Segregação Urbana, Riscos Ambientais e Equipamentos SócioTécnicos
Arlete Aparecida Hildebrando de Arruda*
Aloísio Ruscheinsky**
Resumo
As cidades expressam dinâmicas intraespaciais diferenciadas, com suas contingências, formas
peculiares de segregação, intervenção de diversos atores sociasi e construção de riscos
ambientais. O levantamento das ameaças no caso na cidade de Canoas/RS foi uma resposta às
demandas de informações dos moradores das áreas próximas aos derivados de petróleo. No texto
aborda-se a segregação urbana em torno de empreendimentos geradores de empregos e riqueza,
mas também de equipamentos sócio-técnicos para diluir as ameaças decorrentes. O objetivo
consiste em conduzir uma reflexão sobre a inserção sócio-espacial de variados empreendimentos
num espaço que passa a ser demarcado pela insegurança ambiental, precarização do trabalho,
desinformação sobre riscos, área sujeita aos desastres naturais ou operacionais e articulações de
atores sociais. Do ponto de vista metodológico houve uma tentativa de reunir dados das indústrias
e estabelecimentos de manipulação de produtos químicos; entrevistas com técnicos de órgãos
ambientais; convocação aos atores do espaço urbano segregado a fim de participar de
encaminhamentos visando aparelhar a população com maiores níveis de segurança. Os dados,
em consonância com a articulação entre atores, favoreceram a percepção ativa e a politização
dos perigos diferenciando-os sócio-espacialmente. Os resultados foram: aumento da percepção
pública dos riscos e desenvolvimento de novos dispositivos institucionais resultantes dos conflitos
e mediações entre moradores, indústrias, técnicos e comissões locais. Os desafios que se
impõem para a gestão pública dos riscos químicos apontam para a compreensão da
complexidade das estruturas industriais, com as inovações e conhecimentos, e dos projetos
futuros que almejam para cidade.
Introdução
As principais intenções deste trabalho dizem respeito ao esclarecimento quanto à complexidade e
especificidades das atividades que visam prevenir e ao mesmo tempo conhecer características
dos riscos tecnológicos e ambeintais. Os riscos tecnológicos e ambientais estão situados dentro
da estrutura da sociedade e geram procedimentos que comportam em grau menor ou maior riscos
internos e externos.
As cidades expressam dinâmicas diferenciadas na sociedade atual, com suas contingências,
formas peculiares de segregação e construção de riscos ambientais. As diferenciações
intraespaciais se constroem pela intervenção de diversos agentes. O alcance do presente texto
circunscreve-se à abordagem da segregação urbana em torno de empreendimentos geradores de
empregos e riqueza, mas também de equipamentos sócio-técnicos para diluir as ameaças
decorrentes.
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Socióloga, doutorando do PPGCS da Unisinos, docente da Ulbra - RS
Doutor em sociologia pela Universidade de São Paulo, docente no PPGCS da Unisinos, com interesse de pesquisa em sociedade
e meio ambiente.
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Os riscos ambientais fabricados pelo desenvolvimento urbano e industrial são multiplicados
quando se trata de derivados de petróleo. Com pano de fundo, temos um estudo de caso na
cidade de Canoas/RS1. O objetivo consiste em conduzir uma reflexão sobre a inserção sócioespacial de variados empreendimentos na rede urbana num espaço que passa a ser demarcado
pela insegurança ambiental, precarização do trabalho, desinformação sobre riscos, área sujeita
aos desastres naturais ou operacionais e articulações de atores sociais. O objetivo específico é
que por este conhecimento onde são localizadas as ameaças, faz-se avançar as explicações
técnicas e aconteçam na prática o "direito de saber" das populações, em especial daquelas
próximas às plantas ou equipamentos industriais e, sobretudo amplia-se o conhecimento dos
representantes dos cidadãos e dos gestores públicos. Trata-se de conhecer os processos sociais
que constituem essas ameaças que pairam sobre a vida dos trabalhadores, das comunidades do
entorno e devido à tipologia de produtos pode vir adquirir proporções que ultrapassam os limites
da localidade.
O objeto são os fatos relacionados aos riscos tecnológicos e ambientais, sejam as decisões
tomadas em face do conhecimento sobre os mesmos ou do estudo de acidentes ou da
conjugação “entre acidentes”, a ampliação e instalação de mais equipamentos com produtos
perigosos na cidade de Canoas nos últimos dez anos. Os dados levantados tratam de "decifrar" o
que é "real" nas ameaças existentes, cujo esforço para conhecê-los é feito de um lado localizando
os equipamentos e de outro os produtos que levam ao risco e à situação no território da
população do entorno das indústrias químicas.
O levantamento das ameaças foi uma resposta às demandas de informações por parte dos
moradores das áreas próximas aos equipamentos, após visualizadas as conseqüências das
explosões em um grande acidente químico inserido na malha urbana. Do ponto de vista
metodológico houve uma tentativa de reunir dados das indústrias e estabelecimentos de
manipulação de produtos químicos; aplicou-se questionários junto aos técnicos de órgãos
ambientais; através do geoprocessamento foram construídos e apresentados mapas com
simulações de diversos tipos de eventos ameaçadores de grandes dimensões; convocação aos
atores do espaço urbano segregado a fim de participar de encaminhamentos visando amparar a
população com maiores níveis de segurança. Neste sentido, pelas características de articulação
no espaço e seus desdobramentos temos a presença de aspectos pertinentes à pesquisa
participante.
A abordagem leva em consideração a percepção dos atingidos, envolvidos ou alheios aos
fenômenos, e tomadores de decisão com responsabilidade pública pela proteção civil. Trata-se de
uma investigação que envolveu uma temática emergente nas Ciências Sociais e numa
perspectiva pertinente com os tempos atuais, chamada pelo sociólogo Beck de Sociedade de
1
Acrescenta-se que a necessidade desta pesquisa partiu dos atores sociais representados na Comissão de Defesa Civil do Município
de Canoas, forçando uma radical guinada na linha de estudos anteriores, passando dos desastres naturais como objeto de estudo para
os tecnológicos. A importância desta mudança de direção é que trouxe uma meta clara que é fornecer subsídios para uma ação
política diferenciada em face dos riscos temidos, mas desconhecidos pela população.
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risco.
O conjunto de dados, em consonância com a articulação entre atores, favoreceu a percepção
ativa e a politização dos perigos diferenciando-os sócio-espacialmente através do mapeamento
dos empreendimentos e atividades existentes. Os resultados foram: aumento da percepção
pública dos riscos e desenvolvimento de novos dispositivos institucionais resultantes dos conflitos
e mediações entre moradores, indústrias, técnicos e comissões locais. Os equipamentos são,
para este tempo, signos que comunicam na racionalidade do mundo contemporâneo e que se
impõem sobre as áreas urbanas produzindo novas formas de segregação.
No caso de Canoas, a segregação sócio-espacial se dá pelas instalações de equipamentos sóciotécnicos, que acrescentam a essas áreas vulnerabilidades e ameaças desconhecidas pela
população, que são resultantes das instalações ao longo de traçados próprios e não dos planos
diretores municipais. Trata-se de complexo petroquímico, com ramificações e áreas de domínio
por onde passam oleodutos, gasodutos, estações termoelétricas e de gás natural, porto de
distribuição de gás. Diferenciam-se essas áreas pelas condições de habitação, educação,
ocupação, informação sobre os equipamentos junto às moradias, o acesso às informações sobre
os riscos, a existência, ou não, de seguro residencial, determinando, assim, posições sociais
especialmente marcadas pelas incertezas fabricadas.
