0 UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA ESCOLA DE ENFERMAGEM SIMONE DA SILVA OLIVEIRA DELIBERAÇÃO MORAL DA ENFERMEIRA NO CUIDADO PRÉ - HOSPITALAR À LUZ DA FENOMENOLOGIA SOCIAL SALVADOR- BA 2014 SIMONE DA SILVA OLIVEIRA 1 DELIBERAÇÃO MORAL DA ENFERMEIRA NO CUIDADO PRÉ - HOSPITALAR À LUZ DA FENOMENOLOGIA SOCIAL Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Enfermagem da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia, como requisito para obtenção do grau de Mestre em Enfermagem, área de concentração “Gênero, Cuidado e Administração em Saúde”, Linha de Pesquisa “Cuidar em Enfermagem no processo do desenvolvimento humano”. Orientadora: Drª Darci de Oliveira Santa Rosa SALVADOR 2014 2 Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universitária de Saúde do SIBI /UFBA O48 Oliveira, Simone da Silva Deliberação moral da enfermeira no cuidado pré-hospitalar à luz da fenômenologia social / Simone da Silva Oliveira. – Salvador, 2014. 97 p. Orientadora: Profª Drª Darci de Oliveira Santa Rosa. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal da Bahia. Escola de Enfermagem, 2014. 1. Cuidados de enfermagem. 2.Bioética. 3. Fenomenologia.I. Rosa, Darci de Oliveira Santa. II. Universidade Federal da Ba hia. Escola de Enfermagem. III. Título. CDU – 614.253.5 3 4 Àquela que me ensinou da forma mais sábia refletir sobre as minhas ações cotidianas. Hildete Moura da Silva (Amada Vozinha) 5 AGRADECIMENTOS A Deus, pela força e existência na minha vida, pelo sentido que dá a cada ação minha; À minha mãe, pela responsabilidade da minha existência; À Professora Drª Darci de Oliveira Santa Rosa, pela presença, ensinamentos e apoio sempre; Às minha Tias, que são fonte do meu viver e aprendizado cotidiano, em especial Maria Helena, Solange , Hilma e Marilda; Ao meu amigo Leonildo Severino, pela presença em todas as etapas desse trabalho; Às amigas irmãs: Valeria Flores, Liliane Flores, Ana Meire Oliveira e Ana Paula Oliveira. Vocês revigoram a minha intencionalidade de viver; À minha prima-irmã Layse Kelle, minha semelhante no agir na vida cotidiana; Às amigas do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência: Jaguanacy Oliveira e Patrícia Ramos, pelo apoio e participação em cada etapa dessa conquista; Às amigas Aisiane Cedraz e Ariane Cedraz, pelo incentivo e exemplo de ser amigas e profissionais: a vocês devo essa escolha; À amiga Virgínia Paula e à iluminada Ana Júlia pela essência e sentido que dão à minha vida; Às amigas Lívia Magalhães e Fabiana Lira pela convivência e crescimento nessa jornada; Aos membros do grupo de estudo e pesquisa EXERCE, que colaboram no meu aprendizado cotidiano; Ao Professor Dr Genival Freitas, pela inspiração do meu objeto de estudo; Às Amigas Cistina Lima e Josane de Almeida pelo caminho percorrido ao meu lado nesse trilhar; À amiga Lidiane Vasconcellos, pela presença, admiração e compartilhamento das minhas ações; Ao Amigo José Edésio, pelos ensinamentos diários; A todos os profissionais da Secretaria Municipal da Saúde de Alagoinhas, em nome de Dr. Reginaldo Paiva de Barros, que possibilitou que as minhas ações projetadas no cotidiano profissional se tornassem atos; Às Enfermeiras que atuam no Atendimento Pré-hospitalar Móvel e compartilham, no cotidiano, o agir em situações adversas. 6 “O mudo vida é um mundo onde existo para a realização dos meus atos” (SCHUTZ, 2003) 7 OLIVEIRA, Simone da Silva. Deliberação moral da enfermeira no cuidado Pré-hospitalar à luz da fenomenologia social. 2014. 97f. Dissertação (Mestrado em Enfermagem)- Escola de Enfermagem. Universidade Federal da Bahia. Salvador, 2014. RESUMO Ao cuidar de vítimas no Atendimento Pré-hospitalar Móvel, deparamos com situações que geram dúvidas e demandam tempo, além de questionamentos ou a necessidade das correções de elementos da prática cotidiana dos profissionais. Enfim, situações nas quais demandam da enfermeira à deliberação. Este estudo de abordagem fenomenológica emergiu das vivências da autora como enfermeira intervencionista dum Serviço de Atendimento Móvel de Urgência de uma Microrregião do Estado da Bahia. Teve como objeto, vivências de deliberação moral da enfermeira no cuidado Pré-hospitalar Móvel. Objetivando compreender a experiência vivida pela enfermeira frente à deliberação moral no cuidado Pré-hospitalar. Utilizou-se como referencial teórico–metodológico, a fenomenologia social de Alfred Schutz. As participantes do estudo foram sete enfermeiras e cinco enfermeiros intervencionistas, atuantes nas Unidades Móveis de um Serviço de Atendimento Móvel de Urgência Metropolitano. A coleta foi iniciada após o parecer de aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia, respeitando os princípios da beneficência, não maleficência, justiça e autonomia, no fornecimento das informações sobre os objetivos, finalidade, anonimato, a minimização de riscos potenciais e a inexistência de ônus para essas, no atendimento às perguntas e esclarecimentos antes da obtenção do aceite ou não obtenção para participação no estudo, através da entrevista fenomenológica. O processo de análise passou pela fase ideográfica e nomotética para a obtenção da estrutura do fenômeno. Nos resultados da análise das vivências, emergiram três categorias concretas: Concretude do mundo vivido pelas enfermeiras no Atendimento Pré-Hospitalar Móvel, Dimensão social das relações das enfermeiras na vivência da deliberação moral no Atendimento Pré-Hospitalar Móvel e Desvelando o modo de deliberar das enfermeiras do Atendimento Pré-hospitalar Móvel. A síntese das categorias concretas, possibilitou a minha compreensão do tipo vivido das enfermeiras como caracterizado por condições de trabalho difíceis, influenciadas pelos fatores externos/ambientais e institucionais. Apoiam-se na bagagem de conhecimento, nas experiências de vida, nos fundamentos éticos, morais e técnicos para justificar a deliberação na prática do cuidar, e vivenciam-se uma autonomia limitada no momento das decisões no cuidado Pré-hospitalar. O estudo desvelou apenas uma faceta do fenômeno, contribuindo para um novo olhar às práticas de cuidar das enfermeiras no Pré-Hospitalar Móvel, descortinando os significados dessas ações para um grupo social em um tempo e espaço definidos. Compreendi que as enfermeiras que atuam no Atendimento Pré-hospitalar Móvel identificam-se com o grupo social de pertença e com o trabalho que realiza. Nesse sentido, faz-se necessário acreditar que as enfermeiras que atuam no Atendimento Pré-hospitalar podem tornar-se sujeitos no próprio mundo - vida de atuação ao agir e modificar a atitude natural encontrada. A busca por relações sociais mais igualitárias e respeitosas, configura-se como um mediador de transformações sociais, comportamentos éticos e ações de cuidar e deliberar. Palavras chave: Cuidado de Enfermagem. Socorro de urgência. Bioética. Fenomenologia. Pesquisa qualitativa. 8 OLIVEIRA, Simone da Silva. Moral deliberation Nurse Prehospital care in the light of social phenomenology. 2014. 97f. Dissertation (Master's in Nursing)- School of Nursing. Federal University of Bahia. Salvador, 2014. ABSTRACT While taking care of patients in the pre-hospital care mobile unit, we face situations that bring up doubts and demand time apart from the questions or the necessity of correcting the everyday practices of professionals. In other words, these are situations that demand deliberation from a nurse. This study of phenomenological approach comes out of the experience of the author as an emergency nurse of the Emergency Mobile Unit Service of the Micro region of the State of Bahia. She had, as a result, experiences of moral doubt experienced by nurses in the Pre-hospital unit. Objectifying to understand the experience lived as a nurse in relation to moral doubt in Prehospital care. The social phenomenology of Alfred Schutz was used as the theoreticalmethodological approach. The participants of the study were seven female emergency nurses and five male emergency nurses, active members of the Mobile Units of the Emergency Mobile Unit Services of the City. The data collection was initiated after it was approved by the Ethics Committee in Research in the Nursing School of the Federal University of Bahia, respecting the principles of beneficence, not maleficence, justice and autonomy, in the strengthening of information about objectives, conclusions, anonymity, the minimization of potential risks, and the burden for the subjects, in the answering of questions and making things clear before receiving or not receiving acceptance for participation in the study, through a phenomenological interview. The process of analysis underwent through the ideographic and nomothetic phase in order to obtain the structure of the phenomenon. In the result of the analyses of the experiences, three concrete categories came up: Concreteness of the world lived by nurses in the attendance in the Pre-hospital mobile care, Social Dimensions of the relationships of the nurses in the experience of moral doubt in Pre-hospital mobile unit care and Understanding the manner of deliberation of the nurses in Pre-hospital mobile care. The synthesis of the concrete categories made my understanding of the type of nursing experiences characterized by difficult work conditions possible, influenced by external/environmental and institutional factors. The nurses depend on the base of knowledge, life experiences, and ethical foundations, both moralistic and technical, to justify deliberation in the practice of caring, and experience a limited autonomy in the moment of decision-making in prehospital care. The study unveiled only a facet of the phenomenon, contributing to a new pair of eyes the practice of care of the nurses in the Pre-hospital mobile unit, uncovering the meaning of these actions for a social group in a defined space and time. I understand that the nurses that act in the Pre-hospital mobile units identify themselves with the social group that they belong to and with the work they realize. In this way, it is necessary to believe that nurses that work in the Pre-hospital mobile units can turn into subjects of the world itself – life of reacting at the moment of acting and modifying a natural attitude. The search for more equitable and respectful social relations configures itself as a mediator of social transformations, ethical behaviors, and action of care and deliberation. Key words: Nurse Care. Emergency Relief. Bioethics. Phenomenology. Qualitative Research. 9 OLIVEIRA, Simone da Silva. Deliberación moral de la enfermera en el cuidado Prehospitalario a la luz de la fenomenología social. 2014. 97f. Disertación (Máster en Enfermería)- Escuela de Enfermería. Universidad Federal de Bahía. Salvador, 2014. RESUMEN Al cuidar de víctimas en el Atendimiento Pre-hospitalario Móvil, nos encontramos con situaciones que generan dudas y requieren tiempo y cuestionamientos o necesidades de corrección de elementos de la práctica cotidiana de los profesionales. En definitiva, situaciones que exigen deliberación por parte del enfermero. Este estudio, de abordaje fenomenológico, surgió de la vivencia de la autora como enfermera intervencionista de un Servicio de Atendimiento Móvil de Urgencia de la Microregión del Estado de Bahía. Tuvo como objeto vivencias de deliberación moral de los enfermeros en el cuidado Pre-hospitalario Móvil. El objetivo fue comprender la experiencia vivida por los enfermeros frente a la deliberación moral en el cuidado Pre-hospitalario. Se utilizó como referencial teórico–metodológico la fenomenología social de Alfred Schutz. Los participantes del estudio fueron siete enfermeras y cinco enfermeros intervencionistas, actuantes en las Unidades Móviles de un Servicio de Atendimiento Móvil de Urgencia Metropolitano. La recolección fue iniciada después del parecer favorable del Comité de Ética en Investigación de la Escuela de Enfermería de la Universidad Federal de Bahía, respetando los principios de la beneficencia, no maleficencia, justicia y autonomía, en el suministro de las informaciones sobre los objetivos, finalidad, anonimato, minimización de riesgos potenciales y la inexistencia de cargas para las mismas, en el atendimiento a las preguntas y aclaraciones antes de la obtención de la aceptación o no para participación en el estudio, a través de entrevista fenomenológica. El proceso de análisis pasó por la fase ideográfica e nomotética para la obtención de la estructura del fenómeno. En los resultados del análisis de las vivencias surgieron tres categorías concretas: Concreción del mundo vivido por los enfermeros en el Atendimiento Pre-hospitalario Móvil frente al cuidar, Dimensión social de las relaciones de los enfermeros en la vivencia de la deliberación moral en el Atendimiento Pre-hospitalario Móvil y Comprendiendo el modo de deliberar de los enfermeros del Atendimiento Pre-hospitalario Móvil. La síntesis de las categorías concretas posibilitó la comprensión sobre lo vivido por los enfermeros caracterizado por condiciones de trabajo difíciles, influenciada por los factores externos/ambientales e institucionales. Se apoyan en el bagaje de conocimientos, experiencias de vida, fundamentos éticos, morales y técnicos para justificar la deliberación moral en la práctica del cuidar la vivencia de la autonomía limitada en el momento de las decisiones en el cuidado Prehospitalario. El estudio desveló solamente una de las facetas del fenómeno, contribuyó para una nueva mirada sobre las prácticas de cuidar de los enfermeros en el Pre-hospitalario Móvil, descubriendo los significados de estas acciones para un grupo social en un tiempo y espacio definidos. En este sentido, se hace necesario creer que los enfermeros que actúan en el Atendimiento Pre-hospitalario pueden volverse sujetos en su mundo de actuación, al actuar y modificar la actitud natural encontrada. La búsqueda de relaciones sociales más igualitarias y respetuosas se configura como un mediador de transformaciones sociales, de comportamientos éticos y acciones de cuidar y de deliberar. Palabras clave: Cuidado de Enfermería. Socorro de urgencia. Bioética. Fenomenología. Investigación cualitativa. 10 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Segundo momento da análise ideográfica - descrição 1 40 Quadro 2 - Terceiro momento da análise ideográfica- descrição 1 41 Quadro 3 - Quarto momento da análise ideográfica - descrição 1 42 Quadro 4 - Quinto momento da análise ideográfica- descrição 1 42 Quadro 5 - 44 Caracterização das participantes do estudo 11 LISTA DE SIGLAS ACLS – Advanced Cardiologic Life Support 68 APH – Atendimento Pré-hospitalar 14 APHM – Atendimento Pré-hospitalar Móvel 13 ATLS – Advanced Trauma Life Support 68 BLS – Basic Life Support 68 CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior 16 CEP – Comitê de Ética em Pesquisa 37 CEPE – Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem 75 COFEN – Conselho Federal de Enfermagem 21 EXERCE – Educação, Ética e Exercício da Enfermagem 38 MS – Ministério da Saúde 19 NEU – Núcleo de Educação em Urgência 69 PHTLS – Pré Hospital Life Support 68 RAU – Rede de Atenção às Urgências 19 SAV – Suporte Avançado de Vida 20 SAMU – Serviço de Atendimento Móvel de Urgência 16 SBV – Suporte Básico de Vida 20 SEM – Serviço de Emergência Médica 18 SIUM – Sistema Integrado de Urgências Médicas 67 SMS – Secretaria Municipal da Saúde 37 SUS – Sistema Único de Saúde 19 TARM – Telefonista Auxiliar de Regulação Médica 19 TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 38 UFBA – Universidade Federal da Bahia 15 UTI – Unidade de Terapia Intensiva 46 UPA – Unidade de Pronto Atendimento 70 12 USA – Unidade de Suporte Avançado 36 USB – Unidade de Suporte Básico 36 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 13 2 APROXIMAÇÃO DA TEMATICA DO CUIDAR COM A DELIBERAÇÃO MORAL DA ......................................................................................................................................................... 17 ENFERMEIRA NO ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR MÓVEL .................................. 17 2.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR MÓVEL .................. 17 2.2 O CUIDAR DA ENFERMEIRA NOS SERVIÇOS DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA ...... 21 2.3 ASPECTOS ÉTICOS E BIOÉTICOS NO CONTEXTO DO ATENDIMENTO PRÉHOSPITALAR MÓVEL ................................................................................................................. 24 2.4 DELIBERAÇÃO MORAL E A TOMADA DE DECISÃO ÉTICA/MORAL DA ENFERMEIRA NO CONTEXTO DO ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR MÓVEL ........... 28 2.5 A FENOMENOLOGIA SOCIAL DE ALFRED SCHUTZ COMO REFERENCIAL TEÓRICO - METODOLÓGICO ...................................................................................................................... 29 3 O CAMINHO PERCORRIDO AO ENCONTRO DA DELIBERAÇÃO MORAL ............ 33 3.1 DESCREVENDO A EXPERIÊNCIA DA PESQUISADORA PARA O ENCONTRO DA DELIBERAÇÃO MORAL VIVIDA PELAS PARTICIPANTES NO MUNDO DO APHM ....... 35 3.2 O TRILHAR PARA A CONSTRUÇÃO DA ESTRUTURA IDEOGRÁFICA ....................... 37 4 COMPREENDENDO A DELIBERAÇÃO MORAL DA ENFERMEIRA NO CUIDADO ......................................................................................................................................................... 41 PRÉ-HOSPITALAR MÓVEL A LUZ DA FENOMENOLOGIA SOCIAL ........................... 41 4.1 DESCORTINANDO A SITUAÇÃO BIOGRÁFIACA DAS PARTICIPANTES DO ESTUDO ......................................................................................................................................................... 41 5 O VIVIDO DA DELIBERAÇÃO MORAL PELAS ENFERMEIRAS NA CONCRETUDE ......................................................................................................................................................... 46 DO CUIDAR NO APHM .............................................................................................................. 46 5.1 CATEGORIA 1: CONCRETUDE DO MUNDO VIVIDO PELAS ENFERMEIRAS NO APHM ............................................................................................................................................. 46 5.2 CATEGORIA 2: DIMENSÃO SOCIAL DAS RELAÇÕES DAS ENFERMEIRAS NA VIVÊNCIA DA DELIBERAÇÃO NO APHM .............................................................................. 52 13 5.3 CATEGORIA 3: DESVELANDO O MODO DE DELIBERAR DAS ENFERMEIRAS QUE ATUAM NO APHM ....................................................................................................................... 57 6 BUSCA DA COMPREENSÃO PRETÉRITA DA DELIBERAÇÃO MORAL DAS ......... 60 ENFERMEIRAS QUE ATUAM NO APHM ............................................................................. 60 7 SÍNTESE DA AÇÃO DA DELIBERAÇÃO MORAL DAS ENFERMEIRAS NO ............ 76 CUIDADO PRÉ-HOSPITALAR ................................................................................................. 76 REFERÊNCIAS ............................................................................................................................ 78 APENDICES .................................................................................................................................. 85 ANEXOS ........................................................................................................................................ 89 14 13 1 INTRODUÇÃO A prática da enfermeira que atua no Atendimento Pré-hospitalar Móvel APHM, converge para um agir diferenciado do ambiente hospitalar. Proporciona um desafio que obriga um aprendizado contínuo para prestar cuidados em circunstâncias adversas, considerando que o evento danoso não escolhe o local, nem a vítima, apenas emerge e exige um atendimento de qualidade da equipe que garante o primeiro atendimento (DOLOR; FREITAS; OGUISSO, 2010). O momento do cuidar das vítimas no APHM, apresenta situações que geram um tempo de dúvidas, questionamentos ou necessidade de correções dos elementos da prática cotidiana dos profissionais. Estas inquietações envolvem a atuação da enfermeira no processo de deliberação. Sendo assim, na deliberação em pleno processo de cuidar, lança-se, de modo interpretativo sobre o passado, o olhar de maneira compreensiva para o presente e, projeta-o para o futuro. Os fenômenos atravessados por esse tipo de tempo são os históricos, sociais, pessoais e morais (ZOBOLI, 2010). Nessa direção, as enfermeiras que atuam no APHM seguem compartilhando os instantes carregados de significados em um mundo cotidiano que é um intersubjetivo, comum a todos os profissionais que pertencem a este grupo social e, que trabalham no cenário de rua. A intencionalidade da deliberação moral da enfermeira, tem como ponto de partida as relações intersubjetivas. O fenômeno da deliberação, no entanto, está imbuído pelas decisões já vivenciadas, ou seja, por uma experiência prévia que está na base das nossas escolhas, pois é ela quem determina o peso de cada decisão (WAGNER, 2012). Na minha prática enquanto enfermeira atuante no SAMU, tenho observado que este fenômeno é envolvido pela vivência em conjunto aos outros profissionais que, no cotidiano e na história singular das próprias vidas, enfrentam os problemas éticos/ morais mais diversos, projetando ações das quais exigem como conduta profissional, a deliberação. Os problemas éticos/morais são enfrentados em momentos do cuidar no APHM. No cotidiano, fatores como a distância dos recursos demandados, a falta de informações sobre cuidados médicos, a dificuldade na comunicação com a Central de Regulação, a demora em solicitar ajuda, a chegada em cenários de crime e o espaço inadequado para a equipe trabalhar são alguns dos pressupostos desses conflitos. Essas situações colocam a enfermeira, juntamente com a equipe do APHM, diante de conflitos na vida cotidiana (SANDMAN; NORDMARK, 2006). Sendo assim, o cuidar em um serviço de emergência se apresenta como um cenário complexo no que se refere o processo da tomada de decisão. Para tanto, busco a compreensão da 14 deliberação, pois é um substantivo definido como ato ou efeito de deliberar-se; debate com o objetivo de resolver algum impasse ou, tomar uma decisão; questionamento, reflexão, tendo em vista a resolução de um problema ou o planejamento de uma atitude; ação empreendida após consulta e/ou reflexão (HOUAISS, 2007). Para Dolor, Freitas e Oguisso (2010) a atuação em APH, por vezes não dispõe de tempo como fator propiciador de uma reflexão mais detalhada à cerca dos conflitos que possam emergir em cada situação concreta. Tal limitação, entretanto, não poderia eliminar a possibilidade de uma análise crítico-reflexiva, uma deliberação, sobre os problemas éticos que emergem nessas circunstâncias. Diante desse contexto, a motivação para este estudo teve início durante a minha vida profissional junto ao Serviço de Atendimento Móvel de Urgência - SAMU do Município de Alagoinhas. Na trajetória das atividades como enfermeira intervencionista, observei no decorrer do meu cotidiano: as surpresas advindas com os atendimentos, além das diversas condutas realizadas pela equipe envolvida em contexto; como a equipe se expõe, atuando com o imprevisto; e o quanto às características individuais, valores e crenças