Brevíssimas reflexões sobre as Súmulas 326 e 327 do T.S.T. Raul Moreira Pinto Juiz aposentado As presentes reflexões surgiram de debate no bojo de uma reclamatória trabalhista em que se busca pagamento de auxílioalimentação, concedido durante a vigência do contrato de trabalho e suspenso com o desligamento do autor após aposentadoria, em decorrência da alteração de normativo editado e revogado enquanto sobrevivo o ajuste. O que se distingue no caso é o fato de o Reclamante ter ajuizado a reclamação quase sete anos após a aposentação. A empresa argüiu, em seu prol, a Súmula 327, do C. T.S.T., aduzindo que o marco da contagem do marco prescricional seria a data do afastamento, como preconizado na Súmula 326, do mesmo Tribunal. Partindo do princípio que exista pretensão legítima do ex-empregado para recebimento dos créditos, a contrapartida destes seria uma obrigação correlata do ex-empregador; essa obrigação decorreria de descumprimento da norma regulamentar aplicável por parte deste último. O problema é que, nesse caso, não há descumprimento da norma regulamentar vigente ao tempo da aposentadoria; o que se degladia é sobre a incolumidade de norma anterior que garantiria o direito à percepção do complemento ou da diferença dele, regramento esse revogado por outro que o sucedeu e então vigorante quando do desligamento. Tanto na hipótese da complementação jamais paga, quanto na não quitação integral do benefício, o dissídio tem como gênese vício de ato revocatório. Tratar-se-ia, sem dúvida, de alteração de cláusula contratual lesiva ao empregado, que cairia sob o alfanje do artigo 9º., da C.L.T.. Pode-se concluir, pela clara redação do seu citado artigo 9º., que a C.L.T. não cuida de atos anuláveis, dando, por isso, tratamento de ato nulo a qualquer ato que busque desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos seus preceitos. Assim, um vício de consentimento presumido pelo estado de sujeição do empregado, que, por princípio e natureza, o levaria à categoria de anulável, seria ato nulo por força de lei. Partindo do entendimento que o ato de alterar o contrato em prejuízo do trabalhador é nulo, há que se aplicarem a este as regras e princípios positivados no ordenamento jurídico, observada a especificidade de cada ramo do direito e eventual aplicação subsidiária. Antes de avançar no raciocínio, é útil chamar a atenção para um equivoco bastante comum e que pode causar alguma dificuldade para entendimento do problema. Com efeito, afirma-se habitualmente que “não há prescrição do ato nulo”. Efetivamente, não há e jamais haverá, pois não existe “pretensão de ato”. O que prescreve é a pretensão (condenatória) a uma prestação (artigo 189, C. Civil), decorrente de lesão de direito. Se o ato é ilícito, contratual ou não, nulo ou anulável, e produziu dano, a pretensão à reparação deste é que está sujeita à prescrição. O não “convalescer” do ato nulo, preconizado no artigo 169, do Código Civil, nada tem a ver com o instituto da prescrição. Retomando o raciocínio, se se considerar, agora, que o vício de consentimento na alteração lesiva do contrato de trabalho for ato anulável, o fator tempo é relevante nas presentes reflexões. A pretensão ao decreto de nulidade do ato anulável é de índole constitutiva, de modo a reclamar uma sentença dessa mesma natureza. Segundo a clássica lição de Agnelo Amorim, a pretensão constitutiva (no caso de decreto de anulação, desconstitutiva) pode ser objeto de decadência, não de prescrição. Já a pretensão de declaração, seja de ato nulo ou anulável - não se sujeita nem à prescrição e nem à decadência. Se se vislumbrar que, no caso ora tratado, a obrigação de complementar proventos de aposentadoria é ad futurum, isto é, vai além do término do contrato, tratar-se-ia, no dizer dos civilistas, de “eficácia virtual” post pactum finitum. Em contratos dessa natureza, a obrigação se manifesta na extinção da obrigação principal, como no caso de devolução do imóvel, ao fim do contrato de locação. Dentro desse enfoque, não haveria dúvida de que eventual prazo de decadência para exercer a pretensão de desconstituição da alteração lesiva, se aceita a tese da sua anulabilidade, repita-se, se iniciaria da data da extinção do contrato; não antes, pois nesta hipótese inexistiria interesse jurídico, lembrando ainda que a data da aposentadoria pode não coincidir com a do desligamento do emprego. Nessa situação, seria válido o comando da Súmula 326, do C. T.S.T., quanto ao marco para postular reparações pecuniárias, permitidas reflexamente pela prévia e necessária desconstituição judicial da alteração lesiva. Mas – parece - a condição de jamais ter sido paga é irrelevante, pois, para fins de decreto desconstitutivo da alteração, tanto faz se o ex-empregado beneficiário tenha recebido