A ORGANIZAÇÃO DO ENSINO NA SALA COMUM E NA INSTITUIÇÃO ESPECIALIZADA PARA ALUNOS DEFICIENTES VISUAIS Natália Costa de Felicio 1 - UFSCar Grupo de Trabalho – Diversidade e Inclusão Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo O presente artigo tem como temática central o ensino para alunos com deficiência visual (cegueira e baixa visão). Sabe-se que tal deficiência pode não comprometer o desenvolvimento cognitivo do sujeito, porém para que consigam realmente aprender os deficientes visuais precisam contar com uma gama de recursos e adaptações para que suas necessidades sejam atendidas. Desse modo, o estudo objetivou investigar como tem sido organizado o ensino para os deficientes visuais nas classes comuns de escola pública e na instituição especializada; e verificar como tem sido a relação entre a educação comum e a educação especial. A pesquisa possui delineamento descritivo, e a técnica escolhida para a coleta de dados foi a observação. O estudo foi desenvolvido em uma Escola Estadual de Ensino Fundamental (Ciclo I) e em uma instituição especializada no atendimento de alunos com deficiência visual de uma cidade de porte médio do interior do Estado de São Paulo. Participaram do estudo quatro alunos, sendo um cego e três com baixa visão. A análise dos dados, sob uma perspectiva qualitativa, evidenciou que os alunos com deficiência visual observados não encontram, na escola comum, as condições que necessitam para aprender. Raramente são feitas adaptações para que eles possam acompanhar as aulas, poucas atividades são adequadas às suas especificidades. Além disso, o trabalho realizado na instituição especializada não estabelece um vínculo com a rede comum, as relações mantidas ainda são superficiais e inconstantes. Foi perceptível que o processo de inclusão nas condições observadas ainda tem um longo caminho a percorrer visando garantir os direitos dos alunos com este tipo de deficiência de acessar o conhecimento e usufruir plenamente a escola. Palavras-chave: Educação Especial. Deficiência Visual. Ensino Fundamental. 1 Mestranda em Educação Especial pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Especial (PPGEEs) da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar (SP). Graduada em Pedagogia na Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto (SP), ano de conclusão 2013. E-mail: <[email protected]> ISSN 2176-1396 6388 Introdução O presente estudo2 justifica-se no atual cenário da educação brasileira, a qual vem se modificando intensamente devidos aos movimentos de democratização do acesso à escolarização básica e inclusão escolar. Em decorrência de tais movimentos, os alunos Público Alvo da Educação Especial3 estão adentrando as escolas comuns para realizarem a escolarização básica. Sabe-se que estes alunos ficavam excluídos e até meados do século XX, eram atendidos predominantemente por instituições e serviços especializados. Sendo assim, este trabalho analisou as condições de ensino organizadas especificamente para alunos cegos e com baixa visão inseridos em classes comuns de uma escola pública estadual de Ensino Fundamental (Ciclo I). O termo deficiência visual inclui dois grupos de condições distintas: a cegueira e a baixa visão, as quais se caracterizam por ser a perda total ou parcial respectivamente, congênita ou adquirida, variando de acordo com o nível ou acuidade visual. De acordo com o documento orientador Educação Inclusiva: direito à diversidade (BRASIL, 2005), a cegueira constitui-se por ser a perda total ou o resíduo mínimo de visão que leva a pessoa a necessitar do Sistema Braille como meio de leitura e escrita. Já a baixa visão é o comprometimento do funcionamento visual de ambos os olhos, não podendo ser corrigida por meio de tratamento clínico e nem de óculos convencionais, ainda que os portadores de baixa visão apresentem diferentes níveis e graus de resíduos visuais, permitindo que o indivíduo consiga ler textos ampliados com ou sem recursos ópticos especiais. Segundo Orrico, Canejo e Fogli (2009), os cuidados educacionais com os indivíduos cegos surgiram no século XVI com Girolinia Cardono, médico italiano que testou a possibilidade de algum aprendizado de leitura por meio do tato. Os primeiros escritores de livros para educação dos deficientes visuais foram Peter Pontamus Fleming (cego) e o padre Lara Terzi. Desde então, as ideias difundidas foram-se fortalecendo até que, em 1784, surge em Paris, criada por Valentin Hauy, a primeira escola para cegos: o Instituto Real dos Jovens Cegos. Nela Hauy exercitava sua invenção: um 2 Este artigo é um recorte de um trabalho de monografia realizado no ano de 2014, sob a orientação da Profa. Dra. Cristina Cinto Araújo Pedroso, o qual objetivou investigar as condições de ensino organizadas para alunos com deficiência visual na escola comum e na instituição especializada e as concepções dos professores acerca do ensino desses alunos na escola comum. 