A partir do registro científico por parte dos pesquisadores e da comunicação da investigação sobre
as ameaças direcionadas aos agentes sociais do espaço urbano, houve uma ampliação das
interrogações sobre os percalços do cotidiano e um empreendimento de coletivos para auferir
respostas saneadoras para e entre os diversos atores ou agentes (comandante do corpo de
bombeiros, representantes das indústrias e dos setores e representantes de entidades e
associações) sobre cada tipo de ameaça.
A investigação contempla uma descrição das ações de como se chegou à percepção dos riscos e
juntamente como foram os processos de decifração e decisão para minimizar os riscos em
processos sócio-políticos de, aproximadamente, uma década. A investigação reconstrói as
experiências de percepção do risco, aproxima-se das práticas vivenciadas e prospecta o que pode
vir a acontecer. O desenvolvimento das ações descreve o possível, o provável, o eminente devido
à insegurança, à incerteza, tornada presente pela vivência e pelo conhecimento e também pela
suposição do risco. Esse levou à realização de ações de decisão.
Pode-se dizer que tanto se verifica um medo velado ou um temor controlado pelos diversos
discursos, sejam dos técnicos ou de parte da população. O discurso dos técnicos é como se
dominassem os riscos. O discurso dos gestores públicos e privados ao serem indagados e
instigados a dar respostas aos riscos nem sempre tem presente as situações de pânico e de
comoção coletiva já ocorridas ou possíveis. O discurso dos representantes da população
desdobra-se desde o mito de que cidade é como um barril de pólvora até o discurso paternalista a
grande empresa da Petrobrás cuida de nós.
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Os desafios que se impõem para a gestão pública dos riscos químicos em Canoas, apontam para
a compreensão da complexidade das estruturas industriais e das suas formas específicas de
serem administradas, com as inovações e conhecimentos, e dos projetos futuros que almejam
para o município de Canoas. Assim, pode-se mediar, negociar os trajetos e expansões de plantas
industriais, e prevenir-se dos riscos de acidentes, preparando-se para as emergências coletivas.
Os acidentes químicos e petroquímicos não acontecem seguidamente, projeta-se para não
ocorrem, mas quando ocorrem, os efeitos podem ser de grandes extensões, atingirem multidões e
permanecerem por gerações os efeitos das mutações que ocasionam nos seres humanos.
Tecnologia e riscos inerentes à organização da sociedade
Se cada vez mais a tecnologia cria facilidades e benefícios na vida social e individual, esta
inserção das tecnologias no cotidiano pode ser tanto positiva quanto negativa. A questão
fundamental reside na quase infinita diversidade das tecnologias e os múltiplos impactos ou
riscos. Se inovação tecnológica constitui-se ao mesmo tempo da emergência de novas
necessidades tanto mais há uma coincidência entre formas de vida artificial e a convivência com
os riscos tecnológicos e ambientais. Em boa medida, seja em quantidade e qualidade, um maior
volume de riscos são permissíveis ou justificados tendo em vista que o ser humano aparece cada
vez mais dispensável, ou como um tipo de estorvo descartável.
A ascensão dos riscos tecnológicos e ambientais está cada vez mais relacionada à dependência
dos indivíduos de outras formas de energia, como tentativa de eliminar esforços próprios. Neste
sentido, hoje não concebemos o nosso cotidiano sem a força motriz da energia fóssil, nas suas
variadas formas e nos múltiplos usos e benefícios relativos ao bem estar. Esta ascensão dos
instrumentos tecnológicos ocupa cada vez mais as nossas preocupações, seja no âmbito privado,
seja em políticas públicas, sem desmerecer os graus de dependência tanto subjetiva, quanto para
o exercício do poder público.
A ascensão dos riscos tecnológicos e ambientais está cada vez mais relacionada à dependência
dos indivíduos de certas comodidades socialmente geradas e legitimadas. O uso dos
combustíveis fósseis situa-se como uma extensão de nossa vida na esfera pública, do
abastecimento de gêneros alimentícios, da locomoção, da sociabilidade, ou ainda como uma
espécie de extensão das mãos, dos olhos e dos ouvidos. O sustento e a comercialização da
energia para o ramo de alimentos, da gastronomia, da locomoção em boa medida estão atrelados
aos espaços de riscos urbanos e a população do entorno. E isso tudo influi de tal maneira nos
novos arranjos culturais e sociais, tornando impossível a vida em sociedade sem a intermediação
desses riscos tecnológicos.
Praticamente toda feitura da gastronomia depende também da
expansão dos riscos tecnológicos urbanos e ambientais, sem falar do novo imperador das ruas: o
carro particular. O automóvel acaba tomando lugar e espaço na vida urbana e que seja pelo
comportamento dos seus usuários ou das leis do trânsito, acaba sendo alçado à categoria de
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cidadão pela prioridade na circulação frente ao pedestre. Esta circunstância é também uma nítida
leitura dos riscos ambientais e um atestado da valorização das diferentes dimensões da “natureza
fabricada”.
O desafio ou a encruzilhada das opções não consiste em optar ou “não permitir” os riscos
decorrentes da tecnologia, mas em percorrer os caminhos em sua quase infinita diversidade no
cotidiano para diluir os impactos dos riscos decorrentes da forma de organização da vida em
sociedade. A cidade de Canoas possui densos espaços de risco, distribuídos em diferentes
pontos e equipamentos urbanos, ou seja, existe uma convivência com essa “natureza fabricada”
de riscos tecnológicos e ambientais. Parece não ser adequado demonizar os aludidos riscos e
endeusar relações sociais cindidas de riscos e de tecnologia. Todavia, persiste o desafio de
planejar e efetivar, de sonhar e construir formas de viver e pensar as relações sociais inseridas
em mecanismos de riscos, mas ao mesmo tempo em que o outro como ser humano seja a
referência primordial.
A questão central no feitio dos riscos tecnológicos e ambientais
A questão central em referência aos riscos na cidade de Canoas é a existência de plantas
industriais com várias denominações, refinaria, unidade termoelétrica, terminal de dutos e os
dutos2. Sabe-se que as decisões sobre as instalações ou ampliações de plantas industriais - com
produtos derivados do petróleo e de gás, junto com eles os terminais de dutos, as City Gates - são
decorrentes de acordos entre corporações de âmbito internacional. Os gestores locais por lei
nacional, deveriam participar da aprovação e em especial da coordenação da audiência pública
para definir a localização e quanto aos riscos e aos benefícios. Mas, de fato quais poderes
exercem os administradores locais sobre esses traçados e implantações a partir de decisões
alhures? Sabe-se que são os que devem responder quando há acidentes e em caso de desastres
têm que administrar os efeitos mediatos e imediatos sobre os cidadãos da cidade.
O sistema de oferta de energia está em expansão e consta entre as grandes preocupações
econômicas e ambientais. As indústrias do setor químico e petroquímico ainda se expandem em
termos de consumo, diversificação de produtos e tamanho das plantas industriais. Estas são
interligadas umas às outras na cadeia produtiva, tendo inclusive várias gerações, mas também
são conectadas por equipamentos onde "circulam" os produtos nos territórios e/ou divisas,
espaços chamados dutos. Estes são as veias e as pulsações das plantas industriais e prcorrem
territórios com ocupações diferentes. Especialmente nos espaços urbanos acrescentam ameaças
e tornam-se vulneráveis às ações de várias ordens - da depredação, à ocupação e ao terrorismo,
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A investigação constatou a fragilidade das informações sobre os dutos junto aos órgãos públicos. Neste sentido foi feito um levantamento do tracejado dos dutos no perímetro urbano, as condições de sinalização, a observância da mesma e a compreensão da população. Nestes anos de atividade de pesquisa e de articulação da comissão de defesa civil os órgãos públicos foram municiados de dados imprescindíveis para uma gestão dos riscos ambientais e tecnológicos. Há um aproveitamento das áreas de domínio e, em certos
trajetos, há duto de óleo, duto de nafta e duto de gás natural.