ou não o benefício. Não se pode deixar de lembrar que existem pretensões constitutivas que não estão sujeitas à decadência, como se vê, por exemplo, no campo do direito de família. Assim, pode-se afirmar que há pretensões constitutivas que decaem e outras não, tudo decorrendo de política legislativa. No caso enfocado, não há disposição de lei no Direito do Trabalho que fixe prazo decadencial para dedução de pretensão que vise desconstituir alteração de norma regulamentar; isto, repita-se sempre, se se considerá-la ato anulável. Nesta hipótese, a solução seria a mesma: como a legislação trabalhista não cuida de prazo decadencial para decretação de nulidade da alteração, o prazo prescricional para reclamar valores do complemento seria parcial. Todavia, se se admitir subsidiariedade da Lei Civil, em razão da ausência de fixação de prazo para anular o ato na legislação trabalhista, poder-se-ia aceitar, em tese, a aplicação do disposto no artigo 179, do Código Civil. Neste caso, o prazo de dois anos para anular a alteração se iniciaria da data em que ocorreu a modificação, solução também estranha às das duas Súmulas. Esta interpretação traria como consequência praticamente eliminar todas as reclamações trabalhistas, visto que a condição de sujeição do empregado o impede, ou, no mínimo, o desestimula de se valer do Judiciário. Entretanto, não se pode olvidar que o atual Código Civil houve por bem trazer para o instituto da decadência a exceção - típica do da prescrição - do princípio contra non valentem, ao dispor no artigo 178, inciso III, que o prazo decadência, relativamente aos incapazes, começa a contar do dia em que cessar a incapacidade. Justificaria, por analogia, a aplicação dessa regra positivada no campo do Direito do Trabalho, a situação, já mencionada, de sujeição do empregado ao empregador, enquanto na vigência do contrato laboral. E isso pelo tão só fato de ostentar o obreiro tal condição. Dentro desse quadro, igualmente o marco para contagem do prazo decadencial para a desconstituição da alteração seria a data do rompimento do vínculo, também sem repercussão o fato de haver pagamento ou não da vantagem anteriormente. Resumindo: a) se alteração lesiva configura ato nulo, basta um provimento declaratório, a cuja pretensão não está sujeita nem a decadência nem a prescrição; b) se a alteração lesiva tem natureza de ato anulável, ante a ausência de prazo de decadência para postulação de sua desconstituição, o ex-empregado poderia deduzir tal pretensão a qualquer tempo; c) ainda na condição de ato anulável, em outra interpretação possível, o titular poderia exercer sua pretensão constitutiva dentro de dois anos (art. 179, C.C.), contados da data em que se efetivou a alteração; d) ainda na condição de ato anulável, se se acolher tese de aplicação analógica do tratamento legal dado ao incapaz (artigo 178, III), o marco para desconstituição seria a data em que o contrato de trabalho for rompido, no prazo de dois anos; e) nas hipóteses das letras a e b, a prescrição das parcelas do complemento é sempre parcial; nas hipóteses das letras c e d, se não exercida a pretensão constitutiva no prazo mencionado, a prescrição de pretensão obrigacional (a rigor, nem mesmo seria possível falar prescrição, à falta do direito gerador do crédito) é total; caso exercida a pretensão constitutiva, a prescrição das parcelas é parcial. De outro modo e mais simplificando: i) se não decaiu o direito de desconstituir a alteração ou inexistente ele, a prescrição das parcelas do complemento – este objeto principal das ações – é sempre parcial; ii) caso contrário, se ocorrente a decadência, a prescrição das parcelas (inexistente mesmo o direito, como dito) é total. Daí, o que orienta a pesquisa do direito à complementação da aposentadoria, sob o enfoque da prescrição, é subsistência ou não da alteração contratual lesiva que o reduziu ou o extinguiu; passa a análise pelo exame da possibibilidade de se pedir a declaração (ato nulo) ou desconstituição (anulável) do ato. Decidida essa questão, é, então, que se cuidará da prescritibilidade da pretensão de recebimento dos valores relativos ao complemento ou sua diferença. Pelo lado do autor destes escritos, entende ele que efetivamente a alteração lesiva é ato nulo, não estando a pretensão de vê-la invalidada sujeita à decadência ou a prescrição. Sob esse ângulo, a prescrição será sempre parcial, de dois anos (número máximo, pois não há parcelas de complemento devidas antes da extinção do vínculo, sendo as devidas necessariamente geradas após esse evento, que é o marco do biênio), a contar da data em que for declarada a condição de nula da alteração, sem campo para discutir-se se houve ou não pagamento anterior do complemento, integral ou parcialmente. À discussão!