p. 111).
117 Nesta linha Suárez interpretando Bolívar (2002), “a escrita narrativa tem
efeito formador por si próprio, porque coloca o ator num campo reflexivo de
tomada de consciência sobre sua existência”, como possibilidade de “[...]
vislumbrar possibilidades formativas construídas a partir das experiências de
vida.”,(2002 p. 9)
3.4.5 Valorização das próprias escolhas
As imagens fotográficas focalizadas pelas alunas são frutos de situações
e lembranças significativas. Elas denotam que ser capaz de se reconhecer
como ser de escolhas, implica reconhecer sua capacidade de intervenção. “A
consciência do mundo engendra a consciência de mim e dos outros no mundo
e não na adaptação a que ele nos tornamos históricos e éticos, capazes de
optar, de decidir, de romper.” (FREIRE, 2000, p.41)
As autoras Lima e Sílvia descrevem o processo pelo qual o olhar do
fotografo, aqui das alunas, captaram o cenário. Um processo que visa a
captação de “uma combinação de luzes, penumbras e sombras que, em
frações de segundos, se transforma num elemento visível e interpretável”.
(LIMA e SÍLVIA, 2007, p. 8). Uma vez que não foi solicitado o espaço que cada
uma deveria fotografar foi um exercício de fazer escolha, tomar decisões, um
processo que possibilitou lançar as alunas como: “[...] Protagonista de
incontáveis feitos científicos, artísticos, religiosos, psicológicos e afetivos do
homem, é utilizada para captar, emocional, documental e plasticamente, na
rotina de sociedades de origens e histórias diversas. (LIMA e SÍLVIA, 2007, p.
8),
Ao registrar esse momento da vida, essas alunas destacam as escolhas,
os locais, objetos, cores, luzes, focos, cenários marcantes. Tanto essas
escolhas comunicam um caráter singular, comunitário, profissional, cultural,
artístico, esportivo, que fazem parte do cotidiano da prática escolar e da
história da humanidade.
As imagens escolares materializam a cultura escolar no mobiliário,
presente na Fotografia nº 1: mesa do professor, tem como significado o
“conhecimento”. A fotografia nº 5: “A carteira” tem como significado a evolução,
118 o crescimento da aluna. O espaço escolar, Fotografia nº 2, “A quadra”, como
espaço coletivo. A Fotografia nº 3: “A sala de aula”, como espaço de sentir um
bem-estar. A Fotografia nº 4, também a sala de aula, com uma outra
perspectiva do significado “nem sempre essa imagem foi legal.” A Fotografia
nº 6: “O palco”, aprendizado das emoções.
Os espaços e mobiliários escolares concretizam a cultura escolar como
espaços pedagógicos que habitam a memória dessas alunas. A escolha tem
um significado de emoções, sentimentos, bons e ruins, que se expressam em
admiração.
Admiração para Aristóteles e Platão tem significado como:
Em Aristóteles thaumazein é o verbo grego que se aproxima como de
admiração. Já em Platão a admiração é como um pathos que é um
estado de arrebatamento, sendo que esse arrebatar tem um sentido
muito maior e profundo que é uma paixão que afeta. “0 ser-possuído
pelo olhar, o dever-ser-inteiramente-olhar para o que se apresenta,
define a essência da admiração". (Stein, 1975, p. 99).
A memoria afetiva de cada aluna é um resíduo que comunica signos e
símbolos. Na percepção daquilo que significa, para cada uma, a imagem
escolar vislumbra-se o rompimento com a profusão de imagens trazidas pela
industria cultural, que vem comunicar com novos signos, símbolos, alheias aos
desejos dos sujeitos, seduz o olhar-ver sem a reflexão do sentido para o
projeto de vida dos sujeitos.
Cardoso (1988), afirma que a ação de “ver” é uma ação ingênua, é
considerada uma ação rasa, superficial, sem profundidade da realidade.
