revisão da literatura
Utilização de Fluoretos
Utilização de Fluoretos na
Clínica Odontopediátrica
Contemporânea
Christiana Murakami
Especialista em Odontopediatria pela Faculdade de Odontologia da Universidade de São
Paulo, Mestranda em Odontopediatria do Departamento de Ortodontia e Odontopediatria
da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo
[email protected]
Marcelo Bönecker
Professor Associado e Livre Docente do Departamento de Ortodontia e Odontopediatria
da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo
[email protected]
Endereço para correspondências:
Avenida Prof. Lineu Prestes, 2227 – 05508-000 – Cidade Universitária – São Paulo
Tel/Fax: (11) 3091-7835
RESUMO
diz respeito ao mecanismo de ação de fluoreto na
O presente trabalho teve como objetivo revisar
prevenção de lesões cariosas, houve uma mudança
a literatura Odontológica atual sobre a utilização de
de paradigma sobre a necessidade e a eficácia da
fluoretos na prática clínica odontopediátrica, anali-
suplementação sistêmica.2
sando as evidências científicas disponíveis e discu-
Além disso, atualmente, existe uma grande va-
tindo os princípios da indicação individualizada da
riedade de produtos disponíveis no mercado que
aplicação tópica de flúor. Uma busca das revisões
apresentam diferentes compostos fluoretados, com
sistemáticas e dos estudos mais recentes sobre flu-
diferentes concentrações e pH e diferentes formas
orterapia em odontopediatria foi conduzida utilizan-
de aplicação. Ao se eleger o tipo de fluorterapia in-
do-se as bases de dados Medline e ISI Web of Know-
dicado para cada paciente, é necessário compreen-
ledge. O mecanismo de ação do flúor na prevenção
der o mecanismo de ação dos fluoretos e analisar
da doença cárie, as vantagens e as desvantagens
as vantagens e desvantagens do uso de cada tipo de
dos diferentes métodos de aplicação tópica profis-
produto fluoretado. Também é necessário conhecer
sional de flúor e as orientações sobre a indicação da
e seguir a técnica de aplicação correta de cada tipo
fluorterapia e a forma correta de aplicação de cada
de material para se obter o máximo de eficácia com
tipo de produto foram discutidos. Observa-se que a
o mínimo de risco de toxicidade.
eficácia de diferentes formas de aplicação tópica de
flúor está bem estabelecida e comprovada por evidências científicas. A indicação da necessidade, do
tipo de produto e da frequência da aplicação tópica
de flúor deve ser individualizada para cada paciente
e deve se basear na análise de risco e de atividade
de doença cárie.
PALAVRAS-CHAVE
Fluoretos, odontopediatria, prevenção.
INTRODUÇÃO
PROPOSIÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo realizar
uma revisão da literatura Odontológica atual a respeito da utilização de fluoretos na prática clínica
odontopediátrica, analisando as evidências científicas disponíveis e discutindo os princípios da indicação individualizada da aplicação tópica de flúor.
REVISÃO DA LITERATURA
Apesar do notável declínio da prevalência da
doença cárie em todo o mundo, esta ainda constitui
A aplicação tópica profissional de flúor em altas
um importante problema de saúde pública. Dados
concentrações é uma importante ferramenta para a
do último levantamento epidemiológico nacional so-
prevenção de cárie dentária em pacientes que apre-
bre saúde bucal no Brasil revelam que, em 2003,
sentam alto risco ou atividade da doença.1 No que
aproximadamente 27% das crianças de 18 a 36 me-
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ses de idade e 60% das crianças de 5 anos de idade
da massa da molécula de fluoreto de sódio (NaF)
apresentaram pelo menos um dente decíduo caria-
são compostos pelo flúor. Desta maneira, o gel e
do.3 Além disso, as repercussões fisiológicas e com-
espuma neutros contendo NaF em 2% na realidade
portamentais advindas da doença cárie possuem
possuem 0,9% de F-. Portanto, a aplicação tópica
um impacto negativo sobre a qualidade de vida das
de gel e a espuma de flúor que contém flúor fosfato
crianças.4-6 Evidências científicas constatam que a
acidulado (FFA) e possuem 1,23% de F- forma mais
aplicação tópica de produtos contendo compostos
depósitos de CaF2 do que a aplicação de gel e espu-
fluoretados é um método importante e eficaz de
ma neutros com 0,9% de F-. O gel ou espuma de
prevenção da cárie dentária.