3 De acordo com o Decreto n° 7611, de 17 de novembro de 2011, o qual dispõe sobre a educação especial, o atendimento educacional e dá outras providências, considera-se público alvo da Educação Especial as pessoas com deficiência, com transtornos globais do desenvolvimento e com altas habilidades e superdotação. 6389 sistema de leitura em alto-relevo com letras em caracteres comuns (ORRICO; CANEJO; FOGLI, 2009). No século XIX, proliferam na Europa e nos Estados Unidos escolas com a mesma proposta educacional, posteriormente um novo sistema com caracteres em relevo para escrita e leitura de cegos é desenvolvido por Louis Braille (1809-1852). O Sistema Braille, como ficou conhecido, é constituído por 63 sinais em relevo cuja combinação representa as letras do alfabeto, os números, as vogais acentuadas, a pontuação, as notas musicais, os símbolos matemáticos e outros sinais gráficos. O Sistema Braille chegou ao Brasil em 1850, pelas mãos do jovem cego José Álvares de Azevedo, o qual teve contato com o Braille em Paris, mas foi a partir da década de 1940, com a criação da Fundação Dorina Nowill para Cegos, que a produção de livros nesse formato ganhou força. O Brasil passou a conhecer tal sistema com a inauguração do Instituto Benjamin Constant, no Rio de Janeiro, chamado, na época, de Imperial Instituto dos Meninos Cegos, cujo fundador fora D. Pedro II. Tal instituto já tinha como missão a educação e profissionalização das pessoas com deficiência visual (ORRICO; CANEJO; FOGLI, 2009). É pertinente ressaltar que o Sistema Braille não é suficiente para a alfabetização das crianças cegas ou de baixa visão, dessa maneira os educadores devem contar e fazer uso de outros mecanismos que auxiliem no processo de alfabetização a fim de que tais crianças tenham acesso e compreendam os conteúdos escolares (BRASIL, 2010). Um ponto que merece destaque é que a deficiência visual não impede que o aluno desenvolva suas capacidades cognitivas desde que ele seja estimulado adequadamente e no tempo certo. Para tanto, é necessário que o aluno seja inserido em processos educacionais de qualidade, os quais podem ser desenvolvidos pela rede comum de ensino em parceria com os serviços de educação especial. Dentre os serviços de educação especial, cabe destacar a instituição especializada e a sala de recursos. Vale ressaltar ainda que o sucesso escolar de alunos deficientes visuais configura-se como um dos desafios da inclusão. A deficiência visual em si não representa um obstáculo necessário para o desenvolvimento e para a aquisição de conhecimento, mesmo assim a trajetória escolar de sujeitos com esta deficiência acaba sendo mal-sucedida devido a um conjunto de fatores que envolvem desde os serviços de identificação e a intervenção precoce, isto é, a assistência à criança e a orientação à família, até a instrumentalização dos professores para utilizar, com cada faixa etária e com cada criança, os meios que promovam o interesse e a participação de fato nas atividades escolares (LAPLANE; BATISTA, 2008). 6390 Segundo Orrico, Canejo e Fogli (2009), a escolarização dos deficientes visuais em turmas regulares necessita de suportes complementares da Educação Especial que lhe ofereçam condições para adaptação e progresso em situações de aprendizagem e equiparação de oportunidades. Tais recursos devem estar acessíveis aos professores e alunos tanto na escola comum como na instituição especializada. São exemplos desses materiais: recursos ópticos; computadores; softwares; e programas de voz e de digitação em Braille; máquina Braille; reglete; soroban; lentes; livros didáticos, de assuntos diversos e de literatura em geral, transcritos e impressos em Braille e gravados em áudio; calculadoras e relógios com recursos de síntese de voz; materiais em relevo; dentre outros. Sendo assim, os alunos com deficiência visual, para que possam desenvolver o seu potencial cognitivo, precisam contar com esta gama de recursos e adaptações para que suas necessidades sejam atendidas. Nesse sentido os serviços especializados assumem significativa importância, bem como a formação dos professores para ensiná-los, dentre outros fatores. Com base no que fora exposto acerca das especificidades da escolarização dos alunos com