de cada profissional, possibilita tomada de decisões diversificadas, mesmo estando em cenários semelhantes. No início, chamou-me atenção a rotina da equipe de enfermagem que atuava no SAMU, pois as condutas desses profissionais eram balizadas por um fazer meramente técnico, mecanizado e orientado, apenas, por uma aplicabilidade de protocolo. Não sentia, no momento do atendimento, o cuidar inerente à profissão, portanto, caminhávamos apenas no sentido da execução de um atendimento Pré-hospitalar incipiente. Percebi um cuidar que sempre permeou na Enfermagem, mas que não se desvelava na minha consciência. Após um ano no serviço, busquei o aperfeiçoamento profissional para atender as minhas necessidades como enfermeira intervencionista, e, observei que o cuidar do outro, no momento do socorro, exigia reflexão, além do discernimento e prudência. A partir do tal momento passei a refletir sobre as tomada de decisões, buscando as condutas mais assertivas, mesmo desconhecendo, ainda, o sentido e significado da deliberação durante a experiência das minhas dúvidas. Em 2008, resolvi inscrever-me em um Curso de Especialização em Emergência que me possibilitou um bom direcionamento para o desenvolvimento das minhas atividades como emergencista e, logo após a obtenção do título, aceitei o convite para atuar como co-orientadora de trabalhos de conclusão de curso, entre eles o de temática: Autonomia do enfermeiro no atendimento às vítimas que utilizam o SAMU. Tal experiência aprimorou o meu conhecimento sobre os 15 princípios éticos e me proporcionou uma prática profissional em prol do exercício da cidadania e qualidade de vida frente às situações hostis vivenciadas nos atendimentos de urgência e atendimentos de emergência. Ressalto ainda que, a minha vivência como aluna especial da disciplina Ética e Bioética do curso de Mestrado da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia – UFBA, oportunizou-me a discutir amplas temáticas, entre elas: os dilemas éticos no contexto da Enfermagem. Esta trajetória direcionou essa investigação que tem como objeto de estudo a deliberação moral no cuidar das vítimas no momento do socorro, envolvendo as profissionais enfermeiras que compõem a equipe do SAMU. Mesmo diante desta vivência, a minha inquietação ainda persistia, pois a experiência como coordenadora de enfermagem provocou-me alguns questionamentos nos momentos das supervisões da equipe ou nas cenas das ocorrências. Ao escutar dos profissionais de enfermagem às falas sobre a rotina do trabalho, surgiram questões como: e agora o que faço quando estiver com uma vítima grave? Como decidir quando não conseguirmos contato com o Médico regulador? Teremos tempo para cuidar? Tais indagações instigaram-me a refletir sobre a deliberação da enfermeira na prática cotidiana do cuidar no APHM. Em um estudo realizado por Santana et al (2012) foi identificado que o lidar com situações extremas, de urgência e emergência, presentes a todo momento no APH, afasta a visão do todo, da integralidade, direcionando-a para um cuidar mais imediatista, que visa estabelecer as funções fisiológicas da vítima, momento este, que pode comprometer as ações humanísticas. O atendimento humanizado, estando prejudicado, proporciona uma relação hostil entre paciente/família/equipe, o que pode contribuir com que as enfermeiras trabalhem de modo automatizado, como robôs, sem expressar sentimentos no momento que presta cuidados. Logo, para que nossa prática contribua para um cuidar integral, respeitoso e acolhedor, Fracolli e Zoboli (2011, p.763) afirmam que “os profissionais de saúde precisam superar o modo peculiar de ser operadores das técnicas, decifradores dos exames, executores de rotinas, manuais e procedimentos”. É preciso fazer imperar a lógica da cordialidade, da gentileza, da solicitude, em detrimento da lógica da conquista, da dominação e do uso utilitário dos outros. Entretanto, percebo que em alguns momentos, deliberar sobre o cuidado de enfermagem prestado às vítimas atendidas pelo SAMU torna-se uma tarefa árdua, principalmente quando as profissionais se deparam com situações adversas e com iminência de morte. Desse modo, atitudes 16 reflexivas e fundamentadas em princípios éticos, contribuem para uma assistência efetiva e humanizada. No cotidiano vivido pelas enfermeiras, na emergência, a imediatidade e as dramaticidades das situações vivenciadas no APHM, podem fazer com que os problemas éticos/morais sejam mais evidentes, tempestuosos e avultosos, exigindo um equacionamento ético da enfermeira no momento da intencionalidade de suas ações (ZOBOLI; FORTES, 2004). Com intenção de maior aproximação ao objeto de estudo, realizei um levantamento no banco de teses e dissertações do Portal da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de pessoal de Nível Superior)1, utilizando, como procura, as palavras-chave (deliberação, ética, enfermagem), e encontrei apenas uma dissertação intitulada “Discursos profissionais e deliberação moral: análise da prática do processo de enfermagem” (SCHNEIDER, 2010). Este estudo do tipo exploratóriodescritivo e documental de abordagem qualitativa foi desenvolvido junto ao Conselho Regional de Enfermagem de Santa Catarina, que analisou os processos éticos profissionais de enfermagem no período de junho a outubro de 2009, tramitados no referido Conselho Profissional como instrumento para o exame crítico dos discursos profissionais em seus elementos de sustentação da deliberação moral, utilizando a análise do discurso em Michel Foucault como referencial teóricometodológico. Em outra pesquisa, nos sítios dos Programas de Pós-graduação, também identifiquei uma tese de livre-docência intitulada como “Deliberação: leque de possibilidades para compreender os conflitos de valores na prática clínica da atenção básica” (ZOBOLI, 2010), o que objetivou compreender a deliberação moral na atenção básica a partir das recomendações feitas pelas enfermeiras e médicos frente aos problemas éticos vivenciados na prática clínica, fazendo o uso do método de análise por Diego Garcia. Ampliando a busca no Scientific Eletronic Library Oline – SciELO Brasil1, no mesmo período, foram encontrados apenas três artigos que trazem a deliberação como método de racionalidade prática para as tomadas de decisão. Dessa forma, por não encontrar estudos que tornassem possível revelar os valores, sentimentos, intencionalidade, significados e percepções das ações de enfermeiras que vivenciam a deliberação moral no cotidiano do APHM, espera-se com este estudo, provocar reflexões que fomentem um melhor conhecimento para o desenvolvimento de ações da enfermeira, que possibilitem a participação ativa das profissionais no processo de deliberação, auxiliando pacientes, 1 Pesquisa realizada em novembro de 2013 17 familiares e profissionais no momento do cuidar e a contribuir para um repensar das práticas da enfermeira, favorecendo um agir ético e mais sensível, que não tenha como centralização apenas o corpo doente, o atendimento à vítima ou a patologia grave, e mais, que distancie a sobreposição do modelo biomédico sobre prática do cuidar no cotidiano da enfermeira, que traga à visibilidade como agente moral que atua no Atendimento Pré-hospitalar Móvel. Diante do exposto, suscita a questão central desta investigação: Como as enfermeiras vivenciam a deliberação moral no cuidado Pré-hospitalar Móvel? Neste sentido, a pesquisa tem como objetivo: Compreender a experiência vivida pelas enfermeiras frente à deliberação moral no cuidado Pré-hospitalar Móvel. -- 2 APROXIMAÇÃO DA TEMATICA DO CUIDAR COM A DELIBERAÇÃO MORAL DA ENFERMEIRA NO ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR MÓVEL 2.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR MÓVEL O Atendimento Pré-hospitalar Móvel originou-se no ano de 1792, durante a Revolução Francesa, com o cirurgião Barão Dominique Larrey. Inicialmente, enfatizava-se a ideia do transporte rápido do campo de batalha para o local apropriado ao atendimento. Posteriormente, concluiu-se que o tempo de início do atendimento era fundamental para evitar a morte, passando a realizar os cuidados iniciais dos soldados feridos, antes do transporte. Instituíram-se, dessa forma, as ambulâncias voadoras que favoreceram a redução de mortes no cenário de guerra (PHTLS/NAEMT, 2011). 18 Em consonância a esse processo, nos Estados Unidos, foi criado um Serviço de Atendimento Pré- Hospitalar Móvel denominado Serviço de Emergência Médica (SEM). Esse modelo trabalha com Técnicos em emergências Médicos regulados por uma Central de Regulação (MARTINS; PRADO, 2003). No Brasil, o desenho desse serviço de atendimento pré-hospitalar surgiu em 1808, com a chegada da Família Real Portuguesa. Sua regulamentação ocorreu em 1989, devido ao surgimento oficial do serviço de atendimento às emergências médicas nos moldes norteamericanos e operacionalizado pelo Corpo de Bombeiros da cidade de São Paulo. E a partir de 1893, teve aprovação pelo Senado da República Brasileira da lei que estabeleceu o socorro médico de urgência na via pública (MARTINS; PRADO, 2003). A mudança do perfil epidemiológico da morbimortalidade no Estado brasileiro, com o aumento das ocorrências que envolvem os incidentes, com a violência urbana e dificuldade de acesso da população aos pontos de atenção das urgências e emergências, resultou na necessidade brasileira em dá origem à implantação do Serviço de Atendimento Móvel, difundido inicialmente com as primeiras experiências em São Paulo e Rio de Janeiro (BUENO; BERNARDES, 2010). Baseado nessa necessidade, o Atendimento Pré-Hospitalar instituído corresponde aos cuidados prestados na cena do acidente e transporte da vítima até chegar ao Hospital de referência, tendo essa, o mínimo de sequela possível (BRASIL, 2006). Com tal visão, o Ministério da Saúde implementou a assistência pré-hospitalar no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), através da portaria nº. 1864/GM de 29/09/2003, estabelecendo, assim, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU). Nesse contexto, o serviço surge como ordenador da assistência, enquanto forma de resposta às demandas de urgência seja no domicílio, no local de trabalho, em vias públicas, ou aonde o paciente necessitar de um atendimento inicial. Exige-se, então, um cuidar respeitoso e singular para cada indivíduo, no momento do socorro (BRASIL, 2002). O SAMU foi criado pelo Governo Federal e tem como finalidade prestar atendimento à população em casos de emergência a fim de prevenir mortes precoces. As ocorrências podem ser de natureza clínica, psiquiátrica, cirúrgica, traumática, gineco-obstétrica e pediátrica; reguladas por uma Central de Regulação Médica das Urgências. O serviço é constituído por profissionais oriundos e não procedentes da saúde, profissionais capacitados e com equipamentos adequados, assegurado por meio de protocolos, previstos pelos Regulamentos Técnicos da Portaria 2048/02/GM/MS, para atender às necessidades de urgência da população local (BRASIL, 2002). 19 A Portaria de nº1600 em 07 de julho de 2011 reformula a Política Nacional de Atenção às Urgências e institui a Rede de Atenção às Urgências (RAU) no SUS. De acordo com essa portaria, fica definido a articulação e integração todos os equipamentos de saúde, objetivando ampliar e, qualificar o acesso humanizado e integral aos usuários em situações de urgência e emergência, nos serviços de saúde, priorizando as linhas de cuidado cardiovascular, de trauma e cerebrovascular (BRASIL, 2011). Sendo assim, o SAMU e suas Centrais de Regulação Médica das Urgências, são componentes da rede que atuam no atendimento primário à vítima quando o pedido do socorro for oriundo de um cidadão, e no atendimento secundário quando a solicitação partir dum serviço de saúde, do qual o paciente já tinha recebido o primeiro atendimento necessário ao quadro de urgência apresentado, mas necessita ser conduzido para um ponto com atenção de maior complexidade, obedecendo a rede hierarquizada (BRASIL, 2011) Nesse cenário o socorro é feito depois da chamada gratuita, realizada através do acesso ao link 192. A ligação é atendida por telefonistas auxiliares de regulação médica - TARMs, que compõem o quadro da Central de Regulação das Urgências e que identificam a emergência e, imediatamente, transferem o chamado para o médico regulador. Esse profissional faz o diagnóstico da situação e inicia o atendimento no mesmo instante, orientando o paciente e disponibilizando os recursos necessários para atender a necessidade do usuário (BRASIL, 2002). Ressalta-se a importância do aviso prévio da equipe de emergência ao hospital de referência, por meio da Central de Regulação, sempre que possível, com relação à chegada de pacientes graves acerca da natureza da ocorrência, da condição de saúde, dos recursos utilizados no atendimento, e do tempo estimado para a chegada ao hospital. Assim, o setor pode se preparar para coordenar melhor seus recursos para atender à necessidade de cada paciente. No contexto do APHM, no cenário Nacional, as unidades são classificadas em Suporte Básico (SBV) e Suporte Avançado de Vida (SAV). O SBV é definido como sendo a estrutura de apoio oferecida aos pacientes com risco de mortes desconhecidas, promovidas por técnico ou auxiliar de enfermagem e por um condutor/socorrista, através das medidas não-invasivas. Por atenderem casos de baixa complexidade, há maior número dessas viaturas para atender as demandas de urgência solicitadas à Central de Regulação Médica das Urgências. Podem, ainda, atender vítimas em estado grave, tendo como apoio, o SAV (BUENO; BERNARDES, 2010). As ambulâncias mantidas como SAV, classificadas como tipo D, são equipadas com todos os materiais e equipamentos necessários para atender as vítimas graves, classificadas pelo médico 20 regulador de acordo com a classificação de risco pré-estabelecida. A tripulação desse tipo de ambulância é composta por, pelo menos, três membros: um médico, um enfermeiro e um condutor socorrista (BUENO; BERNARDES, 2010; BRASIL, 2002). No Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde, dispomos no cenário Nacional de 3.040 unidades móveis, sendo 2252 Unidades de Suporte Básico, 560 Unidades de Suporte Avançado 215 motolâncias, oito equipes de embarcação e cinco equipes aeromédicas, o que permite uma cobertura do SAMU para 72% da população brasileira (BRASIL, 2013). Durante o atendimento da equipe multiprofissional do SAMU, a avaliação e a intervenção ocorrem simultaneamente. Entretanto, a tomada de decisões, nas situações adversas, baseia-se na avaliação do paciente, nas orientações estabelecidas, em diretrizes e nos protocolos de atendimento. A enfermeira assume um papel fundamental de articulação, da integração de equipe, que é favorecido com a intersubjetividade entre os profissionais no cotidiano da prática do cuidar no APHM. Na composição da equipe, a enfermeira deve ser uma profissional devidamente registrada no Conselho Regional de Enfermagem da sua jurisdição, habilitada para ações específicas de enfermagem, devendo, além das ações assistenciais, prestar serviços administrativos e operacionais nos sistemas de atendimento. Como requisitos gerais, a enfermeira deve ter disposição pessoal, equilíbrio emocional e autocontrole, capacidade física e mental para a atividade, disposição para cumprir ações orientadas, capacidade de trabalhar em equipe, iniciativa, facilidade de comunicação e disponibilidade para a capacitação periódica. Dentre as suas competências e atribuições estão: supervisionar e avaliar as ações da equipe de enfermagem no APHM; executar prescrições médicas por telemedicina, prestar cuidados de enfermagem (BRASIL, 2006). Estudos realizados em duas cidades Brasileiras evidenciaram, através do levantamento das fichas do SAMU, que as ocorrências clínicas são predominantes, seguidas das emergências traumatológicas, correspondendo frequência de 64% e 16%, respectivamente, dos atendimentos gerais realizados. No que se refere à faixa etária dos usuários socorridos, 30% tinha idade entre 15 e 29 anos, 24% com a idade acima de 60 anos e uma frequência menor de ocorrência, 5,7% correspondente à faixa-etária de 0 a 14 anos de idade das vítimas socorridas (GENTIL; RAMOS; WHITAKER, 2008, SOARES; PEREIRA; MORAES; VIANNA, 2012). Esse contexto exige da enfermeira uma preparação para o desenvolvimento de suas habilidades, além do conhecimento técnico-científico, visto que, a clientela não é escolhida no momento da prática do cuidar. 21 Exige-se, ainda, de dada profissional, uma postura de controle da cena, agilidade e competência para enfrentar as situações adversas de pacientes que estão no limiar de vida e morte, visto o contato direto com complicações clínicas severas, acidentes e violência (OLIVEIRA et al, 2013). A Lei do Exercício Profissional de Enfermagem Lei 7.498/86 de 25 de junho de 1986i regulamentada pelo Decreto- Lei 94. 406/87 de 08 de junho de 1987 dispõe sobre o exercício da Enfermagem, e dá outras providências. Art.2- O enfermeiro exerce todas as atividades de enfermagem, cabendo-lhe: I- Privativamente: l - Cuidados diretos de enfermagem a clientela graves com risco de vida. m - Cuidados de enfermagem de maior complexidade técnica e que exijam conhecimentos de base científica e capacidade de tomar decisões imediatas. Vale ressaltar, ainda, a Resolução nº 375/2011 do Conselho Federal de Enfermagem/COFEN que dispõe da presença obrigatória da enfermeira no atendimento pré e intrahospitalar em situações de risco conhecido e desconhecido em qualquer tipo de Unidade Móvel (terrestre, marítima ou aérea), para realizar qualquer tipo de assistência de enfermagem. Torna-se imperioso que a enfermeira discuta sua prática à luz da ética e do código de ética profissional, além da legislação pertinente, como a Lei do Exercício Profissional de enfermagem, a fim de analisar sua atuação e as condições em que a exerce, bem como reflita sobre sua prática profissional, suas motivações e intencionalidade para as escolhas diárias no cenário do APHM. 2.2 O CUIDAR DA ENFERMEIRA NOS SERVIÇOS DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA Cuidar é respeitar, estimar, ter solicitude, reconhecer o valor da pessoa humana em si e no outro, superando o ódio, o conflito, o desconhecimento, pela afirmação do amor e da justiça como condições de realização da nossa humanidade (CESAR, 2011). Segundo Collière (1989, p.235), cuidar significa “prestar cuidados, tomar conta, é, primeiro que tudo, um ato de vida, no sentido de que representa uma variedade infinita de atividades que visam manter, sustentar a vida e permitir-lhe continuar e reproduzir-se”. Os seres humanos, como todos os seres vivos, sempre precisam de cuidados, pois é preciso tomar conta da vida para que ela possa permanecer. As peculiaridades da existência humana, como meio de clarificação e entendimento do ser, podem ser capturadas por uma única palavra: “cuidado”. O mundo pode ser definido como aquilo a que o homem dedica cuidado, e o homem como aquilo que dedica cuidado ao mundo. 22 A palavra cuidado tem duas derivações: do latim cura, escrito coera, que era usada num contexto de relações de amor e de amizade, expressando a atitude de cuidado, de desvelo, de preocupação e de inquietação em relação ao objeto do desejo; outra derivada cogitare-cogitatus que tem o mesmo sentido de cura: cogitar, pensar, colocar atenção, mostrar interesse, revelar uma atitude de desvelo e de preocupação. Assim, “cuidado significa desvelo, solicitude, diligência, zelo, atenção, bom trato”. Cuidar é mais que um ato, é uma atitude (BOOF, 2008, p.33). O cuidado revela, ainda, nossa existência como um ser-no-mundo, ele está ligado à vida, tem caráter universal e se apresenta de forma singular em cada situação. Enquanto cuidado, nós não somos um objeto fixo no interior do mundo, mas uma extensa rede de atenções para com o interior do mundo. A maneira como cuidamos depende de como somos cuidados, da maneira como o mundo se mostra através de cada um de nós e, principalmente, dos ângulos de interpretação que temos do mundo (URASAKI, 2001). Boof (2008) concebe o cuidado como a base possibilitadora da existência humana enquanto condição humana. Se não receber cuidado desde o nascimento até a morte, o ser humano desestrutura-se, definha, perde o sentido e morre. O cuidado somente surge quando a existência de alguém tem importância para mim. Passo então a dedicar-me a participar do destino, das buscas, dos sofrimentos e de seus sucessos, enfim de vida desse alguém importante para mim. Colliére (2003, p.1) afirma que o “Cuidar da vida está na origem de todas as culturas. Desde o início da história da humanidade, os homens e as mulheres esforçaram-se por sobreviver”. Abordando a história do cuidar/ cuidado, expressa que pouco a pouco, sob a influência da igreja, entre o século V e século XIII, “instala-se uma nova concepção dos cuidados que nega a inter-relação corpo-espírito, dando a supremacia ao espírito e relegando o corpo impuro, fonte de fornicação e de desejo”. O discurso religioso e a exortação vão substituir os cuidados concretos e práticos, o contato direto com o corpo, o toque, o carinho vão perdendo espaço (COLLIÉRE, 2003, p.59). A enfermagem, que teve sua origem no cuidar, em conseqüência de sua caracterização inicial associada ao cuidado prestado por mulheres, inicialmente mães, seguidas de religiosas em prol da caridade e por mulheres de reputação questionável, teve um posicionamento de submissão e subserviência ao longo da história. Sendo assim, a condição histórica fez a profissão emergir como subalterna e caracterizada pela heteronomia, isto é, pelo domínio das ações por leis externas à pessoa (COLLIÉRE, 1999). 