O ver, em geral, conota no vidente uma certa discrição e passividade
ou, ao menos, alguma reserva. Nele um olho dócil, quase desatento,
parece deslizar sobre as coisas; e as espelha e registra, reflete e
grava. Diríamos mesmo que aí o olho se turva e se embaça,
concentrando sua vida na película lustrosa da superfície, para fazerse espelho... Como se renunciasse a sua própria espessura e
profundidade para reduzir-se a esta membrana sensível em que o
mundo imprime seus relevos. Com o olhar é diferente. Ele remete, de
imediato, à atividade e às virtudes do sujeito, e atesta a cada passo
nesta ação a espessura da sua interioridade. Ele perscruta e
investiga, indaga a partir e para além do visto, e parece originar-se
sempre da necessidade de “ver de novo” (ou ver o novo), como
intento de “olhar bem”. Por isso é sempre direcionado e atento, tenso
e alerta no seu impulso inquiridor [...]. (CARDOSO, 1988, p. 348)
119 À medida que essas alunas fotografaram e narraram as suas
experiências significativas, elas perceberam o ambiente escolar, envolvendo
corpo, alma e sentidos.
a visão é espelho ou concentração do universo [...]. A mesma coisa
está lá no coração do mundo e cá no coração da visão. [...] As coisas
e o meu corpo são feitos do mesmo estofo. A sua visão se faz de
alguma maneira nelas, ou ainda, que a manifesta visibilidade delas se
reforce nele por meio de uma visibilidade secreta. (MERLEAUPONTY, 2002, p: 75)
Pode-se afirmar que as alunas, ao olhar a sua realidade formativa, por
meio do sensível, vivenciaram uma experiência estética. A experiência é
intersensorial, uma experiência do mundo vivido, do mundo indeterminado, do
mundo fenomenal.
As alunas, ao relatarem, por via das imagens fotográficas e das
narrativas escritas, demonstram a intencionalidade dessas experiências
estéticas. Toda experiência estética ocorre quando há o encontro do sujeito e
do objeto: os fatos não existem isoladamente; é necessário que haja uma
comunicação afetiva, um olhar aberto, ou seja, aestesia.
Por via dessas imagens podemos também abstrair que não há um lugar
único, acabado no qual se possa experimentar a estética, esse sentimento
estético, pode ser vivenciado em qualquer lugar, com qualquer objeto. Por isso,
Langer afirma que:
A alegria de uma experiência estética indica a que profundidade da
mentalidade humana essa experiência chega. Pode-se dizer
verdadeiramente que uma obra de arte, ou qualquer coisa que nos
afeta como faz a arte, ‘provoca algo em nós’, porém não no sentido
usual. O que ela provoca em nós é uma formulação de nossas
concepções de sentimento e nossas concepções da realidade visual,
factual e audível, em conjunto. Ela nos dá formas de imaginação e
formas de sentimento, inseparavelmente; quer dizer, clarifica e
organiza a própria intuição. É por isso que ela tem a força de uma
revelação e inspira um sentimento de profunda satisfação intelectual,
embora não suscite qualquer trabalho intelectual consciente.
(LANGER, 1980, p: 154)
120 A experiência estética pôde se percebida na sala de aula, quando cada
aluna comunicava sua experiência formativa, gerando uma ligação profunda de
comunhão, na qual todas ficaram envolvidas por este sentimento estético.
Ao focar o lócus com a câmera fotográfica, essas alunas olharam de
forma fenomenológica, pelo fato de que elas apreenderam, de forma singular e
plural, este cenário. A harmonia que se encontra neste lócus possibilita o
encontro consigo mesma, juntamente com o objeto focado. Esse olhar
fotográfico leva as alunas à especulação e à reflexão.
Essas imagens fotográficas não podem ser consideradas como uma
imagem puramente técnica, o olhar dessas alunas não é passivo. As imagens
são imperativas e são carregadas de humanização, diferentemente de quando
o mesmo fenômeno ocorre sob a influência da indústria cultural. Há um
conhecimento adquirido, que fará com que a nostalgia desperte no sujeito uma
emoção estética.