deficiência visual, os objetivos do presente estudo foram: Investigar como tem sido organizado o ensino para os alunos com deficiência visual inseridos nas classes comuns e na instituição especializada; e Verificar como tem sido a relação entre a educação comum e a educação especial. Metodologia O estudo possui delineamento descritivo. Segundo Gil (2002), a pesquisa descritiva tem como objetivo descrever as características de determinada população, fenômeno ou estabelecimento de relações entre variáveis; visa estudar as características de determinado grupo. A técnica de pesquisa escolhida foi a observação. De acordo com Vianna (2003), pode-se caracterizá-la como participante ou não participante. Na primeira, o observador faz parte do objeto da pesquisa, procurando fazer parte do grupo, já na segunda ocorre o contrário, o observador não é membro do grupo, não se envolve nas atividades desenvolvidas por ele. Como já fora mencionado, o presente trabalho utiliza-se da observação participante e também possui um caráter “aberto”, já que o observador é visível aos observados. Desse 6391 modo, no momento das análises, a presença do observador deve ser considerada como um elemento que detém grande influência dentro do âmbito da sala de aula. Local A pesquisa foi desenvolvida em uma Escola Estadual de Ensino Fundamental (Ciclo I) e em uma instituição especializada no atendimento de alunos com deficiência visual de uma cidade de porte médio do interior do Estado de São Paulo. Participantes Participaram do estudo quatro alunos, sendo um cego e três com baixa visão. A tabela 1 mostra as características dos alunos participantes do estudo. Tabela 1 – Idade, gênero, nível de ensino e tipo de deficiência dos participantes. Aluno Nível de Ensino 4º ano (período da manhã) A2 10 Masculino 4º ano (período da tarde) A3 9 Masculino 5º ano (período da manhã) A4 7 Feminino 2º ano (período da manhã) Fonte: Dados organizados pela autora, com base nas observações. A1 Idade 10 Gênero Masculino Tipo de Deficiência Baixa Visão Cegueira Baixa Visão Baixa Visão Vale apontar que no contra turno ao ensino regular esses quatro alunos frequentavam a instituição especializada e nela faziam parte da mesma turma, que se constituía, portanto, de alunos com diferentes idades e diferentes níveis de escolarização. Procedimento de Coleta de dados As observações estruturaram-se da seguinte forma: o pesquisador realizou 8 horas de observação com cada um dos quatro alunos, totalizando 32 horas de observação na rede regular de ensino, e, após essas observações, dirigiu-se à instituição especializada, onde observou mais 8 horas de cada aluno, resultando em mais 32 horas. No total foram realizadas, portanto, 64 horas de observação. Tais observações foram realizadas durante o segundo semestre de 2012. 6392 As aulas observadas foram sistematicamente registradas em diário de campo, logo após o término delas e a saída do pesquisador da sala de aula, ou seja, procurou-se não registrar nada durante as observações. Procedimento de Análise dos dados Os dados receberam análise qualitativa. As observações das aulas visaram obter dados em relação aos seguintes aspectos: procedimentos de ensino, implementação de adaptações curriculares e planejamento prévio da aula. A organização do caderno de campo foi realizada tanto para os dados coletados na rede regular de ensino, como para a instituição especializada. Além dos aspectos relacionados à organização das aulas, citados acima, buscou-se com as observações e a análise dos dados verificar também a articulação entre a escola comum e a instituição especializada. Análise dos Resultados A análise dos resultados será apresentada em função dos dados obtidos nos dois serviços analisados: sala regular na escola pública de educação básica e instituição especializada. Sala Regular na escola pública de Educação Básica As 32 horas de observação realizadas nas classes comuns permitiram verificar que a escola regular mostra condições incipientes para atender os alunos com deficiência visual. Em relação à organização das aulas, especificamente se as necessidades dos alunos observados são contempladas no referido planejamento das professoras, verificou-se que apenas duas das quatro professoras observadas na escola comum mostraram alguma preocupação em adaptar os materiais para os alunos com deficiência visual durante o período de observação. No entanto, essa adaptação de material foi feita de maneira intermitente, não é algo constante que pôde ser observado na totalidade das aulas; geralmente foram adaptações referentes a