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ao incêndio, explosões e vazamentos.
Nessas circunstâncias surgem interrogações aos olhos do pesquisador: é possível o poder público
e os órgãos de representação da sociedade civil desenvolver planos de ações coletivos para a
prevenção e o atendimento às emergências de grandes conseqüências para a população do
entorno das plantas e equipamentos industriais? Quais são os instrumentos, as técnicas, os
métodos de atuação que nas instâncias representacionais são desenvolvidas para administrar
uma cidade com diversidade e quantidade de plantas industriais com produtos perigosos?
As plantas industriais e os riscos tecnológicos vinculam-se ao sistema local porque é no território
municipal que ocorre a produção, o armazenamento, a distribuição e a comercialização. Aí, na
localidade tanto geram trabalhos, como riscos, ambos para dar respostas às demandas da
sociedade global. Ao mesmo tempo, gera a poluição, a ameaça à saúde, ao meio ambiente e
especialmente, o temor ao risco, ao acidente, ao desastre e a catástrofe.
Esta separação de níveis leva a uma consideração sobre o poder político das indústrias de
produtos perigosos de origem química e petroquímica e as organizações locais. A distância é
incomparável se for contabilizar a força, a potência, a influência que caracteriza cada um dos
agrupamentos. Os atores locais pressionam para uma negociação compartilhada entre atores
díspares, em especial visando alcançar um mínimo de governabilidade sobre os riscos de grandes
conseqüências todos os atores se envolvem de acordo com seus interesses. A mudança paulatina
de visão de mundo que ocorreu nas últimas décadas a nível mundial cria um terreno mais fértil
para a negociação em circunstâncias de risco ambiental. Também favorecem as negociações as
lutas ambientalistas e que fazem mudar a visão sobre a localidade ao ajudar nas negociações, ao
lembrar de trazer cópias de documentos, da Convenção da OIT que trata do cuidado com os
trabalhadores e com a população do entorno, entre outros. Recorrente é a lembrança e os textos
da Agenda 21, em especial o capítulo 19, sobre as ameaças químicas e que favoreciam a
comunidade local e o poder público na quebra de braço com os representantes das indústrias.
Também eram recorrentes os impasses nas negociações sobre a construção do plano de auxílio
mútuo.
Sabe-se que as indústrias não se modificam por vontade própria. Após desastres ocorridos nas
indústrias químicas e petroquímicas (a nível mundial nos EUA, Índia, Itália, Áustria, Nigéria e
outros) ocorreram pressões por parte das organizações ambientalistas e pelas populações
afetadas, fazendo com que as indústrias produzissem documentos, normas, acordos, métodos, e
assinassem convenções que levem a compromissos coletivos por parte das mesmas e inclusive
visando o amparo dos cidadãos e as cidades em situações de emergência. Mas essas
concessões ocorrem especialmente desde que tenham informações adequadas sejam os
gestores públicos, sejam as populações. Esse foi o papel da pesquisa e da universidade.
A experiência local de ter vivido o acidente químico por incêndio e explosões trouxe um aval aos
gestores para solicitar preparos à todas as indústrias químicas instaladas no município. Por si só,
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a experiência, a vivência e a existência dos riscos, por mais traumática que seja, não leva à uma
ação de prevenção. O que leva à ação de preparo para os riscos é o conhecimento científico, a
sistematização dos documentos, dos dados, das ferramentas existentes através de estudos
especiais acrescidos da vontade política e das pressões dos cidadãos. Vemos aqui que os
processos de decisão soam como uma construção social da percepção da identificação e do
conhecimento sobre formas de prevenção dos riscos locais.
Para se administrar essas "incertezas" a comissão de defesa civil necessita de um processo
contínuo de escolha estratégica, via informações sobre os equipamentos, os produtos, o grau de
preparo interno das indústrias, os valores ou missões, mais os valores dos representantes de
entidades, e dos pares políticos. Pode-se dizer que são decisões interconectadas cuja articulação
são "tarefas articuladas" e os "eventos são catalizadores". Há, portanto, um processo contínuo de
escolha e decisão sobre o que fazer para proteção coletiva considerando as potências e as forças
dos diversos atores e as múltiplas possibilidades de risco.
Os atores chaves de cada entidade, seja indústria ou poder público, implica num envolvimento na
"tarefa colaborativa" levando a uma integração limitada, gradual e seletiva dos participantes.
Temos como hipótese que as decisões em relação aos riscos podem transformar um agregado de
partes em uma "multiorganização" em que os componentes têm condições de atingir objetivos
comuns. Havendo a possibilidade de se desenvolver uma capacidade de planejamento com um
plano de emergências e um preparo constante para o agir coletivo face aos riscos de grandes
conseqüências.
Para desvendar o "Cenário de Riscos" segundo Lavell (apud Fernandes, 1996) necessita-se de
mapas, de estudos de impactos ambientais já realizados e exigidos pelos órgãos de controle, bem
como levantamentos dos fatos já ocorridos, da quantificação das ameaças que podem afetar a
cidade e da predição da extensão das áreas que podem ser afetadas pelas ameaças.
Acrescentou-se aos inventários os tipos de produção industrial e os recursos que as indústrias
possuem para segurança de suas instalações. Junto aos órgãos públicos, fez-se uma avaliação
da capacidade das redes vitais, incluindo a rede de energia elétrica, de água, de comunicação, de
transporte e de serviços de saúde. Realizou-se um levantamento do sistema de alerta já existente,
assim como da existência ou não de planejamentos de rotas de evacuações, buscou-se conhecer
o nível de preparo dos gestores envolvidos e medir-se os programas internacionais para as
indústrias químicas estão sendo desenvolvidos em Canoas e em que proporção (método APPEL3,
Atuação Responsável, convenção 174).
Os levantamentos passaram a ter outra significação quando uma instituição pública – Comissão
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O principio básico do método APELL é o "direito de saber". Esse consiste em fornecer aos cidadãos informações sobre riscos
potenciais das instalações de empresas que produzem ou utilizam produtos perigosas, os quais podem afetar a saúde pública e o meio
ambiente. O ponto fundamental para o funcionamento do processo é chegar à formação de um Grupo Coordenador que represente os
vários atores sociais com voz ativa no estabelecimento de um plano de atendimento emergencial e de decisões sobre os riscos. Os
grupos compõem-se de representantes do poder público, das associações e entidades comunitárias, educacionais, religiosas e das
indústrias. O grupo coordenador será o principal articulador e mediador, porém há vários passos e inúmeras conexões para chegar à
coalizão que desenvolverá estratégias e operações para prevenção e para a atuação em situações de emergência química.
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de Defesa Civil - chamou grupos sociais para tomarem conhecimento sobre riscos urbanos no seu
espaço urbano. A partir daí, decidiu-se sobre as ações a serem realizadas para modificar essas
probabilidades, no caso, os desastres.
A formação de grupos e subgrupos envolvidos com a construção de um plano de ação e de ajuda
mútua entre os três setores leva a uma responsabilidade compartilhada, a uma constante troca de
compromissos e um diagnóstico em permanente questionamento. A confiança no saber técnico
não significa passividade, pelo contrário, cada vez mais são solicitadas explicações sobre o
processo industrial em desenvolvimento ou em expansão. Desse modo, a confiança torna-se
ativa.