O caminho que essas alunas percorreram levou a uma aprendizagem,
uma nova descoberta de significados. Remeteram-nas a um olhar mais
profundo da suas escolhas. Sendo uma estética fundamentada em: “Sua visão
de mundo, resultante dessa realidade, se polariza significativamente e, com
frequência, leva-os a classificar as coisas de forma dicotômica, entre o bem e o
mal, o certo e o errado, o bonito e o feio”. (ALVARES, 2002, p: 46)
Por isso, “a autobiografia, que se centra no passado profissional do
professor e no seu mundo pessoal, é fonte de compreensão das respostas e
ações no contexto presente.” (BOLÍVAR, 2002, p. 175-176).
Assim, as alunas focaram o olhar por meio da lente. Ao ativar a
memória, as lembranças vêm à tona. Elas se entrelaçam como uma Colcha de
Retalhos, costurada pela imagem da fotografia autobiográfica.
3.4.6 A indústria cultural e a resistência à estética
A imagem da fotografia (auto)biográfica busca, em sua essência, romper
com o mecanismo da técnica instrumental, pois a indústria cultural, em seu
núcleo, impõe o seu interesse manipulativo da realidade. Como a fotografia é
121 algo manipulável, necessita-se torná-la aberta a um olhar reflexivo, que abra
possibilidades de lutar contra a massificação e contra a barbárie.
A importância do uso das fotografias autobiográficas e dos relatos
escritos possibilita uma releitura das experiências formativas, promovendo uma
passagem da consciência ingênua para a consciência crítica. A superação da
visão ingênua provoca a possibilidade de se perceber como sujeito, capaz de
fazer escolhas como uma abertura para a superação da visão fatalista da
história de que nada há a fazer para melhorar uma situação.
É possível perceber que o rompimento com uma estética fabricada pela
indústria cultural requer uma prática educativa que esteja fundamentada no
processo de conscientização, como forma de se apropriar do conhecimento.
Nesse caso, há a possibilidade de uma leitura crítica diante dos valores
veiculados em vários espaços de comunicação.
As alunas do magistério tiveram a oportunidade de recuperar o sentido
da sua experiência e vivência formativa, que é, por natureza, uma dimensão
estética
e
dinâmica.
Nesse
sentido,
o
trabalho
com
as
fotografias
autobiográficas é uma esperança de mudança diante do estrago que Adorno
(2000) afirma ter sido realizado pela indústria cultural, especialmente, no que
se refere à manipulação da arte.
As
narrativas
das
alunas
constituem-se
em
um
episódio
concreto/existencial. Assim, por meio da hermenêutica, estabelece-se um
método de interpretação da realidade social, cujo objetivo é o rompimento com
a dominação do capitalismo, que tem em vista anular a consciência histórica e
as experiências formativas, substituindo-as por algo imediato e instantâneo.
Na fotografia nº 3, Magna expressa muito bem a relação da arte com a vida,
quando afirma: “vou sentir saudades de tudo que passei nesse local, foi muito
produtivo e de muita importância em minha vida”. Já, na fotografia nº 4, Sheila,
relata que “acredito que esse processo se deu no momento em que eu me
apaixonei”. Esse apaixonar aqui se refere à sala de aula.
A arte é relacional, é dialógica, nela não pode haver existência de
influências de mecanismos que impeçam que essas alunas possam focar a sua
realidade existencial como uma arte, livre da indústria cultural.
Essa força dominante que é a indústria cultural nega a possibilidade de
olhar a realidade e de tirar dessa realidade elementos importantes para a
122 transformação social, cultural, política. Estabelece-se a impossibilidade de
percepção do sentido concreto da experiência formativa. “A Indústria Cultural
impede a formação de indivíduos autônomos, independentes capazes de julgar
e de decidir conscientemente” (ADORNO, 2000,p. 36)
Conforme Boal: “Somos todos artistas: fazendo teatro, aprendemos a ver
aquilo que nos salta aos olhos, mas que somos incapazes de ver tão
habituados estamos apenas a olhar”. (BOAL, 2010, p. 33).