textos, gravuras ou tabelas. Para esse trabalho de adaptação as professoras contaram com o apoio da instituição especializada que quando é solicitada vai à escola para atender os professores. Porém, este apoio deveria ser permanente, mas falta comunicação entre as os serviços (escola comum e instituição especializada), pois, dependendo do material a ser confeccionado ou adaptado, 6393 leva-se tempo para produzi-lo, e as professoras do ensino regular esperam que isso ocorra de um dia para o outro, ou então, até a próxima aula da disciplina. Para que o apoio se efetive é necessário que ocorra também uma comunicação constante, regular e permanente entre a escola comum e a instituição especializada para que os professores possam conversar e inteirar-se do currículo desenvolvido em ambas as instituições e, no caso do professor da instituição especializada, ter tempo suficiente para elaborar os materiais e entregá-los com a antecedência necessária para o professor possa utilizá-los na sua aula; desenvolvendo desse modo um trabalho colaborativo entre o ensino regular e a instituição especializada. Segundo Veiga (2008, p.295), a organização das aulas como ação colaborativa supõem os seguintes elementos: um processo de construção coletiva, que deve emergir de uma realidade local, sem deixar de refletir sobre o global; uma reflexão sobre a própria prática pedagógica, que emerge de uma realidade concreta e a ela retorna com novas orientações; um processo de previsão e organização da ação intencional, ou seja, antecipação das ações e atividades que vão ocorrer durante a aula, a fim de evitar a rotina e a improvisação; uma forma mais segura de impedir a fragmentação do conhecimento, à medida que fortalece o grupo e desenvolve a colaboração entre os diferentes protagonistas – professores e alunos; a presença dos princípios de contextualização, flexibilidade, objetividade, colaboração e exequibilidade. O material didático adotado na escola comum é o livro Ler e Escrever, o qual é adaptado para os alunos com baixa visão, ou seja, a letra e os números são ampliados; entretanto, em função do aumento da fonte, um mesmo livro possui vários volumes a fim de abranger todo o conteúdo. Porém, as adaptações só são realizadas no livro de Português e Matemática, não havendo livros adaptados de Ciências, Geografia e História. No caso dos alunos com cegueira, o mesmo não ocorre, isto é, não há livros adaptados para o Braille. No transcorrer das observações dos três alunos com baixa visão, foi perceptível que a presença do material adaptado, livro Ler e Escrever, os auxilia a acompanharem as aulas, visto que a professora se apoia muito nesse material para ministrar os conteúdos. Na disciplina de Português, as professoras, na maioria das vezes, trabalharam com textos. Dessa forma, em alguns dias houve adaptação: quando é um texto desvinculado do material didático, as professoras procuram ampliar a letra. Em relação à disciplina de Matemática, a lousa é o principal instrumento para transmitir os conteúdos aos alunos, as professoras escrevem nela os exercícios propostos, por exemplo, resolução de problemas ou continhas. 6394 Pode-se dizer que ao escrever na lousa a professora limita a autonomia dos alunos, pois esses, não conseguem enxergar o que está escrito e, consequentemente, são impossibilitados de copiar o que foi exposto. Em decorrência, os alunos acabam tornando-se dependentes de outros colegas para copiarem a matéria no caderno. Tal fato, no entanto, possui um lado positivo que é o de promover certa interação entre os alunos (com e sem deficiência) o que poderá favorecer o desenvolvimento do respeito ao diferente. Entretanto, fica nítido que o professor não está considerando seu aluno no referido planejamento, pois sabe que, se escrever na lousa, o aluno não conseguirá enxergar, sejam exercícios, resumos, textos, contas ou figuras. Além disso, se a ajuda dos colegas não for bem organizada, ou seja, se não houver um rodízio entre eles, por exemplo, para ajudar o aluno deficiente, poderá haver sobrecarga de tarefas. Sobre essa questão cabe considerar também que a responsabilidade de ensinar os alunos com deficiência é do professor e não pode ser transferida para os colegas. Em relação à participação dos alunos de baixa visão nas aulas, foi perceptível que isso ocorre apenas quando são solicitados, por exemplo, a ler os textos disponibilizados em Braille ou em letra ampliada ou a dar alguma opinião, ou seja, não se verificou nenhuma iniciativa dos alunos com deficiência visual para interagir espontaneamente com os demais colegas ou