23 Com a emergência da profissão médica, no final do século XX, surge uma Enfermagem que, além das qualidades de submissão culturalmente construídas, é fortemente influenciada pela classe médica, passando a cumprir responsabilidades e técnicas delegadas por este grupo. Nesse particular há uma busca incessante por um cuidado no campo da enfermagem onde se rompa o paradigma do modelo biomédico, curativista, que se faça imperar um cuidar ético, distinto e praticado em todas as ações desenvolvidas pelas enfermeiras no pré-hospitalar, no enfretamento diário em busca de um agir ético. A competência para cuidar nos serviços de emergência, pressupõe além do saber técnico, saberes ligados ao relacionar-se com o outro. É importante descrever que um cuidar humanizado não se remete a envolver os nossos sentimentos com o do outro ser- cuidado; deve-se ser considerado o saber lidar com estes sentimentos de modo terapêutico, com abordagem dialógica pois, menosprezá-los pode nos levar a uma prática reducionista na qual só cabe a dimensão técnica. Assim, para Zoboli (2010), o cuidado remete-nos à atitude de desvelo pelo outro, ou seja, toma como critério para nossas ações a alteridade, a relação com o Outro a partir do reconhecimento desse como ser humano de igual dignidade e participante da rede de cuidado que constrói e mantém a vida. Uma ação de cuidado nos direciona no sentido de fazer algo para ajudar o outro, para fomentar vida, na relação intersubjetiva. É uma interação subjetiva, onde a interação com o Outro se dá por meio de palavras, gestos, olhares, imputada na vida cotidiana das enfermeiras (FRACOLLI; ZOBOLI, 2011). Nesse sentido, cuidar do outro é compreendê-lo em sua subjetividade; apreender o seu sentir-se doente; é não envolver apenas o buscar e reunir dados para elucidar diagnósticos e propor terapêuticas, como previsto pela lógica técnico-científica. Requer uma aproximação, um acolhimento que nos ajude a compreendê-los nas seguintes facetas: “conseguimos sentir o seu mundo vida? Como vivencia a doença em sua existência? Como esse mundo se apresenta a ele? Como vê os cuidados que lhe são prestados? Como nos vê?” (BOEMER, 2011, p.63). Na minha prática cotidiana, tais questionamentos em tela pouco são lembrados ou colocados como prioritários no momento do atendimento inicial em serviços de urgência e emergência, fato que, faz com que reflita como cuidamos em cenários como esses. Em um estudo sobre relações de não cuidado de enfermagem numa emergência nas vozes dos pacientes, os sujeitos qualificam o cuidado como mais mecânico do que humano, ou seja, denotam insensibilidade. Afirmam que a comunicação não verbal por meio do toque, do olhar que 24 cuida; que integra os seres e representa o importar-se com o outro e, que expressa preocupação, zelo, afeto, conforto, amor e carinho, está sendo pouco utilizada na relação do profissional com o paciente (BAGGIO; CALLEGARO; ALACOQUE, 2011). Entendo que os cuidados de enfermagem, no APHM, devem ser orientados não apenas para o aspecto biológico, mas também para as reações emocionais, seja do cliente ou famíliar, pois esses se sentem fragilizados diante dos acontecimentos inesperados advindos com as situações de emergência (FIGUEIREDO et al, 2010). Para Waldow (2007), no momento em que se cuida, a enfermeira na relação com o outro, assume o cuidado como um valor moral, este imperativo envolve outros valores como a compaixão, a solidariedade, a competência, a confiança e o compromisso profissional que faz desenvolver uma consciência ética. A pesquisa de Coelho (2006) apresenta 46 formas de cuidar que se consolidam com o distanciamento da predominância biologicista e mecanicista, através de uma relação dual entre profissional/paciente e o respeito da individualidade e dos fatores bio-psico-socio-econômicos que envolvem o ser cuidado. Neste contexto, na prática do cuidar da profissional enfermeira que atua no SAMU não se deve desvincular, durante a realização de um procedimento, a operacionalização de uma técnica no momento do socorro; dos aspectos afetivos; da essência do ser humano como ser existente em um contexto social de um cenário de rua que exige relações interativas dos atores sociais em diversos momentos de cuidado. 2.3 ASPECTOS ÉTICOS E PRÉHOSPITALAR MÓVEL BIOÉTICOS NO CONTEXTO DO ATENDIMENTO A ética faz parte da natureza humana, voltando-se para um agir consciente, livre e responsável. Segundo Fortes (2011, p.26) “Ética se refere à reflexão crítica sobre o comportamento humano que interpreta, discute e problematiza os valores, os princípios e as regras morais, à procura da “boa vida” em sociedade, do bom convívio social.”. A moral, do latim (mos-mores), designa costumes, as regras do comportamento, remete ao agir humano, hábitos, normas, regras. E a ética, do grego (ethos), também significa costumes, regras de comportamento. Portanto, etimologicamente tem o mesmo significado que moral. A diferença entre tais termos é que a ética é tida como reflexão sobre as questões fundamentais do agir humano, procurando compreender a natureza do bem e do mal, enquanto a moral é percebida como a 25 aplicação ao concreto, à ação. Refere-se à ética como de ordem mais reflexiva, e, à moral como de ordem mais normativa (RATES; PESSALACIA, 2010). Percebo assim, [...] que o significado etimológico de moral e ética não nos fornecem o significado atual dos dois termos, mas nos situam no terreno especificamente humano no qual se torna possível e se funda o comportamento moral: o humano como o adquirido ou conquistado pelo homem sobre o que há nele de pura natureza. O comportamento moral pertence somente ao homem na medida em que, sobre a sua própria natureza, cria esta segunda natureza, da qual faz parte a sua atividade moral (VÁZQUEZ, 2011, p.24-25). O comportamento moral é, portanto, uma questão de ordem prática, isto é, o que fazer em cada situação; e a ética envolve a reflexão sobre este comportamento prático. A ética também pode ser definida como a ciência que tem por objetivo o juízo de apreciação, na medida em que juízos de apreciação são os que se aplicam à distinção entre o bem e o mal. Agir de forma ética não é simplesmente uma questão de opção, é uma necessidade em função do bem superior, aspiração de todo ser humano, imprescindível para a plena realização, é mandatária, porque ética é qualidade, justiça e cuidado. Portanto, a ética nasce da necessidade de fazer o bem o que implica o reconhecimento de um valor, das coisas de das pessoas (FERNANDES; FREITAS, 2006, p.27). Ao longo da vida cotidiana o ser humano vai assimilando princípios que surgem inicialmente no meio familiar e que durante sua trajetória de vida estes podem ser modificados e/ou incorporados no decorrer de sua vivencia em sociedade. Durante o agir ético ele faz uso de alguns instrumentos norteiam suas ações, pois segundo Fernandes e Freitas: [...] O homem faz uso de algumas ferramentas, como a consciência e a vontade, e algumas virtudes como a prudência e a tolerância, as quais são imprescindíveis para estabelecer relações harmoniosas com as pessoas e o mundo em que vive (FERNANDES; FREITAS, 2006, p.28). Os homens no seu cotidiano não só agem moralmente, como refletem sobre esse comportamento prático e o tomam como objeto de reflexão e de pensamento. Logo, o agir na situação concreta traduz um problema prático-moral, mas investigar o modo pelo qual a responsabilidade moral se relaciona com a liberdade e com o determinismo aos quais nossos atos estão sujeitos, torna-se um problema de competência ética. (VAZQUEZ, 2011) Dolor, Freitas e Oguisso (2010, p.250) afirmam que, no Brasil são frequentes os problemas éticos experimentados por profissionais da saúde, em diversas ocasiões, principalmente em situações de emergência/urgência. “É o momento que a tomada de decisão deve buscar um 26 entendimento unânime da equipe, tendo em vista que, além das questões técnicas, existem circunstâncias distintas, relacionadas ao contexto familiar e social”. Sendo assim, na prática cotidiana dos profissionais de enfermagem no APHM proporciona um momento de encontro com o outro ser - cuidado e com profissionais que compõem a equipe, este fato intensifica a necessidade da deliberação frente às tomadas de decisão. Sabe-se que entre as competências importantes para o exercício da prática da enfermeira no APH, estão o raciocínio clínico para a tomada de decisão e a habilidade para executar as intervenções prontamente. (GENTIL; RAMOS; WHITAKER, 2008). Então, os princípios bioéticos são fundamentais para este guiar profissional. Atualmente, verifica-se que a bioética não se restringe aos debates focados nos avanços biotecnológicos, tampouco à assistência aos cuidados de saúde e à ética profissional ou em pesquisa. Para esta, associam-se estes fatores à complexidade da própria vida, problematizandoos na intenção de encontrar soluções quando possível (ZOBOLI, 2010). Assim, no mundo vivido pelas enfermeiras que atuam no APHM a bioética emerge como campo de reflexão e diálogo sobre profissionais e auxilia na deliberação. A bioética tem sido discutida de forma constante, desde a sua origem, na segunda metade do século XX. É definida como um espaço transprofissional, transdisciplinar e transcultural na área da saúde e da vida. Faz imperar o resgate da dignidade da pessoa humana, dando ênfase na qualidade de vida; “proteção à vida humana e seu ambiente, por meio da tolerância e da solidariedade”. Trata-se de um processo reflexivo e não de uma ética pré-estabelecida (BARCHIFONTAINE, 2005). A bioética, definida como ética da vida, foi proposta inicialmente por Potter, em 1971. Como oncologista, Potter, preocupou-se com o futuro da humanidade e com a sobrevivência dessa, frente os avanços da tecnociência. Assim, propôs a junção das ciências biológicas e das humanidades em um único campo do conhecimento a fim de aproximá-las, fazer com que a ética se voltasse para os fatos novos que estavam ocorrendo, e que a biologia passasse a considerar algo além das bancadas dos experimentos. Na época, teólogos e filósofos discutiam o teor da bioética distante da realidade vivida pelos profissionais e estudantes em sua prática diária. Por outro lado, os pesquisadores não questionavam a dimensão da tecnociência que estavam desenvolvendo, mas a sociedade passou a questionar se tudo que era possível cientificamente estaria justificado e/ou permitido (ZOBOLI, 2006). 27 No entanto, acreditou-se, por muito tempo, que a bioética seria algo ligado à biotecnologia de ponta, tanto na vertente do seu desenvolvimento como de aplicação na atenção à saúde e, foi apenas no final do século XX que se expressou como uma forte reflexão social, contribuindo para uma prática pautada no uso do conhecimento para o bem social, de forma justa e cuidadosa. O enfoque do principialismo é o mais difundido na bioética. Foi, esse enfoque, proposto por Tom Bechaump e James Childress, em 1978 que adotou a beneficência na prática clínica, a não maleficência, autonomia e justiça como os princípios que balizam a ética. Os dois autores os entenderam como princípios prima facie, que vinculam, mas que em uma situação concreta podem se ver obrigados a ceder a primazia a outro princípio, sendo que a situação é o elemento que permite estabelecer a hierarquia. É preciso analisar a situação de forma detalhada, deliberar sobre os cursos de ação do caso, e com base nisso, tomar uma decisão prudente (GRACIA, 2010). A beneficência é um dos princípios mais conhecidos, que significa não causar danos; significa a obrigação de garantir o bem-estar do indivíduo. Relaciona-se ao dever de ajudar os outros, de fazer ou promover o bem a favor de seus interesses. Reconhece o valor moral do outro. Permite ao profissional de saúde avaliar os riscos e benefícios potenciais, buscar o máximo de benefícios e reduzir os danos e riscos a outrem (BARCHINFONTAINE, 2005). O princípio de não maleficência traduz o dever de se abster de fazer qualquer mal para os clientes, de não causar danos ou colocá-los em risco. O profissional se compromete a avaliar e evitar os danos previsíveis (KOERICH; MACHADO; COSTA, 2005). Para entender este princípio, não basta, apenas, que o profissional tenha boas intenções de não prejudicar o cliente. É preciso evitar qualquer situação que signifique riscos para esse, verificar se o modo de agir não está prejudicando o cliente coletivamente ou individual, se determinada técnica não oferece risco, e, ainda, se existe outro modo de execução com menos riscos. O respeito à autonomia assegura o direito do cliente decidir e agir sobre o próprio corpo e destino de acordo com valores e crenças pessoais. Uma pessoa autônoma é um indivíduo capaz de proporcionar a deliberação sobre objetivos pessoais e de agir em direção a essa deliberação, considerando os valores morais do contexto no qual está inserido. Um indivíduo autônomo age livremente de acordo com um plano próprio, e respeitar tal autonomia é valorizar a consideração sobre as opiniões, as escolhas, evitando, da mesma forma, a obstrução das ações do sujeito autônomo, a menos que seja prejudicial para a coletividade (ALMEIDA, 2010). A justiça em bioética trata de ações distributivas, eqüitativas, apropriadas e determinadas por normas, que se justificam e se estruturam nos termos da cooperação social, estendendo-se aos 28 direitos e responsabilidades dos cidadãos, na sociedade, em termos civis e políticos. (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002). Entretanto, na prática cotidiana, nas vivencias dos problemas éticos nos serviços de emergência, desvela-se a necessidade de se ponderar e especificar os quatro princípios no contexto de cada caso. Abre-se, portanto, para a bioética, a possibilidade de considerar a pluralidade moral da sociedade e a necessidade de dialogar com outros princípios. Pois estes princípios devem nortear as discussões, decisões, procedimentos e ações na esfera dos cuidados da saúde (KOERICH; MACHADO; COSTA, 2005). Dentro desta contextualização, vale ressaltar o princípio da responsabilidade, que implica no sujeito responder pelas consequências dos próprios atos. Ser responsável é estar constantemente re-estabelecendo uma relação equilibrada entre direitos e deveres (BUB, 2005). Nesse contexto, a deliberação decorre do reconhecimento e da aceitação da incomensurabilidade da realidade, dos quais resulta a necessidade de enriquecer a compreensão das coisas e dos fatos a partir da inclusão de diferentes visões e perspectivas. A deliberação considera impossível um raciocínio do tipo matemático às questões da vida prática, como a ética (ZOBOLI, 2010). 2.4 DELIBERAÇÃO MORAL E A TOMADA DE DECISÃO ÉTICA/MORAL DA ENFERMEIRA NO CONTEXTO DO ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR MÓVEL No Atendimento Pré-hospitalar, há necessidade dos profissionais se adaptarem aos conhecimentos e às habilidades técnicas para situações que demandam improvisações, porque apresenta características que o diferencia do atendimento hospitalar, este vai de encontro a uma clientela que necessita de socorro imediato, onde o evento danoso pode ser ocorrente no trânsito, no trabalho, em casa, na rua e nas mais imagináveis situações. Cabe ressaltar, entretanto, que fatores agravantes podem influenciar o prognóstico da condição da vítima, como a falta de opções para o encaminhamento e atendimento devidos. Estas circunstâncias podem gerar problemas éticos de difíceis soluções num determinado momento, razão pela qual a enfermeira deve estar preparada para tomar as melhores decisões e propiciar o maior benefício no momento do atendimento (DOLOR; FREITAS; OGUISSO, 2010). Com funções pré-estabelecidas, as enfermeiras sofrem intensa pressão pela necessidade de ter respostas rápidas em relação aos casos com que se depara no dia-a-dia. Enfrentam também situações limítrofes de vida e sofrimento, e, portanto, estão num processo constante de ajustes e 29 reajustes, visto que a presença de fatores intervenientes pode colaborar para o surgimento dos problemas éticos e há necessidade constante de tomada de decisão (CAMPOS; FARIAS; RAMOS, 2009). Compreendo que a deliberação moral tem de ocorrer sempre que os valores individual ou coletivamente estiverem em conflito ou sob ameaça. Delibera-se para se tomarem decisões. Estas são sempre concretas; não podem ser tomadas no abstrato, mas hão de levar em conta as circunstâncias do ato e suas consequências previsíveis. As decisões éticas equivalem a decisões concretas tomadas depois de cuidadosa deliberação (ZOBOLI, 2010). O processo do cuidar que envolve a profissão associada à complexidade das questões referentes à saúde, à doença e às diversidades multiculturais dos sujeitos envolvidos, exige da enfermeira um olhar amplo, conhecimento técnico-científico além de condutas éticas que precedem e alicerçam a deliberação antecedendo à tomada de decisão. Não obstante, sabe-se que estes pilares uma vez não estabelecidos podem provocar desordens e possibilitando uma escolha ineficaz. A enfermeira que atua nos serviços de emergência age como agente moral conscienciosa quando considera imparcialmente os interesses de todos os afetados, por aquilo que fez; é aquela que analisa cuidadosamente os fatos e examina suas implicações; aquela que aceita princípios de conduta somente após a certeza de que eles são sólidos, por fim, é aquela que está disposta a agir de acordo com o resultado desta deliberação (BUB, 2005). Nesse sentido, o cotidiano no mundo vida dos profissionais que atuam no SAMU precisa ser constantemente pensado como ação ética, pois se espera que o serviço responda com eficiência e eficácia as demandas de urgências e emergências da população, o que implica competência técnico-científica, humanística e ética da equipe de atendimento (VIEIRA; MUSSI, 2008). Estes fatores tornam-se fundamentais para a intencionalidade da deliberação moral das enfermeiras que compõem o APH Móvel. 2.5 A FENOMENOLOGIA SOCIAL DE ALFRED SCHUTZ COMO REFERENCIAL TEÓRICO - METODOLÓGICO Procurando ampliar o olhar sobre o fenômeno da deliberação moral da enfermeira no cuidado Pré-hospitalar, na perspectiva da minha própria vivência, aproximei-me da fenomenologia social de Alfred Schutz como referencial teórico metodológico, com a intenção de conhecer as vivências das ações dessas profissionais no seu cotidiano, como elementos que interagem e se 30 complementam dentro de um mundo - vida, onde se vivenciam as experiências subjetivas, chamadas de mundo social. O termo fenomenologia origina-se da combinação das palavras gregas phainomenon, que significa fenômeno, aquilo que se mostra por si mesmo, o manifesto; e logos que significa ciência, estudo. Portanto, etimologicamente, podemos defini-la como estudo ou ciência do fenômeno, sendo que, por fenômeno, entende-se tudo aquilo que se manifesta ou se revela por si mesmo (SOKOLOWSKI, 2010). Esse movimento filosófico iniciou-se no século XX. Contudo, como método de investigação, a fenomenologia nasce com Edmund Husserl na metade do século XIX com a obra Investigações Lógicas. Ele foi o primeiro a conceber e divulgar a fenomenologia como ciência das estruturas essenciais da consciência pura. Alguns dos seus seguidores e críticos foram Martin Heidgger, Merleau- Ponty, Paul Ricour e Alfred Schutz (SOKOLOWSKI, 2010). Para a fenomenologia toda a consciência é consciência de alguma coisa, é intencionalidade, ato de visar algo. A intencionalidade é um transcender, um dirigir-se a outra coisa que não seja a própria consciência. Por isso é vivência, consciência e mundo. A todo objeto (noema) há correspondência de certa modalidade de consciência (noesis). A intencionalidade institui uma interação entre sujeito e objeto, o homem e o mundo, o pensamento e o se ser, mostrando que toda consciência, é consciência de algo, e nada ocorre no vazio (PEIXOTO, 2011). Esta nova proposta filosófica não se preocupa com a enumeração dos fatos, mas conduz a busca incessante da essência dos mesmos; representa uma tendência que eleva a importância do sujeito na construção do conhecimento. “Refundar as ciências é igualmente colocar como referência básica o homem e suas necessidades” (PEIXOTO, 2011, p.53). Pensando na fenomenologia social, essa é compreendida como atitude natural, em que a subjetividade é considerada um dado do mundo da vida, relacionado à questão da comunicação interpessoal, corporal e cultural (CAPALBO, 1998). Considera-se a intersubjetividade como um dado intramudano sobre o qual se ergue qualquer atividade do eu de relação e, da própria ciência social (ZEFERINO; CARRARO, 2013). Este referencial teórico-metodológico descreve a estrutura total da experiência vivida e a percepção dos indivíduos sobre suas vivências, caracterizando-se por ser um método intuitivo (MERIGHI, 2003). Uma vez que se buscou a intencionalidade das ações de um grupo social, ou seja, das enfermeiras que no próprio cotidiano vivenciam a deliberação moral no cuidado Préhospitalar, optei pela Fenomenologia Social de Alfred Schütz para subsidiar o estudo. 31 Alfred Schutz nasceu em Viena em 1899 e, aos 18 anos, foi enviado ao campo de batalha, na fronteira italiana. O seu retorno doloroso a um império em crise o obrigou a optar por escolhas pragmáticas: os estudos de direito, os quais concluíram em 1921, e um emprego de consultoria em uma empresa bancária, que substituíram os projetos anteriores, projetos de se tornar maestro. A carreira de Schutz como consultor econômico, solidificou-se e, como especialista em direito internacional produziu relatórios e análises sobre a situação político-econômica da Europa Central. Entretanto, sua ascensão profissional era margeada pelo poder crescente do nazismo, bem como pela crise econômica, pela política que ameaçava todo o mundo germânico, além do grande interesse pela intelectualidade (CASTRO, 2012). Sendo assim, em meio à sua participação na vida intelectual vienense, escreveu, entre 1924 e 1927, seu primeiro trabalho importante, Theorie der Lebensform, onde já apontava suas preocupações e as influências da sociologia fenomenológica (CASTRO, 2012). As contribuições de Schutz fundamentam-se nos conceitos fenomenológicos de Hurssel e da Sociologia de Max Weber para reinterpretar as relações sociais e explicitar o significado da realidade social. O pensamento schutziano apresenta soluções originais para a problemática da intersubjetividade, no horizonte da pesquisa fenomenológica. Segundo Capalbo (1998) Schutz apropriou-se de conceitos básicos da fenomenologia de Husserl: intencionalidade, intersubjetividade e mundo-vida, tendo como eixo a volta ao núcleo essencial. Da teoria da Ação Social de Weber, utilizou-se dos conceitos de compreensão, ação e do significado subjetivo para fundamentar filosoficamente as ciências sociais. A fenomenologia social se interessa, não pelos atos singulares, nem pelos comportamentos individuais, fechados numa consciência de si, mas se volta para a compreensão do que constitui um determinado grupo social, o qual vive uma situação típica. O mundo cotidiano não se resume a um mundo individual, mas intersubjetivo, no qual compartilhamos com os nossos semelhantes, sendo comum a todos nós (WAGNER, 2003). As experiências vivenciadas pelo ser humano consciente que vive e age em um mundo seu e o interpreta, é que faz sentido para esse, além de ser o que ele segue através de uma intencionalidade. “De acordo com Hurssel todas as experiências diretas de seres humanos são experiências em, e de, seu mundo da vida; elas o constituem, são dirigidas a ele, são testadas nele” (WAGNER, 2012, p.16). O mundo da vida cotidiana deve ser considerado como um mundo intersubjetivo, que já existia antes, que já foi experimentado e interpretado por outros, nossos antecessores, como um 32 mundo organizado. Toda interpretação sobre esse mundo é baseada sobre um estoque de experiências prévias a seu respeito; nossas próprias experiências e aquelas que são transmitidas operam como uma fonte de referência (WAGNER, 2012. p.84). A posição de um indivíduo no seu mundo - vida atravessa uma trilha de experiências de vidas anteriores que jamais se esgota em uma situação específica; se encontra em uma situação biograficamente determinada, esta, por sua vez, possui uma história; é a sedimentação de todas as experiências prévias do indivíduo, organizadas como uma posse que está disponível em seu estoque de conhecimento. “Minha situação biográfica e meu acervo de conhecimento condicionam minha projeção do futuro” (SCHUTZ, 2003, p.86). A fenomenologia sociológica de Alfred Schutz ainda emprega sua análise da experiência com vistas à elaboração de uma análise da ação social. Nesse sentido, a compreensão do social volta-se para “o motivo para” que consiste em um estado de coisas - o objetivo que se pretende alcançar com a ação empreendida, ou seja, a orientação para a ação futura e “motivo porque” que está relacionado às vivências passadas, com conhecimentos disponíveis que justificam suas ações (CAMPOY; MERIGHI; STEFANELI, 2005). Schutz ainda diferencia os conceitos de conduta e ação. O primeiro refere-se à experiência de significado subjetivo que emanam de nossa vida espontânea, “todos os tipos de atividades automáticas de nossa vida interior ou exterior”. A ação origina de toda conduta baseada no projeto pré-concebido, em uma intenção de tornar real o estado de coisas projetado (WAGNER, 2012, p.139). Diferentemente da conduta, a ação tem sempre uma intencionalidade dirigida para a realidade social que se tem familiaridade através de uma convivência prévia (SHUTZ, 1972). Na fenomenologia social, o mundo fatual de nossa experiência, é vivenciado com tipicidade. As tipificações não são mais que generalizações das características particulares de seus semelhantes. Desta forma, não são constructos fechados, visto que se ampliam com a experiência de cada sujeito, no mundo-vida. (ASTRAIN, 2006). No momento do cuidado no Pré-hospitalar, a ocorrência de problemas éticos/morais levam as enfermeiras deliberarem, com base em motivações para as ações, o que permite reflexões sobre a intencionalidade e significados dessas ações. Assim, as enfermeiras que atuam no SAMU, configuram-se em um grupo social que possui características semelhantes que às motivam na condução das ações que lhe são inerentes frente ao cuidado Pré-Hospitalar. Nesse contexto a compreensão da deliberação moral nesta pesquisa se constitui em desvelar uma rede de significados das experiências vividas de participantes, em um 33 determinado tempo e espaço, reconhecendo o mundo da vida de cada uma dessas profissionais que mantém uma relação interpessoal no mundo das deliberações; de cuidar, do encontro intersubjetivo, do estar com outros atores sociais no APHM. 3 O CAMINHO PERCORRIDO AO ENCONTRO DA DELIBERAÇÃO MORAL A busca pela necessidade de situar o fenômeno deliberação moral da enfermeira no cuidado Pré-Hospitalar encaminhou-me para a realização de um estudo qualitativo fenomenológico. A pesquisa qualitativa procura introduzir um rigor, que não o da precisão numérica, que não são passíveis de serem estudados quantitativamente, tais como angústia, ansiedade, medo, alegria, cólera, amor, tristeza, solidão, etc. Esses fenômenos apresentam dimensões pessoais subjetivas apreendidas através da abordagem qualitativa (MARTINS; BICUDO, 2005, p.28). Segundo Martins e Bicudo (2006, p.26), na pesquisa fenomenológica, os pesquisadores “procuram reavivar, tematizar e compreender eideticamente os fenômenos da vida cotidiana à medida que são tais fenômenos, vividos, experienciados e conscientemente percebidos”. A pesquisa fenomenológica, através do fenômeno vivido, descreve o significado da experiência vivenciada, faz imperar como princípio fenomenológico uma volta às coisas mesmas, que segundo Husserl propõe a volta ao eidos, ao núcleo essencial; a análise de uma atividade que faz emergir a essência, que é uma atualização resultante do ato intencional da consciência (CAPALBO, 1998). Para Martins e Bicudo (2005), a fenomenologia trabalha com uma visão de conhecimento e de realidade específicas e próprias. Assim, o sujeito e o objeto não são separados, mas estão ontologicamente unidos, uma vez que o ser é sempre um ser-no-mundo. Nela, estão presentes algumas concepções que dizem da interpretação do mundo vida como: fenômeno, realidade, consciência, essência, verdade, experiência, intersubjetividade. Através da Fenomenologia Social de Schutz, encontrei um referencial coerente com estudos sobre o significado, subjetividade, intersubjetividade e intencionalidade da consciência. Assim sendo, busquei apreender a ação das enfermeiras a partir da deliberação moral, investigando o mundo das relações sociais dessas profissionais, no momento do cuidar no APHM. A compreensão da realidade eminente da vida de sentido comum dessas profissionais, que habitam o mundo do APHM, é a chave que permite entender a obra de Schutz. Para esse encontro no mundo-vida é importante apreender um espaço e tempo que sejam comuns, conforme Schutz 34 (2003). Nestes, são interpretadas por cada pessoa, as experiências construídas no curso de sua existência concreta. O contexto do estudo escolhido intencionalmente é composto por bases descentralizadas de um SAMU Metropolitano, por considerar que este serviço dispõe na peculiar composição, uma estrutura que oferece atendimento a uma população, estimada pelo IBGE em 2012, de 2,71 milhões de habitantes, disponibiliza para os seus usuários um Serviço de Atendimento Móvel de Urgência com escuta médica por 24 horas e é composto por uma Central de Regulação Médica das Urgências. Atuam neste, equipes especializadas e uma frota equipada por USAs , USBs e motolâncias que de acordo com a decisão gestora do Médico Regulador, que compõe a equipe da Central de Regulação, são disparadas para atender às necessidades dos usuários, prestando atendimento de Suporte Básico e Avançado de Vida à população local e atendendo a uma média de 400 ocorrências/dia. Vale ressaltar que, o Serviço em estudo, por vezes, tem ativo no seu fluxo de atendimento uma Unidade Intermediária que tem como tripulantes a profissional Enfermeira, Técnico de Enfermagem e Condutor, em uma Unidade de Suporte Avançado, mesmo não estando discriminada na Portaria 1600/2011/GM/MS, que reformula a Política Nacional de Atenção às Urgências (BRASIL, 2011). Foram participantes da pesquisa, 07 enfermeiras e 05 enfermeiros, atendendo aos critérios de inclusão estabelecidos, com a intencionalidade de obter informações subjetivas, sendo estes: ser enfermeira que intervêm junto à equipe de enfermagem nas Unidades Móveis; os que já tenham vivenciado no seu cotidiano a deliberação moral no processo do cuidar em um Serviço de Atendimento Móvel de Urgência Metropolitano e ter no mínimo seis meses de atuação neste serviço. Foram excluídas as enfermeiras que não atendiam aos critérios de inclusão, encontravamse em férias e estavam ausentes nos dias de coleta. Para fins deste estudo, desde os primeiros contatos com as participantes envolvidas na pesquisa, especialmente no que se refere às profissionais do estudo, foram respeitados o previsto na Resolução n°466 (BRASIL, 2012), do Conselho nacional de Saúde, que dispõe sobre as normas de pesquisas envolvendo seres humanos, o que incluiu a aprovação dos participantes da pesquisa mediante informações prévias sobre o desenvolvimento dessa. Foi realizado, inicialmente, um contato com a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) do município, apresentando cópia do projeto para abertura de um protocolo (PMS de 10/2013 – Apêndice A), solicitando parecer e liberação para utilização do campo para coleta das informações 35 e desenvolvimento da pesquisa. Após o período solicitado para análise, o projeto teve parecer favorável pelo setor de Capacitação (Carta de Anuência – Anexo B). Com a posse dessa anuência e antecedendo a coleta dos dados, o projeto foi submetido para apreciação pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Escola de Enfermagem da UFBA, através da Plataforma Brasil, juntamente com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE – Apêndice B) que contêm informações essenciais aos colaboradores. Após a aprovação do CEP sob CAEE 23134613.4.00000.5531 (Anexo A) foi encaminhado a SMS parecer, para a autorização e início da coleta. Esta instituição redirecionou a proposta, então, para a área técnica do Município (Coordenação de Urgência) que encaminhou a pesquisadora para um primeiro contato com a Coordenação de Enfermagem do SAMU local. Esse primeiro encontro possibilitou o encaminhamento por meio de uma declaração (Anexo C), fundamentada no critério da pesquisa, às seis bases descentralizadas definidas por esta Coordenação, visto que, uma das bases descentralizadas do Município se encontrava em reforma. A aproximação da pesquisadora com o campo foi marcada por sentimentos de ansiedade e temores frente ao tempo prolongado no aguardo da liberação para o acesso aos espaços que são marcados por deliberações no cotidiano das enfermeiras. Nesse sentido, a intenção de compreender o contexto e a dinâmica de trabalho convergiu à necessidade de se caracterizar as construções do senso comum utilizados pelas participantes em sua vida cotidiana conforme SCHUTZ (2003). Essa etapa foi iniciada na busca pela compreensão da dinâmica de trabalho daquelas profissionais que convivem com ações imprevistas, no seu cotidiano, durante a prática de cuidar. Logo, as primeiras visitas às bases descentralizadas foram realizadas nos meses de Janeiro e fevereiro de 2014. Na oportunidade, ocorreu o primeiro contato com os líderes das bases e a apresentação da proposta da pesquisadora às equipes plantonistas. 3.1 DESCREVENDO A EXPERIÊNCIA DA PESQUISADORA PARA O ENCONTRO DA DELIBERAÇÃO MORAL VIVIDA PELAS PARTICIPANTES NO MUNDO DO APHM Estar diariamente nas bases, provocou-me algumas inquietações durante as visitações, tais como: será que terei um encontro favorecido com essas profissionais, mesmo com uma rotina de trabalho diferenciada? Será que as suas saídas sem previsão de retorno possibilitarão a realização das entrevistas? Como poderei conseguir a empatia e chegar à intersubjetividade em um serviço que não tem como espaço de atuação um ambiente fechado? 36 Sendo assim, antes das entrevistas me aproximei das enfermeiras para criar um espaço fenomenológico que possibilitasse a empatia entre mim e elas, no seu cotidiano. Esse momento desejado, e sugerido por todas profissionais, foi escolhido durante as visitas às bases descentralizadas e permitiu o meu encontro com os participantes num espaço restrito, prédefinido pelas participantes, onde as falas foram declaradas sem intervenções ou interferências dos outros componentes da equipe. Realizei a suspensão do meu vivido e conceitos sobre o APHM. Após cada encontro, com uma maior familiaridade, fui garantindo o meu retorno com um agendamento segundo as intenções das participantes que elegeram o horário de passagem de plantão como o momento ideal, de disponibilidade, aceitação e motivação devido às particularidades do serviço. Proporcionei o que Husserl define, entre os graus de relação entre os participantes e pesquisadora, como momento da simples intersubjetividade que não tem ainda uma relação efetiva (CAPALBO, 1998). Para a concretização das entrevistas informei, previamente, às participantes, sobre os objetivos, finalidade, garantia do sigilo, do anonimato, a minimização de riscos potenciais e a inexistência de ônus para os mesmos. Para evitar o risco de constrangimento, coação ou pressão ao participante ofereci um tempo para a leitura do TCLE e aguardei seu pronunciamento e decisão de participar, ou não, na pesquisa proposta. Orientei as mesmas quanto ao direito e liberdade de interromper a sua participação, em qualquer etapa da pesquisa. Apenas após a compreensão das colaboradoras e a confirmação do aceite, solicitei a assinatura do TCLE em duas cópias, permanecendo uma via com a participante e a outra comigo, agregando ao material que ficará sob a minha guarda por cinco anos no banco de dados do Grupo de Estudos e pesquisa em Educação, Ética e Exercício da Enfermagem (EXERCE). Ressaltei a manutenção do anonimato, a fim de preservar a identidade das participantes, não proporcionando nenhuma associação entre os dados obtidos e seus nomes, aos quais, após a minha reflexão, atribui pseudônimo e selecionei palavras que permeiam a deliberação moral e que emergem quando essa ação aparece na consciência dos atores sociais no cotidiano do mundo- vida, onde se vivencia o cuidado Pré-hospitalar. Buscando o significado da ação, no momento da entrevista, proporcionei uma relação face a face, com interação direta, um encontro que permitiu o desvelamento da deliberação moral das participantes, atribuindo através da ação pré-reflexiva dos atores sociais o significado das experiências passadas que advém com a vivência da deliberação moral no mundo vida. 37 Para desvelar a deliberação moral da enfermeira frente ao cuidar no APHM utilizei a entrevista fenomenológica. Optei por esta pelo fato desta permitir uma maior interação entre pesquisador e sujeito da pesquisa, além de possibilitar a percepção de sentimentos, emoções e valor, o que não seria possível com outra técnica. Na entrevista fenomenológica há um encontro entre sujeito e pesquisador, para se escutar a palavra do sujeito; faz- se necessário imbuir-se e impregnar-se de seus gestos e de toda a sua forma de dizer as coisas, como se o pensasse com o seu pensamento, abstraindo-se de todo preconceito (CARVALHO, 1991). Para nortear a entrevista utilizei um roteiro de entrevista com questões referentes à identificação das participantes, contemplando dados sócio-demográficos, como forma de me aproximar da situação biográfica de cada participante, colocada por cada uma, no momento dos encontros e afastando a minha inferência como pesquisadora nesse momento. Através das duas questões de aproximação: O que você entende por deliberação moral?; E por tomada de decisão ética/moral, e da questão norteadora: Fale-me como você tem vivido a deliberação moral ou tomada de decisão ética/moral tendo em vista o cuidado Pré – hospitalar Móvel (APÊNDICE C), aproximei-me das motivações das enfermeiras, das relações e dos interesses de cada uma que habita o mundo do APHM, através das quais obtive suficiência de significado para apreender o típico da ação conforme recomenda Zeferino e Carraro (2013) Considerei como fim seus gestos, expressões faciais, períodos de silêncio e de forte entonação de voz, pois representam a expressão da história viva narrada pelas participantes. As entrevistas foram registradas por meio digital (gravador/MP3), após autorização das participantes e foi permitido a todas o acesso ao material gravado/ transcritos com possibilidade de acréscimo às informações ou suspensão de algum aspecto que julgassem sigilosos. Apenas duas participantes solicitaram a escuta de suas entrevistas realizadas. Após a realização das entrevistas, iniciei a pré-análise do estudo fenomenológico com a transcrição na integra dos discursos e a busca do sentido global das descrições, sempre sob o olhar para as questões norteadoras e de aproximação realizadas por cada participante, intencionando o desvelamento das estruturas de significado das ações. 3.2 O TRILHAR PARA A CONSTRUÇÃO DA ESTRUTURA IDEOGRÁFICA 38 A análise ideográfica do fenômeno da deliberação moral das enfermeiras frente ao cuidado Pré-hospitalar foi realizada em cinco momentos visando a apreensão das vivências motivadas das participantes. No primeiro momento, transcrevi as entrevistas buscando a fidelidade à fala gravada. Nesse momento, descrevi de forma ingênua a experiência vivida das enfermeiras frente à deliberação moral no cuidado pré-hospitalar. “A descrição é o relato de quem sabe alguma coisa para alguém que não sabe”. (MARTINS; BOEMER; FERRAZ,1990, p.145). Nesse momento, realizei uma leitura vertical e criteriosa de cada um dos discursos das participantes, sem buscar o sentido da interpretação, mas apenas com o direcionamento de agrupar as falas, de cada uma em particular, seguindo a ordem da transcrição e a identificação das participantes. No segundo momento, destaquei em negrito as locuções de efeito e transcrevi as Unidades de Contexto sob a minha perspectiva como pesquisadora, colocando-as em um quadro para melhor visualização, conforme apresentado a seguir: QUADRO 1 SEGUNDO MOMENTO DA ANÁLISE IDEOGRÁFICA - DESCRIÇÃO 1 QUESTÃO DE APROXIMAÇÃO: O que você entende por deliberação moral? Descrição Unidade de Contexto É [,..] eu tenho que considerar [...] eu entendo que a deliberação moral ela [...] vai passar por uma tomada [...] de decisão que envolve um entendimento consensual da situação vivenciada e dos atores que estão dentro [...] da [...] situação. (E1,P1, R1) A deliberação moral como tomada de decisão coletiva e compartilhada entre os membros da equipe e outros atores sociais, como a família, paciente e os outros membros da equipe. Para apreender as essências, imagina-se cada parte como estando presente ou ausente na experiência, até que a descrição seja reduzida ao essencial para a existência duma consciência da experiência (CORRÊA, 1997). Com este pensamento passei ao terceiro momento da trajetória fenomenológica, nova redução, realizei novas releituras das descrições das participantes, buscando extrair a essência delas, sem criar um julgamento da deliberação moral, fazendo um movimento para tal fenômeno aparecer na sua essência. Organizei as entrevistas individuais em outro quadro, com três colunas, atendendo a etapa ideográfica e deixando aparentes as locuções de efeito na segunda coluna e a Unidade de 39 Significados na terceira coluna, como desveladoras dos significados da deliberação moral, que se mostrou no meu primeiro contato com as descrições, como pesquisadora. QUADRO 2 TERCEIRO MOMENTO DA ANÁLISE IDEOGRÁFICA- DESCRIÇÃO 1 QUESTÃO DE APROXIMAÇÃO: O que você entende por deliberação moral? Descrição Locuções de efeito É [,..] eu tenho que considerar,...eu entendo que a deliberação moral ela... vai passar por uma tomada [...] de decisão que envolve um entendimento consensual da situação vivenciada e dos atores que estão dentro [...] da [...] situação. (E1,P1, R1) É, uma tomada [...] de decisão que envolve um entendimento consensual da situação vivenciada e dos atores que estão dentro da [...]situação. (E1,P1, R1) Unidades de significado A deliberação moral como tomada de decisão coletiva. (E1,P1, R1) No quarto momento da análise, busquei as convergências das Unidades de Significado que expressaram justificativas em comum referentes à ação. Realizei o registro de palavras que representaram um significado aparente mais próximo daquilo que se mostrou nos trechos dos depoimentos desse grupo social. Nesse instante de reflexão busquei a epoché, colocando a minha situação biográfica entre parênteses. Voltei às coisas mesmas, aos trechos das entrevistas transcritas, para que pudesse destacar o fenômeno colocando-o “em suspensão”. Busquei como investigadora me afastar de teorias e preconceitos que o explicassem ou que pudessem influenciar os meus questionamentos. “É desta maneira que o fenômeno situado se ilumina e se desvela para o pesquisador” (MARTINS; BICUDO, 2005, p.100). QUADRO 3 QUARTO MOMENTO DA ANÁLISE IDEOGRÁFICA - DESCRIÇÃO 1 QUESTÃO DE APROXIMAÇÃO: O que você entende por deliberação moral? Locuções de efeito Unidades de Significado Palavras de Significado É uma tomada [...] de decisão que envolve um A deliberação moral Tomada entendimento consensual da situação como tomada de decisão decisão vivenciada e dos atores que estão dentro da coletiva. (E1, P1, R1) [...] situação. (E1, P1, R1) 40 de Esse movimento de distanciamento e aproximação do fenômeno foi revivido por mim, como pesquisadora, com cada um dos depoimentos. E, através desse desvelamento, consegui mergulhar nas falas das participantes e apreender o sentido das significações da deliberação nas vivências das enfermeiras que cuidam no APHM, fazendo aparecer os constituintes de sentido. Nesse momento, direcionei o meu olhar aos constituintes de sentido desvelados para aproximálos por semelhança de sentido e com a intenção de construir subcategorias e categorias concretas, comuns a esse grupo social, conforme o exemplo a seguir. QUADRO 4 QUINTO MOMENTO DA ANÁLISE IDEOGRÁFICA- DESCRIÇÃO 1 Subcategorias concretas Constituintes de Sentidos Desvelando como os fatores externos/ ambientais e institucionais influenciam o processo da deliberação moral das enfermeiras no APHM Desvelando a influência do contexto do APHM na deliberação moral das enfermeiras frente ao cuidar Fatores pessoais Fatores Externos/ambientais Fatores Institucionais Exposição da Equipe Ambulância como lugar inseguro Comunicação da equipe Unidade Intermediária Rede de atendimento fragilizada Desvelando o conhecimento das enfermeiras que Conhecimento científico fundamentam a ação da deliberação moral no APHM Conhecimento técnico Formação Experiências Desvelando as vivências de cuidado na deliberação das Protocolos enfermeiras no APHM Normas Cuidado humanizado Cuidado relacional Qualificando as relações profissionais estabelecidas no Poder mundo - vida do APHM Subordinação Sofrimento e prazer Revelando vivências de dilemas morais e éticos vividos Dilemas durante a atuação no APHM Problemas Revelando vivências de conflitos morais e éticos Conflitos oriundos da atuação no APHM Equipe 41 Fundamentos morais, éticos e técnicos que norteiam a Valores prática das enfermeiras do APHM no cotidiano da Deveres deliberação moral e da tomada de decisão Responsabilidade Código de Ética Deliberação como tomada de decisão Desvelando a maneira como as enfermeiras tomam coletiva decisão Ação para a tomada de decisão Avaliação Desvelando os limites da autonomia vivido pelas Autonomia limitada enfermeiras para a tomada de decisão no APHM Liberdade A compreensão do modo vivido na concretude do processo de deliberação moral, permitiu a construção das categorias e subcategorias concretas na perspectiva de Shutz. Nesse estudo, estas se configuraram nos “motivos porque” da ação das enfermeiras no cuidar no APHM, que se constituíram como um fenômeno social apreendido através da experiência descrita pelas profissionais, além do olhar reflexivo e interpretação da pesquisadora. 