O tempo e o espaço nas práticas alimentares: um estudo em um mercado popular de Salvador Debora Cruz PORCINO1; Luciana Labidel dos SANTOS2; Michele Oliveira dos SANTOS3; Lígia Amparo da Silva SANTOS4. 1 Mestranda do Programa de Pós Graduação em Alimentos, Nutrição e Saúde da Escola de Nutrição da Universidade Federal da Bahia. E-mail: [email protected]; 2Mestre em Alimentos, Nutrição e Saúde da Escola de Nutrição da Universidade Federal da Bahia; 3Mestranda do Programa de Pós Graduação em Alimentos, Nutrição e Saúde da Escola de Nutrição da Universidade Federal da Bahia; 4Doutora em Ciências Sociais pela PUC-SP e Docente do Programa de Pós Graduação em Alimentos, Nutrição e Saúde da Escola de Nutrição. Integrantes do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação e Cultura (NEPAC/ENUFBA). Resumo: Este estudo analisa as práticas alimentares dos frequentadores de um tradicional espaço de comercialização de comidas típicas da cidade de Salvador, Bahia. Com abordagem qualitativa, o estudo foi desenvolvido no Mercado do Peixe, situado no bairro do Rio Vermelho, utilizando como recursos metodológicos a observação participante com registros em diário de campo, entrevistas semi-estruturadas. Com as incursões a campo, observa-se a diversidade do público frequentador do Mercado do Peixe em relação à faixa etária o que influencia em suas práticas alimentares neste mercado. Foi observado que o público de faixa etária em torno de 50 anos, apesar de frequentar o mesmo espaço que os mais jovens, apresentavam diferenças nas escolhas alimentares e modo de comer. Enquanto os integrantes do primeiro grupo geralmente sentavam-se sozinhos a mesa, na intenção de realizar uma refeição, o público na faixa etária de 20 a 30 anos identificava este como um espaço para reunir os amigos em descontração. Nesta perspectiva, há maior valorização do prazer pela companhia dos demais comensais maior interesse nas conversas, associado ao consumo de bebida alcoólica (geralmente cervejas), fazendo a comida assumir um papel de coadjuvante, ilustrando-se como petiscos e tira-gostos. Esta comensalidade sugere que identificação como parte de um grupo alimentar, colabora para a seleção dos espaços onde comer, do que comer e com quem comer. Desta forma, pode-se demonstrar que a comensalidade permeia todas as relações sociais nas diferentes esferas da sociedade, sendo sempre alicerçada pelas dimensões culturais deste processo. Palavras-chave: Comensalidade. Mercado. Refeição. Práticas alimentares. 1 INTRODUÇÃO Este estudo analisa os aspectos socioculturais que permeiam a comensalidade em um mercado popular de Salvador e faz parte do projeto maior titulado “CORPORALIDADES, COMENSALIDADES E ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL NA BAHIA: Um estudo sobre as práticas corporais e alimentares em camadas populares sob a ótica da promoção da alimentação saudável”. Este projeto foi desenvolvido pelos integrantes do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação e Cultura (NEPAC) da Escola de Nutrição da UFBA (ENUFBA). O espaço escolhido foi Mercado do Peixe do Rio Vermelho, que passa por um momento de transição marcado pela tradição das preparações servidas e a modernidade representada pela reforma do seu espaço físico. O espaço estudado é composto por boxes que servem refeições e petiscos. Localizado num bairro de fama boêmia, este espaço funcionava 24h por dia, sendo a madrugada seu momento mais popular e populoso. Neste horário, o público era oriundo das festas nos mais diversos pontos da cidade e emigravam para saciar sua fome e apreciar com os quitutes servidos no local. Neste momento, a comensalidade era marcada pela valorização do sabor das preparações e prazer pela companhia dos demais comensais. De acordo com Santos (2008), o indivíduo do mundo contemporâneo tem vivido conflitos no que tange a alimentação saudável: de um lado há o discurso sobre noções de risco e os imaginários sobre o comer e a comida, elementos que são intermediados pela mídia. De outro lado, ele tem cada vez mais acesso aos produtos alimentares Anais do I Seminário Alimentação e Cultura na Bahia 1 patrocinados pela tecnologia e indústria e ainda difundidos pela publicidade alimentar – este último também contribui para a construção dos imaginários. Desta maneira, parece que só lhe resta uma única opção: fazer escolhas. E é com essas escolhas que os indivíduos materializam suas dietas alimentares. Dessa forma, é possível categorizar os