De acordo com Costa, fica evidente que a: “Arte está relacionada à
história e as suas conquistas, à natureza humana e seu símbolo, à herança
cultural dos grupos e ao desenvolvimento individual das pessoas [...]
relacionado intimamente com o nosso despertar de nossa humanidade”.
(COSTA, 2004, p.11).
Com essa afirmativa, completa-se a percepção da conveniência da
formação por via da humanização que a estética proporciona. Esse
crescimento humano contribui para que se rompa o mecanismo da
semiformação imposta pela indústria cultural. Sílvia relata na fotografia nº 6 que
“todos os alunos saíram muito bem fomos aplaudidos por toda a escola”, após
uma apresentação no palco da escola. Neste caminhar, o sentido valorativo
representa algo que vai além de uma mera reprodução, mas de retratar uma
construção de saberes.
O percurso realizado por essas alunas é perceber que as experiências
vividas por elas contribuem para um crescimento humano, capaz de olhar e
analisar de forma mais aberta, sem resistência, essas experiências formadoras.
A experiência formativa, conforme Adorno, deve levar a uma compreensão da
realidade real como um processo histórico e dialético.
Ao tirar a fotografia, essas alunas captam uma realidade histórica, vivida
por elas e é nesse distanciamento que elas resgatam pontos importantes para
uma auto-avaliação da sua história, revelando um novo olhar, compreensão,
proporcionando uma reflexão dando uma autonomia crítica na narrativa de sua
própria trajetória.
A Fenomenologia vem nos ajudar a descobrir o sentido dessas
experiências por meio desse olhar fotográfico. Meira contribui para a
compreensão dessa relação da fenomenologia com o resgate dessas alunas,
por via do olhar delas para comunicar as suas experiências estéticas
123 No retorno às coisas realizado pela estética fenomenológica,
descobriu-se um novo mundo no cotidiano, percebeu-se que viver é
distinguir, escolher, criar, intervir com base numa estética que revela
como os indivíduos corporificam seus sentimentos, seus saberes, o
sentido ético e a consciência política que orienta sua vida. Através
desta estética, há uma educação subjacente entre o viver e o
conviver. (MEIRA, 2001, p: 130).
A dimensão estética da formação de si se dá no olhar, porque o olhar se
encontra no território do sensível onde o sujeito e o objeto se entrelaçam, se
comunicam. “Olhar é, ao mesmo tempo, sair de si e trazer o mundo para dentro
de si”. (CHAUÍ, 1988, p. 17)
A partir do momento em que as mercadorias, com o fim do livres
intercâmbios, perderam todas as qualidades econômicas salvo seu
caráter de fetiche, este se espalhou como uma paralisia sobre a vida
da sociedade em todos os aspectos. As inúmeras agencias de
produção em massa e da cultura por ela criada servem para inculcar
no indivíduo os comportamentos normalizados como os únicos
naturais, decentes, racionais. (ADORNO, 1985, p.40)
A compreensão de formação “Bildung” (formação) (bild – imagem) para
Adorno (2000), possui um sentido educacional e pedagógico. Então, no
caminho da aprendizagem e da formação, utilizam-se meios pedagógicos que
propiciem essa interligação entre a arte e a estética como meio educacional.
Isso conduz a uma experiência formativa, que é construída por um caminho da
aprendizagem
desenvolvimento
e
da
formação,
intelectual
e
proporcionando
abrangendo
outras
um
processo
sensibilidades.
de
Esta
experiência formativa é significativa para o aluno. As questões essenciais
devem estar contidas nesta formação, incluindo a ética (valores morais), a
inteligência (percepção de conceitos), a consciência social (valores políticos e
convivência social).