4 COMPREENDENDO A DELIBERAÇÃO MORAL DA ENFERMEIRA NO CUIDADO PRÉ-HOSPITALAR MÓVEL A LUZ DA FENOMENOLOGIA SOCIAL 4.1 DESCORTINANDO A SITUAÇÃO BIOGRÁFIACA DAS PARTICIPANTES DO ESTUDO A situação biográfica conceitua a individualidade de cada participante no existir de um mundo da vida, que vivencia de forma específica. Através desta identifica-se o passado, compreende e justifica-se o presente e projetam-se ações futuras (WAGNER, 2012). Serão apresentadas características que definem a situação biográfica das participantes desse estudo no mundo vida do APHM: 42 QUADRO 5: CARACTERIZAÇÃO DAS PARTICIPANTES DO ESTUDO Nº Entrevista 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 Pseudônimo Sexo Idade Tempo de Formação Tempo de Atuação Pré-Hosp. Normativo M 26 04 anos 1 ano e 07 meses Decisão M 41 15 anos 1 ano e 08 meses Compromisso F 28 03 anos 1 ano e 09 meses Conhecimento F 29 04 anos 1 ano e 08 meses Ação M 27 03 anos 1 ano e 09 meses Responsabilidade M 33 12 anos 2 anos Valor F 31 07 anos 1 ano e 09 meses Protocolo F 35 10 anos 2 anos Atitude F 28 03 anos 2 anos Conduta F 28 03 anos 1 ano e 08 meses Conflito F 28 03 anos 1 ano e 08 meses Dilema M 44 14 anos 2 anos Fonte: elaborado pela pesquisadora após entrevistas, jan/fev, 2014 CH Semanal Titulação 30 Mestre 30 Especialista 30 Especialista 30 Especialista 30 - 30 30 Especialista - 30 30 30 Especialista Especialista Especialista 30 Especialista 30 - . A leitura flutuante proporcionou-me, ainda, a apreensão do sentido global da experiência da deliberação moral das enfermeiras, possibilitando a apreensão das essências dessa ação frente ao cuidado pré-hospitalar. Nesse momento busquei o grau de relação intersubjetiva que Husserl define como “a vida social propriamente dita, onde as consciências constituem-se unidades efetivas e executam apreensões totais; das quais operações individuais são os elementos complementares e solidários uns em relação aos outros” (CAPALBO, 1998 p.33). Nessa percepção passarei a descrever o sentido global, que se apresentou inicialmente num contato direto com as falas das participantes. Ação, formado por uma instituição federal de ensino superior do Estado da Bahia, em 2011, iniciou as suas atividades no APHM desde 2012. Não possui curso de especialização. Define a deliberação moral como uma decisão tomada quando se enfrentam os dilemas na vida cotidiana, desvelada pela necessidade de um conhecimento prévio, adquirido com o vivido, na família, na sua formação e da experiência no serviço de APHM. Os passos da deliberação moral envolvem 43 planejamento das ações de enfermagem pautadas na experiência profissional, no APH e em sua reflexão sobre a aplicabilidade de protocolos, normas e rotinas. Para Ação as condutas no cotidiano do APHM são vividas com o enfrentamento dos problemas morais influenciadas pelo contexto do atendimento em situação de rua e o controle emocional da equipe é o mediador entre o processo de deliberação e tomadas de decisão ética/moral permeadas por escolhas guiadas por uma regulação médica, e, também embasadas em protocolos. No entanto, para o seu existir no mundo da vida é preciso uma ação pré-reflexiva para que as decisões institucionais não se sobreponham à pessoa no momento de cuidar do outro no APHM, pois considera os problemas éticos e morais transversais, ao contexto das diversas ocorrências que surgem com a regulação médica que exige uma atitude frente às necessidades do paciente que necessita de cuidado imediato. Decisão, formado por uma instituição federal de ensino superior do Estado da Bahia, em 1999, iniciou as suas atividades no APHM em 2012. Considera a deliberação moral como uma tomada de decisão coletiva que no momento da prática diária no APH, conta com a participação da equipe e de outros componentes que interagem com esse grupo social. A vivência cotidiana revela aspectos éticos e legais como ferramentas essenciais para a deliberação. Em sua vivência, a dada ação como enfermeiro do APHM considera como relevância motivacional para a condução da sua prática cotidiana os preceitos éticos e morais, o conhecimento e a habilidade técnica científica apoiada na perícia, habilidades para não ultrapassar os limites éticos e morais da profissão no APHM, a deliberação moral desde o momento em que há solicitação do socorro pelo usuário. Decisão considera como guia para a sua tomada de decisão no APHM a escuta da equipe e a comunicação com a central de regulação médica das urgências. Compromisso, formado por uma instituição de ensino superior privada de Salvador, em 2011, iniciou as suas atividades no APHM em 2012. Possui curso de especialização em Urgência e Emergência. Conceitua a deliberação moral como um compromisso com sua profissão e este revela no contexto da APHM como autonomia reduzida no serviço. Ela vivencia mais autonomia na deliberação moral principalmente quando tripula as Unidades móveis sem profissionais médicos. Sua experiência no cotidiano revela situações conflituosas devido à relação de poder instituída na equipe. Para ela estas situações contribuem para o risco do seu envolvimento em infrações éticas/legais. Compromisso compreende que o cumprimento dos protocolos institucionais e a sua participação em treinamentos evitam danos ao paciente no momento do cuidar no APHM. 44 Normativo, formado por uma instituição de ensino superior privada de Salvador, em 2011, iniciou as suas atividades no APHM em 2012. Possui mestrado em Saúde Pública. No seu cotidiano conceitua a deliberação moral em sua prática como uma tomada de decisão fundamentada nas normas, resoluções, portarias e leis. Esta tomada de decisão é vivida diante dos conflitos vivenciados no APHM. Considera que nas deliberações no APHM é necessária uma comunicação efetiva entre a equipe da intervenção e a da regulação. Normativo revela a existência de uma relação de subordinação que favorecem deliberações e suas ações frente ao cuidar dos pacientes atendidos pela equipe do SAMU. Conhecimento, formada por uma instituição federal de ensino superior do Estado da Bahia em 2010, iniciou as suas atividades no APHM desde 2012. Possui curso de especialização em Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Compreende que a deliberação moral está associada ao poder que a enfermeira possui para a tomada de decisão diante de ocorrências em que o médico não está presente na equipe e a situação de agravo exige desta enfermeira, presente no cenário, uma conduta imediata. Para ela, os motivos que fundamentam suas ações de decisão na vida cotidiana, são os conhecimentos adquiridos e as concepções de vida. Conhecimento revela que cursos de capacitação ampliam o conhecimento e estimulam a reflexão sobre o vivido, auxiliando no processo de deliberação moral e na tomada de decisão. Responsabilidade, formado por uma instituição federal de ensino superior do Estado da Bahia, em 2002, iniciou as suas atividades no APHM desde 2012, Possui especialidade em Urgência e Emergência, Auditoria e Saúde Coletiva. Compreende a deliberação moral como sua capacidade de tomar decisões dentro do seu exercício profissional, que para ela é expressa no agir com responsabilidade no momento do cuidar, evitando danos provocados por negligência, imprudência e imperícia. No seu cotidiano ela vivencia a ação responsável ao preservar a vida com atitudes de eficiência, eficácia e efetividade. Responsabilidade compreende que o conhecimento adquirido em suas experiências e treinamentos são fundamentais para a resolução dos conflitos que emergem no contexto de atuação da equipe que compõe o SAMU. Valor, formada por uma instituição federal de ensino superior do Estado da Bahia, em 2007, iniciou as suas atividades no APHM desde 2012. Não possui curso de especialização. Apreende a deliberação moral como sua atribuição enquanto enfermeira frente à moralidade do serviço. Para ela deliberação moral é a tomada de decisão baseada nos princípios éticos do indivíduo e de sua profissão. Na sua vivência, a deliberação moral é a tomada de decisões frente aos conflitos presenciados junto à equipe que compõe o APHM. Valor compreende que o processo de 45 deliberação em situação de rua, para o cuidado dos pacientes nas situações de urgência, há a exigência de um afastamento de preconceitos para que o atendimento seja realizado de forma integral. Protocolo, formada por uma instituição estadual de ensino superior da Bahia, em 2004, iniciou as suas atividades no APHM desde 2012. Possui especialidade em Urgência e Emergência. Entende que a ação da deliberação moral é a tomada de decisão da enfermeira embasada por protocolos. No seu mundo-vida do Pré-hospitalar traz para a sua consciência a necessidade de um agir com competência profissional, diante dos problemas práticos morais vivenciados. Protocolo expressa que possui o código de ética como um guia de conduta para o seu fazer no momento do cuidar no cotidiano do APHM. Conduta, formada por uma instituição estadual de ensino superior da Bahia, em 2011, iniciou as suas atividades no APHM desde 2012. Possui curso de especialização em UTI sob a forma de Residência. Compreende a deliberação moral como a tomada de decisão baseada nas condutas éticas, norteada por protocolos e pelo código de ética. Ela toma decisões tendo como base as questões éticas e morais que envolvem o seu cotidiano e expressa que é através de vivências de situações gratificantes e difíceis no cenário dos atendimentos dos pacientes em situação de rua. Conduta, expressa o processo de deliberações como as ações motivadas pela relevância imposta a partir dos protocolos institucionais e orientações cedidas pelos médicos Reguladores que fazem parte da central de regulação médica das urgências. Atitude, formada por uma instituição de ensino superior de um estado do sudeste brasileiro, em 2011, iniciou as suas atividades no APHM desde 2012. Possui especialidade em UTI. Considera a deliberação moral como uma tomada de decisão norteada por um agir ético. Traduz como o fazer da enfermeira guiada pelo conhecimento científico apreendido e as atribuições que assumem no exercício da profissão no SAMU. Para ela a sua vivência cotidiana do processo de deliberação moral está associada à sua condição de enfermeira que está subordinada as decisões médicas definidas pela Central de Regulação. Atitude, expressa que mesmo não tendo um protocolo uniformizado na rotina do seu serviço, a sua condição de estar sozinha no cenário faz com que ela reconheça sua autonomia limitada na condução das ocorrências que envolvem esse grupo social de enfermeiras que atuam no APHM e a possibilidade de um agir diferenciado. Conflito, formada por uma instituição estadual de ensino superior da Bahia, em 2011, iniciou as suas atividades no APHM desde 2012. Possui curso de especialização sob a forma de Residência em UTI. Revela a deliberação moral como a sua capacidade de tomar decisões de acordo 46 com as suas competências determinadas pelas legislações e pelos protocolos existentes. Na sua ação da deliberação moral no APHM existem condições de trabalho, que interferem nas suas tomadas de decisões frente ao atendimento das necessidades de urgência da população. Conflito, descreve que os conflitos que emergem no interior da equipe de trabalho põem em risco o direito do outro “ser” que aguarda o socorro imediato e cuidados. Dilema, formado por uma instituição federal de ensino superior da Bahia em 2000, iniciou as suas atividades no APHM desde 2012. Não possui curso de especialização. Define a deliberação moral como a ação fundamentada no estoque de conhecimento técnico e nos aspectos éticos e legais que norteiam a profissão. Ela tem vivenciado o processo de deliberação moral no cotidiano com os dilemas entre a equipe do SAMU e os conflitos entre os profissionais componentes pré e intrahospitalar. Dilema, apesar dos conflitos e dilemas vivenciados, tem realizado essa ação de forma prazerosa no momento que é motivado, no seu cenário prático, pelo reconhecimento da população. 5 O VIVIDO DA DELIBERAÇÃO MORAL PELAS ENFERMEIRAS NA CONCRETUDE DO CUIDAR NO APHM O desvelar das categorias concretas foi construída considerando os constituintes de sentido e as subcategorias, dando origem a três categorias concretas que estão apresentadas a seguir com dez subcategorias. 5.1 CATEGORIA 1: CONCRETUDE DO MUNDO VIVIDO PELAS ENFERMEIRAS NO APHM Nessa categoria as enfermeiras expressam que a concretude da existência vivida com outros atores sociais no mundo social da prática no APHM e a influência dos fatores externos/ambientais e institucionais. Entre estas, a fragilidade das estruturas da rede de atenção às urgências fragilizadas, o estoque de conhecimento e as experiências adquiridas na prática de cuidar no APHM. Subcategoria 1.1: Desvelando como os fatores externos/ambientais e institucionais influenciam o processo da deliberação moral das enfermeiras no APHM Subcategoria 1. 2: Desvelando a influência do contexto do APHM sobre a deliberação moral das enfermeiras frente ao cuidar Subcategoria 1. 3: Desvelando o conhecimento das enfermeiras que fundamentam a ação da deliberação no APHM 47 Subcategoria 1. 4: Desvelando as vivências de cuidado na deliberação das enfermeiras no APHM Subcategoria 1.1: Desvelando como os fatores externos/ambientais e institucionais influenciam o processo da deliberação moral das enfermeiras no APHM As enfermeiras desvelaram como os fatores externos/ambientais, influenciam as ações no processo de deliberação moral, considerando o meio ambiente, a comunidade, o cenário de rua, situações adversas e a sua integridade pessoal. [...] no pré-hospitalar a gente tem muitas situações em que o ambiente é um dos fatores mais instáveis da situação [...] você fica a todo momento[...] sendo moldado por coisas que vem do ambiente externo que modula a gente [...] nós somos resultados do meio que estamos inseridos. Nós temos um esqueleto moral, um arcabouço de conceitos e preconceito e [...] pré-decisões tomadas. Vai depender muito de onde eu estou, de como eu estou e para onde eu vou [...]. (Ação) [...] posso dar um exemplo: [...] A gente tem situações em que a própria comunidade se volta contra ah![....]os profissionais que estão prestando assistência[...]. (Normativo) [...] na verdade a nossa deliberação, ou seja, uma tomada de decisão coletiva muitas vezes depende de todo um cenário que a gente encontra, né? Para depois a gente chegar numa decisão[...]. (Decisão) [...] É o que eu falei![...] quando a gente chega ao campo de atuação a gente encontra situações adversas[...]. (Dilema) [...] tem a questão também de você está preocupada com a situação da cena. Então, a integridade da gente é primordial[...]. (Protocolo) Ação descreve o mundo do APHM como um cenário instável, inseguro. Relata que a sua deliberação moral na prática do cuidar é influenciada pelo ambiente externo que o envolve. Normativo e Decisão consideram o seu ambiente de trabalho, os cenários de rua, e expressam que a cena é envolvida por insegurança à integridade física do profissional e, para ela, esse fato pode interferir nas decisões cotidianas. Dilema refere o seu encontro com as situações adversas vividas no mundo social do APHM. Para Protocolo a integridade das profissionais é um fator primordial para o atendimento da equipe. 48 As enfermeiras desvelam a influência das estruturas organizacionais como um dos fatores institucionais que impulsionam e fundamentam a deliberação moral no mundo social do SAMU. Entre estas, as enfermeiras citam o dimensionamento de pessoal, de recursos materiais, de como se dá a comunicação com a Central de Regulação Médica das Urgências, do comportamento moral dos membros da equipe e de como as enfermeiras atuam. [...] dentro do SAMU a gente tem ah! A gente tem diversas divisões, né? De unidades[.. ]a unidade avançada, a unidade intermediária e básica, aqui [...] que não é a realidade de todos os SAMUs, de todos os locais[...]A unidade intermedária não existe legalmente até pelo menos onde eu sei! Até onde sabemos[...]. (Atitude) SAMU é um pouco diferente dos outros serviços porque a gente está com uma equipe reduzida [...] então, a gente não conta com apoio de outros profissionais além da equipe e nem de materiais equipamentos fora do que a gente tem [...]. (Conduta) [...] mas tenho meios de regulação, tenho como ligar para é[...]instâncias superiores para que eles me ajudem nessa tomada de decisão [...] eu faço uma relação direta com a[...] central de regulação mediada pelo médico regulador e ai eu tento me expor da maneira mais clara possível[..].(Normativo) [...] tem algumas coisas que são essenciais, como entrar em contato com o regulador! (Protocolo) Alguém pode filmar o que eu estou fazendo [...] Mas, tem uma moralidade do serviço é [...] o comportamento da equipe, o comportamento do profissional dentro de uma equipe no serviço. Então [...] existem coisas que vão influenciar a tomada de decisão é [...] no seu cuidado[...]. (Ação) [...] apesar de ser um serviço que a equipe é peça fundamental para a qualidade, no entanto, ainda existem [...] as questões individuais que muitas vezes interferem na tomada de decisão [...]. (Responsabilidade) A gente [...] tem a questão do enfermeiro ele ser fixo em bases aqui [...] e o médicos não, eles rodam as bases. Então, a equipe sempre vai esperar muito mais do enfermeiro, né? (Conflito) Atitude e Conduta descrevem as características institucionais do ambiente de trabalho que interferem na deliberação frente ao cuidar. Protocolo e Decisão descrevem o fluxo inicial de comunicação através de uma Central de Regulação Médica das Urgências. Ação e Responsabilidade consideram os fatores pessoais e a personalidade de cada ator social que fundamentam a situação biográfica determinada existente de cada profissional, que se encontram no sistema de interesses e relações presentes no espaço social do trabalho. 49 Conflito refere que o fato de as enfermeiras serem fixas nas bases descentralizadas proporciona uma maior credibilidade das ações dessa profissional. Subcategoria 1.2: Desvelando a influência do contexto do APHM sobre a deliberação moral das enfermeiras frente ao cuidar A influência do contexto do APHM no processo de deliberação moral para o cuidado é exposto pelas enfermeiras como fatores que dificultam suas ações, a exemplo dos entraves de regulação, destino do paciente e as condições precárias do serviço para o cuidado nas ambulâncias. A gente tem uma rede que não funciona e ai acaba expondo os próprios profissionais do serviço [...] A gente vivencia inúmeras situações com essa questão de regulação que é um grande entrave... (Protocolo) [...] apesar que a regulação ela é[...] que define[...] é a definidora de muitas vezes [...] do processo de regulação vamos dizer assim [...] do paciente. É muita responsabilidade, por conta muitas vezes das condições precárias (pausa) é[...] de estrutura do serviço, que na maioria das vezes nós encontramos lá! (Responsabilidade) [...] o que prejudica mesmo é o destino desse paciente ao cuidado hospitalar[..]a gente encontra dificuldade com o término da nossa ação[...] (Dilema) Para Protocolo a Rede de atenção às urgências está fragilizada e o sistema de regulação de pacientes dificulta as tomadas de decisões da equipe. Responsabilidade desvela a existência de estruturas institucionais precárias no cotidiano. Dilema revela que a dificuldade de comunicação com os outros componentes da Rede de Atenção às Urgências, dificulta a continuidade do cuidar no ambiente hospitalar. As enfermeiras desvelam no próprio vivido, sentimentos de medo, impotência, prazer, sofrimento e frustração no momento que deliberam frente ao cuidar no APHM. Eu acho uma linha muito tênue porque [...] quando você se vê só você e o paciente, então é assim... o profissional e o paciente...numa situação de unidade básica, de unidade intermediaria que por aqui[...] a gente tem [...]. (Compromisso) [...] só que muitas vezes a maior parte da minha vivência é... o que acontece é... a equipe ela está desfalcada por um membro que é fundamental [...] na assistência, que é o médico. (Responsabilidade) 50 Na unidade avançada a gente sempre tem um médico junto com a gente... então...Mas, em situação também contrária que a gente não tem nada escrito, a gente não tem médico com a gente [...] é bem complicado [...] Assim... é complicado a gente fica![...] a gente as vezes se sente assim[...] se sente impotente diante do doente, da família [...] é... um sentimento meio de frustração na hora, né? (Atitude) Acho que é um trabalho que é difícil [...] mas é... ao mesmo tempo um trabalho gratificante...(Conflito) A gente ver que o atendimento pré-hospitalar ainda é uma das melhores ações do campo da saúde... é o que vem tendo resultados positivos...a gente se sente satisfeito com o que a gente faz! [...] é triste não haver uma ligação entre os três pontos... o que vem antes na atenção básica e o quem vem depois na atenção hospitalar na terciaria. (Dilema) Compromisso expressa sentimento de temor frente à atuação das equipes de Suporte básico e Unidades Intermediárias. Para Atitude o sentimento de impotência emerge frente à família e ao doente que dependem do seu cuidado no APHM. Conflito e Dilema revelam sentimentos de sofrimento e prazer no cotidiano da deliberação moral no seu ambiente de trabalho. Subcategoria 1.3: Desvelando o conhecimento das enfermeiras que fundamentam a ação da deliberação no APHM Para as enfermeiras, o mundo-vida é influenciado pela base de conhecimento adquirida com as próprias experiências armazenadas. Percebem que a riqueza do aprendizado existente com a troca de subjetividade entre os profissionais que habitam no mundo do APHM, são elementos relevantes para a deliberação moral. Então, deliberação [...] assim [...] é tudo aquilo que [...] a gente tem de conceitos, de [...] preconceitos, que a gente tem de conhecimento técnico/científico, de moral que traz de nossas vivências, que traz da academia, que a gente pega do serviço que acaba sendo acolhido por ele [...].(Ação) Eu acredito que todas as nossas decisões né? Relativa à ação da questão da enfermagem [...] todas as nossas ações elas são voltadas a um conhecimento técnico né? (Dilema) É fazer aquilo que lhe compete de acordo com o que você estudou de acordo com o seu papel no serviço naquele momento [...]. (Conduta) [...] então, a gente tenta assim o máximo tá baseado no conhecimento técnico científico [...] para conseguir tomar decisões durante o atendimento do paciente...do cuidar. (Valor) 51 As situações dependem do nosso conhecimento técnico, da nossa habilidade prática [...]. (Conhecimento) Se você tem o conhecimento técnico cientifico você tem respaldo de certa forma para poder depois, né? Ate que venha responder alguma coisa perante o COREN [...]. (Protocolo) Ação, Dilema, Conduta e Valor revelam que o conhecimento técnico/científico apreendido pelas vivências direciona as ações das enfermeiras. Conhecimento expressa que as capacitações e treinamentos favorecem os atos decisórios por colaborar com o aumento da bagagem de conhecimento. Para Protocolo, o conhecimento técnico proporciona o exercício da profissão com segurança. Subcategoria 1.4: Desvelando as vivências de cuidado na deliberação das enfermeiras no APHM As enfermeiras assumem um encontro relacional no vivido com uma ação de cuidar diferenciada que transcende a condição de apenas chegar e atender. Entretanto, desvelam também que experenciam um cuidado prestado com falta de conhecimento, que distancia a relação entre profissionais e pacientes, com cumprimento de protocolos institucionalizados que direcionam as condutas realizadas pela equipe de enfermagem. [...] como equipe também a gente tem questões relacionadas muito ah! [...] conhecimento! Falta de conhecimento![...] são situações muito difíceis... situações de você chegar ir para uma PCR de uma criança, e o médico ele não saber manusear um desfibrilador, colocar na voltagem e ai você diz que vai colocar na voltagem e ele querer que você desfibrile o paciente! E você não faz, porque não é a sua obrigação, né? Eles acham que por a gente está meio que livre para fazer certas coisas a gente pode entrar no domínio um do outro [...] Quando a gente tem que ter, né? Firmeza e está consciente que cada um tem as suas atribuições [...]. (Conflito) [...] na área do APH[...] a gente tem várias questões a ser trabalhada[...], porque foge muito de apenas chegar e atender[...]. (Decisão) [...] muitas vezes a gente vem vivenciando [...] a gente tenta trabalhar em cima de protocolos né?[...]. (Protocolo) [...] o protocolo é fácil tá ali, tá escrito a gente está protegido por ele [...] ótimo! (Conduta) A gente só não pode fazer medicação fora de protocolo, porque isso realmente é uma conduta médica, a gente não pode prescrever medicamento nenhum a não ser é [...] do protocolo como no caso da glicose por exemplo que já tem um protocolo..e [...] agora, outros cuidados a gente já pode ir tomando se tiver um paciente com intoxicação exogena 52 a gente já pega acesso, oferece oxigênio, passa uma sonda nasogátrica (pausa) se tiver que aspirar, as vezes está muito sialorreico, a gente aspira[...].(Conduta) [...] não quer dizer que aquele cuidado que se diz avançado vá excluir o cuidado mínimo de conforto de exposição daquela vítima [...]