com os professores. Isso revela que esses alunos não encontram nas aulas as condições que necessitam para participar plenamente do processo como ocorre com os seus colegas. Tratando-se do aluno cego, algumas considerações são diferentes se comparado aos alunos com baixa visão, isso porque, a princípio, o aluno cego não conta com todos os materiais utilizados pela professora em Braille. Desse modo, tem apenas a máquina Braille ao seu alcance. A professora responsável pela sua turma, raríssimas vezes produz materiais adaptados para atendê-lo, sendo assim, o aluno passa várias horas de seu dia sem fazer nada, quieto, isolado, esquecido. Na disciplina de Português, a professora trabalha bastante o contar e o produzir histórias, e o aluno, por ser alfabetizado no Braille, consegue criá-las e registrá-las com a máquina. Entretanto, a professora não domina esse código; dessa forma, ela necessita do apoio da instituição especializada para fazer a transcrição da escrita em Braille para a escrita em Português, para que posteriormente possa ler e corrigir as redações. O apoio da instituição não é frequente e permanente, como já foi citado, tal como recomenda a legislação (BRASIL, 2011), portanto, não está integrado à proposta da escola. Nesse caso, não favorece a eliminação das barreiras que o aluno encontra no cotidiano da sua escolarização. Já na 6395 disciplina de Matemática, observou-se que o aluno possui um raciocínio muito bom, rápido e preciso, conseguindo fazer algumas contas “de cabeça”. Como já citado, a docente apoia-se no material didático Ler e Escrever para desenvolver suas aulas e tem o costume de escrever muitas informações na lousa, e como seu aluno não possui livro e também não enxerga, ela não cria mecanismos para que ele realmente participe ativamente das aulas. Às vezes, solicita sua participação, sua opinião; entretanto, o aluno fica em muitos momentos disperso, afinal, a aula como está sendo ministrada não lhe prende a atenção, não possui um diferencial que possa garantir a sua participação. Nas aulas observadas verificou-se ainda que o aluno cego conta com a ajuda de seu colega no momento em que todos devem copiar a rotina da aula escrita na lousa, o colega vidente dita as matérias e os principais conteúdos que serão dados no dia, e ele registra com a máquina Braille. No entanto, após digitar a rotina fica esperando a professora passar-lhe alguma atividade, e ela parece não se importar com a espera do aluno. Um dado que deve ser ressaltado, tratando-se do currículo, é que, conforme foi exposto, as disciplinas de Português e Matemática ganham “ênfase” e preferência no planejamento dos docentes, ficando para “segundo plano” as demais matérias, tais como: História, Geografia, Ciências e Artes. Dessa forma, segundo Freitas (2012, p.11) fica nítido que “a escola cada vez mais se preocupa com a cognição, com o conhecimento, e esquece outras dimensões da matriz formativa, como a criatividade, as artes, a afetividade, o desenvolvimento corporal e a cultura”. Tal fato ocorre devido à influência que as Avaliações Externas exercem sobre as instituições escolares, consequentemente, sobre os docentes, os quais precisam preparar seus respectivos alunos para as realizarem e, sobretudo, para que esses obtenham um bom desempenho. Dessa forma, os professores priorizam as disciplinas de Português e Matemática em detrimento das demais, já que são aquelas que os exames cobram e esperam bons resultados. Vale ressaltar que tal atitude gera um estreitamento curricular, o qual se configura segundo Saviani (1986 apud FREITAS, 2012, p. 12) por estar, focado nas disciplinas testadas e o esquecimento das demais áreas de formação do jovem, em nome de uma promessa futura: domine o básico e, no futuro, você poderá avançar para outros patamares de formação. Todos sabemos que a juventude mais pobre depende fundamentalmente da escola para aprender, e se for limitada a sua passagem pela escola às habilidades básicas, nisso se resumirá sua formação. Diante desse estreitamento curricular, outro fator constatado durante as observações é que dois dos quatro alunos (integrantes do 4º e 5º anos) demonstraram muitas dificuldades 6396 para ler, escrever e fazer operações básicas. Quando solicitados para escrever um pequeno texto, não conseguiram produzi-lo, foi preciso ditar letra por letra para formarem as palavras. Da mesma maneira com a Matemática, mesmo fazendo as contas com os dedos, foi necessário apoiá-los para que pudessem concluir os exercícios. Cabe destacar que tais apoios não foram baseados em intervenções pedagógicas