indivíduos e suas escolhas, como marcadores de uma “identidade social”, concordando com as idéias de Mintz (2001), que o comportamento relativo à comida liga-se diretamente ao sentido de nós mesmos e à nossa identidade social, e isso parece valer para todos os seres humanos. A conjuntura observada no mercado marcava esta “identidade social” externalizada pelas escolhas alimentares, modo de comer, apreço pela bebida alcoólica - geralmente cerveja, gosto musical, vestuário, dentre outras questões. Estas observações concordam com as idéias do mesmo autor ao apontar que comer é uma atividade humana central não só por sua freqüência, constante e necessária, mas também porque cedo se torna a esfera onde se permite alguma escolha. Através dos atos, os indivíduos determinam sua posição no universo que vivem. Assim, ao escolher o que comer é como escolher fazer parte de determinado grupo social. A comida não é somente ingerida, mas sim “encarnada”. Os indivíduos podem ser considerados o resultado, o produto, do meio que, por sua vez, é revelado pela maneira como se come. O mercado foi atingido por uma fase de decadência e o público frequentador passou a ser igualmente associado como marginais. Como consequência desse fenômeno, iniciou-se um processo de “revitalização” do espaço marcado pela manutenção da infraestrutura do local, no intuito de tornar este um local considerado agradável pelos frequentadores, sendo eles turistas ou moradores da cidade de Salvador. 2 METODOLOGIA Este trabalho trata-se de um estudo qualitativo do tipo observação participante realizado foi realizado na cidade de Salvador (Bahia). A inserção no campo ocorreu no período de maio a julho de 2011. O cenário escolhido foi o Mercado do Peixe, situado no bairro do Rio Vermelho, uma vez que este local representa a força da comida tradicional frente aos apelos de modernização alimentar, como a incursão da comida light nos cardápios. A pesquisa faz parte de um projeto maior intitulado “CORPORALIDADES, COMENSALIDADES E ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL NA BAHIA: Um estudo sobre as práticas corporais e alimentares em camadas populares sob a ótica da promoção da alimentação saudável”. Esta pesquisa foi baseada em estudos documentais, recursos etnográficos como gravadores e entrevistas semi-estruturadas. A opção pela natureza qualitativa da pesquisa baseia-se no fato de que ela entende os meandros das relações sociais e afetivas, trabalhando com o universo de significados, crenças e valores, compreendendo e explicando essa dinâmica, que não pode ser mensurada numa pesquisa quantitativa (MINAYO; 1999). Para coleta de dados, realizou-se incursões ao campo alterando horários entre meio do dia, final da tarde e início da noite. Posteriormente foram confeccionados de 6 (seis) diários de campo e 13 (treze) entrevistas semi-estruturadas, registradas em gravador digital e posteriormente transcritas. Segundo Minayo (1999), a entrevista semi-estruturada com poucas questões é um guia, cuja finalidade é aprofundar a comunicação. As entrevistas foram representadas nos resultados e na discussão por nomes fictícios, para preservar a identidade dos sujeitos entrevistados conforme as recomendações éticas, e para auxiliar na discussão. Por ter ocorrido um forte processo de modernização no Mercado do Peixe, os entrevistados foram questionados sobre suas percepções acerca das mudanças observadas antes e depois deste processo. O Mercado do Peixe é um espaço que agrega diversos restaurantes/bares que comercializam diariamente comidas e bebidas, durante o dia e a noite. Este mercado possui uma divisão em dois lados, um mais movimentado, e outro com menos movimento. Para tornar a análise mais didática, considerou-se o primeiro como lado A e o segundo como lado B. Este mercado é, de forma geral, um local bastante iluminado, sendo que um o lado B é menos visível, com características mais humildes, e o lado A, mais visível, com vista para o mar, talvez uma espécie de “porta principal”. Mediante tamanha diferença em termos de infraestrutura e movimentação entre as duas regiões do Mercado do Peixe, bem como, ao analisar-se a concentração do contingente da clientela, optou-se por realizar as entrevistas, direcionar mais a Anais do I Seminário Alimentação e Cultura na Bahia 2 observação e discutir os achados encontrados do lado A, devido a maior concentração de comensais. Assim, a “porta principal” do local foi o campo de estudo, mais especificamente. O presente