3.4.7 A fotografia autobiográfica: a experiência formativa e a recriação da
autonomia e da emancipação
124 Adorno e Freire referem-se a uma educação que proporciona um
percurso para a emancipação e a autonomia do sujeito. A história de vida
deflagra a compreensão do desenvolvimento singular tecido no percurso
pessoal, acadêmico, profissional, que pode levá-lo a romper com a estrutura de
dominação denunciada por Adorno e que aliena o ser humano da sua própria
história.
A construção da consciência política e da vontade de emancipação e
autonomia não se faz apenas a partir da exterioridade cultural e
histórica. Ela se faz também a partir da consciência de si mesmo e de
relação com a natureza e com a realidade cósmica. O mergulho em
direção de si mesmo é também um trabalho político. O processo de
integração dos diferentes aspectos do complexo humano, começando
pela realidade biográfico-rememorativa na construção das
(auto)biografias, é também uma forma política de lutar pela
manifestação de uma cultura com capacidade de justiça e
solidariedade. (SANTOS NETO, 2009, p.110)
As alunas do curso normal do nível médio percorrem um caminho
fazendo e construindo a sua carreira profissional. Tardif e Raymond afirmam
que “saber como viver numa escola é tão importante quanto saber ensinar na
sala de aula” (2000, p. 218). Sendo assim, tomar consciência de si é de uma
importância para poder formar-se e constituir-se como agente da própria
formação.
As fotografias autobiográficas também “nos mostram os momentos em
que, conscientes de si, as pessoas constroem, orientam e reorientam as suas
trajetórias” (Menezes, 2007 p.36). Essas narrativas possibilitam colocar essas
alunas num nível mais alto de reflexão, ao aproximarem das suas experiências
significativas e formadoras: “[...] para que uma experiência seja considerada
formadora, é necessário falarmos sob o ângulo da aprendizagem [...]” (JOSSO,
2002, p. 34).
As fotografias autobiográficas rememoram um significado na trajetória
dessas alunas, remetendo o olhar para a formação de si, como um despertar
para si. É por meio desse processo que podemos afirmar que os saberes
podem se tornar mais significativos. A leitura da trajetória, da experiência
significativa, no cenário escolar, abre uma janela como possibilidade de refletir
a caminhada, compreender o sentido da escolha profissional.
125 Durante o desenvolvimento da reflexão sobre as fotografias e sobre as
narrativas, as alunas se conscientizaram de sua própria caminhada. Rompeuse com o modelo tradicional de ensinar, por isso, elas foram levadas ao
amadurecimento e ao crescimento pessoal, fazendo uma ligação do ensino e
aprendizagem com a vida.
Freire se posiciona contra a educação fragmentada e desvinculada da
realidade do indivíduo, chamada por ele de educação bancária.
A narração, de que o educador é o sujeito, conduz os educandos à
memorização mecânica do conteúdo narrado. Mais ainda, a narração
os transforma em ‘vasilhas’, em recipientes a serem ‘enchidos‘ pelo
educador. Quanto mais vá ‘enchendo’ os recipientes com os seus
‘depósitos’, tanto melhor educador será. Quanto mais se deixem
docilmente ’encher’, tanto melhores educandos serão. [...] Eis aí a
concepção ‘bancária’ da educação em que a única margem de ação
que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos,
guardá-los e arquivá–los (FREIRE, 1994, p. 58).
Conforme Dayrell a educação não deve ser padronizada, mecânica ou
pragmática, porque:
[...] os alunos já chegam à escola com um acúmulo de experiências
vivenciadas em múltiplos espaços, através dos quais podem elaborar
uma cultura própria, uns ‘óculos’, pelo qual vêem, sentem e atribuem
sentido e significado ao mundo, à realidade onde se inserem. Não há,
portanto, um mundo real, uma realidade única preexistente à
atividade mental humana (DAYREL, 2001, p.6).
Neste olhar, as alunas se lançam para uma nova postura diante da
sociedade, elas se percebem como sujeito histórico e integral, por se
perceberem dentro desse processo formativo, e valorizando a sua história de
vida, promovendo em si, uma capacidade de focar e retratar essa caminhada a
partir de uma autocrítica.