flúor neutro estão indicados para uso em pacientes
1
que possuem restaurações estéticas em cerâmica
MECANISMO DE AÇÃO DO FLÚOR
ou resina composta, onde é desejável evitar o conta-
Há tempos, o paradigma da ação pré-eruptiva
to com o ácido do FFA.
de fluoretos na formação de um esmalte humano
mais ácido-resistente, através da suplementação
FORMAS DE APLICAÇÃO TÓPICA PROFISSIONAL
sistêmica, foi abandonado.2, 7 Atualmente, sabe-se
A indicação da utilização de fluoretos na prática
que o principal mecanismo preventivo dos fluoretos
clínica deve ser individualizada. Evidências salien-
contra a formação de lesões cariosas baseia-se em
tam que o uso domiciliar de dentifrícios fluoretados
uma ação tópica.8
isoladamente é eficaz na prevenção da doença cá-
Mesmo em baixas concentrações, como a en-
rie.1,13 Porém, em casos onde o paciente apresenta-
contrada na saliva, o flúor é capaz de promover a
se com alto risco ou em atividade de cárie, faz-se
remineralização e reduzir a desmineralização do
necessária a aplicação tópica profissional de fluore-
esmalte.8, 9 Quando o F- está presente no fluido do
tos em altas concentrações.
biofilme e o pH do meio bucal está acima de,4,5 ao
No caso de crianças acima de 3 anos de idade
mesmo tempo em que a hidroxiapatita é dissolvida,
e que são capazes de colaborar, é indicada a apli-
a fluorapatita e hidroxiapatita fluoretada são for-
cação profissional de flúor na forma de gel ou es-
madas através da reprecipitação de cálcio e fosfato
puma. A eficácia do FFA em gel foi comprovada em
perdidos que se ligam ao flúor.8, 10 Estes cristais
duas revisões sistemáticas da literatura que mostra-
de fluorapatita e hidroxiapatita fluoretada possuem
ram uma redução da incidência de lesões cariosas
um pH crítico de 4,5, o que dificulta a
dissolução deles por ácidos quando
comparado à hidroxiapatita cujo pH
crítico é de 5,5.
Quando ocorre a aplicação profissional de flúor tópico, altas concentrações de F- tornam-se disponíveis no meio bucal, possibilitando
a formação de fluoreto de cálcio
de até 21%.14, 15 Apesar de ainda não
Uma das principais
vantagens da utilização
do flúor na forma de
espuma é a menor
quantidade necessária
para a aplicação, o
que reduz o risco de
intoxicação por flúor.
(CaF2). As moléculas de CaF2 deposi-
a eficácia do FFA na forma de espuma, este produto foi desenvolvido
para diminuir a ingestão excessiva de
flúor que ocorria durante a aplicação
do gel, contendo a mesma concentração de F- e o mesmo pH do FFA
em gel.16, 17
Assim sendo, espera-se que a
tadas são envolvidas pela formação de uma camada
eficácia do FFA em espuma seja semelhante à efi-
protetora proveniente de proteínas da saliva, trans-
cácia do mesmo composto em gel. Whitford et al.
formando-as em um reservatório de F- que é estável
(1995)18 verificaram que, apesar da concentração
em pH neutro.