Pela investigação percebeu-se que as soluções inovadoras para políticas públicas são aquelas
que trabalham com os riscos encobertos de tal forma que resultem no seu desvelamento. Para
tanto, exigem um planejamento complexo e integrado com e entre diversos setores, ou seja,
pressupõe uma ação multidisciplinar. É o caso dos riscos eminentes e ampliados dos produtos
químicos perigosos em zonas urbanas. Aplica-se aqui uma tendência que é trabalhar
multidisciplinarmente, estabelecendo uma sinergia entre vários conhecimentos: o conhecimento
social e o técnico, entre a ação política e a ciência administrativa. Podemos afirmar que ao
estudar possíveis acidentes tecnológicos em Canoas, estamos estudando o poder. Conceito este
clássico nas Ciências Sociais, no dizer de Tom Duyer (2000, p. 112), “há diversos tipos de poder
que são exercidos na sociedade como um todo, eles também se exercem dentro das instituições e
grandes organizações e no dia-a-dia. É justamente na vida, no trabalho cotidiano, que acidentes
são produzidos e prevenidos. Para prevenir um importante número entre eles não é necessário
abolir o capitalismo nem fortalecer o aparelho do Estado, mas estimular uma inversão de relações
de poder a nível micro” (.....)
Nesse sentido, a investigação sobre os desastres tecnológicos tem sido uma forma de desvelálos, tornando transparentes as ameaças existentes, latentes e/ou, então, detectando as possíveis
decorrências das sinergias que possam acontecer nas áreas urbanas densamente povoadas e
altamente industrializadas. Portanto, a definição de perigo é uma construção cognitiva e social,
além de inovadora, porque passa a ver o poder público municipal como um gestor de políticas
preventivas e de ação diante dos riscos eminentes e ampliados nas áreas urbanas vulneráveis.
O espaço urbano como sociedade de risco e os equipamentos sócio-técnicos
O espaço urbano caracterizado como sociedade de risco passa por modificações de impacto no
meio ambiente, nas tradições, nos equipamentos, nos modos de produção, nas relações
familiares, no mundo do capital e do trabalho, bem como nas crenças, nos sentimentos, nos
valores e na afetividade. Várias caracterizações são feitas para explicar a sociedade, entre elas:
sociedade da incerteza artificial, da dúvida, do cuidado (Quarantelli (2000); Freitas, (2000)ou
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sociedade pós moderna e pós industrial (Harvey, 1996; Kurz (1997), como sociedade mundial de
risco (Beck, 1998), ou modernidade líquida (Bauman, 2001). Ao analisar o estágio de
desenvolvimento da organização social atual, consideram que além da administração dos
recursos, há uma distribuição das conseqüências destas transformações. Essas conseqüências
são pouco previsíveis e perceptíveis e por isto a população está cada vez mais submetida às
experiências advindas dos avanços científicos, tecnológicos, armamentistas e comunicacionais.
As mudanças são constantes, intermitentes e suscitam incertezas. Incertezas nos rodeiam
advidas das tecnologias que são responsáveis pelo controle dos equipamentos que controlam as
possibilidades de acidentes e que podem advir dos reatores nucleares, da produção de amônia,
do derramamento de mercúrio ou de petróleo ou mesmo de incêndios em refinarias, oleodutos,
gasodutos ou de incêndios, explosões assim como inúmeras formas de contaminação ambiental.
É possível passar dos questionamentos ao cálculo dos danos? Essa é uma grande incógnita, pois
as incertezas tornam imponderáveis os cálculos devido as grandes redes tecnológicas de decisão
sob a vida em sociedade está organizada. A emergência da ociedade de risco decorre dos efeitos
colaterais e das ameaças cumulativamente produzidos pela sociedade industrial, com suas
respectivas inovações tecnológicas.
A noção de meio ambiente é, por isso mesma, uma construção e, além disso, como muito bem
lembra Beck a crise ambiental não se constitui em problemas do entorno (ou do que está “do lado
de fora” das relações sociais). Por conseqüência são problemas sociais e históricos, em suas
conectividades com a realidade cultural, econômica e política. Neste sentido, para compreender o
mundo contemporâneo "é preciso compreendê-lo como uma realidade que atingiu um nível de
auto ameaça muitíssimo superior à nossa imaginação. Esse mundo civilizatoriamente constituído
praticamente aboliu a indecisão. E é permanente a necessidade de tomar decisões que tocam a
substância da sobrevivência. Ao mesmo tempo, já não contamos com nenhum fundamento de
saber, no antigo sentido do saber seguro, com base no qual seja possível tomar decisões que
também afetam as gerações futuras, com uma insegurança cada vez mais consciente das
conseqüências" (Beck, 2002, p. 206).
Ao tratar das ameaças que advém da ciência, da tecnologia, em suma da produção da riqueza, o
mesmo autor considera o entrelaçamento desta com a produção dos riscos. Ele organiza as
argumentações iniciando pela separação entre sociedade industrial e modernização reflexiva.
Afirma que na sociedade industrial, a produção da riqueza eclipsava a produção dos riscos, mas
cujos custos podiam ser recuperados. Na sociedade atual, o desenvolvimento técnico, científico e
econômico produz "efeitos secundários latentes", cujas repercussões são ameaças catastróficas à
vida das plantas, dos animais, das águas, da atmosfera e enfim, aos seres humanos. Os riscos
passam a ter um efeito contagioso, porque abarcam a produção e a reprodução e não respeitam
as fronteiras dos estados nacionais, porque as ameaças ambientais e econômicas são globais.
Atingem aos múltiplos grupos da sociedade, emergindo um novo jogo de oportunidades e riscos.
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Havia a crença de que com as chaves do desenvolvimento científico e técnico se poderia abrir as
"portas das fontes ocultas da riqueza social", decorrendo desse desenvolvimento a repartição da
riqueza e o afastamento da miséria das massas. No entanto, o que ocorreu foi o desencadear de
forças destrutivas que levam à reflexão, ensejando uma análise crítica da modernização.
Há uma revolução em andamento, mas não no sentido de um rompimento com o sistema
capitalista, pelo contrário, centra-se na expansão dos riscos e das incertezas, sem destruir a
lógica do modelo. Ao contrário, Beck (2002) chega a afirmar que esse sistema ganha mais ou
quanto mais riscos surgem, mais negócios. Tanto assim que os riscos acabam se tornando um
mecanismo de especulação, de oportunidades para grandes negócios. As tensões, os conflitos e
os ajustes na busca da eliminação dos riscos são fenômenos acompanhados com interesse
visando gerar novas fontes de lucro, pois trazem vantagens para vários tipos de negócios. O
vislumbre do lucro é porque o perigo traz, para certos tipos de negócios, acréscimos de ganhos,
tais como seguros, escassez e valorização dos produtos cujo manejo implica em periculosidade.
Por isso o saber sobre os riscos tem dois ângulos importantes, um o aproveitamento econômico e
o potencial político.
O potencial político decorre das conseqüências, isto é, o efeito sobre todas as dimensões em
especial as sócio-ambientais. A emergência de uma ciência para a gestão dos riscos ambientais e
tecnológicos é sintoma de que a sociedade de risco converteu-se em uma sociedade catastrófica
e o que era uma situação de exceção converteu no estado de normalidade (Beck, 1998). O
reconhecer os riscos e os seus efeitos sobre a saúde, o meio ambiente, a psiquê, a vida social,
torna-se um "conteúdo político explosivo" porque estes interferem no âmbito interno das decisões
empresariais, na planificação industrial, na escolha de equipamentos técnicos e, sobretudo, na
avaliação dos efeitos colaterais.
Observando a vulnerabilidade e as contingências a sociedade de risco já é a realidade segundo
Lavell (1996). "O pão de cada dia para muitas comunidades são contaminações reduzidas, são
incêndios controlados, são pequenas explosões etc." [...] E a respeito da catástrofe diz: "é o ponto
culminante do risco, é a sua revelação, sua materialização." Para Lavell, o acidente, o desastre é
a atualização do grau do risco existente na sociedade. É a manifestação do rompimento de um
falso equilíbrio entre a sociedade e o seu entorno. Deste modo, o equilíbrio aparente, que se
manifesta na continuidade de uma vida cotidiana "adaptada ao meio, se descobre com todos os
seus desequilíbrios quando chega o desastre/calamidade/acidente, detonado por um agente
externo, físico, perturbador, porém determinado pelas condições de existência, localização,
estrutura e organização humana" (Lavell, 1996, p. 47).