. Você está produzindo cuidados de enfermagem não importa o âmbito da atenção [...] é a tecnologia leve, eu estou falando de tecnologia relacional, de uma tecnologia de comunicação, de uma tecnologia de inter-relação entre equipe que vai moldar o cuidado independente de você ter tecnologia dura ou não. (Ação) [...] eu acho que pré-hospitalar ele envolve muito [...] é um cuidado muito diferente [...] tem que ter um tato, você tem que ter feeling [...] tem que ter o time das coisas [...]. (Compromisso) Conflito desvela a falta de conhecimento dos profissionais, no vivido do cuidar no APHM, e descreve um caso vivenciado durante a prática cotidiana que envolveu a tomada de decisão frente a reanimação de uma criança. Para Decisão, no APHM, a prática cotidiana das enfermeiras não se resume à apenas o atendimento padronizado da equipe. Protocolo, Atitude e Conduta descrevem a vivência cotidiana de cumprimento de protocolos institucionais para a deliberação moral frente ao cuidar. Ação revela que o cuidado avançado não substitui o cuidado de conforto. Refere que essa ação significa estabelecer uma relação com o Outro através da tecnologia leve, relacional, de comunicação. Para Compromisso, a ação do cuidar desenvolvida no mundo de suas relações é diferenciada. 5.2 CATEGORIA 2: DIMENSÃO SOCIAL DAS RELAÇÕES DAS ENFERMEIRAS NA VIVÊNCIA DA DELIBERAÇÃO NO APHM Nessa categoria, as profissionais desvelaram as relações estabelecidas no momento que deliberam no cuidado Pré-hospitalar. Subcategoria 2.1: Qualificando as relações profissionais estabelecidas no mundo vida do APHM Subcategoria 2.2: Revelando vivências de dilemas morais e éticos vividos durante a atuação no APHM Subcategoria 2.3: Revelando vivências de conflitos morais e éticos oriundos da atuação no APHM Subcategoria 2.4: Fundamentos morais, éticos e técnicos que norteiam a prática das enfermeiras do APHM no cotidiano da deliberação moral e da tomada de decisão 53 Subcategoria 2.1: Qualificando as relações profissionais estabelecidas no mundo vida do APHM As enfermeiras descrevem que a afinidade, a pressa e o entrosamento da equipe são aspectos das relações sociais vividos no mundo da vida. Expressam a existência de lacunas de socialidades entre essas profissionais, a equipe de enfermagem e a equipe médica da regulação que atuam no serviço. Quando você está ali a todo período você consegue vincular, mas quando você não tem essa questão de se manter é [...] no lugar e roda [...] ai acaba[...] você perde essa questão de afinidade de equipe, do grau de trazer a equipe para você. A gente tem questões relacionadas à personalidade das pessoas, a vícios das pessoas, a descompromissos das pessoas que estão fazendo parte da equipe[...]há questão relacionadas a tentar uniformizar o trabalho da equipe né? [...] a gente tem diversas situações relacionadas a isso [...] decisão para tomar assim é bastante difícil para o enfermeiro sendo que, envolve uma equipe né? (Conflito) [...] você trabalha em conjunto e pode acontecer que o grupo não está coeso, e uma ação que poderia ser completa e eficaz as vezes pode ser atrapalhada pela agilidade ou por uma pressa no atendimento[...]. (Dilema) Mas, às vezes a equipe não tá entrosada ou a situação realmente é adversa [...].(Valor) [...] essa questão assim [...] da gente está atendendo paciente sozinho no momento né? Eu acho complicado [...] porque às vezes a gente passa um quadro, né? E às vezes a gente não consegue um contato com o médico. [...] é bem complicado aqui no SAMU [...]. (Atitude) Conflito descreve que a falta de vínculos entre a equipe pode provocar situações difíceis na condução das tomadas de decisão. Para Dilema a falta de coesão do grupo e a pressa para o atendimento são enfrentamentos cotidianos durante as relações interpessoais no momento do cuidar. Valor descreve a falta de entrosamento entre os profissionais da equipe e as situações adversas vivenciadas no APHM. 54 Para Atitude, suas decisões se tornam difíceis quando as relações estabelecidas entre a equipe da intervenção e a equipe médica da regulação se mantêm indiretas, no momento da ação de cuidar no cotidiano do trabalho. [...] em situações que a gente está de intermediária no serviço então o enfermeiro ele acaba sendo é [...] líder da equipe é [...] então toda informação de certa forma é ele que tem naquelas situação [...] em muitas vezes o enfermeiro ele é [...] em um determinado momento o centro da equipe[...]. (Conflito) Conflito em outro momento desvela que quando assume as Unidades Intermediárias é conferido um poder às enfermeiras. Essas se alto definem como líderes, pelo valor simbólico da atuação desse grupo atribuído pela detenção de informações que orientam a deliberação moral, no momento que estão tripulando as Unidades Móveis sem o profissional médico em situações vivenciadas cotidianamente. Subcategoria 2.2: Revelando vivências de dilemas morais e éticos vividos durante a atuação no APHM As enfermeiras vivenciam, na prática cotidiana do APHM, dilemas éticos/morais em decorrência da especificidade do serviço e das relações sociais estabelecidas entre os profissionais que tripulam as Unidades Móveis. [...] uma vez eu perguntei assim: poxa será que eu tenho em todas ocorrências [...] o mesmo comportamento, a mesma conduta, a mesma reação? Até que momento a gente vai [...] seguir o protocolo? Seguir situações? Até que momento aquela situação que a gente está envolvido é [...] seja profissionalmente [...] seja até emocionalmente com aquilo que a gente está vivenciando vai interferir nas nossas decisões? (Ação) [...] também, tem a questão de tomada de decisão em que alguns momentos a gente não faz o atendimento com o médico ao nosso lado, nós sabemos o que tem que ser feito, mas não podemos fazer pela ausência do médico, então a gente faz? A gente não faz? A gente aguarda, a gente não aguarda? (Valor) [...] porque às vezes a gente se ver em determinada situação que a gente precisa sim ter uma tomada de decisão como é [...] já aconteceu de pegar um paciente com intoxicação entendeu? Toda característica...né.. de intoxicação mesmo.. você tentar.. entrar em contato com o médico regulador e você não conseguir, o paciente fazendo taquicardia e você vai fazer o que? Só que ai você fica naquela situação né... o risco/benefício ou você faz[...] ou você deixa.. né? Minimizar as chances de vida.....então, assim eu sempre sou adepta, né? (Protocolo) É aí que mora o perigo [...] e é ai que na hora que você se depara de frente a um problema, o problema não é resolvido só por você [...] e você toma aquela decisão que pode conflitar diretamente com a ética pode conflitar totalmente com a moral [...] a deliberação moral e a tomada de decisão ela fica numa linha muito perigosa porque ao 55 mesmo tempo que ela é muito permissiva você pode fugir dessa linha e acabar entrando em uma [....] indo além de uma ilegalidade profissional. (Compromisso) Ação desvela os dilemas vivenciados frente às situações adversas. No cotidiano as ações transcendem a aplicação de protocolos. Valor expressa dilemas que se mostram presentes pela ausência do médico entre a equipe que atua no APHM e as diferenças de valores pessoais e competências profissionais de cada ator social envolvido no cuidar. Para Protocolo a especificidade do serviço, a falta de comunicação com a regulação médica faz emergir dilemas e impõe a necessidade de uma tomada de decisão que preserve o bem estar do paciente. Compromisso desvela o perigo que vivencia por correr o risco de contrariar o exercício profissional durante as tomadas de decisões, que executam sozinhos, frente aos dilemas vivenciados no seu cotidiano. Subcategoria 2.3: Revelando vivências de conflitos morais e éticos oriundos da atuação no APHM As enfermeiras desvelam no vivido do APHM conflitos éticos/morais em decorrência das competências dos profissionais que tripulam as Unidades Móveis. Expressam questões que envolvem princípios éticos e o despreparo de profissionais médicos. [...] muitas vezes o profissional da enfermagem ele tem a sua competência que é uma competência individual que entra em choque com a competência do médico que entra em choque com a competência do condutor sabendo ele que na verdade ah! [...] então, muitas vezes o que acontece o enfermeiro tem que tomar essas decisões e muitas vezes contrariar decisões tomadas pelo médico regulador então isso acaba entrando em choque... (Responsabilidade) [...] mas, você pode por questões éticas[...]falar assim oh! Aqui cheguei ao meu limite, mas não é suficiente, eu tenho que arrumar um meio, não posso fazer é... sozinho. (Normativo) [...] por vezes o enfermeiro não é o líder daquela equipe numa unidade avançado mas a gente percebe que o médico está despreparado para aquela situação e[...] ele quer muitas vezes fazer da forma errada, e a gente vai por aquele meio, questiona é dessa forma? tem certeza que é dessa forma? Ou tem certeza que a gente não pode fazer de outra forma? (Conflito) 56 Responsabilidade desvela a existência de conflitos em função das distintas competências dos profissionais oriundos e não provenientes da área de saúde que estão envolvidos no processo decisório das ações de cuidar no APHM. Para Normativo, as questões éticas envolvidas no cuidar no APHM geram conflitos. Conflito, descreve a vivência de situações de conflitos éticos morais no momento em que a equipe médica denota atitudes de imperícia, que influenciam diretamente na sua deliberação. Subcategoria 2.4: Fundamentos morais, éticos e técnicos que norteiam a prática das enfermeiras do APHM no cotidiano da deliberação moral As enfermeiras do estudo desvelam os valores e deveres que estão imbuídos no mundo social do APHM e influenciam o sistema de interesses das enfermeiras frente aos problemas práticos, morais vivenciados. No caso do serviço, é [...] móvel de urgência...caso você não consiga resolver aquilo ali, você não vai poder suplantar uma norma [...] então eu vou ter que entrar em contato com a central regulação mostrar a realidade do paciente a realidade da situação e pedir que ele me ajuda que ele tente mais um pouquinho lá para que a gente consiga essa vaga que seja em um hospital que seja em uma UPA ou...que seja em um procedimento que a gente vem a fazer na ambulância mesmo [...]. (Normativo) [...] eu não vou além daquilo que a ética e a moral me permite fazer dentro das minhas competências de assistência e de administração... a minha decisão vai até onde eu posso fazer. (Decisão) A gente não pode tomar uma decisão que o nosso conselho não permita. Que não seja orientado previamente..é isso! (Atitude) Exercendo [...] de acordo com os seus direitos, deveres e obrigações é[...] não fugindo do princípio maior que é da moral, da questão de evitar qualquer ato de negligência, imprudência e imperícia. Então assim a responsabilidade do enfermeiro hoje ele é muito grande e uma das maiores aflições que eu tenho é justamente a dimensão dessa responsabilidade está no conhecimento de poucas pessoas[...]. (Responsabilidade) Sua mente fica é[...] na hora você está ligado na situação: oh! é uma vítima disso, eu tenho que fazer aquilo, o cuidado é esse, mas ao mesmo tempo que você está fazendo isso você está captando coisas da cena[...]. (Ação) [...] eu costumo dizer tudo que a gente faz registra..né? o registro do prontuário, do paciente da ficha de atendimento é que vai lhe respaldar para todas as situações então, você tem que ter um registro técnico, entendeu? (Protocolo) 57 [...] muitas vezes a gente sai sem médico. Então, a gente vai fazer aquilo que nos compete fazer de acordo com o que é liberado para nossa classe é [...] baseado em alguns protocolos. (Conduta) Normativo desvela que as enfermeiras não devem ultrapassar as normas institucionais nas tomadas de decisão. Para Decisão e Atitude, esse grupo social deve agir fundamentando-se na ética e no Código de ética que guia o exercício profissional. Responsabilidade e Ação descrevem a responsabilidade das enfermeiras no atributo moral das suas atividades realizadas no APHM. Protocolo destaca a necessidade do registro de enfermagem para o respaldo das situações vivenciadas no cotidiano do APHM. Conduta considera que a enfermeira deve fazer o que lhe compete, de acordo com os protocolos existentes no serviço. 5.3 CATEGORIA 3: DESVELANDO O MODO DE DELIBERAR DAS ENFERMEIRAS QUE ATUAM NO APHM Nessa categoria, as profissionais desvelaram etapas que antecedem os atos decisórios dessas, que impulsionam e que, por vezes, condicionam a ação da deliberação moral no momento do cuidar no APHM. Subcategoria 3.1: Desvelando a maneira como as enfermeiras tomam decisão no APHM Subcategoria 3.2: Desvelando os limites da autonomia vivido pelas enfermeiras para a tomada de decisão ética/moral no APHM Subcategoria 3.1: Desvelando a maneira como as enfermeiras tomam decisão no APHM As enfermeiras desvelam que no cotidiano do APHM as tomadas de decisões são iniciadas com a comunicação com a Central de Regulação, e em alguns momentos agem sozinhas em função da situação de gravidade e dificuldade de comunicação com o médico regulador. Na cena ainda refletem como lidar com as situações encontradas no momento do atendimento. [...] cada momento a gente está tomado decisões...(Conflito) 58 A tomada de decisão final na cena ela é um reflexo do que a central de regulação captou de informação e transmitiu de informação para o solicitante e o para o paciente. (Decisão) [...] muitas vezes, a gente vai chegar na ocorrência aqueles primeiros atendimentos não tem como a gente fazer contato com o médico regulador para poder tomar a decisão, então, a gente já vai iniciando. (Conduta) [...] então a gente tem as vezes que decidir né? mesmo sem que tenha o conhecimento prévio daquele que seria o corresponsável pelas atitudes[...] o regulador...é..isso. (Protocolo) Então eu acho que no SAMU o enfermeiro tem essa liberdade [...] na verdade [...] de tomar decisões devido aos treinamentos...devido toda a capacitação[...]. (Conhecimento) Conflito desvela que a todo o momento as enfermeiras estão tomando decisões. Para Decisão, o agir das enfermeiras inicia desde o primeiro contato do solicitante com a Central de Regulação com as informações que são passadas para a família e para o paciente. Conduta e Protocolo revelam que mesmo sem contato com o médico regulador, as profissionais tomam decisões e realizam os primeiros atendimentos quando estão sem o profissional médico nas Unidades. Conhecimento atribui à ação das enfermeiras do APHM a existência de uma maior liberdade no processo decisório devido aos conhecimentos adquiridos com os treinamentos. As enfermeiras também proporcionam a deliberação no cuidado Pré-hospitalar, quando expõe atitudes necessárias para o próprio agir e para a necessidade de um horizonte compartilhado no vivido concreto do cuidar. [...] mas eu tenho que ser é! o máximo técnico no momento possível... eu preciso ser produtivo[...] eu preciso ser eficaz, eficiente eu preciso manter a estabilidade da cena para depois eu fazer qualquer tipo de remoção. (Ação) Você tem que... avaliar [...]pedir uma outra opinião[... ]. (Compromisso) Para Ação, é preciso ter disposições atitudinais para os atos decisórios. Para Compromisso, a avaliação e o compartilhamento das suas ações antecedem as suas decisões. Subcategoria 3.2 Desvelando os limites da autonomia das enfermeiras na tomada de decisão no APHM 59 As participantes do estudo revelam estar conscientes dos limites de sua autonomia e competências profissionais para as tomadas de decisões no APHM, estando subordinadas às condutas dos profissionais médicos que compõem a equipe. Por mais que a gente tenha (aumenta o tom de voz)..o conhecimento, a gente tem essa obrigação de entrar em contato com o médico regulador[...]. (Protocolo) [...] mas muitas vezes a equipe da intervenção, por ela está mais presente naquele momento com o paciente ela tem a autonomia e até mesmo o poder de decidir o que é o melhor para o paciente [...]. (Responsabilidade) [...] geralmente a gente não toma decisão sozinha a não ser aquela decisão que já está protocolada, em diversos protocolos de atendimento que a gente tem, fora isso a gente só toma decisão acompanhada do médico [...] Na nossa tomada de decisão a gente não pode fazer uma coisa pelo paciente mesmo sabendo que ele precise porque a gente depende de uma decisão de uma terceira pessoa que as vezes não está vivenciando o que a gente está vendo ali ..entendeu? eu não posso medicar um doente né? O que me cabe fazer é puncionar um acesso e tal[...] porque já está no protocolo a gente pode fazer, né?..A gente é preso, né? (Atitude) Aqui a gente trabalha com o enfermeiro regulador aí [...] assim [...]se o médico regulador lhe pede pra você fazer uma ação que não lhe cabe[... ] você pode interceder com o enfermeiro regulador: olhe me pediram para fazer isso[...]mas isso não me cabe [...]dentro[...] da minha função eu acabo que[...] pedindo a permissão de alguém superior, se eu perceber que aquilo não me cabe eu peço diretamente a minha coordenadora: posso? Isso aqui, estão pedindo para fazer posso? [...] se ela autorizar é uma responsabilidade dela enquanto coordenadora [...] você tem fazer o seu...sempre o seu...sempre o seu[...]. (Compromisso) [...] eu não posso tomar a decisão por exemplo de levar o paciente para um determinado hospital, o paciente de trauma. Então, mesmo sabendo disso é[...]a gente tem que esperar a decisão do médico regulador que é autoridade sanitária para essa tomada de decisão[...]. (Conhecimento) [...] quando não tem protocolos a gente faz..É [...] ações que a gente pode fazer, mas sempre também passando para o médico regulador e tendo a orientação e suporte dele [...] quando tem médico na unidade não, porque ele vai conduzir tudo que precisar ser feito já com o parecer dele[...]agora sozinhos, a gente precisa realmente fazer contato, mas tem situações que a gente vai chegar vai fazer várias ações e depois passar para o médico [...]. (Conduta) Protocolo expressa a subordinação à equipe médica da regulação. Responsabilidade descreve que a equipe da intervenção, quando está completa, tem um maior poder frente às decisões por manter uma relação direta com o paciente. Atitude revela que as enfermeiras estão presas a protocolos e só tomam decisões com o consentimento do profissional médico. Para Compromisso, as enfermeiras desvelam uma autonomia limitada, pois as suas decisões são sempre orientadas pelos seus superiores. 60 Para Conhecimento e Conduta, todas as decisões são definidas pelo médico regulador por ser, este, considerado autoridade sanitária no ambiente de trabalho do APHM. Para elas, o médico, quando presente no atendimento, conduz tudo que precisa ser feito com o paciente. 6 BUSCA DA COMPREENSÃO PRETÉRITA DA DELIBERAÇÃO MORAL DAS ENFERMEIRAS QUE ATUAM NO APHM Neste trilhar, busquei apreender as facetas do fenômeno ao ir e vir sobre as entrevistas na tentativa de obter o significado essencial da deliberação moral da enfermeira no cuidado Préhospitalar, que me possibilitasse desvelar a essência da estrutura do velado, na perspectiva de Corrêa (1997). Assim, nesse processo, o meu olhar de pesquisadora apontou para as experiências e consciência que as participantes deste estudo têm do fenômeno. O caminho percorrido, na apreensão do fenômeno da deliberação moral, através da análise nomotética, possibilitou a identificação da estrutura constituída de categorias concretas que revelaram a tipicidade das enfermeiras como grupo social, que na perspectiva de Schutz (1972) vivenciam as razões dessa ação no cotidiano do APHM. Na Fenomenologia Social, ao se investigar um fenômeno, busca-se também construir a característica típica da ação do grupo social, que vivencia determinada situação no mundo da vida cotidiana. Nesse sentido, a tipificação “define o tipo de ação em processo e os tipos ideais de pessoas” (WAGNER, 2012, pág. 135). O típico da ação é construído por meio da observação da vida real, daquilo que se capta da realidade e da vivência, considera-se que tal tipificidade desempenha papel importante na compreensão do outro e na interação social CAPALBO (1998). Para se compreender o significado dessa ação, apreenderam-se seus motivos por que, ou seja, suas justificativas, razões e intenções. Percebeu-se que a ação de deliberar no cuidado Préhospitalar é consciente e está voltada para alguém ou alguma coisa. De posse da estrutura do concreto vivido da deliberação moral, passei a compreender as falas das enfermeiras à luz do referencial filosófico-metodológico de Alfred Schütz e das produções científicas relacionadas ao fenômeno desvelado. CONCRETUDE DO MUNDO VIVIDO PELAS ENFERMEIRAS DO APHM NO PROCESSO DE DELIBERAÇÃO MORAL FRENTE AO CUIDADO 61 Na busca pela compreensão do modo como as enfermeiras vivenciam o cotidiano, apreendi que essas profissionais dividem espaço comum do APHM com razões, motivações e justificativas que impulsionam as ações de deliberação moral frente ao cuidado. Nos recortes das falas, as enfermeiras revelam vivencias de concretude do mundo da vida e expressam que os fatores externos/ambientais e institucionais influenciam a deliberação moral no contexto do APHM. Segundo Schutz, esse mundo da vida, de relações, envolve a esfera das experiências cotidianas, direções e ações por meio das quais os indivíduos convivem com os seus interesses, manipulando objetos, tratando com pessoas no cotidiano e projetando ações através de planos (WAGNER, 2012). Percebi o ambiente de trabalho do componente móvel como um espaço marcado pela exposição das ações e atitudes da equipe e pelo descontrole emocional da comunidade durante as ações dos atendimentos. Por estes fatores, compreendo a necessidade da integridade física e emocional da equipe que cuida em um modelo de atendimento inverso do que encontramos rotineiramente nos espaços hospitalares e Pré-hospitalar fixo. Neste contexto de atuação, não é a equipe que espera pelo paciente no interior de um serviço, mas é a equipe que vai ao encontro dele, para assisti-lo em situações das mais variadas. Esse ambiente diferenciado exige habilidades e competências específicas das profissionais e entre estas estão a tomada de decisões, que deve ser rápida, segura e eficaz. Para Colliére (1999, p.304), o cuidar é uma ação que acontece em um tempo espaço definido, “o espaço da ação de cuidados é juntamente com o tempo, o componente principal dessa ação, seja em relação aos utilizadores de cuidados ou de quem presta os cuidados”. O atendimento que é prestado em situação de rua traz uma condição ameaçadora para os profissionais que lidam com a ação do cuidar. Exige, no entanto, uma relação interacional entre a equipe da regulação e a de intervenção, para que haja uma reflexão quanto às possibilidades que esse espaço pode oferecer para facilitar os cuidados. Existem fatores, como a presença de populares, ambientes hostis, risco de incêndios, violência, que podem ser determinantes na mobilização ou imobilização de interesses, motivações ou de afastamento das relações sociais para o cuidado (COLLIÈRE, 1999). No APHM as enfermeiras que vivenciam significativamente este mundo social ao refletirem sobre suas ações efetuadas anteriormente desvelam o compartilhamento da deliberação moral no mundo concreto, presente com outros atores sociais que compõem