adequadas para os alunos com deficiência visual que pudessem de fato levá-los a superarem as dificuldades e acessarem o conhecimento. Foram estratégias imediatistas e improvisadas. As situações observadas destacam a falta de formação das professoras para auxiliarem os alunos com deficiência visual e para organizarem situações de ensino adequadas para esses alunos. Isso coloca em evidência a formação das professoras e a falta de condições de trabalho adequadas. Quanto ao papel do professor, segundo Charlot (2008, p.20), “o professor ganhou uma autonomia profissional mais ampla, mas, agora, é responsabilizado pelos resultados, em particular pelo fracasso dos alunos”. Como foi presenciado, as classes são numerosas e ainda contam com a presença do aluno deficiente. Desse modo, foi perceptível que as professoras necessitam de um apoio maior, seja da instituição especializada seja de uma professora assistente a fim de que consigam planejar melhor os conteúdos, dar uma atenção mais individualizada aos alunos, garantindo mais qualidade ao processo de ensino, em especial do aluno deficiente. Sendo assim, ainda de acordo com Charlot (2008, p. 23), quanto mais difíceis as condições de trabalho, mais predominam as estratégias de sobrevivência. Avanço a hipótese de que são essas estratégias de sobrevivência, e não uma misteriosa “resistência à mudança”, que freiam as tentativas de reforma ou inovação pedagógica. Quem propõe uma mudança significativa desestabiliza as estratégias de sobrevivência do professor e este não recusa a mudança, mas a reinterpreta na lógica de suas estratégias de sobrevivência – o que, muitas vezes, acaba por esvaziar o sentido da inovação. Desse modo, é compreensível a dificuldade que os docentes encontram para organizar e desenvolver o seu trabalho de forma eficaz para alcançar o desenvolvimento integral de seus alunos; afinal, a instituição escolar contemporânea está fortemente influenciada pelas avaliações tanto internas como externas, e pela atribuição de notas que dá a seus alunos, esquecendo-se de princípios fundamentais e direitos que deveriam garantir, por exemplo: o respeito à diversidade, se o aluno está realmente aprendendo reduzindo os riscos de um fracasso escolar e se está conseguindo desenvolver seu potencial cognitivo e suas habilidades. Um acontecimento que chamou a atenção refere-se à aula de Educação Física, a qual o aluno cego não participa e a professora responsável não mostrou esforço para inseri-lo nas 6397 atividades realizadas pelos seus colegas. Em uma das aulas observadas a professora apenas deu uma bola para o aluno cego ficar brincando enquanto a turma fazia outra atividade. Observou-se que os alunos com baixa visão puderam participar da aula normalmente, fazendo alongamento e o circuito de exercícios. Isso mostra que cada um dos alunos enfrenta diferentes dificuldades e que nesses casos o apoio da instituição especializada seria fundamental para ajudar o professor na adaptação das atividades. Instituição Especializada Em relação às 32 horas de observação realizadas na instituição especializada cabe destacar que a mesma é equipada com todos os recursos que o deficiente visual necessita: diferenciador de pisos, bengalas, máquina de impressão em Braille, caderno com espaçamento maior para os alunos de baixa visão, máquinas Braille, mapas em relevo, dentre outros recursos pedagógicos e ópticos específicos. A instituição possui um ótimo acervo de obras da literatura infanto-juvenil gravada, o que garante autonomia do aluno na leitura e no estudo. Entretanto, esse acervo não chega à escola comum, mostrando mais uma vez a falta de articulação entre a instituição e o trabalho da escola e o não atendimento ao que é previsto na legislação, especialmente nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (BRASIL, 2001), na Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) e no Decreto 7611 (BRASIL, 2011) que dispõe sobre a educação especial, o atendimento educacional especializado e dá outras providências. Importante observar que a instituição é bem organizada e administrada por uma equipe multidisciplinar constituída por pedagogos, psicólogos, terapeutas ocupacionais, alguns são contratados e outros atuam como voluntários. Funciona no período da manhã e da tarde, de segunda a sexta-feira, atendendo os alunos no contra turno à escola regular e oferece aulas de Música, Compreensão de Leitura, Informática, Locomoção e Mobilidade, Xadrez, Educação Física e complementação dos conteúdos trabalhados em sala de aula, no caso, conteúdos do Ensino Fundamental. As aulas na instituição configuram-se da seguinte forma: os alunos são divididos conforme os segmentos educacionais, Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio. Os alunos então observados encontram-se no Ensino Fundamental, todos juntos em uma sala. Geralmente, as carteiras são agrupadas em pequenos grupos ou em duplas. 