Com base nesse olhar, as alunas conseguiram sentir e expressar essa
caminhada, a partir da qual puderam ressignificar e transformar o seu trajeto
formativo. Conforme Lei de Diretrizes e Bases (LDB) em vigor, no Art. 35, “o
aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética
e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico”. Para
Adorno, o conhecimento deve estar ligado a “seu sentido social, histórico,
humano” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 38).
126 CONSIDERAÇÕES FINAIS
No presente trabalho, efetuou-se uma reflexão sobre a possibilidade de
educação estética, visando à humanização do ensino. Percebeu-se, por meio
de uma atividade pedagógica, realizada com alunas do Ensino Médio, a
conveniência da formação, por via da humanização, que a estética
proporciona. A educação estética proporciona o crescimento humano, que se
constitui em uma contribuição para que se rompa o mecanismo da
semiformação, imposta pela indústria cultural.
O projeto, intitulado “Fotografar a Escola”, apresentou-se como uma
possibilidade de reversão dos procedimentos pedagógicos tradicionais.
Visando ao aprimoramento da formação de professores, no Ensino Médio, este
projeto buscou a emancipação e a autonomia dos sujeitos, no criar e recriar
sentidos e significados, sobre as experiências formativas que influenciaram a
escolha da profissão do Magistério.
No percurso realizado por essas alunas, percebeu-se que as
experiências vividas por elas contribuíram para um crescimento humano,
tornando-as capazes de olhar e analisar, de forma mais aberta e sem
resistência, essas experiências formadoras.
As alunas do magistério tiveram a oportunidade de recuperar o sentido
da sua experiência e vivência formativa, que é, por natureza, uma dimensão
estética e dinâmica. Nesse sentido, o trabalho, voltado para a educação
estética, nos moldes do projeto “Fotografar a escola”, com as fotografias
autobiográficas, é uma esperança de mudança diante do estrago que Adorno
(2000) afirma ter sido realizado pela indústria cultural, especialmente, no que
se refere à manipulação da arte.
Pode-se afirmar que as alunas, ao olhar a sua realidade formativa, por
meio do sensível, vivenciaram uma experiência estética. A experiência é
intersensorial, uma experiência do mundo vivido, do mundo indeterminado, do
mundo fenomenal.
As alunas, ao relatarem, por via das imagens fotográficas e das
narrativas escritas, demonstram a intencionalidade dessas experiências
estéticas. Toda experiência estética ocorre quando há o encontro do sujeito e
127 do objeto: os fatos não existem isoladamente; é necessário que haja uma
comunicação afetiva, um olhar aberto, ou seja, aestesia.
Por via das imagens obtidas, no decorrer da execução do projeto, foi
possível abstrair a inexistência de um lugar único, acabado, no qual se possa
experimentar a estética. Tal vivência pode ser experimentada em qualquer
lugar, com qualquer objeto.
A experiência estética pôde ser percebida na sala de aula, quando cada
aluna comunicava sua experiência formativa, gerando uma ligação profunda de
comunhão, na qual todas ficaram envolvidas por este sentimento estético.
Ao focar o lócus com a câmera fotográfica, essas alunas olharam de
forma fenomenológica, pelo fato de que elas apreenderam, de forma singular e
plural, este cenário. A harmonia que se encontra neste lócus possibilita, às
alunas, um encontro consigo mesmas, juntamente com o objeto focado. Esse
olhar fotográfico leva as alunas à especulação e à reflexão.
Uma das pretensões do trabalho, em sala de aula, foi demonstrar que,
nos procedimentos da prática de ensino, formam-se professores e indivíduos,
recorrendo à educação estética em ambos os aspectos: a teoria e a prática.
Recorreu-se, ainda, ao conceito de experiência formativa, compreendida na
relação com outros conceitos, como a “formação de si” e “a formação de
saberes”, que fazem parte do percurso e da trajetória da vida das alunas.