As ameaças são produtos sócio-políticos, de acordo com Lavell, e se elas abundam em certas
áreas urbanas onde está ausente a atenção, preparo, capacitação tornar-se-ão riscos. As
ameaças e as vulnerabilidades são produtos de conflitos e contradições entre os interesses
particulares de uns, que possuem poder tecnológico, político ou industrial e a atenção para com a
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segurança dos cidadãos e as gerações futuras.
No caso das ameaças tecnológicas, as vulnerabilidades são maiores porque estas não são
palpáveis, visíveis, mas são difusas nos equipamentos, produção, distribuição, transporte de
certas mercadorias, no preparo dos profissionais, na gerência de unidades com produtos
perigosos, ou no despreparo dos gestores públicos. Também na ignorância das populações sobre
o que os ameaça com o desconhecimento de certas propriedades físico-químicas. Por isso, a
segurança comporta a exigência de informações especializadas e atualizadas ou então de
estudos que contestem essa forma da produção e circulação naquele local.
As informações sobre os riscos químicos em plantas industriais exigem a comprovação da
existência destes riscos. Requerem a construção de "argumentos", explicação e relato de
situações, bem como a organização de provas através de constatação de especialistas. Tudo isso
dificulta a comprovação do risco, porque não são perceptíveis "pelo conhecimento" imediato e os
atingidos só virão a descobrir caso haja divulgação ou por acidentes dentro de plantas, ou ainda
de estudos que denunciem enfermidades decorrentes, suas ou de descendentes. Assim sendo, os
riscos necessitam de “órgãos perceptores” ou instrumentos de medição para serem interpretáveis
(Beck, 1998). Essa dependência dos especialistas, causa inúmeras inseguranças, erros de
interpretação, controvérsias e aumentam a insegurança daqueles que dependem de suas
explicações e orientações para realizar uma mobilização política. Assim, os riscos vindos de
plantas industriais com produtos perigosos têm um aliado – a ciência4 com suas explicações
sempre provisórias e incertas. Esta é uma circunstância contraditória, de um lado a crítica à
ciência e desconfiando-se do conhecimento técnico, de outro considerando que a sociedade de
risco vai se tornando o estágio corrente da nosa existência social apela-se para o auxílio do
conhecimento proporcionado pela investigação científica.
Deste modo, na definição dos riscos estão presentes a escolha e a seleção, bem como de quais
ameaças serão visibilizadas e quais aquelas que não serão consideradas. Neste sentido, ganha
relevância o objetivo e o foco principal da presnte investigação apresentando-se como um dos
“órgãos de percepção e de orientação” para a Comissão de Defesa Civil da cidade de Canoas.
Porque, se estamos na sociedade de risco, o poder vem da informação e do conhecimento e
estes podem ser repassados para os atores sócio-políticos. As desigualodades vigoram, pois na
sociedade de risco “se abren así nuevos contrastes entre quienes producen las definiciones del
riesgo y quienes las consumen” (Beck, 1998, p. 52-53).
Em toda a atuação social, seja nos âmbitos cultural, político, econômico, ambiental, locacional,
social, temporal, material, psicológico e medicinal tem relações contraditórias de ganhos e perdas,
lucros e prejuízos. Neste sentido, existe uma luta social ou um conflito de interpretação em torno
4
Por isso Beck vai afirmar que a consciência do risco é "una conciencia teórica y por tanto cientifizada". [...] Asi pues, el debate sobre
el futuro se basa en una "variable proyectada", en una "causa proyectada” de la actuación presente (personal y política) cuja relevancia
y significado crecen de una manera directamente proporcional a su incalculabilidad y su contenido de amenaza, una causa que
proyectamos (que tenemos que proyectar) para determinar y organizar nuestra actuación presente" (Beck, 1998, p. 40).
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da definição social dos riscos. Há tensão também para acolher as respostas sobre as definições
de quantidade, grau, distância, urgência, intensidade dos riscos e probabilidade maior ou menor
da ocorrência de efeitos colaterais. Segue daí a interrogação sobre a emergência da percepção
dos riscos.
A busca individual defronta-se com os limites desta opção e a indagação sobre as vias para
acessar informações sobre os "segredos" do invisível. A divulgação pelos meios de comunicação,
está envolta no manto do patrocínio, da repercussão, do não acesso às pesquisas alternativas e
esclarecedoras dos efeitos. Uma outra forma ou meio para se perguntar sobre os riscos poderiam
ser os partidos e/ou os sindicatos, como veículos e fontes de informação para trabalhadores e
eleitores. A percepção das ameaças precisa de conhecimentos, de linguagens, de discernimento,
de linhas de investigação, de dados sobre os produtos perigosos, mas escassas as informações
sobre os efeitos na coletividade. Daí o papel das universidades, dos grupos de trabalho, das
comissões locais de proteção e decisão, dos ambientalistas, entre outros.
O sujeito político ante os riscos ambientais e tecnológicos
Em face das ameaças desenhadas acima se espera que haja uma ação política, com segmentos
sociais mobilizando corações e mentes para produzir um estado de alerta ante os riscos. O vulto
da crise ambiental e do montante de riscos permite atentar para um vazio político, a fragilidade ou
insuficiência de sujeitos sociais e não há na mesma proporção do tamanho das ameaças, a intensidade, o envolvimento e a ampliação das instituições políticas. A grande indagação, segundo
Beck (1998), centra-se sobre o sujeito político das lutas contra os riscos de grandes conseqüências. Caso essas ameaças exitentes se concretizem e atinjam a todos, quem liderará o movimento
de recuperação da terra? Se o autor não expressa claramente uma resposta, ao menos vai tecer
várias reflexões. Se há um desejo não manifesto de evitar a catástrofe, entretanto todos querem
ser protegidos e se possível ter minimizados os custos. Ronda um grande temor do que pode vir
das ameaças físico-químicas. Esse medo faz brotar a solidariedade, especialmente, surge uma
solidariedade advinda do medo e por meio do medo. Todavia, reina a incerteza se o medo tornarse-á uma força política agregadora.
Nesta indagação de quem é o “sujeito que toma decisões para afastar os riscos”, por mais que as
organizações dos trabalhadores sejam parceiras e venham a compor como atores no jogo das
decisões sobre os riscos convém alertar que talvez não seja deles a iniciativa da mudança para a
diminuição dos riscos. Para Rorty (1999) as crueldades sobre os corpos dos trabalhadores são
imensas em termos de riscos tecnológicos e essas são “sofrimentos humanos evitáveis”. Por isso,
Rorty propõe uma ação política solidária contra as crueldades “permitidas” nas empresas. E se os
mais atingidos nas mudanças tecnológicas são os trabalhadores, cabe aos sindicatos evitar este
sofrimento. Situa dentro desta visão os sindicatos como sujeitos políticos dos riscos e que a
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eliminação ou diminuição das crueldades se põe no centro das lutas dos mesmos. É discutível, tal
tese, porque atualmente os sindicatos estão resisitindo, mas tem muitas frentes ou
enfrentamentos. É a desfiliação, a terceirização, a fragmentação das categorias dentro das
organizações e, mais ainda, a centralidade nos ganhos salariais e outros benefícios se encontram
em tensão com uma agenda de segurança de sustentação da propriedade. A descrença na
situação sindical, por motivo da fragilidade no trabalho ou pela desconfiança nas lideranças
sindicais, distanciadas das bases e/ou pelegos ou sem renovação de representação. Por mais
importante que sejam os trabalhadores, não há consenso que estes serão o sujeito político dos
riscos.