6398 No período da manhã, ficam duas professoras na classe e o fluxo de alunos é maior, cerca de 11 alunos. Já no período da tarde, a situação inverte-se, apenas uma professora fica responsável pela sala e o número de alunos é reduzido; nos dias observados a quantidade variou de 3 a 6 alunos. No âmbito da sala de aula, as professoras procuram fazer as tarefas de casa atribuídas pela escola regular e quando os alunos não têm tarefa recorrem a uma apostila elaborada pela própria instituição. Cabe destacar que os exercícios propostos nesse material contrariam a proposta de alfabetização da escola comum que está baseada na proposta construtivista. O material da instituição apresenta exercícios mecânicos de trabalho com as letras, contribuindo pouco, portanto, com o processo de alfabetização desenvolvido pela escola comum. De acordo com Soares (2004, p.10), dissociar alfabetização e letramento é um equívoco porque, no quadro das atuais concepções psicológicas, linguísticas e psicolinguísticas de leitura e escrita, a entrada da criança (e também do adulto analfabeto) no mundo da escrita ocorre simultaneamente por esses dois processos: pela aquisição do sistema convencional de escrita – a alfabetização – e pelo desenvolvimento de habilidades de uso desse sistema em atividades de leitura e escrita, nas práticas sociais que envolvem a língua escrita – o letramento. Não são processos independentes, mas interdependentes, e indissociáveis: a alfabetização desenvolve-se no contexto de e por meio de práticas sociais de leitura e de escrita, isto é, através de atividades de letramento, e este, por sua vez, só se pode desenvolver no contexto da e por meio da aprendizagem das relações fonema–grafema, isto é, em dependência da alfabetização. A concepção “tradicional” de alfabetização, traduzida nos métodos analíticos ou sintéticos, tornava os dois processos independentes, a alfabetização – a aquisição do sistema convencional de escrita, o aprender a ler como decodificação e a escrever como codificação – precedendo o letramento – o desenvolvimento de habilidades textuais de leitura e de escrita, o convívio com tipos e gêneros variados de textos e de portadores de textos, a compreensão das funções da escrita. Desse modo, apoiado nas ideias acima de Soares (2004), pode-se afirmar que a maneira como as crianças estão sendo alfabetizadas na instituição especializada, vai de encontro com os pressupostos tratados acima, isto porque as atividades ministradas caracterizam-se como mecânicas, não possuem uma intencionalidade pedagógica, os exercícios são meras cópias que não irão garantir de fato a aprendizagem e não terão significado. Ao contrário, pelo caráter mecânico dos exercícios propostos é nítido que os alunos não estão sendo inseridos realmente no mundo da escrita e da leitura, pois ficam restritos a atividades que exigem apenas cópia, sem contato com situações diversificadas, mais elaboradas e que os desafiem, que lhes desenvolvam de fato as habilidades de leitura e escrita voltadas para as práticas sociais. 6399 No transcorrer das observações, foi perceptível que a apostila elaborada pela instituição ocupa significativa centralidade nas atividades propostas, pois, quando os alunos não trazem lição de casa, logo são orientados a continuarem as atividades propostas por aquele material. Decorrente disso fica nítido que a instituição não segue o currículo do Ensino Fundamental da escola pública estadual. As atividades poderiam ser mais atreladas aos conteúdos ministrados na sala comum, mas não o são. Além disso, o tempo que esses alunos estão utilizando para realizar essas atividades poderia ser empregado no adiantamento dos conteúdos que serão tratados pelo currículo da escola, minimizando as dificuldades que poderão ocorrer. A rotina na instituição é diversificada, já que, conforme citado anteriormente, os alunos têm aula de Música, Locomoção e Mobilidade, Informática, Compreensão de Leitura. Além dessas atividades, os alunos também frequentam a sala da Terapia Ocupacional, e todas as quintas-feiras é celebrada uma missa na instituição. Portanto, o tempo para o trabalho propriamente curricular fica diminuído. Não se deve descartar a importância dessas atividades para a formação dos alunos. Porém, com