Entrevista para o Insituto Humanitas - UNISINOS Pe. Pedro M. Guimarães Ferreira S.J. Professor Titular do Depto. de Eng. Eletr. da PUC-Rio Presidente da Mantenedora da PUC-Rio Presidente da Fundação Pe. Leonel Franca 1. Relacionamento das áreas de Engenharia e Matemática com o pensamento de Teilhard de Chardin: Teilhard foi um Padre Jesuíta, nascido em 1881 e falecido em 1955 (estamos comemorando os 50 anos de seu falecimento) e também um grande cientista, tendo se especializado especialmente em Geologia e Paleontologia, mas também em Antropologia. Mas ele se tornou especialmente famoso no mundo e na Igreja, no grande público, não tanto pelo seu trabalho técnico nas disciplinas acima mencionadas, mas pelos seus escritos e conferências sobre sua cosmovisão extremamente original. Esta, fortemente apoiada na Teoria da Evolução, se valeu da ciência do seu tempo, não somente as ciências nas quais era especialista, mas também a biologia, a física, a química. Neste seu pensamento tem lugar especial a importância por ele atribuída ao progresso tecnológico, achava que a revolução industrial foi um ponto de inflexão na evolução da humanidade. Sem ser engenheiro, ele via a importância do desenvolvimento da tecnologia no progresso daquilo que se chama a “noosfera”, que, na evolução, sucedeu à “Geoesfera” e à “Bioesfera”. Não tão óbvio o relacionamento de Teilhard com a Matemática, aliás parece que ele não era especialmente dotado para esta disciplina. Estava bem a par da física do seu tempo, mas seu conhecimento dela não parece ter chegado ao nível mais técnico, que já exigiria desenvoltura na matemática. 2. Principal legado de Teilhard de Chardin para a sociedade contemporânea. Sua cosmovisão teve uma grande influência na Igreja e, conseqüentemente, na sociedade. Em primeiro lugar (mas não em ordem de importância), ele “batizou” a Teoria da Evolução, que era vista dentro da Igreja como algo inconciliável, ou dificilmente conciliável, com as verdades de fé relativas à criação e ao pecado original. (Até hoje, várias denominações cristãs, ditas fundamentalistas, não aceitam a Teoria da Evolução). Graças em grande parte a Teilhard, a Teoria da Evolução passou a ser aceita na Igreja. A segunda contribuição é a que será explicada no número 5 abaixo desta entrevista. Um terceiro legado de Teilhard foi a sua visão otimista com relação ao mundo, ao progresso, à matéria. Tal otimismo teve forte influência na Igreja, até mesmo em documentos oficiais, como a “Constituição sobre a Igreja e o mundo moderno” do Concílio Vaticano II. Conseqüência também deste apreço pela matéria, sem confundir isto com o materialismo, foi o maior empenho dos cristãos nas tarefas desta vida. É claro que estas mudanças não foram devidas só a Teilhard, mas ele teve papel fundamental. 3. Compreensão transdisciplinar do mundo. A cosmovisão de Teilhard é muito unificada, ele vê a evolução do universo sob uma perspectiva grandiosa e, como conseqüência a trans / inter- disciplinaridade encontram no seu pensamento um lugar natural. As partes se articulam harmoniosamente com o todo. Seu pensamento é muito “holístico”, ele afirma claramente que o todo é “mais” do que as partes, no sentido que a compreensão destas não é suficiente para entender aquele. Aliás, embora Teilhard procure sempre ser claro, o mais compreensível possível, a novidade de sua cosmovisão o obrigou a criar neologismos. Estes neologismos são de grande valia para uma linguagem transdisciplinar, creio portanto que se pode dizer que Teilhard foi um dos pioneiros de um pensamento transdisciplinar. Aliás existe um ótimo opúsculo do saudoso Pe. Henrique Vaz sobre Teilhard que fala justamente no título (não me lembro agora exatamente do mesmo) em “esforço de visão unificada”, esforço de visão transdisciplinar, diríamos hoje, no pensamento de Teilhard de Chardin. 4. Terra habitável Teilhard previu as dificuldades em termos de habitabilidade da nossa Terra, bastava considerar o aumento populacional. Mas não previu a aceleração da degradação da natureza pelo próprio homem. Ele era um otimista. Mas seu pensamento pode ajudar, e muito, para que se crie uma mudança de mentalidade, no sentido do respeito à Natureza. Ele próprio tinha um enorme respeito e mesmo “culto” à Natureza, a este Universo, a este Mundo, que é nosso, cuja história, desde seus primórdios, ele procurou conhecer através de seus estudos especializados de Geologia e Paleontologia. Tome-se qualquer texto de Teilhard e encontraremos nele a verdadeira veneração que tinha pela Natureza, pela Matéria, na qual ele reconhecia um “interior” (que seria sua componente espiritual) e, por isso mesmo, tanto mais “venerável” e respeitável. 5. Ciência e Fé A cosmovisão de Teilhard, que surge a partir da Ciência, encontrou na sua Fé, criado em família profundamente católica, Padre e Jesuíta, um prolongamento natural, sem forçar as coisas, sem concordismos. Creio que ele, mais que qualquer outro pensador católico ou mesmo cristão, do século passado, contribuiu de forma insigne para o diálogo entre Ciência e Fé. Para Teilhard, a evolução do Universo culminará no que ele chama “Ponto Ômega”, postulado cientificamente para explicar a própria evolução, isto é, dando-lhe seu sentido, que é o da formação de seres sempre mais complexos e “centrados”. Mas como os seres são tanto menos estáveis quanto mais complexos, para que o processo todo tenha estabilidade e não tombe de volta ao múltiplo, o ponto de entropia máxima (máxima desordem), é necessário que o Ponto Ômega seja transcendente ao próprio Universo. Este Ponto Ômega, conclui Teilhard, é então Jesus Cristo, porque Ele é Deus e Homem. Ou seja, em virtude de ter se encarnado, Jesus Cristo é parte do Universo e sendo Deus, ele é transcendente ao mesmo Universo, garantindo a estabilidade deste processo evolutivo que vai na “contracorrenteza” entrópica.