A fotografia retrata um acontecimento único. Nesse paradoxo, entre o
passado e o presente emerge o movimento de ressignificar a imagem,
restaurando a aura da arte fotográfica. A fotografia escapa da dominação
técnica, um ato mecânico de fotografar, incorpora um movimento, a imagem
fotográfica tem a força do fluir, faz com que a imagem na fotografia seja algo
congelado, vazio, perdido no espaço e tempo. Ela é uma linguagem, tem a sua
função de comunicar e anunciar o contexto social e histórico dos personagens.
Se a arte vai além de representar algo, então ela é uma linguagem. É
por meio desta linguagem fotográfica que a arte se estabelece e rompe com a
indústria cultural, pois a arte é um ato político e a educação também é um ato
político. É neste sentido que arte e educação não podem ser vistas e
analisadas, separadamente, pois ambas buscam a emancipação e a autonomia
do sujeito.
128 Essas imagens fotográficas não podem ser consideradas como uma
imagem puramente técnica, o olhar dessas alunas não é passivo. As imagens
são imperativas e são carregadas de humanização, diferentemente de quando
o mesmo fenômeno ocorre sob a influência da indústria cultural. Há um
conhecimento adquirido, que fará com que a nostalgia desperte no sujeito uma
emoção estética.
O caminho que essas alunas percorreram levou a uma aprendizagem,
uma nova descoberta de significados. Remeteram-nas a um olhar mais
profundo da suas escolhas. O projeto “Fotografar a escola” apontou para a possibilidade de
rompimento com a massificação, com a banalização e a semiformação, que, de
uma maneira geral, caracterizavam a educação bancária, pois, por meio
desses canais de dominação, a indústria cultural impede que haja a autonomia
e a emancipação. Assim, o projeto é adequado à sociedade da Pósmodernidade, que, diante dos avanços tecnológicos e dos meios de
comunicação, como formadores de opinião, torna-se massificante.
As alunas/sujeito tiveram a oportunidade de fazer suas escolhas sobre o
espaço a ser fotografado. Fizeram um relato, justificando suas escolhas. A
partir dessa prática, o passado foi reelaborado, no presente, e o futuro foi
ressignificado. Esta prática demonstrou que o indivíduo é sujeito da história e
que se encontra em um processo de constante mudança. Perceber-se como
sujeito histórico implica reconhecer a importância da história pessoal tecida no
processo histórico, ideológico, educativo e formativo.
A fotografia foi utilizada com o método autobiográfico: as alunas
justificaram suas escolhas, por meio de relatos que apontavam para suas
histórias de vida.
O sentido da articulação entre a fotografia e a autobiografia está no
próprio objetivo da atividade pedagógica: melhorar a formação das futuras
professoras e resgatar as histórias de vida, as lembranças na memória.
Buscou-se, por meio deste método, capturar momentos que façam
romper experiências que são significativas. A fotografia está situada
simbolicamente na vida do sujeito, representando conteúdos importantes de
ligação afetivas.
Para que as alunas possam romper com um processo
129 massificado, decorrente da indústria cultural, elas necessitam olhar a própria
história, ressignificando, elaborando o passado.
Neste trabalho, ficou evidente que o método autobiográfico é um meio
de despertar nas alunas o desejo de reconhecerem o seu trajeto formativo, no
qual há varias facetas, mecanismos de aprendizagens difusos e opacos.
Nos procedimentos de análise das imagens fotográficas autobiográficas,
foi importante escapar da passividade, evitando a posição de reféns dessas
imagens, rompendo com os preconceitos e com os perigos da manipulação
técnica.
O uso da narrativa escrita das alunas absorveu, com integridade,
aquilo que o narrador (a) se propõe a comunicar por via das imagens.
Sabe-se que a formação vem antes mesmo das escolhas profissionais.
Essas alunas já estão sendo moldadas nessas experiências, pois, essas
experiências estão sendo refletidas através dessas imagens e relatos. Ficam
evidentes os valores, a estética, os comportamentos posturais, pessoais e
profissionais. E esse conhecimento da identidade, por via das fotografias, se
transmite nos percursos, nas trajetórias, nos caminhos feitos por essas alunas.