trabalho foi desenvolvido em parceria com demais integrantes do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação e Cultura (NEPAC), da Escola de Nutrição da UFBA. 3 DESENVOLVIMENTO A estrutura física do Mercado do Peixe o divide em dois lados, apresentados neste trabalho como lado A e lado B. Essa diferença entre os lados é percebida através da distinção na região B, em relação aos cardápios (pouco elaborados visualmente), a forma de abordagem ao cliente menos incisiva e a iluminação menos eficiente, o que torna o ambiente mais escuro. Nesse lado B, observa-se certa desvalorização da região: as mesas sempre estão disponíveis para a clientela, que parece não se interessar em sentar-se neste local. Infere-se que essa situação muito provavelmente está associada à impressão de abandono do local e descaso com o cliente que passa pelo local. Do lado A, mais frequentado, sempre há som ambiente, com volume muitas vezes alto, o que para alguns poderia gerar incômodo, entretanto, aos comensais do Mercado do Peixe, parece contribuir para configurar o clima de descontração do ambiente. Os estilos musicais são os comumente preferidos das camadas populares da cidade, como os estilos “arrocha” e “pagode”, ajudando também a indicar o perfil social da clientela, e suas escolhas alimentares. As visitas a campo foram realizadas em horários distintos, tendo como base a refeição do almoço e a do jantar. Observou-se que no horário relativo ao almoço a quantidade de comensais era reduzida, a maioria das pessoas aparentavam estar na faixa etária dos 50 anos e tinham o intuito primordial realizar uma refeição. No jantar, observou-se que os comensais pertenciam a uma faixa etária mais jovem, por volta dos 25 a 30 anos. A noite o fluxo de pessoas nos bares é maior, o som é mais alto, e os comensais parecem desejar ter um momento de relaxamento das suas cobranças e atividades cotidianas, também conhecido como happy hour. Desta forma, as pessoas dificilmente realizavam refeições, e preferiam consumir petiscos, sendo na maioria das vezes, acompanhado de bebida alcoólica, preferencialmente cerveja, conversando e sorrindo alto junto ao seu grupo de amigos ou seu/sua acompanhante (para o caso dos casais). Esta conjuntura pode ser observada na fala de uma das comensais ao relatar quais são os fatores que a estimulam a frequentar o ambiente: [...] a carne do sol, o camarão... chama mais a bebida, já que a gente vem mais pra beber do que propriamente dito, pra comer. Porque, geralmente aqui vira um happy hour, você sai do trabalho e você vai chegar aqui vai tomar cerveja gelada e você tem o que você quiser comer. Você tá com fome e prefere comer um feijão e arroz aqui tem. Se tá afim de beliscar aqui tem. Se quer só um caldo pra poder esquentar, aqui tem. Então a variedade é ampla, né? Silvia, designer Os grupos observados eram heterogêneos em relação ao sexo, no entanto, mesas compostas por indivíduos do mesmo gênero (somente masculino ou somente feminino) prevaleciam. Mesas com ambos os sexos eram minoria, mas quando havia, eram compostas majoritariamente por casais, amigos ou famílias. Os cardápios analisados são compostos por comidas diversas, englobando pratos como feijoada, maniçoba, dobradinha, sarapatel, escondidinho, arrumadinho, bem como pratos que levam dendê em sua composição, como moquecas e também os chamados “tira-gostos” ou petiscos, como bolinhos, batatas-fritas e aipim frito. Todos os bares ofereciam basicamente o mesmo cardápio, com pequenas diferenças, como no bar considerado mais sofisticado, que listava pratos como picanha e bebidas como coquetel de frutas, para satisfazer à clientela, quando a mesma solicitava tal inovação. Além dos cardápios, faixas expostas em cada bar trazem as ofertas ou especialidades peculiares ao estabelecimento em algum dia da semana. Com base nas observações do cardápio, pode-se assinalar que as opções de refeições disponíveis, na maioria das vezes, atendem a três critérios: são de baixo custo, alta densidade calórica e possuem um grande apelo sensorial, que também engloba um apelo cultural. Percebe-se Anais do I Seminário Alimentação e Cultura na Bahia 3 então, que estes comensais valorizam o sabor, dando preferência a alimentos já conhecidos pela sua alta densidade calórica e grande potencial de palatabilidade. Conforme citado anteriormente, este espaço passou recentemente por uma reforma de infraestrutura, denominada como "revitalização" do Mercado do Peixe que também resultou