base no que foi observado, pode-se afirmar que a instituição especializada não prioriza o trabalho com o currículo escolar, principalmente em relação aos conteúdos das diferentes disciplinas. Ainda segundo Veiga (2008, p.271), “no trabalho colaborativo, as relações tendem a ser não hierárquicas, havendo liderança compartilhada e corresponsabilidade pela organização didática da aula”. Conclui-se, a partir das observações realizadas, que não há ainda entre os professores da instituição e da escola uma cultura de discussão, reflexão e planejamento conjunto das práticas pedagógicas. O trabalho da instituição segue paralelo ao trabalho da escola. As observações realizadas na instituição especializada mostraram que essa visa apoiar o aluno na realização das atividades propostas pela escola regular. Contudo, verificou-se que esse trabalho se restringe basicamente à realização das tarefas e trabalhos. Feito isso, os alunos são convidados a realizar outras atividades; portanto, não há oportunidade para antecipação, aprofundamento e ampliação do currículo escolar. Interessante destacar que a instituição conta com muitos materiais específicos e adaptados para a deficiência visual, mas que ficam circunscritos ao trabalho realizado na instituição e não são deslocados para a escola para apoiar o aluno e os professores. Observou-se que não há uma rotina constituída de 6400 reflexão conjunta e planejamento das práticas pedagógicas entre os professores da escola comum e da instituição especializada. Em síntese, as práticas pedagógicas observadas tanto na classe comum como na instituição especializada parecem indicar que não são estruturadas por decisões, ideologias, convicções e princípios do docente e das especificidades do aluno. Segundo Franco (2012, p.152), entende-se por práticas pedagógicas as “práticas sociais exercidas com a finalidade de concretizar processos pedagógicos, [...] se organizam intencionalmente para atender a determinadas expectativas educacionais solicitadas/ requeridas por dada comunidade social”. De acordo com Franco (2012), a decisão sobre as práticas pedagógicas devem considerar a confluência de fatores que vão repercutir na ação docente, por exemplo: como trabalhar com alunos que caminham em ritmos diferenciados e como produzir processos de inclusão na sala de aula? Complementando, a autora adverte que as práticas não mudam por decreto, nem por meio de teorias, nem por meio de cursos de capacitação, só mudam quando seus usuários assim o decidirem. Daí a importância de se desenvolver nas escolas uma cultura de reflexão sobre a prática. Considerações Finais Este estudo possibilitou verificar que a escola pública estadual está garantindo o direito desses alunos em relação ao acesso e permanência, porém não tem assegurado uma boa qualidade dos processos escolares. Com base no que fora apresentado, observou-se que os professores não estão totalmente preparados para atender os alunos deficientes visuais, não há recursos e materiais específicos disponíveis para serem trabalhados juntos com esses alunos e não há uma cultura de reflexão conjunta com os profissionais da Educação Especial. Se tratando da instituição especializada, nota-se que o trabalho desenvolvido pela mesma se articula pouco com o currículo escolar previsto para o Ensino Fundamental. Dessa maneira, não foi possível identificar características de um trabalho colaborativo, uma parceria efetiva entre ambas as instituições (instituição especializada e escola regular), tal como sugerem as políticas na perspectiva da educação inclusiva. Apesar de o estudo ter identificado e apontado alguns limites perante o planejamento das aulas, práticas pedagógicas desenvolvidas pelas professoras para que de fato a inclusão desses alunos possa acontecer e se concretizar; por outro lado, há uma esperança, visto que mudanças estão sendo gestadas, tais como: o acesso tem sido ampliado, os alunos deficientes visuais são queridos e acolhidos pelos professores e colegas. 6401 No entanto, é urgente que o processo de inclusão avance e se efetive, garantindo melhores condições de escolarização para os alunos Público Alvo da Educação Especial que cada vez mais adentram na escola regular, e a mesma precisa estar preparada e (re) organizada para atender este público e garantir além do acesso, uma educação de qualidade que lhes é direito. REFERÊNCIAS BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CEB n.2/2001, de 11 de set. 2001. Institui diretrizes nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. 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