O poder dos empresários e dirigentes empresariais tende a repartir com os gerentes os riscos das
instalações que exigem controle, fiscalização, formas veladas ou não de intervenção estatal,
planos burocráticos ou acordos internacionais. Devido às pressões de organismos internacionais
ou voluntariamente as empresas vêm adotando responsabilidades sobre gestão ambiental para
compatibilizar com normas de certificação. Os empresários também se defrontam com outros
empresários na questão dos riscos.
Os empresários de setores poluidores, no caso, as indústrias químicas, petroquímicas, de petróleo
e gás, se defrontam com os interesses dos empresários que atuam em áreas com tecnologias
limpas. Os argumentos de prevenção ante os riscos invisíveis e impercetíveis enfrenta a “cegueira
de risco” devido à lei de ferro da busca das vantagens da competitividade e da produtividade
(Beck, 1998), questão vista como “âmbito íntimo” da gestão empresarial.
Ao adaptar-se à legislação e às instâncias de controle estatal e ao subsidiar os meios de
comunicação, de acordo com Beck, a autoridade empresarial atua na sombra da política e dispoe
de legitimidade encoberta. Em decorrência da publicidade se estabelecem mecanismos de
legitimar as decisiões e suas conseqüências colaterais. Ante o domínio do complexo militarcibernético, à globalização das transações comerciais, às redes e a concentração de poder existe
um assujeitamento das questões locais. Nesta visão, os empresários são mesmo retirados do
sujeito político dos riscos como protagonistas, mas vistos como marionetes do complexo.
No Brasil alguns autores como Freitas e outros (2000) e Herculano e outros (2000) denunciam
que o complexo industrial está simplificando o modelo gerencial, cujas estratégias são: redução da
qualificação, substituição de operadores especialistas por operadores generalistas, enxugamento
de quadros, terceirização. Os técnicos de segurança substituídos pelos trabalhadores da produção5, tornando-os por determinação e algum treinamento em brigadistas de incêndio ou desastres,
trazendo por conseqüência uma redução dos fatores de segurança.
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Os seguranças passavam pelas esferas de combustíveis e tinham pontos estratégicos para vestirem-se e atuarem em caso de
incêndios, vazamentos, explosões. Foram substituídos pelo radar eletrônico, que passa as imagens para a central, onde dois
funcionários observam. Quando ocorre um “evento” são acionados sirenes e os trabalhadores deverão deixar de ser operários da
produção para serem “brigadistas de incêndio”. Mudam os uniformes e devem mudar o papel/atividade. Na entrevista numa empresa
perguntei: o que mudou neste período? O que o engenheiro respondeu: “os terceirizados não executam o exigido e atrapalham”. Como
assim? Indaguei. “Eles se dirigem todos para o local quando ouvem os apitos e sirenes. Não sabem o que fazer e atrapalham quem
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Através de técnicos se desenvolvem, sobretudo na indústria química, programas que tratam de
gestar, inculcar princípios voltados à atenção ao meio ambiente, à prevenção dos riscos, através
de programas como atuação responsável. Inicialmente é preciso considerar que o conceito
“técnico” é muito abrangente na questão de riscos, mas nas organizações o termo diz respeito aos
quadros relacionados à segurança no trabalho, na produção, no transporte e portanto são vistos
como os “zeladores do perigo”. Junto a isto, pode se dizer que devem manter os equipamentos e
pessoas sob controle. No entanto, esses profissionais e seus subalternos devem ser vistos sob
várias óticas. Entre elas quanto à capacitação, conhecimentos, experiências, desenvolvimento de
práticas com ou sem acompanhamento, volume de trabalho e a intensidade da produção, as
condições ambientais e emocionais do trabalho, as fragilidades ou estabilidade no processo
empregatício. Todos esses fatores contribuem para que venha ocorrer o acidente, no geral as
explicações técnicas, para os acidentes, são falhas humanas desconhecendo assim os
componentes sociais, gerenciais e de gestão, em particular as desigualdades sociais que
padecem várias categorias de trabalhadores. No caso dos técnicos virem a se mobilizarem para
uma ação conjunta é remota, tanto interna como externamente nas plantas industriais.
Após conhecer estes programas observamos que o setor técnico pode ser co-participante de
planos urbanos de emergência química e de responsabilidade tanto internas como externas à
indústria. Dentro da expectativa em relação aos sujeitos políticos dos riscos de minimização e
redução das ameaças, os técnicos não se apresentam como protagonistas pelas contradições de
sua posição. O risco constitui-se o meio através do qual se impõem nos negócios, além do que os
riscos, não raro, são o próprio trabalho ou produto. Portanto, a atuação política dos técnicos,
administradores e gerentes parece estar limitada aos compromissos e aos princípios daquelas
organizações que aderiram aos programas comprometidos com a proteção ambiental e à saúde
coletiva.
Um fator importante para que haja convívio, ação conjunta entre os técnicos e os demais atores
sociais é a linguagem técnica. Esta precisa ser calibrada, entendida, assimilada e praticada para
que aumente a percepção dos mesmos. Quanto a capacidade de mobilização política, o
segmento técnico não parece ter tradição, respaldo, respeitabilidade, reputação carismática para
unir os trabalhadores, os sindicatos, o governo e as comunidades num projeto ou acordo mútuo
de preparo para os riscos. Parece que esta categoria profissional e este segmento tem o status e
a legitimidade mais como um intermediário e como mantenedor dos interesses da organização, do
que propriamente mobilizadores de uma ação em prol da transformação de riscos.
sabe o que deve ocorrer. Por isso, não “apitamos” mais, avisamos os setores próximos e ficamos observando o desenrolar das
atividades”. Eu: Isso não é um novo perigo? Responde: “é uma nova forma de gerência dos riscos.“. Caminhamos mais um pouco,
mostrou os novos equipamentos de segurança, cujos valores são grandes para comparar com reais e perguntei se tudo é captado pelo
olho do radar. Aqui passa a relatar uma situação onde o olho capacitado do trabalhador/técnico/perito é substituído pelo olho
eletrônico. “Já vimos que não. Outro dia dois piás entraram aqui, caçando passarinhos. Felizmente só queriam isso, caçar passarinhos,
bem junto das centrais de distribuição. Foi por acaso que um operário ia passando e se encontrou com eles. O estilingue e as crianças
não foram detectadas, o estilingue se fosse usado como arma, contra um painel de controle, poderia dar grandes problemas dentro da
planta. Por este relato podemos ver que a rotina da estruturação da vida social quanto à segurança técnica se transformou e surgem
novas ameaças via gerencial e tecnológica.
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Com as metamorfoses contemporâneas e a crise ambiental desconfiguram-se os modelos de
cálculo para o enfrentamento dos desafios coletivos e as formas são desconhecidas para a
proteção dos indivíduos que sofrem abalos e ainda não foram refeitos novos modelos de proteção
porque as sociedades tornaram-se complexas, múltiplas e mais inseguras. As inseguranças estão
presentes em todos os espaços, portanto afirma-se uma crise institucional, uma crise das
certezas, das crenças, surgindo uma insegurança sobre todas as decisões que os indivíduos
venham a tomar porque não ignoram as conseqüências. Isso impõe uma enorme carga sobre os
ombros dos indivíduos, porque as turbulências da sociedade de risco global retiram os suportes,
os apoios, os estímulos, dados anteriormente pelas instituições e agora deixa todo esse esforço
de cálculo para os indivíduos.
Na mobilidade da sociedade atual a interação e a sociabilidade do sujeito individual exercem um
papel importante, pois a auto-organização do político potencialmente pode movimentar
subpoliticamente os campos sociais. Sendo assim “a política passa a se expressar por uma
subjetividade política tanto dentro como fora das instituições, os grupos de iniciativas dos
cidadãos que vão criticar as ameaças iminentes ao mundo, levam as lutas pela salvação da terra
e de vida selvagem no planeta” (Beck, 1998, p. 29-30).