a equipe do SAMU, salvando 62 vidas. Com essa motivação eles se relacionam, constantemente, em um ambiente de comunicação, com outros profissionais, comunidade local e familiares, que em alguns momentos estão presentes no cenário de atendimento, presenciando as necessidades de deliberar e de tomar decisões. Para Wagner (2012), viver no mundo da vida cotidiana significa viver em um envolvimento interativo com muitas pessoas, em complexas redes de relacionamentos sociais. Neste sentido, as enfermeiras quando deliberam frente ao cuidar compartilham um mundo de relacionamentos com a rede de atenção às Urgências e com outras pessoas (profissionais, familiares, comunidade local e outros pacientes). Estas relações são dos tipos face a face, eu-tu, e eu-nós, quanto mais próximas possibilitam as relações intersubjetivas. No APHM existem especificidades do serviço descritas pelas enfermeiras do estudo que caracterizam esse espaço de trabalho como um estabelecimento de saúde regulamentado por leis que definem a funcionalidade, através da comunicação com a Central de Regulação Médica das Urgências. Esse contexto influencia as ações das enfermeiras quando deliberam frente às necessidades de urgência e emergência da população. Para Wagner (2012), o cenário do mundo da vida não é simplesmente um mundo físico, mas também um mundo sócio-cultural, pré-constituído e pré-organizado, cuja estrutura especial é resultado de um processo histórico e diferente, portanto, presente em cada cultura ou sociedade. No que se refere à configuração do serviço de APHM, dispomos de uma Central de Regulação Médica de Urgência que está destinada a realizar um atendimento eficaz e adequado e compreende um processo de trabalho que garante a escuta ativa de um médico regulador por 24 horas, com o acolhimento de todos os chamados e a estimativa do grau de urgência para cada caso e decisão, proporcionando o disparo dos recursos necessários, podendo ser uma Unidade de Suporte Avançado ou Unidade de Suporte Básico, para o encaminhamento do paciente a uma rede hierarquizada (BRASIL, 2011; SANTOS et al, 2012). As enfermeiras expressam dificuldades encontradas com as ações cotidianas por atuarem no mundo do APHM em Unidades Móveis classificadas como Intermediárias, disparadas para todos os tipos de ocorrências, com ou sem risco identificado, mesmo não sendo regulamentadas pela Portaria 1600/11/GM/MS que estabelece as diretrizes para implantação do SAMU no cenário Nacional (BRASIL, 2011). Em contrapartida, um estudo realizado em Portugal identificou que desde 2007 foi implantado o Serviço Imediato de Vida naquele país. Neste, segue-se outra configuração, mantendo o enfermeiro e um Técnico de ambulância de Emergência, em uma Unidade montada com 63 equipamentos e matérias da USB e da USA. Essa nomenclatura se baseou na necessidade de garantir os cuidados de saúde capazes de favorecer uma reanimação com sucesso enquanto não está disponível uma equipe médica, dita como de suporte avançado de vida (OLIVEIRA; MARTINS, 2013). Assim, apreendo que são gerados problemas éticos diversos no APHM, para que ele seja compreendido em nosso país como um serviço centralizado no sistema de Regulação Médica sem similaridade nas categorias historicamente institucionalizadas nos Estados Unidos e na França (MARTINS; PRADO, 2003). As enfermeiras ainda desvelam a fragilidade da rede, por esta atender também à lógica assistencialista, de forma fragmentada, centrada na prestação de serviços, sem o estabelecimento de relações diretas com os profissionais dos pontos de atenção que compõem a rede de atendimento. Esta caracterizada pelo número insuficiente de leitos de retaguarda para o atendimento as urgências e emergências. Consolida-se assim, um cenário distante do previsto pela Política Nacional de Atenção às Urgências, que propõe a reorganização e regulação dos serviços de Urgência e Emergência no âmbito do SUS dentro do território Nacional (BRASIL, 2011). Em estudo realizado sobre a análise da implantação do sistema de atendimento préhospitalar móvel em cinco capitais brasileiras, foi identificado que, no Rio de Janeiro, existem vários entraves para obtenção de vagas nos hospitais da rede e essa revela desconexão que interfere diretamente na continuidade dos atendimentos realizados nas Unidades de saúde fixas, por retardarem o acolhimento do paciente (MINAYO; DESLANDES, 2008) A partir deste contexto organizacional, compreendo que as limitações encontradas na Rede de atenção as Urgências submetem os usuários a constrangimentos físicos e morais, ferindo princípios de justiça, pois todos possuem o direito de serem respeitados na sua autonomia como cidadãos e de receber atendimento com estrutura física, recursos materiais e equipamentos compatíveis com suas necessidades, prestado por equipe qualificada para esse fim (POLL; LUNARDI; FILHO, 2008). Dificulta-se assim, o funcionamento do SAMU como um componente onde os cuidados das enfermeiras dependem de um ambiente comum de comunicação com a rede de atenção às Urgências. A rua é o local onde ocorre o maior número de agravos traumáticos, clínicos e de outras naturezas. No entanto, o hospital e o Pré-hospitalar fixo são componentes onde a equipe do APHM intermedia as suas ações, funcionando como o local de referência para os encaminhamentos dos pacientes. 64 No entanto, em um estudo realizado no SAMU de Belo Horizonte foi identificado problemas na recepção dos pacientes nas unidades fixas, visto que os profissionais que atuam nos pontos de atenção ainda desconhecem a funcionalidade do componente móvel, gerando conflitos nas relações estabelecidas (ALVES et al, 2013). Estudo realizado com médicos do Sistema Integrado de Urgências Médicas (SIUM) de Guátamo identificou como uma das insatisfações dos profissionais desse serviço às condições inadequadas da atenção secundária, pela falta de profissionais especializados, que provoca uma descontinuidade do atendimento oferecido durante o transporte dos pacientes graves (PRADA et al, 2011). Percebo, assim, um reflexo da cópia dos modelos de atendimento dos cenários americano e francês que possuem características diferentes das nossas. Assim, a configuração do cenário do Componente Móvel através das falas das enfermeiras revela situações em que elas ficam expostas a condições de trabalho que provocam sentimentos de angústia, sofrimento e frustração. Apreendo que esses sentimentos estão relacionados à impotência para agir no cotidiano diante de situações e momentos que demandam deliberações para a realização de suas decisões. Sobre condições de trabalho, Carneiro (2011) relata que essas incorporam aspectos específicos do ambiente, mas também a organização técnica, o domínio do saber, o cenário e o ambiente no qual se efetua o trabalho. Em um estudo realizado no Chile, na cidade de Valdívia, foi possível identificar que a equipe de enfermagem do SAMU convive, cotidianamente, com a morte, o sofrimento físico e mental. O trabalho de rua gera situações de estresse e este deve ser manejado de alguma forma, preservando significativamente as vidas, de quem tem a possibilidade de salvar vidas (OYARZUN; CATIPILLÁN, 2009). Oliveira e Martins (2013) descrevem nas experiências vivenciadas, no trabalho desenvolvido pelas enfermeiras que atuam no APH, o surgimento de sentimentos desagradáveis como medo, ansiedade frustração e insegurança. Entretanto, de forma antagônica, o prazer e a satisfação foram sentimentos desvelados pelas participantes ao atribuírem sentido ao trabalho pela gratificação da população e satisfação das profissionais com o que se faz. De acordo Tolfo e Picinini (2007, p.39), “Uma vida desprovida de sentido no trabalho é incompatível com uma vida cheia de sentido fora do trabalho”, o trabalho deve ser algo prazeroso, com os requisitos mínimos para atuação e para a qualidade de vida dos indivíduos. 65 O trabalho, na perspectiva Wagner (2012), é compreendido como a ação no mundo exterior baseado em projetos e caracterizada pela intenção de realizá-lo. Esse trabalho é a forma mais importante para a construção da realidade do mundo cotidiano e, através dele, comunicamse, integram-se o presente, passado e futuro. Na minha compreensão, as enfermeiras identificam-se com o grupo de pertença, com o trabalho que realiza e com a organização a que pertencem. Entretanto, no SAMU experimentam dificuldades para a realização dos seus atos de trabalho, considerando os regulamentos/ leis institucionais como elementos externos que condicionam as suas escolhas frente ao cuidar. A experiência que as enfermeiras constroem no curso das próprias existências concretas no espaço de atuação no APHM, é também agregada ao acervo de conhecimento das profissionais que compõem esse grupo social, e este, impulsiona as ações da deliberação moral no momento que estabelecem relações de cuidado com pacientes que necessitam do atendimento primário através do SAMU. No mundo social, o homem vivencia uma situação biográfica determinada, situa-se de maneira específica no mundo da vida e é nesse contexto que pensa, sente e age. (WAGNER, 2012). Para as enfermeiras deste estudo, o total da experiência construída no curso da existência concreta no mundo do APHM, os conhecimentos adquiridos com os seus contemporâneos e predecessores na academia, cursos e treinamentos, formulam o acervo de seus conhecimentos e as motivam para o seu agir no cotidiano do SAMU. Em um estudo realizado em Cuiabá, sobre os desafios e possibilidades para os Profissionais de enfermagem de um SAMU, foi identificado que no processo de implantação do serviço, as enfermeiras passaram por capacitações através do Pré Hospital Trauma Life Support e, foram montados grupos de estudo como forma de responder qualitativamente às necessidades dos usuários e do serviço (FIGUEIREDO; COSTA, 2009). Outros estudos demonstram que as enfermeiras tem buscado cursos e treinamentos como Advanced Trauma Life Support (ACLS), Advanced Trauma Life Support (ATLS), Pré Hospital Life Support (PHTLS) ou Basic Life Support (BLS), mas estes não são considerados por elas como suficientes para atender as reais exigências de atuação no APH, devido às dificuldades encontradas nas situações adversas da prática do serviço, a exemplo do difícil acesso às vítimas ou os atendimentos realizados no interior da ambulância, na vida concreta (VARGAS, 2006; ROSANA; RAMOS; WHITAKER , 2008). 66 Com o propósito de organizar os serviços de urgência/emergência a Portaria 2048/02/GM/MS instituiu a criação de Núcleos de Educação em Urgências (NEU), formados regionalmente, em parcerias com instituições de ensino e pesquisa, com a sociedade civil e as comunidades. Deve seguir um cronograma com grades mínimas de capacitação dos profissionais que atuam nos serviços pré-hospitalar e hospitalares, garantindo estrutura capaz de problematizar a realidade dos serviços e estabelecer nexo entre trabalho e educação (BRASIL, 2002). Apreendi, através da interpretação das falas, que há a necessidade de um olhar de todos os atores para as peculiaridades do mundo social do atendimento pré-hospitalar móvel, que exigem atuação qualificada para o atendimento que congrega profissionais de diferentes saberes e formações. Tal fato aponta para as estratégias de qualificação de suas equipes como processo permanente, inserido no cotidiano das ações do serviço, considerando o espaço para a educação dentro da rotina do trabalho (CICONET; MARQUES; LIMA, 2008). No vivido das enfermeiras, para deliberar no APHM é preciso que o grupo tenha competência, conhecimento técnico/científico e responsabilidade para um agir ético dentro da realidade social que se encontram. Entendo por competência um caráter prático e social, que ajuda o sujeito que aprende a utilizar os conhecimentos em situações operativas e existenciais, permite que trabalhe com situações e desafios complexos, mais próximos de situações reais que proporciona desenvolver continuamente a reflexão crítica (MOGILKA, 2003). Nas experiências cotidianas, as enfermeiras descrevem as vivências de cuidado no APHM. Esse vivido justifica razões para as suas ações de deliberação moral que estão enraizadas no passado, da convivência com seus predecessores e contemporâneos- como outras enfermeiras que compartilharam a ação da deliberação, e no seu presente vivo, com a personalidade que esse grupo desenvolveu durante o cotidiano de cuidar no pré-hospitalar móvel. Entretanto, a falta de conhecimento dos profissionais médicos foi descrita pelas enfermeiras como um fator que interfere no agir dessas profissionais e possibilita a ocorrência de danos por imperícia no cuidado. Em um estudo sobre as representações sociais de profissionais de Unidades de Pronto Atendimento sobre o Serviço Móvel de Urgência, identificou-se o descrédito dos profissionais da UPA em relação ao preparo dos profissionais do SAMU para lidar com os casos de gravidade atendidos no cotidiano (ARAÚJO et al, 2011). Neste particular, ressalto aqui que é vedado aos profissionais de enfermagem praticar atos danosos aos pacientes que possam ser caracterizados como imperícia, imprudência ou negligência (COFEN, 2008). 67 O mundo de atitude natural do pré-hospitalar móvel se configura por um modelo de assistência à saúde imbuído por fatores históricos, sócio-culturais e ideológicos, sendo este, o mundo vida na perspectiva de Schutz (2003). O homem tem a capacidade de viver no mundo cotidiano que já se encontra estruturado previamente e, a leitura dessa realidade estabelecida o faz agir de modo natural. Além disso, consegue intervir naturalmente nesse mundo, influenciando e sendo influenciado, transformando-se continuamente e alterando as estruturas sociais (WAGNER, 2012) Oriundo de um modelo biomédico, assistencialista, centrado na figura do profissional médico, o atendimento móvel carrega a origem de um serviço conduzido por protocolos. Neste, há uma prática rotinizada, conduzida pela prática médica que pode dificultar o desvelamento da essência do cuidado da enfermeira, quando desvinculada da interação social e do estar consciente da presença do outro nas relações de cuidar. O médico regulador é o gestor do sistema, orientador técnico e ordenador de todas as categorias profissionais e instituições envolvidas (MARTINS; PRADO, 2003). A normatização vigente do SAMU tem no médico regulador, o elemento centralizador das decisões não somente no que se refere ao funcionamento do sistema, sobretudo, em relação ao domínio do conhecimento que é, em essência multiprofissional. Em contrapartida, as enfermeiras consideram o cuidado no APHM como uma ação que transcende o ato de chegar e atender o paciente, corroborando com Schutz que afirma a existência do mundo social como algo que temos de modificar através de nossas ações ou que modifica nossas ações através de “disposições interiorizadas pelos indivíduos, adquiridas, que tentam reproduzi-las consciente e inconscientemente. E adaptam essas disposições no contexto que estão inseridos” (WAGNER, 2012, p.222). Ao analisar esta relação social das enfermeiras do APHM com os pacientes que dependem do seu cuidar, no momento da deliberação moral, interpreta-se a afirmação de Capalbo (1998, p.18) ao destacar que viver é conviver e compreende que o mundo vida “não é apenas possuir células, organismo biológico, estruturas neurofisiológicas e químicas em funcionamento, mas compreender que na vivência humana há outros aspectos como: relacionamentos humanos, compartilhamento de ideias, de emoções e sentimentos”. Para Colierrè (1999), cuidar não pode ter sentido se a utilização das técnicas não tiver integrada no processo relacional. Quando o ofício de cuidar transforma-se em uma mera aplicação 68 de protocolo, somente vale o que pode ser medido e controlado, em uma racionalidade essencialmente técnica (ZOBOLI; FRACOLLI, 2011). As ações de cuidar desveladas pelas participantes propõem o rompimento do paradigma biomédico, imposto pelas relações indiretas e distanciadas. A ampliação de vínculos na percepção de Schutz requer a apreensão de um objeto, fato ou evento no mundo exterior que não é contudo, apreendido meramente como um Eu no código de apercepção, mas de modo apresentativo, expressando cogitações de um semelhante . O termo cogitações é aqui usado no sentido cartesiano mais amplo, como sentimentos, valores. (WAGNER, 2012). Esse direcionamento de Schutz vai ao encontro das falas das participantes quando expressam o uso da tecnologia leve como o estabelecimento de vinculo entre pessoas que ocupam posições distintas no contexto social de quem é cuidado e quem o socorre. No APHM, onde se vive a deliberação moral, as normas institucionais, o ambiente e condições de trabalho impostos influenciam diretamente as ações das participantes. A descrição de ações passadas e atos do vivido concreto, possibilitam a modificação da atitude ingênua com a qual as enfermeiras participantes percebem essa ação frente ao processo de cuidar, fazendo emergir uma reflexão que projeta a possibilidade de mudanças das práticas de cuidados neste contexto. DIMENSÃO SOCIAL DAS RELAÇÕES DAS ENFERMEIRAS NA VIVÊNCIA DA DELIBERAÇÃO NO APHM Nessa categoria percebo que a enfermeira, ao atuar nas Unidades Móveis, não é um ser isolado neste mundo da vida, está o tempo todo se relacionando com o outro e, muitas vezes, essa relação definirá as ações dessa profissional. Segundo Wagner (2012, p.80), “o mundo social no qual o homem nasce e tem de achar seu caminho é por ele vivenciado como uma rede fina de relacionamentos sociais”. As enfermeiras expõem nas falas a dificuldade de sustentar esta relação social estabelecida com os demais profissionais que atuam no APHM. A falta de interação do grupo, a pressa dos profissionais e os entraves na comunicação com o médico regulador vivenciados no cotidiano do mundo do APHM, dificultam a deliberação das enfermeiras. Na perspectiva de Schutz (2003), o mundo da vida é experimentado por nós, segundo graus de familiaridade e anonimato. Quanto mais anônimo for a tipificação desse grupo social, tanto mais afastado estará da individualidade de meus semelhantes e poucos, serão os aspectos retidos por mim como relevantes. 69 No cenário do APHM, as enfermeiras descrevem relações sociais que hora são vinculadas através da aproximação com a equipe e em momentos diversos se distanciam pelas posições ocupadas pelos profissionais, no serviço, em tempos diferentes exercendo funções préestabelecidas distintas. É válido ressaltar que a rotatividade de profissionais fragiliza o estabelecimento de vínculos (SILVA et al, 2014). Estudos identificam que a presença de enfermeiras no atendimento das ocorrências favorece maior segurança na tomada de decisões e proporciona harmonia à equipe, além de ter a iniciativa em colaborar, em benefício do paciente. As relações estabelecidas com a equipe contribuem na realização das intervenções e procedimentos, visando aumentar a sobrevida do paciente (PEREIRA, 2006; MALVESTIO; SOUSA, 2008). Em um estudo sobre o processo comunicativo no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência, foi identificado que a ferramenta comunicação é imprescindível na área de urgência e emergência, pois o processo comunicativo deve ser utilizado como propiciador de segurança e clareza aos profissionais envolvidos pelo fato de lidarem diariamente com situações que requerem atenção redobrada e perfeito entendimento das informações transmitidas (SANTOS et al, 2012). Outro estudo sobre a liderança do enfermeiro no contexto dos serviços de urgência e emergência identificou que a comunicação deve ocorrer de forma intensa e dialógica, favorecendo uma tomada decisão coletiva, de modo a manter a equipe motivada, assumindo corresponsabilidade nos resultados alcançados (SILVA et al, 2014). Na prática cotidiana, o desenvolvimento de habilidades comunicativas é essencial para o desenvolvimento do trabalho no APHM. Segundo Wagner (2012, p.223) “as ações sociais envolvem comunicação, e qualquer comunicação é necessariamente fundamentada em atos de trabalho, a fim de me comunicar com outros tenho de desempenhar atos abertos para o mundo exterior, que serão interpretados pelos mesmos”. Compreendi que as enfermeiras vivenciam momentos de dificuldades no processo de comunicação entre os membros da equipe da intervenção e médicos reguladores. Elas necessitam tomar decisões para a condução das ocorrências e a relação indireta estabelecida entre os profissionais da regulação e equipe da intervenção, por um tempo e espaço não comum, corrobora com situações em que os médicos reguladores não dividem o mundo vida com as enfermeiras e essas se deparam cotidianamente com a necessidade de tomar decisões para o cuidado, nas situações de urgência e emergência. Esse agir sem compartilhamento interfere na efetividade dos cuidados. 