Conceito histórico da palavra “dialética”
A dialética é um método de análise, fundamentado na contradição, que organiza o raciocínio para a
busca da verdade, analisando uma situação contraditória de dada realidade: para comprovar uma tese, o
investigador usa uma antítese, ou seja, a negação da própria tese original. Mas a negação não é suficiente
para a compreensão do fenômeno investigado, pois toda negação, em si mesma, contém alguma positividade
(não se pode negar sem afirmar alguma coisa). É preciso então aproveitar as contribuições positivas que
existem na tese e na antítese para se chegar a uma síntese dos dados conseguidos. De forma simples, a
síntese seria o conjunto de conclusões às quais o investigador chega por meio da análise dialética, mas que
não se apresenta como definitivo, visto que toda realidade está sujeita ao princípio da contradição, e começase então uma nova situação em que o movimento tese–antítese–síntese ressurge, dando possibilidade a outra
situação, que pode ser observada pelo movimento tese/antítese/síntese.
A origem do pensamento dialético está entre os gregos. Os Diálogos de Platão já continham a forma
argumentativa da dialética. A própria definição grega do termo dialektike (tekhne) é discussão, arte de
argumentar e discutir. Nos Diálogos platônicos, dois debatedores estabeleciam um raciocínio acerca de
determinado tema, e cada um argumentava de modo a sair da mera opinião (imaginação e crença) para
ascender ao verdadeiro conhecimento (episteme) da realidade. Esse conceito platônico de dialética, que
quase se confunde com discussão, é um método, um caminho para se chegar às Ideias ou Formas perfeitas, a
verdadeira realidade para Platão. Aristóteles também conhecia todos os artifícios do debate dialético.
Entretanto, ele substituiu a dialética pela lógica formal, que acreditava ser um instrumento mais eficaz para
se chegar ao conhecimento universal.
Mas o sentido do termo dialética mudou com o passar do tempo. O pensamento dialético, depois de
séculos de desuso, foi recuperado pela filosofia alemã do final do século xviii e começo do século xix.
Pensadores como Kant, Fichte e Hegel deram ao termo novo significado. Fichte foi quem primeiro
caracterizou a estrutura da argumentação dialética como tese, antítese e síntese. Hegel, por sua vez,
aprofundou o método. Filósofo do idealismo, Hegel acreditava que o pensamento fundamentado nos
princípios da tese, antítese e síntese era a forma máxima de se chegar ao Absoluto. Para ele, toda a estrutura
cósmica era dialética, ou seja, envolvia o princípio da contradição. Embora acreditasse que a realidade era
racional, essa racionalidade não era estática, e sim dinâmica. Portanto, a visão hegeliana é a de que o método
dialético é o único capaz de favorecer a compreensão de uma realidade em constante mudança. Daí a
preferência hegeliana pela dialética diante da lógica formal de origem aristotélica.
Entre os numerosos pensadores que se opuseram ao idealismo hegeliano, estão Marx e Engels. Marx,
particularmente, é um discípulo de Hegel, de quem recebeu conceitos fundamentais, entre os quais o de
dialética. Todavia, Marx propôs uma nova forma de pensar o destino humano, não se limitando apenas a
parafrasear seu mestre. Enquanto para Hegel, a mente era o que determinava o desdobramento da liberdade
das pessoas, para Marx o determinante era a vida material. Marx construiu, desse modo, uma dialética em
torno da matéria, formulando o materialismo dialético em oposição à dialética dos idealistas Hegel e Fichte.
Para o materialismo dialético, sendo as condições materiais de existência (a economia) o verdadeiro móvel
das ações humanas, a dialética seria o método para se perceber e superar as contradições sociais e históricas
frequentes nas diversas sociedades humanas ao longo da história. O pensamento de Marx consiste em partir
do real (dos homens reais e de suas contradições), e não das ideias ou da mente, como Hegel. De acordo
com o materialismo dialético, o desenvolvimento histórico da humanidade não se dá pela sucessão de fatos
isolados, mas por um processo que envolve movimento e mudança (movimento e mudança que, por sua vez,
implicam contradições).
Se Hegel construiu uma história do pensamento, Marx, ao usar o modelo hegeliano para explicar o
desenvolvimento da história humana, construiu uma explicação histórica das mudanças ocorridas na vida
concreta dos indivíduos. Foi então que ele propôs uma sequência de épocas ou de modos de produção que se
sucediam conforme as contradições inerentes a cada um deles. Do mesmo modo que, para Hegel, a cada
síntese, o conhecimento humano avançava rumo ao Absoluto, Marx entrevia sempre uma forma de produção
da vida material mais avançada do que a primeira, até se chegar ao Comunismo, quando o indivíduo se
encontraria consigo mesmo (ou seja, não seria mais alienado) e teria a autoconsciência de ser um ser social,
que faz a história e a sociedade a partir de escolhas conscientes. Ressalte-se que Hegel concebe a alienação
apenas no plano metafísico ou filosófico, enquanto Marx via a alienação na própria sociedade produzida
pelos homens, particularmente na de tipo capitalista.