O papel do Estado numa sociedade onde o risco e a dúvida é constante traz novos dilemas. Se o
poder público decide fazer instalações para coleta de lixo de indústrias químicas e outros equipamentos, sempre são questionados os seus benefícios e as possíveis repercussões na saúde e no
meio ambiente. Os técnicos e os políticos argumentam que é para o bem público e que a escolha
do local foi feita de forma racional, em consonância com os preceitos de avalições técnicas. No
entanto, essas iniciativas comportam a “ambivalência envolvida”, porque os riscos, os custos, as
ameaças nunca são distribuídos eqüitativamente, alguns lugares e setores sociais são e serão
mais afetados que outros. Os argumentos contrários tendem a ser encobrertos nos pareceres e
laudos, bem como se desconsideram as perguntas dos leigos, por vezes são ouvidos outros especialistas com visões e técnicas distintas. Para “ouvir” e atender essas divergências surgiram as
formas conciliatórias ou formas de cooperação, formas que tratam de produzir a interação e o
consenso entre a indústria, a política e as populações.
Para mudanças nas atitudes de cada segmento, os técnicos e especialistas, segundo Beck (1998)
devem deixar de afirmar que sabem o que é certo e bom "para todos", cujo processo se denomina
de “desmonopolização de especialização”. Além disto círculos de discussão abertos de acordo
com "padrões sociais de importância", com consequente estrutura de tomada de decisão para a
ação frente aos riscos pelos diversos agentes. Para essa forma de negociação entre especialistas
e atores interessados Beck propõe uma orientação para a gestão que muito se aproxima dos processos participativos nas administrações municipais conhecidas como orçamento participativo.
As respostas a estas perguntas têm como base a noção de democracia e uma nova versão da
política. Vista a democracia como uma fórmula que permite o questionamento das decisões, o
16
confronto das opções e a organização de posições para um confronto. Seja por via partidária, via
movimentos sociais ou via formação de grupos de pressão. As indagações acima tratam de trazer
o “cuidado”, a precaução às decisões de poder.
No caso da política reflexiva, esta vem acompanhada de ambivalências, dúvidas, múltiplas
informações, experiências, busca por acordos, mudanças de papéis e das funções, (através do
questionamento das instituições), forçando abrí-los, expandi-los, repensá-los e recompô-los. Será
uma forma de reinventar a ação política pela inclusão de novos conteúdos, novas formas e novas
coalizões. Fala da reinvenção da política, pelo exercício de repensar. Os espaços de discussão,
pela busca de acordos para diminuir dúvidas e tensões, tratando de renovar as estruturas e as
formas de mediação (Beck, 1998). A legitimidade, a autoridade, o carisma não podem ser
abandonados no processo de gestão e mediação, o que se aprende que há uma pluralidade de
sujeitos políticos dos riscos.
A banalização do acidente e a mediação dos atores na gestão dos riscos
Paul Virilio ao usar o termo “banalização” quer nos dizer que o cinema banalizou o acidente, a
catástrofe e o rompimento de limites. Num piscar de olhos, o avião se espatifa, no outro, está
inteiro, passa a ser um deleite para os espectadores. O acidente simulado é seguido pelo acidente
real, mas em “câmera lenta o choque mais violento, o acidente mais mortífero nos parecem tão
suaves quanto uma sucessão de carícias” (Virilio, 1999, p. 97). A movimentação da imagem pela
velocidade torna a visão de acidente um entretenimento vibrante, por isto o sucesso de filmes de
ação e de “maluquices” que rompem limites.
Esse aspecto da banalização do acidente, também ocorre nas indústrias químicas, onde os
trabalhadores são “terceirizados”, os gastos com equipamentos e profissionais de segurança
foram suprimidos ou desqualificados, pois a segurança sustenta-se nas câmaras e diante dos
problemas ambientais recorre-se à justiça. Em caso de acidente lentamente se refazem os
prejuízos já pagos por seguros. Os “pequenos acidentes” são constantes como relatam moradores
e sindicatos. Deste modo, o conceito de Virilio, de “banalização do acidente”, pode ser constatado.
Ainda, para delírio dos espectadores, o ator pode ficar com o corpo todo em chamas, crivado de
balas, mas o “mocinho” não sofre as verdadeiras conseqüências desses acidentes.
A desconstrução dos mitos e a reconstrução de novas metáforas.
Os riscos tecnológicos trazem em si uma opacidade que não os torna visíveis e identificáveis a
não ser que se construam dados, índices, exames e diagnõsticos. No caso das indústrias sujeitas
aos acidentes químicos de grandes conseqüências, há uma colcha de retalhos mitológics
formulados para explicar ou assimilar a situação existente. Para reverter essa forma coletiva de
explicação dos riscos, há necessidade de conhecimento científico. As mudanças pela ação
política requerem a formação de “coalizões” de interesse de atores, sob o comando legítimo do
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estado para chegar a um plano de reverter os riscos. A ciência ao trazer informações pode inovar
a linguagem e reverter crenças, que são expressas em rotinas de hábitos verbais, mentais e nas
atitudes dos dirigentes e trabalhadores em face dos equipamentos técnicos.
a) O mito: Canoas um barril de pólvora! Este inibe a formação de uma consciência pública dos
riscos locais: espacial, fatalístico, determinista, imobilizante e possivelmente condutor da
submissão à situação existente. A expressão reduz todo o espaço urbano a uma submissão ao
seu espaço subterrâneo, um território que contém um “perigo” não visível, que a qualquer
momento pode-se manifestar por forças ocultas. À pólvora se associam imagens de condutos, de
um detonador, de potência e de um dia da “fatalidade”. Estas imagens recordam as fantasias
supersticiosas antigas, mas que retornam como “espíritos e fantasmas”, invisíveis e poderosos.
Os mitos fantasmagóricos voltaram a povoar a imaginação, como atemorizantes medos urbanos,
pelos riscos desconhecidos, invisíveis e cujas conseqüências são incalculáveis, através de
decisões de atores empoderados.
As demonstrações científicas com distintas interpretações, aliadas à aprendizagem da linguagem
técnica, a informação de caráter público com legitimação pela fiscalização pública, o acompanhamento do gerenciamento das instalações de segurança e a mediação realizada pelos servidores
do Estado poderão vir substituir esses mitos. Na comunicação que leva a uma mudança de mitos
e substituição de expressões metafóricas exige-se o reconhecimento, formas de comunicação e
da estrutura da linguagem e das possibilidades para a passagem de uma percepção passiva para
a percepção ativa (Ferrara, 1993). Isto é, da imagem ao juízo perceptivo e à ação crítica e interveniente sobre o urbano.
Diante da acomodação na percepção da imagem da cidade de Canoas o rompimento suscita atividades de envolvimento, fiscalização, reconhecimento e em especial aprendizagem da linguagem
técnica, identificação das áreas, compreensão da distância que podem atingir os acidentes, esclarecimento dos tipos de danos à saúde individual e pública. As placas de sinalização ao longo dos
trajetos dos dutos atestam a comunicação visual e abre as vias da fiscalização. Nas reuniões com
as populações próximas às indústrias ocorreram explicações dos tipos de sirenes que soam dentro das indústrias e que produziam nos moradores do entorno temores de acidentes internos e que
os mesmos saíssem do controle das indústrias. A imagem da cidade como um “barril de pólvora”
não segmenta a sociedade e submete todos os moradores, torna-os assujeitados ao império do
risco e sem garantias de alguma forma de controle.
b) O mito paternalista – a “Petrobrás cuida de nós”! A expressão deste mito se manifesta pela fala das pessoas entrevistadas, sobretudo quando se referem ao poder econômico, ao poder técnico e ao poder empresarial. A frase mais repetida nas entrevistas ao longo dos dutos: as indústrias
cuidam de tudo e nunca deu problemas ou se houvesse perigo, ela nos diria. Surge assim a pergunta: Como reverter os “hábitos” de delegar todas as “preocupações” tanto ambientais, como de
saúde ou até zelo patrimonial para a Petrobrás? No caso em estudo, um dos mitos que inibe a
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consciência pública dos riscos é escolha de um cuidador, de um guardador e protetor para depositar os medos, temores, dúvidas e culpá-lo por eventos adversos. Há “mito confortável” que não exige atividades e decisões. Outra frase repetida nas reuniões da Comissão de Defesa Civil por
parte dos representantes de entidades: “Ela (a Petrobrás) sabe o que fazer na hora H e não tem
riscos, ela tem grande cuidado interno e fora dela”.