70 Através das falas das enfermeiras, apreendi dilemas e conflitos éticos/morais ocorridos no cotidiano do APHM por existirem atos nem sempre coincidentes com os interesses inerentes, por ter as ações subordinadas à prática médica, pela ausência do médico na Unidade de Suporte Avançado e pelos riscos associados a decisões que são impostas diante dos limites da sua competência profissional. Esse grupo social de enfermeiras expressa uma condição de poder exercido ao se tornar o centro da equipe no momento que estão tripulando as Unidades Intermediárias, pelo valor simbólico atribuído pelo grupo à detenção de conhecimentos que fundamentam a ação da deliberação. Segundo Pereira (2011), o poder simbólico na compreensão de Bourdieu é o poder invisível que só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que estão sujeitos a esse poder ou também por aqueles que o exercem. É essencialmente relacional e só se dá a partir de vivências partilhadas ou compartilhadas. No cotidiano do APHM, a dimensão simbólica através dos conceitos de Schutz me revela que a simbolização é “uma apresentação de ordem superior, Isto é, baseia-se em referências de apresentação já formadas, tais como marcas, indicações, símbolos (WAGNER, 2012, p.244). Encontrei nesse serviço de saúde vivencias partilhadas e compartilhadas em que os diferentes grupos sociais se agregam e se rompem mantendo relações de dominados e dominantes. Apreendi que no momento que as enfermeiras encontram-se sozinhas nas Unidades intermediárias mantém a sua relação de poder sobre os outros componentes da equipe de enfermagem, pelo seu domínio de informações e conhecimentos, mas se submetem a essa condição de subordinação na presença do profissional médico. Percebo, ainda, que a relação entre profissões e profissionais não envolve apenas as práticas técnicas cotidianas, faz parte, essencialmente de uma existência no mundo vida, de uma posição social historicamente construída. Sendo assim, a enfermagem transita em um espaço de conflitos, disputas, interesses e coerções que constituem o cotidiano enraizado nos contextos sociais, culturais, políticos, onde se relacionam e desenvolvem ações peculiares de cuidar (COLLIÉRE, 2003). Na compreensão de Wagner (2012, p.79), “cada um de nós ocupa um lugar determinado na sociedade, e desempenha um papel social, possui um status, tem certas posições intelectuais, éticas e religiosas”. No processo histórico à subordinação da prática profissional de enfermagem associase à determinação do papel desempenhado pela enfermeira que, foi marcado por uma prática de 71 cuidados subalterna desprovida do valor social e econômico e que assumiu uma função de tratar sob o impacto da pressão médica (COLLIÈRE, 1999). Para Lunardi et al (2007), é imprescindível que reconheçamos as relações estabelecidas e significados simbólicos que ocupamos nos espaços que estamos inseridos, pois a dimensão moral da prática da enfermeira é abordada, associando – se à possibilidade de exercício de poder dos seus trabalhadores para o enfrentamento dos múltiplos problemas morais vivenciados no cotidiano do trabalho. No entanto, o reconhecimento dos dilemas éticos morais está atrelado a todas as áreas de atuação dos profissionais da saúde e consistem em um problema com duas alternativas distintas e justificáveis com condutas para sua solução. Segundo Freitas e Fernandes (2006) a resolução dos dilemas faz imperar a voz de quem tem o poder de decisão, sem a participação de todos os envolvidos. “Os conflitos envolvem uma oposição, uma contradição, uma luta de princípios, atitudes métodos ou propostas, tem por pano de fundo, elementos morais, gerados por saberes distintos” (DUARTE; LAUTERT,2007, p.65). No cotidiano do APHM os conflitos são oriundos das restrições das práticas desse grupo social, por atender o cumprimento da sua competência profissional, mesmo tendo a consciência que possuem experiências e conhecimentos suficientes para resolver problemas que emergem no cotidiano, porém não lhe é permitido legalmente. No mundo do APHM, qualquer experiência, carrega consigo um horizonte de indeterminação, e diante de possibilidades problemáticas o ator se depara com possibilidades em aberto, situações desconhecidas, indeterminadas. Para proceder à sua escolha, faz questionamentos em um processo reflexivo, no qual elege o que é mais importante para o dado mundo naquela determinada situação, segundo suas áreas de interesse, acessando um sistema de relevância (CAPALBO, 1998). Nem tudo o que está presente numa situação é importante para as pessoas nelas envolvidas. Na verdade, alguns dos fatores de uma situação impõe-se aos atores constituindo assim relevâncias impostas. Outros são isolados pelo indivíduo, que considera importantes para ele, no momento; esses assumem uma relevância volitiva (WAGNER, 2012, p.22) Assimilei que no cotidiano do APHM se impõem sobre as ações das participantes condutas fundamentadas nos deveres institucionais e do exercício profissional regido pelo Código de ética dos Profissionais de Enfermagem (CEPE), nas normas, rotinas e protocolos institucionais, que 72 caracterizam a relevância imposta no momento da deliberação. O grupo reconhece o cumprimento do Art.12 do CEPE que adverte para a responsabilidade e o dever da enfermeira de assegurar ao paciente uma assistência de enfermagem livre de danos decorrentes de imperícia, negligência e imprudência. A presença de protocolos institucionais reconhecidos e autorizados pelo respectivo Conselho de Fiscalização Profissional garante a atuação dessas profissionais frente às demandas de urgência e emergência (DOLOR; FREITAS, 2006). Sendo assim, as enfermeiras devem avaliar a sua competência e limites de atuação considerando os procedimentos de riscos, invasivos ou não. O valor dado ao cuidado e o reconhecimento da responsabilidade presente nas experiências de vida no APHM, apresentam-se como relevâncias volitivas que intencionam ações das enfermeiras no cotidiano das práticas morais. Nesse espaço social os valores são formados através da observação e experiências dos atores e são apreendidos inicialmente na infância, tornando-se “parte de um indivíduo durante a socialização na família, escola, igreja e outros grupos sociais” (POTTER; PERRY, 2005, p. 68). Os valores pessoais somados aos valores profissionais quando identificados favorecem as tomadas de decisões éticas/morais diárias. Através da consciência da responsabilidade revelada pelas enfermeiras, apreendo que no APHM a atuação dessas profissionais é imbuída por escolhas que precisam ser feitas a cada momento da prática de cuidar que as fazem refletir sobre as suas competências e deveres da profissão. Para Oguisso (2006) a reflexão sobre responsabilidade e competência constitui um instrumento indispensável para a tomada de decisões com base nas normas legais e os princípios éticos-profissionais. Outro instrumento utilizado pelas participantes para nortear e respaldar legalmente a prática foi à comunicação escrita. Fez-me perceber a necessidade do cumprimento Resolução COFEN 358/2009 que dispõe sobre a Sistematização da Assistência de Enfermagem, mesmo atuando em um serviço que possui diversidades de fatores que influenciam o cotidiano das enfermeiras e onde as ações de cuidado são dependentes de tempo. Sendo assim, no mundo do APHM, esse grupo social desenvolve um trabalho por vezes baseado em princípios éticos construídos ao longo da vida. Noutras vezes, agem respaldadas em normas ou rotinas institucionais, em interesses particulares, na tradição e repetição. E, assim, diferentes situações, a conduzem a fazer algumas permissões e que podem trazer implicações éticas e morais (DUARTE; LAUTERT, 2007). 73 A deliberação moral no APHM deve envolver então, valores, princípios e compromisso de cuidar, que orientam o exercício profissional das enfermeiras e a tomada de decisões, pois implica definir ideias concretas sobre o que se deve fazer corretamente e daquilo que se é responsável. DESVELANDO O MODO DE DELIBERAR DAS ENFERMEIRAS QUE ATUAM NO APHM As enfermeiras como tripulantes das Unidades Móveis, ao fazerem parte do mundo social do APHM diariamente vivenciam na prática moral, a experiência de tomar decisões frente aos conflitos e dilemas que identificam no cotidiano. Nesse cenário de atuação, tornam-se consciente da responsabilidade e ao mesmo tempo desvelam a existência de uma autonomia reduzida, no trabalho, que interfere na própria capacidade de deliberação. Na percepção de Wagner (2012, p.344), a deliberação é “a experiência de dúvida, do questionamento, da escolha e da decisão” Sendo assim, no vivido das enfermeiras as dúvidas e questionamentos que antecedem as suas escolhas e as decisões, em alguns momentos precisam ser iniciadas mesmo na ausência do médico na cena, sem contato com a regulação. Estas assumem, nesse momento, uma maior responsabilidade profissional tendo em vista uma maior complexidade dos cuidados prestados, reconhecem, entretanto, a liberdade atribuída às suas ações de conhecimento está subordinada à condição de estarem ou não com o profissional médico nas Unidades Móveis. Nesse sentido, existe um paradoxo ao princípio da autonomia dessas profissionais que, no mundo atual das relações, estão associadas a uma limitação da expressão da liberdade e às relações de poder estabelecidas, constituídas socialmente entre as diversas categorias (PRZENYCZKA et al, 2012). A autonomia é a “independência da vontade em relação a qualquer desejo ou objeto de desejo e a sua capacidade de se determinar em conformidade com uma lei própria, que é a da razão” (ABBAGNANO, 2007, p. 97). As enfermeiras consideram que no contexto de prática do APHM podem exercer esse princípio com mais facilidade, quando estão com a equipe da intervenção. Entretanto, Oguisso e Schmidt (2012) alertam que toda liberdade e autonomia profissional trazem como consequência uma obrigação, impondo às enfermeiras a necessidade de assumir o exato compromisso. Na compreensão de Gracia (2010) a deliberação sempre traz como questionamentos o que fazer? e como fazer? No entanto, com a assimetria das relações entre enfermeiras e médicos, na maioria das vezes não há um compartilhamento das ações entre esses grupos e por esse fato, 74 apreendo, através da concretude do vivido dessas profissionais, que as suas condutas são realizadas frequentemente seguindo uma ordem de protocolos institucionais. Para Silva, Sanna e Nunes (2001) esse instrumento funciona como um guia de normas e procedimentos para estabelecer o que deve ser feito, este proporciona garantias de condições ideais para os atendimentos, podendo também nortear o trabalho sem fugir do preestabelecido. Os protocolos são ferramentas e, quando utilizadas por esse grupo, geram um sentido ambíguo para a equipe que está nos cenários de rua: traduzem o respaldo legal, mas possibilitam a rotinização e o estabelecimento de relações sociais indiretas entre as equipes da intervenção e regulação que distanciam o Tu do Nós no momento de cuidar. O vivido em um mundo com regras impostas, onde os elementos contraditórios e incoerentes não são mobilizados, evita que o individuo transcenda os requisitos necessários de seus planos e operações práticos, os quais tendem a assumir um caráter rotineiro (WAGNER, 2012). Tal fato pode transgredir as ações de deliberação, possibilitando apenas uma decisão racional, rápida, e pouco refletida, mesmo sabendo que existem situações no cotidiano dessas profissionais que não estão listadas como regras prontas protocoladas. Para Wagner (2012, p.150), o processo de escolhas remete a possibilidade da não execução do projeto de ação. Em alguns momentos as enfermeiras do APHM, ao conduzirem suas ações passadas, durante as ocorrências compartilham a responsabilidade com o médico regulador e faz garantir os fundamentos do próprio CEPE, que descreve que o profissional consciente e responsável deve avaliar criteriosamente sua competência técnica, científica, ética e legal, e, somente, aceitar encargos ou atribuí-los quando capaz de desempenho seguro para si e para outrem. As habilidades e competências das enfermeiras do APHM descritos na Portaria 2048/MS/GM/02 apontam os limites inerentes à própria profissão e demonstram como as profissionais estão vulneráveis as condições existentes na dinâmica de trabalho do SAMU, caracterizadas principalmente pelo leque de relações conflituosas. Em um estudo sobre Risco de vida e natureza do SAMU: demanda não pertinente e implicações para enfermagem, foi identificado que a tomada de decisão dos usuários sobre qual serviço chamar, no momento da urgência está influenciada pelo processo de medicalização social, fortemente centrado no modelo biomédico (VERONESE; OLIVEIRA; NAST, 2012). No entanto, apreendi nas falas das participantes, uma prática profissional semelhante ao ser atribuído ao médico todo poder das tomadas de decisões éticas/morais, eximindo os demais profissionais do APHM, desse ato, mesmo estando envolvidos com o cuidar. 75 Para Zoboli (2012, p.50), “é preciso uma deliberação coletiva para compartilhar distintas percepções, em um diálogo entre diferentes sentidos morais”. Existem, ainda, sugestões de etapas para a tomada de decisões, explicitando possíveis ações para o agir, as quais destacam-se: “avaliação inicial; identificação do problema e dos objetivos a atingir; planificação, que consiste na criação das alternativas de ação, avaliação das mesmas e seleção da melhor; execução; e por fim, a avaliação da decisão introduzindo-se os ajustes necessários. Essas, precisam, fugir da condição prescritiva e evoluir para um ato definido após diálogo entre o grupo, para conseguir responsavelmente o melhor para os pacientes (GÂNDARA, 2004, p.582) Compreendo que a tomada de decisão envolvendo um maior número de pessoas, proporciona resultados mais qualificados, aumentando a possibilidade de decisão, evitando as distorções inerentes a visão individualizada (ANGELONI, 2003). No cotidiano do mundo social do APH, as enfermeiras, também, potencializam a necessidade no seu vivido do compartilhamento da avaliação das ações com aqueles que são seus semelhantes e divide o mesmo espaço social de forma direta, onde possivelmente já vivenciou uma mesma experiência para a resolução dos problemas encontrados no cotidiano. Na percepção de Wagner (2012), o mundo intersubjetivo é proporcionado através das relações sociais. Nele as coisas são conhecidas por mim e por meus semelhantes, entretanto, possuímos perspectivas diferentes, pelas posições ocupadas. Somente a abertura para consciência do outro permitirá a intersubjetividade, e quando os interesses pessoais forem transferidos ao outro, pode haver uma simetria das relações profissionais que horizontalize os atos de toda equipe e favoreça o atendimento para com o outro no momento que se cuida no APHM, como fruto de uma cuidadosa deliberação. Apreendo que as enfermeiras precisam compreender as próprias razões, motivação profissional e pessoal que justificam a deliberação moral no cuidado Pré-hospitalar. Pertencentes a um cotidiano com interesses comuns, esse tornar consciente, do modo de deliberar, proporciona reflexões das ações cotidianas, desse grupo social, com possibilidades para um agir que proporcione o exercício da autonomia no momento de deliberar. 76 7 SÍNTESE DA AÇÃO DA DELIBERAÇÃO MORAL DAS ENFERMEIRAS NO CUIDADO PRÉ-HOSPITALAR A compreensão do vivido da deliberação moral das enfermeiras no cuidado Pré-hospitalar móvel desvelou uma faceta desse fenômeno, descortinando os significados dessas ações para um grupo social em um tempo e espaço definidos. Estes foram possíveis de se desvelar a partir da análise compreensiva, segundo a teoria de Alfred Schutz. A apreensão das categorias concretas, possibilitou: descrever o tipo vivido das enfermeiras que deliberam no cuidado Pré-hospitalar Móvel, que constitui uma característica do grupo que está vivenciando um mesmo fenômeno; no estudo em questão, a deliberação moral no cuidado Préhospitalar Móvel. Assim, desvelou-se que as enfermeiras, vivenciam a ação de deliberar em um mundo com fatores externos/ambientais e institucionais que influenciam a deliberação moral; sofre influência direta do contexto do APHM na ação de deliberar, tem no conhecimento fundamentos para a ação da deliberação moral, tem vivências de cuidado no momento que deliberam no APHM, estabelecem relações profissionais no mundo vida do APHM, vivenciam dilemas e conflitos éticos/morais quando deliberam; utilizam os fundamentos morais, éticos e técnicos para nortear as práticas, tomam decisões limitadas pelo uso dos protocolos e pela autonomia limitada no cenário de atuação no APHM. Apreendi, como enfermeira intervencionista do SAMU e pesquisadora, uma realidade de significados, razões e justificativas para a deliberação dessas profissionais no seu mundo cotidiano. Compreendi que as enfermeiras que atuam no APHM identificam-se com o grupo social de pertença e com o trabalho que realiza. Entretanto, experimentam dificuldades para a realização dos 77 seus atos de trabalho, devido os regulamentos/ leis e normativas institucionais que condicionam a prática de cuidar. No vivido concreto, foi desvelado que as profissionais apoiam-se na bagagem de conhecimento, experiências de vida, nos fundamentos éticos, morais e técnicos para justificar a deliberação na prática do cuidar. O cotidiano dessas profissionais é marcado por condições de trabalho difíceis, limitações do exercício profissional e subordinação à categoria médica que, potencializa as condições impróprias para o trabalho de quem cuida em situações de urgência e emergência. No contexto do APHM, as vivências de cuidado vão desde um cuidar relacional, diferenciado, até uma ação guiada por protocolos institucionais e normas que caracterizam a especificidade do atendimento móvel. É encontrada nos protocolos, a segurança para o exercício profissional, juntamente com o cumprimento dos fundamentos previstos no Código de Ética de Enfermagem. Entretanto, as relações sociais estabelecidas com os profissionais médicos revelam uma condição de subordinação, definida por papéis sociais, construídos historicamente e que ainda retrata a enfermagem como um campo de atuação subalterno às ações médicas. Essa construção passada socialmente marca o cotidiano dessas profissionais no APHM. Foram encontrados grupos sociais no APHM que se rompem mantendo as relações de dominados e dominantes, dificultando a horizontalização das relações e proporcionando um distanciamento das relações eu- tu, eu – nós, no momento de deliberar no cuidado Pré-hospitalar móvel. A pesquisa fundamentada nas bases teóricas da Fenomenologia Social permitiu construir um subsídio para ação da profissional enfermeira junto à equipe e a pacientes que necessitam de um atendimento inicial no momento do socorro, por abordar a deliberação moral vivenciada, por enfermeiras, no mundo social do APHM, mundo este, adverso pelas suas peculiaridades, onde esse grupo social pode modificar e ser modificado. O estudo apresenta como limites o fato de ser desenvolvido em um grupo social específico, situado em um tempo e espaço de interesses e valores que convergem, e que necessitam consenso na direção da manutenção da vida, com características próprias do seu mundo vida, o que pode divergir de outras realidades. Esse fato inviabiliza as generalizações dos resultados a outros grupos, com características diversas deste. 78 No entanto, outras compreensões precisam ser dirigidas para o mundo social do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência, buscando as ações de cuidar como interesses comuns daqueles que fazem parte dessa prática. Nesse sentido, faz-se necessário acreditar que as enfermeiras que atuam no APHM podem se tornar sujeitos no próprio mundo-vida de atuação, ao agir e modificar a atitude natural encontrada. Ao superarem as relações assimétricas, vão ao encontro da visibilidade e reconhecimento dos seus papéis no serviço, visto que, a busca por relações sociais mais igualitárias e respeitosas se configuram como um mediador de transformações sociais, dos comportamentos éticos, além das ações de deliberar e cuidar. REFERÊNCIAS ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007. ALMEIDA, Eduardo Henrique Rodrigues. Dignidade, autonomia do paciente e doença mental. 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APENDICES Apendice A – Solicitação de autorização da coleta de dados 86 UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA ESCOLA DE ENFERMAGEM 87 Apêndice B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) 1 Instruções aos Participantes O momento do cuidar das vítimas no APHM apresenta situações que geram um tempo de dúvidas, questionamentos ou necessidade de correções de elementos da prática cotidiana dos profissionais. Estas inquietações envolvem a atuação da enfermeira no processo de deliberação. Eu, Simone da Silva Oliveira, estou desenvolvendo o projeto de Dissertação de mestrado no Programa de Pós- graduação em Enfermagem da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia, intitulado: “Deliberação moral da enfermeira no cuidado Pré-hospitalar à luz da fenomenologia social”. O objetivo geral é compreender a experiência vivida pelas enfermeiras frente à deliberação moral no cuidado Pré-hospitalar Móvel, tendo como orientadora a Professora Doutora Darci de Oliveira Santa Rosa. Venho convidar-te, a participar deste projeto, a sua participação se dará através de uma entrevista gravada, auxiliada por questões de aproximação e norteadoras, com vistas a contribuir compreensão da deliberação moral da enfermeira no cuidado Pré-hospitalar. A entrevista acontecerá nos períodos pré-definidos por você, conforme a sua disponibilidade. Os resultados dessa pesquisa serão divulgados através da dissertação, publicação de artigos e apresentação em eventos científicos, nos quais garantiremos o seu anonimato com uso de pseudônimo. Informo que para garantir sua privacidade e anonimato a entrevista será efetuada em local reservado e guardada por nós pesquisadoras durante cinco anos e solicito sua autorização para decidir sobre o destino delas depois deste tempo, como guarda-las no banco de dados do Grupo de estudos e pesquisa EXERCE. Serão mantidos o respeito e o anonimato da sua identidade e da instituição, não havendo qualquer associação entre os dados obtidos e o seu nome. Os benefícios desta pesquisa serão os conhecimentos acerca da deliberação moral que podem subsidiar a sua prática como enfermeira que atua no SAMU 192. Esta entrevista poderá causar riscos de constrangimentos durante sua aplicação por abordar a subjetividade através das suas vivências frente ao fenômeno da deliberação moral, com isso você tem total liberdade para não participar ou deixar de responder as perguntas que lhe causem algum desconforto, ou mesmo pode desistir de participar da pesquisa em qualquer fase desta, sem penalização alguma e sem nenhum prejuízo a sua vida profissional, mesmo após ter acordado anteriormente. Caso ocorra, podemos também, suspender e reagendar para outro momento, até que se sinta melhor. Nós pesquisadores esclarecemos que não haverá ônus para você como participante da pesquisa e nos responsabilizamos por qualquer tipo de dano previsto ou não neste termo de consentimento, prestando-lhe assistência integral, e/ou indenização caso seja necessário. Ao se considerar devidamente esclarecida pelas pesquisadoras quanto aos objetivos desta pesquisa convido você a assinar esse termo, sendo que uma cópia ficará em suas mãos e outra com a pesquisadora. Estaremos à sua disposição para esclarecer qualquer tipo de dúvida sobre a pesquisa a qualquer momento que deseje. Este projeto e Termo de consentimento Livre e Esclarecido será apreciado pelo Comitê de Ética da Escola de Enfermagem da UFBA, caso sinta alguma duvida sobre o mesmo poderá entrar em contato com o CEP pelo telefone 3283.7615. End.: Rua Augusto Viana, S/N Bairro Canela CEP.: 40 110 060 – Salvador. 88 2 Termo de Consentimento Livre e Pós- Esclarecido Sinto-me suficientemente esclarecido com as orientações fornecidas pela mestranda Simone da Silva Oliveira. Entendi que serei entrevistada e a entrevista será gravada, que poderei me recusar a participar a qualquer momento da pesquisa. Não terei despesas com o projeto. Terei minha identidade e a da instituição a que pertenço preservadas, o risco que corro é o do constrangimento com as perguntas e se me sentir constrangida poderei interromper minha participação na pesquisa, assim como poderei receber informações a qualquer tempo. Entendi que os resultados poderão ser divulgados em dissertação, em eventos e em revistas científicas. Ficou claro para mim que este projeto passou por um Comitê de Ética em Pesquisa. Diante destas considerações registro o meu de acordo. Salvador, ______ de _______________ de 2014 __________________________ Entrevistada Simone da Silva Oliveira Pesquisadora Responsável/UFBA Tel.: (75) 81151846 / 3422-2114 Darci de Oliveira Santa Rosa Orientadora Tel: (71) 88144101 UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA ESCOLA DE ENFERMAGEM Apêndice C- Roteiro para entrevista Local da entrevista: __________________________________________ Data:___________ Início: ______h Nº da entrevista: ___ IDENTIFICAÇÃO Sexo Término: _____h 89 Idade Tempo de formação: Tempo de atuação na área: Outros vínculos empregatícios: Especialidade ( ) Sim ( Carga horária semanal:___ ) Não Qual?________________ Instituição formadora: QUESTÕES DE APROXIMAÇÃO O que você entende por deliberação moral? E por tomada de decisão ética/moral? QUESTÃO NORTEADORA Fale-me como você tem vivido a deliberação moral ou tomada de decisão ética/moral tendo em vista o cuidado Pré – hospitalar Móvel? ANEXOS Anexo 1 – Parecer Consubstanciado 90 91 92 Anexo 2 – Termo de Anuência 93 Anexo 3 Declaração de encaminhamento