na modificação do horário de funcionamento do mercado, que antes funcionada 24h e agora funciona até às 3:00h. O ar "revitalizado" do ambiente, culminou na alteração de padrão do publico frequentador, agora composto por grupos familiares e muitos indivíduos de nível superior. A tônica deste trabalho surge da descoberta de que estes "novos frequentadores" são, em boa parte, as mesmas pessoas que frequentavam o espaço antes de reforma, e atualmente, assim como o mercado, sofreram uma guinada em sua trajetória marcada por ascensão social. Os entrevistados relataram que este retorno ao mercado deve-se em grande parte pelo sabor dos alimentos oferecidos que mantem-se o mesmo. Relatam também, que a infraestrutura do mercado apresenta visíveis modificações, sendo destacada pelos comensais como um ponto positivo. Contudo, esta melhoria não é a razão que justifica o retorno do público a este espaço. Os entrevistados referem que o fato do padrão das preparações disponíveis no cardápio continuar o mesmo antecedente a reforma como principal causa do seu retorno. Assim, a memória da comensalidade vivenciada no local é fator preponderante para este processo, conforme descrito em trechos da entrevista de Maria, fisioterapeuta: É porque assim, eu sou formada aqui mas eu moro em Pernambuco já há uns sete anos. Eu vinha no início... muito antes da reforma...[é a primeira vez que retorna após a reforma] eu vou experimentar a comida agora mas visualmente[o espaço], com certeza, mudou muito. Não sei se é porque hoje é durante a semana, terça feira, eu geralmente quando vinha era sexta, sábado. A nível de limpeza está diferente, como não tá? Não sei se é porque tá com menos movimento... Geralmente eu vinha de madrugada, depois que eu tava em um bar, eu vinha pra cá. Era assim, final de alguma festa. Entendeu?[Hoje eu vim] Porque eu to com minha prima, ela é de Belo Horizonte e ela comeu um camarão aqui nesse bar e disse que foi o melhor camarão que ela já comeu na vida. Aí a gente veio! Segundo PINEYRUA (2006 apud Lambert 2005), o prazer determina as escolhas alimentares, contraponto a descrição da cultura dos povos puritanos anglo-saxônicos que utilizam o conceito de saúde para determinar suas práticas alimentares utilizando-se da máxima “comer para viver”. Esta perspectiva saxônica corrobora a tendência de as escolhas alimentares influenciadas pela crescente difusão de informação a respeito dos alimentos e suas funções, muito pautada no discurso biomédico tem influenciado. Todavia, o discurso destacado acima sugere que a memória alimentar é importante motivação para que antigos frequentadores retornem a este espaço, relacionando os entrevistados no Mercado do Peixe com as culturas latinas descritas por PINEYRUA (2006 apud Lambert 2005) pautadas máxima diferente: “viver para comer”. Esta idéia debruça-se na busca pelos prazeres gastronômicos como determinante para as escolhas alimentares. A denominação de “comida típica” foi frequentemente utilizada para denominar a comida servida no mercado, conforme citado por Milena, copeira dietista: [típico é] o que é consumido do que se encontra mais, por exemplo pra você caruru, você não vai por exemplo, no Rio de Janeiro não vai encontrar um prato, com uma moqueca de peixe, que você encontra em quase todos bares daqui todos você encontra uma moqueca de peixe, entendeu? Prato com vatapá, prato com pirão, se você vai no Rio de Janeiro em outro lugar, você vai encontrar, pode ate encontrar, mas é difícil você encontrar, então pra mim isso é típico só da região. Durante as entrevistas, observou-se um número significativo de turistas, que se dirigiram ao Mercado do Peixe com a intenção de degustar alguma comida típica da cidade. O discurso era sempre muito parecido: já haviam experimentado e aprovado os pratos do Mercado do Peixe pelo menos uma vez, em viagens familiares à Salvador, e desta vez, estavam em viagem de trabalho e Anais do I Seminário Alimentação e Cultura na Bahia 4 hospedados em um hotel próximo ao mercado. Apesar de não ser um passeio turístico, aproveitaram a oportunidade para degustar novamente os quitutes disponíveis no mercado. A marcante presença destes turistas no mercado do Peixe poderia ser justificada pela proximidade geográfica, já eles estavam hospedados em hotéis vizinhos ao mercado. Entretanto, os discursos deixavam claro em todos os hotéis há restaurantes, mas a escolha de realizar a refeição no neste espaço era devido ao sabor das preparações, e pelo fato