Por relatos de experiências e ao mostrar acidentes em Canoas com recortes de jornais e ao demonstrar o número de acidentes que ocorreram em complexos industriais brasileiros, mesmo com
a Petrobrás demonstra-se as possibilidades de acidentes ampliados no local. Produz-se uma forma de impacto na “confiança cega existente” e parece surgir a dúvida, à perguntas de como proceder em casos de emergências. As novas decisões que reorganizam o raciocínio e poderá vir a
vencer o paternalismo e a acomodação instalada pelo menos na linguagem somente vem uma
mudança nas áreas com organização em núcleo, com capacitação em cursos e simulados.
c) O mito da segurança química! Nas grandes indústrias tudo é feito pela segurança, pois se conclui que há constantemente pessoal “preocupado”, preparado técnico e psicologicamente para lidar e manejar com os equipamentos de segurança e têm a devida atenção aos desajustes ou pequenos acidentes. Mudanças ocorreram nos últimos anos a respeito dos profissionais da seguranç
com terceirização dos setores de segurança, havendo rodízio de técnicas e a diminuição do número de profissionais engenheiros através da substituição por técnicos.
As modificações na forma de organização e gerenciamento da produção química não chegam a
ser reconhecidas. Atenção atém-se ao uso de cartazes, de manuais de prevenção, no uso de equipamentos individuais de segurança, destacando-se a responsabilidade individual. Neste sentido existe um gerenciamento artificial de risco que visa tanto a construir a imagem de que há efetivo controle e prevenção de acidentes, como a reduzir as estatísticas oficiais de freqüência e gravidade.
A confiança técnica nas ações das indústrias é importante para o seu próprio marketing e seus acionistas, entretanto há acidentes constantemente e quando ocorrem lesionados ou mortes existe
certo noticiamento. Geralmente se divulga que as falhas foram dos atingidos, as vítimas. Da ótica
da sociedade civil local o desenvolvimetno da “confiança ativa” vai questionar e cobrar dos órgãos
fiscalizadores (Corpo de Bombeiros, FEPAM, Ministério do Trabalho e sindicatos) níveis de segurança química nas indústrias.
d) O mito: nos dutos não acontece nada!! Este mito tem como os monstros duas “cabeças”, cujas
faces dependem de quem as olha. O olhar dos moradores vai desde a indagação sobre o que “ali
circula” à indiferença pela proximidade da casa, até o temor acerbado que ocorreu durante e após
o acidente da Agp/Liquigás em maio de 1999. A imaginação coletiva, dos presentes nas reuniões
sobre o Plano de Evacuação da área, era que o medo de que o fogo circulasse pelos dutos no
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subsolo e estes explodissem levando um cordão de explosões, vazamentos e incêndios6. Recordavam-se de acidente em outras regiões. Para os representantes das associações comunitárias
na Comissão de Defesa Civil passou a ser prioritário decifrar os dutos, onde passam e o que passa por eles. Isto passou a ser uma “demanda” de pesquisa. Entretanto, parece crônico que mesmo havendo esses temores e dupla linguagem dos moradores e dos técnicos a Prefeitura de Canoas construiu uma creche no bairro Rio Branco, cujo pátio fica em área de domínio de duto.
Os técnicos e engenheiros das empresas com dutos (Petrobrás, Transpetro, Sulgás) nas primeiras entrevistas davam conta de que os dutos não apresentavam problema, com duração ilimitada,
a corrosão, o tempo de vida útil, as trepidações da BR 116, do Trensurb e das avenidas. Nada
abalava os dutos, somente o problema se sob os dutos se plantassem árvores na área de domínio.
Finalizando: desconstrução dos mitos e a reconstrução de novas metáforas
Ao tratar da linguagem pode-se dizer que esta tem como pontos fortes a aquisição do conhecimento sobre a produção, o processo industrial, a aprendizagem sobre a mesma e como pontos
fracos, o que não é dito ou só será dito por opiniões contrárias ao estabelecido dentro das indústrias. Por isso, a necessidade do “decifrar” os termos aliando as dúvidas vindas dos setores que
podem ser mais atingidos, com os esclarecimentos e informações dos setores especializados e de
universidades. Contudo, permanece a pergunta: do conhecimento da linguagem técnica passarse-à para uma linguagem que mobiliza a percepção coletiva? E como deve ser esta “nova crença”
que venha a diminuir o sofrimento psíquico de “viver em estado permanente de risco” ou sob o
domínio da metáfora de se viver sob um “barril de pólvora”?
São ponderáveis a importância das necessidades lingüísticas, de analogias e metáforas, pois estas facilitam a descrição, a análise e podem vir a orientar como se fará a intervenção. Nas crenças
e nos hábitos coletivos, podendo vir a levar à participação para uma minimização dos riscos urbanos. Uma forma encontrada pela Comissão de Defesa Civil de Canoas foi a realização do seminário “desmistificando o risco em Canoas”, cujos objetivos eram confrontar opiniões entre os representantes e dirigentes políticos, civis e técnicos envolvidos e retornar à crença que o saber compartilhado e o reconhecimento mútuo de cada papel social, pode levar a um preparo para as emergências.
O Seminário sobre a desmistificação dos riscos, dentro da análise que aqui foi trazida, encaminhase para novas metáforas. Sendo que novas frases são lançadas nas falas e ditos ao longo do evento cultural e técnico. As orientações técnicas, ou melhor dizendo operacionais, escondem, ou
escamoteiam os componentes sociais, em especial as relações de poder. A assimilação para a
mudança de metáforas compreende também mudanças culturais, porque trazem em seu bojo no6
Ao longo da investigação foram elaborados mapas dos dutos urbanos, mas por questão de logística não estão incorporado ao
presente texto.
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vas crenças, estas baseadas em dados, informações que se contrapõe, que sofrem à dúvida e
que levam também a novas interpretações fomentando novas articulações de atores, governados
e governantes.
Os dados vindos da Comissão de Defsa Civil (COMDEC) sobre atendimentos em eventos, o relato
dos programas para a prevenção na área educacional, os simulados, os estudos das áreas pela
pesquisa e as reuniões nas indústrias formam um novo conjunto de dizeres da cidade. O que entendemos como mudança de linguagem e engendrando metáforas: Canoas: cidade da atuação
responsável coletiva; Canoas: comunidade preparada para as emergências químicas; Cidade da
solidariedade entre os seres vivos e os equipamentos; Aqui temos: gestão compartilhada dos riscos.
Por fim, entendemos que o papel da “esquerda cultural”, de seus intelectuais e investigadores,
consiste em aproximar os saberes e as práticas sociais entre sindicatos, partidos políticos, movimentos sociais, associações, corporações e órgãos públicos. O conhecimento terá, assim, várias
“versões” que poderão ser defrontadas para esclarecer a gestão dos riscos. E se criarão novas linguagens e novas metáforas para uma sociedade chamada de riscos.
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