Durante as quedas de pH do desa-
salivar de flúor ter sido maior após a aplicação de
fio cariogênico, justamente quando há maior neces-
FFA na forma de gel do que na forma de espuma,
sidade da presença de F- no meio bucal, a camada
a incorporação de flúor 15 minutos e 16 dias após
protetora do CaF2 se dissolve, liberando flúor len-
a aplicação foi semelhante para estes dois tipos de
tamente.11 Além disso, o CaF2 também serve como
produto.
11
barreira mecânica contra a dissolução do esmalte e
possui atividade antimicrobiana.10
34
existirem revisões sistemáticas sobre
Uma das principais vantagens da utilização do
flúor na forma de espuma é a menor quantidade
Quanto maior a concentração do produto e
necessária para a aplicação, o que reduz o risco
menor o seu pH , maior é a quantidade de CaF2 é
de intoxicação por flúor. A aplicação do flúor em
formado.12 Com relação à concentração de produ-
espuma requer somente 20% da quantidade nor-
tos fluoretados, cabe salientar que somente 45%
malmente utilizada de flúor em gel para se obter
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uma deposição de fluoreto de cálcio equivalente.7, 18
apresentadas no quadro 2.
Além disso, Wei e Chik (1990) demonstraram que
Quanto mais frequente é a ingestão de sacarose
a quantidade de flúor retido na cavidade oral após
do paciente, maior é a frequência de desafios cario-
a aplicação de flúor em espuma (1,26 mg) é signi-
gênicos às suas superfícies dentárias e, portanto,
ficantemente menor do que quando o flúor em gel
maior é o consumo de seus reservatórios de CaF2.
(2,53 mg) é utilizado. Assim, o flúor em espuma
Assim sendo, a necessidade e a frequência de apli-
constitui uma forma mais segura de aplicação em
cação profissional de flúor devem ser determinadas
crianças com pouca idade quando comparado ao
de maneira individual e baseadas na análise de ris-
flúor em gel.
co de cárie do paciente.7
17
No caso de ambos o gel e a espuma de flúor,
Em casos onde o paciente apresenta-se em
para uma aplicação eficaz e segura deve-se seguir
atividade de cárie, é recomendada a realização de
as recomendações apresentadas no quadro 1.7,19
“terapia de choque” como procedimento terapêuti-
Com relação ao verniz fluoretado, a sua apli-
co.19 Inicialmente, são realizadas quatro aplicações
cação duas a quatro vezes ao ano parece reduzir
de verniz ou FFA (1,23%), dependendo da idade
substancialmente a incidência de cárie dentária nas
do paciente, em intervalos semanais consecutivos.
dentições decídua e permanente.20 Porém, ainda
A necessidade da frequência de aplicação é então
não existem evidências científicas de que a eficá-
reavaliada periodicamente. Conforme os hábitos de
cia do verniz seja maior do que a do gel e/ou da
higiene oral e de dieta do paciente vão sendo ade-
espuma. Pelo contrário, a eficácia destes três tipos
quados, os intervalos vão sendo aumentados desde
de produtos parece ser semelhante.1 O fluoreto na
mensalmente, trimestralmente, semestralmente,
forma de verniz é de fácil aplicação e está indicado
até casos onde o paciente pode chegar a não ne-
para uso em bebês até 36 meses de idade,21 que
cessitar de aplicação profissional de flúor por ter
não conseguem colaborar com a aplicação de gel
se enquadrado na categoria de baixo risco para o
ou espuma
desenvolvimento de cárie dentária.19
22
e correm o risco de ingerir altas quan-
tidades destes produtos. Deve-se evitar a aplicação
de verniz fluoretado sobre gengivas sangrantes de-
CUIDADOS COM A INTOXICAÇÃO AGUDA E CRÔNICA
vido ao risco de reações alérgicas por contato com
A dose provavelmente tóxica que pode causar
as bases de colofônia e poliuretano presentes em
uma intoxicação aguda por ingestão de flúor é de
alguns produtos.