do Mercado do Peixe se relacionar com a cultura da cidade, sendo inclusive, citado pelos turistas entrevistados, como parte do centro histórico de Salvador. Este contexto indica a valorização e tradição do local, além do apelo do marketing turístico reforçando a idéia da comida típica, que resiste à modernização alimentar, conforme citado na fala de Paula, turista mineira: Tem tudo a ver né? A tradição, a cultura de uma cidade, de um povo de um Estado, como o Estado da Bahia se transmite de várias formas ou se manifesta de várias formas, na música, na religião e na comida. Então, pra quem vem de fora, é muito bom ter a oportunidade de conhecer a cultura local e a comida, a culinária é uma das formas de manifestação dessa cultura. Este trecho sugere que do ponto de vista dos turistas, as comidas servidas neste espaço atendem uma representação simbólica de baianidade. Segundo Santos (2008), trata-se de uma espécie de “mito da baianidade”. Este mito está presente no imaginário social, caracterizado pelo “relaxamento” dos corpos baianos em seus exercícios de corporalidades, a não atração pelo trabalho, a festividade, a hospitalidade, e a marca híbrida da mistura étnico-racial, como traduzido na sensualidade das personagens femininas de Jorge Amado ou nas tentativas de “Dorival Caymmi” em saber “o que é que a Baiana tem?”. Outro turista entrevistado, gaúcho João, partilhava em boa parte das idéias contempladas por Paula. Enquanto respondia entrevista, ele degustava bolinho de bacalhau sozinho à mesa, aguardando a moqueca de badejo que havia pedido. O entrevistado sentou-se numa mesa bem próxima à calçada, observando o movimento e afirmou que gostava de fazer isso rotineiramente, durante sua estadia, no início da noite: jantar uma boa comida, observando o movimento do local, em um lugar onde é bem atendido, fazendo referência ao Mercado do Peixe. Foi possível perceber que ele realizava suas refeições com muito prazer e que esse ritual era importante para ele, sendo de certa forma, acolhedor e familiar, como se fosse uma maneira de sentir-se acompanhado, já que não tinha muitos amigos na cidade, uma vez que vinha sempre à trabalho. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Conforme apresentado, a memória alimentar aparece como importante fator para as escolhas alimentares dos grupos sociais. A identificação como parte de um grupo alimentar, colabora para a seleção dos espaços onde comer, do que comer e com quem comer. A recordação de alimentos com boa palatabilidade e a companhia dos amigos resultaram no retorno dos antigos frequentadores do Mercado do Peixe, que também identificam-se com a evolução proporcionada pelo processo de revitalização do ambiente. Desta forma, pode-se demonstrar que a comensalidade permeia todas as relações sociais nas diferentes sociedades humanas, bem como nas diferentes classes sociais de uma mesma sociedade, sendo sempre alicerçada pelas dimensões culturais deste processo. 5 REFERÊNCIAS AZEVEDO, Elaine de. Reflexões sobre riscos e o papel da ciência na construção do conceito de alimentação saudável. Rev. Nutri. N. 21, Campinas, 2008. BRASIL, Ministério da Saúde. Guia Alimentar para a População Brasileira – Promovendo a Alimentação Saudável. Série A. Normas e Manuais Técnicos, 2006. Identidade Cultural e Alimentação. In: CANESQUI, A. M.; GARCIA, R.W.D. Antropologia e Nutrição: um diálogo possível. 1.ed. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2005 Anais do I Seminário Alimentação e Cultura na Bahia 5 LIMA, Claudia. Tachos e Panelas – Historiografia da alimentação brasileira. 2° Ed. Recife: Editora Mart Shopping, 1999. MINAYO, Maria Cecília. Desafio do Conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. Saúde soc., vol.1, n.2. São Paulo, 1992. MINTZ, S.W. Comida e Antropologia: Uma breve revisão. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 16, n. 47, out.2001. NASCIMENTO, Angelina Bulcão. Comida - Prazeres, Gozos e transgressões. 2° Ed. Salvador: Editora EDUFBA, 2007. SANTOS, Lígia Amparo da Silva. O corpo, o comer e a comida.Um estudo sobre as práticas corporais e alimentares no mundo contemporâneo. 1ª Ed. Salvador: Editora Edufba,2008. PINEYRUA, D.G.F. Regionalismo Alimentar: identificação de grupos de consumidores que valorizam o prazer e as tradições alimentares. 2006. 117f. Dissertação (Mestrado em Agronegócios). Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Campo Grande-MS, 2006. Anais do I Seminário Alimentação e Cultura na Bahia 6