Mas antes de Marx, Engels definiu e classificou as três leis do materialismo dialético: lei de unidade e
luta dos contrários; lei de conversão da quantidade em qualidade e vice-versa; e lei de negação da negação.
A primeira considera que tudo, na natureza, está composto por pares de opostos em contínua luta, o que
ocasiona os movimentos e as mudanças; a segunda postula que o aumento ou a diminuição da quantidade de
matéria transforma e muda a qualidade das coisas (e vice-versa); a última afirma que todas as mudanças
implicam a negação, ou seja, nega-se em primeiro lugar a tese a partir da antítese, e depois se nega a própria
negação para o estabelecimento da síntese.
Ao longo do século xx, interpretações de Hegel assinalaram sua presunção em conhecer a “verdade
absoluta”. Pensadores como Theodor Adorno e Jacques Lacan rejeitaram o autoritarismo do sistema
hegeliano. Para Adorno, não era possível compreender o terceiro estágio da dialética (a síntese). Assim, ele
propôs uma “dialética negativa”, ou seja, uma dialética que terminava no segundo estágio (a antítese) e nas
contradições aí percebidas. Para ele, não seria possível escapar dessas contradições.
A dialética (particularmente na forma materialista), ao enfatizar as contradições e as mudanças, constitui
uma interpretação da realidade que serve mais para se visualizar os conflitos e as relações antagônicas
existentes na história (senhores versus escravos, capitalistas versus proletários, por exemplo) do que os
momentos de permanências e de solidariedades. Entretanto, na realidade histórica não há só conflito o tempo
inteiro, não há só antagonismos. Ao se analisar uma dada revolução (a Francesa, por exemplo), o
pensamento dialético procura identificar quais os elementos que, no modo de produção anterior, estavam em
contradição, em conflito, e como essas contradições foram superadas pelo confronto entre os grupos
envolvidos. Por essa análise um tanto determinista, haveria contradições inevitáveis no modo de produção
anterior, que necessariamente descambariam em um processo revolucionário. Critica-se, assim, o método do
materialismo dialético exatamente nesse ponto: de antemão, antes da investigação da realidade social, ele
acredita que há um determinismo histórico que impele os agentes de agirem de formas específicas e
necessárias. Desse modo, a sociedade capitalista, em uma dada interpretação do materialismo dialético,
estaria fadada a gerar contradições insolúveis que terminariam por impor a destruição necessária dessa
sociedade e a instituição de uma nova solução, uma nova e definitiva síntese, o Comunismo. Todavia, nem
toda interpretação do materialismo dialético apresenta esse determinismo. Jean-Paul Sartre e Merleau-Ponty,
apesar de concordarem com as noções de alienação e de ação predominante das forças produtivas e das
relações de produção, discordavam da formulação de leis históricas pelo materialismo dialético. Para eles,
esses conceitos são instrumentos necessários à análise da situação dos homens no regime capitalista, mas
não são leis deterministas dos destinos da humanidade. Nesse ponto, as divergências de interpretação são
numerosas.
Tanto o sistema metafísico de Hegel quanto o sistema materialista proposto pelo marxismo foram
bastante criticados, já no século xix, e sobretudo no século xx. Mas não se pode negar o mérito desses
pensadores que se esforçaram para compreender a realidade e acreditaram que se podia alcançar o
conhecimento da realidade, otimismo que hoje está cada vez mais raro, com o ceticismo e o excesso de
relativismo predominantes. Hoje vivemos a crise dessas grandes linhas interpretativas, que incluem o
materialismo dialético. Mas algumas de suas formulações ainda estão presentes na elaboração de muitos
livros didáticos. E o professor, sem cair nas armadilhas de uma interpretação meramente determinista da
História, deve se aproximar desses conceitos. De todo modo, o debate em sala de aula sobre temas
controversos pode ser mais bem fundamentado sob a forma de uma argumentação dialética. Assim, o
professor pode apresentar temas polêmicos ao grupo-classe (aborto, propriedade privada, legalização das
drogas, armamentismo, a Questão Palestina, a desigualdade social etc.), iniciando um debate a partir da
defesa e da negação, deixando em aberto a possibilidade de se chegar ou não à síntese. Todavia, sem uma
pesquisa prévia orientada pelo professor, essa discussão não vai muito longe. Situações didáticas dessa
natureza podem ser bastante enriquecidas com um trabalho interdisciplinar entre História, Filosofia e
Sociologia.
Discutir, afirmar, negar, negar a própria negação é, no mínimo, valorizar o pensamento, algo que
professores e alunos não podem dispensar sob o risco da repetição de fórmulas prontas e da ausência de
interpretação da realidade.
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