5 mg de F-/kg de peso. Os sintomas deste tipo de
No caso do verniz de flúor, para uma aplicação
intoxicação são: náusea, dor gástrica, suor, hipers-
eficaz e segura deve-se seguir as recomendações
salivação, diarréia, dor de cabeça, fraqueza generalizada e, em casos severos, a parada cardiorrespiratória. O tratamento envolve a administração de
Quadro 1. Recomendações para a execução da técnica correta
de aplicação tópica de flúor em gel ou em espuma.
antiácido com hidróxido de alumínio ou hidróxido
Orientar os responsáveis para que o paciente não esteja em
jejum no dia da aplicação
Realizar profilaxia profissional prévia com pedra pomes ou
pasta profilática e uso de fio dental
Colocar o paciente em posição vertical para diminuir o risco
de deglutição
Orientar o paciente a não engolir o material
Remover o excesso de saliva com o sugador e secar com o
jato de ar antes da aplicação para evitar a diluição do produto
Utilizar moldeiras de cera adaptadas ao tamanho das arcadas
para garantir a aplicação homogênea do produto durante 1
minuto em todas as superfícies dentárias
Quantidade de gel por moldeira = no máximo 2,5 ml
(preencher somente o fundo da moldeira); Quantidade de
espuma = preencher completamente a moldeira
Sugar sempre o excesso de material alternando a posição do
sugador entre os espaços retromolares de ambos os lados e a
região sublingual
Quadro 2. Recomendações para a execução da técnica correta
de aplicação tópica de verniz de flúor.
Orientar os responsáveis para que o paciente não esteja em
jejum no dia da aplicação
Realizar profilaxia profissional prévia com pedra pomes ou
pasta profilática e uso de fio dental
Remover o excesso de saliva com o sugador e promover um
isolamento relativo da hemi-arcada que receberá o produto
Secar com o jato de ar antes da aplicação para evitar a
diluição do produto e garantir uma boa adesão ao esmalte
Aplicar com o auxílio de um pincel
Quantidade para toda a dentição decídua = 0,3 a 0,5 ml
O sugador e, no caso de bebês, o abridor de boca deve ser
utilizado durante todo o procedimento de aplicação
Não enxaguar a boca da criança
É recomendável gotejar água levemente sobre as superfícies
dentárias cobertas com verniz para facilitar a sua fixação
antes da remoção do isolamento relativo
Orientar os responsáveis para que o paciente não coma, beba
ou enxágue a boca durante os primeiros 30 minutos após a
aplicação
Orientações aos responsáveis da criança: não ingerir
alimentos durante 2h, manter alimentação líquida/pastosa e
não escovar os dentes durante 12 h.
Solicitar que a criança cuspa por 30s
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de magnésio e alumínio e o paciente deve ser levado
ao hospital.19
Com relação à intoxicação crônica, o limite diário a partir do qual o paciente apresenta risco de desenvolver fluorose dental é de 0,7 mg de F-/g/dia. A
manifestação clínica da fluorose dental varia desde
manchas brandas opacas até o machamento severo
e acastanhado que compromete a estética do paciente e apresenta um tecido hipomineralizado. Um
fato interessante de se ter em mente é que muitos
dos alimentos e bebidas consumidos freqüentemente por crianças possuem uma alta concentração de
flúor, podendo causar fluorose dental.23, 24
Uma vez que os estudos sobre a toxicidade do
uso tópico de fluoretos ainda são escassos e inconclusivos, as revisões sistemáticas que abordam o
assunto recomendam cuidado na indicação do uso
concomitante de diversas fontes de fluoretos em
crianças de pouca idade.1, 25
CONCLUSÕES
Evidências científicas comprovam a eficácia de
diferentes métodos de aplicação tópica de flúor na
diminuição da incidência e na prevenção da doença
cárie. Indicações com relação à frequência, à concentração e ao tipo de produto fluoretado a ser utilizado na prática clínica devem ser individualizadas e
dependem da idade e da análise de risco e atividade
de cárie do paciente.
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