A identidade que essas alunas vão construindo se faz no despertar da
curiosidade, no olhar a realidade percorrida e a realidade concreta, para poder
analisar criticamente e promover a autocrítica, relacionando a história de vida e
do profissional.
Foram analisados os relatos. Por meio dessa análise, percebe-se uma
prática, em sala de aula, próxima ao que Freire chama de “educação bancária”.
Trata-se de um procedimento pedagógico que impede o aluno de olhar-se
como o protagonista do processo formativo. Por intermédio das práticas
escolares, como as fotografias autobiográficas, supõe-se atingir um novo
paradigma de ensino e aprendizagem. Trata-se de um novo caminho, por meio
do qual é possível que se construam novas vias de formação individual e
coletiva.
Na realização do trabalho, contou-se com as contribuições de Adorno e
Freire para a educação estética, articulando emancipação e autonomia. Para
que se atinja o objetivo de formar alunos professores autônomos, conta-se com
a revisão das práticas pedagógicas tradicionais e da adoção de novos métodos
No projeto “Fotografar a escola”, preocupou-se com o desenvolvimento
da Educação Estética, visando à aquisição da sensibilidade, nas ações
130 relacionadas a olhar a própria história e a do outro. Tais procedimentos
suscitam a formação de novos saberes, que serão formulados e adquiridos,
contrapondo-se à desumanização que caracteriza o processo formativo no
cenário escolar .
Assim sendo, a educação estética por meio da fotografia auxilia as
alunas-sujeito a se tornarem conscientes de sua humanidade e de sua
autonomia e emancipação na conjuntura da contemporaneidade.
O método é um caminho que se percorre para chegar ao seu fim. Este
caminhar não se faz pela emoção, mas pela razão. Esta trajetória tem a
finalidade de solucionar um problema, existente na realidade e, aqui, é
empregado para buscar meios, estratégias, mecanismos que possam ajudar a
resgatar a arte da técnica fotográfica, dando um olhar reflexivo, uma
possibilidade de romper com a educação bancária.
O projeto “Fotografar a escola” constituiu-se em uma pequena mostra,
que confirma o gênero autobiográfico como importante meio para o
desenvolvimento da autonomia e emancipação dos sujeitos, instituindo o
devido reconhecimento de trabalhos com narrativas de vida nos processos de
formação docente. As fotografias autobiográficas geram outras narrativas, nas
quais a rememoração de sua experiência formativa pode, no processo de
captação o tempo presente, vislumbrar o futuro. Assim, pode-se concluir que
refletir sobre o Projeto “Fotografar a Escola” apontou frestas no espaço escolar,
que vislumbram um longo caminho a percorrer.
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143 ANEXO
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Meu nome é
Moyses Romero. Sou aluno no Programa de Pós-
Graduação Mestrado em Educação, da Universidade Cidade de São Paulo.
Estou a realizar uma pesquisa, intitulada: “Educação Estética e Fotografia na
Formação de Professores em Nível do Ensino Médio: Relevância das
Contribuições de Adorno e Freire”, sob a orientação da Profa. Dra. Margaréte
May Berkenbrock Rosito,
Esta pesquisa será conduzida na abordagem qualitativa, na qual será
utilizada como procedimento a análise documental, o material a ser analisado
será fotografias e relatos produzidos pelas alunas do Curso de Magistério do
ensino em nível médio de uma escola na Zona Leste, da cidade de São Paulo.
Suas participações neste estudo serão voluntárias. Essa pesquisa não
terá relação com o seu vínculo de trabalho. Seu nome será mantido em sigilo,
para a divulgação e análise da atividade, no que diz respeito ao relato e
divulgação de imagem no uso da fotografia.
De acordo,
Nome
______________________________________________________________
Assinatura
_______________________________________________________________
RG
_______________________________________________________________
CPF
_______________________________________________________________
Data
_______________________________________________________________
Download

3 a formação no curso de magistério: um percurso da fotografia