Projeto de reflexão, investigação e debate: O investimento das empresas na comunidade Edição 2011 Uma iniciativa desenvolvida com o apoio da Caixa Geral de Depósitos, da Fidelidade Mundial e da Império Bonança. Índice I. A metodologia utilizada II. Sumário executivo III. Resultados financeiros IV. Principais conclusões V. Recomendações I. A metodologia utilizada Esta pesquisa, teve como principal objetivo apresentar o estado de arte no que respeita ao investimento das empresas na comunidade. O trabalho da Sair da Casca, na análise dos relatórios de sustentabilidade, teve por objetivo refletir sobre os posicionamentos que estes relatórios traduzem. Estamos conscientes que o facto de a empresa não reportar não significa que não tem essa prática. A análise dos relatórios seguiu uma metodologia que resultou do cruzamento de alguns standards de referência (GRI, AccountAbility, LBG) e das necessidades de informação identificadas durante a primeira escuta das partes interessadas. Método de recolha de informações • Consulta de relatórios de sustentabilidade: o Amostra total: 75 relatórios de sustentabilidade publicados no site do BCSD Portugal até dia 31 de agosto de 2010 relativos ao desempenho das empresas, em território nacional: Análise de 52 relatórios que reportam 2009 (foram analisadas as mesmas 391 empresas analisadas na primeira edição do estudo). Análise de 23 relatórios que reportam 2010 (foram analisadas as mesmas 202 empresas analisadas na primeira edição do estudo). o Universo: 75 empresas, nacionais e multinacionais, pertencentes a 9 setores diferentes (telecomunicações, petrolífero, banca e seguros, utilities, logística e transportes, agroalimentar, indústria, construção e outros). Os objetivos: • Aferir qual o contributo das empresas para a comunidade se se verificaram mudanças nos últimos dois anos: Como é que as empresas relatam o seu desempenho social? Quais são as práticas mais comuns? Que perceções e posicionamento traduzem os relatórios de sustentabilidade? • Refletir sobre o papel social das empresas: Podem as empresas contribuir para a resolução de problemas sociais? Qual pode ser o papel das empresas no combate à pobreza e à exclusão social? Quais são as novas abordagens e formas de atuar para maximizar os impactes e tornar mais eficiente o contributo das empresas? 1 Só estas 39 empresas publicaram os seus relatórios de sustentabilidade relativos ao ano de 2009 até 31 de agosto de 2011 2 Só estas 20 empresas publicaram os seus relatórios de sustentabilidade relativos ao ano de 2010 até 31 de agosto de 2011 II. Sumário executivo As principais conclusões: • Apesar de uma situação de crise as empresas mantiveram em média os montantes investidos na comunidade ou seja o valor médio por empresa não baixou entre 2008 e 2010. • O voluntariado empresarial continua a ser uma tendência geral. Cerca de 70% das empresas desenvolvem acções para ter impacto a nível interno (colaboradores) e simultaneamente a nível externo (comunidade). • Cerca de 80% das empresas assumem o compromisso de contribuir para o combate à pobreza e à exclusão social a nível interno por exemplo através da criação de condições de empregabilidade ou de programas de integração de pessoas com deficiência. • A filantropia empresarial começa a ser vista não apenas como um conjunto ações de caridade mas sim como algo estratégico onde as empresas investem financeiramente e é legítimo que esperem retorno. • A Solidariedade foi a causa mais apoiada pelas empresas seguindo-se a Educação e a Cultura. • Apenas ¼ das empresas comunicam critérios de escolha dos projetos, instituições, iniciativas apoiadas. • A área do investimento na comunidade ainda não está a ser encarada tal com as outras áreas das empresas, o rigor e a exigência não são os mesmos. Ainda há espaço para melhorias. • Apesar de uma evolução, por parte das empresas, na estruturação da sua atuação na comunidade continua a verificar-se alguma dificuldade em abordar novos modelos mais relacionados com a atuação das empresas sobretudo com a sustentabilidade das próprias ações. • À semelhança do que acontece um pouco por toda a Europa, em Portugal, cerca de 95% das empresas analisadas não comunicam uma medição do impacto dos projetos na comunidade que apoiam ou nos quais investem. III. Resultados financeiros Em 2008, na 1.ª edição do estudo, foram investidos mais de 65 milhões de euros na comunidade (considerando uma amostra de 45 empresas). Mais de 33% investem mais de um milhão de euros, outros 30% menos de 200 000 euros. Em 2009 foram investidos mais de 76 milhões de euros na comunidade (considerando uma amostra de 52 empresas). Sendo que a maior percentagem são as empresas que investem mais de 1 milhão de euros (37%) e as que investem menos de 200 mil euros (25%). De notar igualmente que 13% das empresas analisadas ainda não comunicam os montantes dos apoios. Considerando que esta pesquisa engloba algumas das 20 das maiores empresas * que atuam em Portugal, a dimensão do que pode ser este contributo voluntário, se projetarmos para o universo empresarial no seu conjunto, é espantosa. Para além dos apoios financeiros, cerca 70% das empresas desenvolve atualmente programas de voluntariado, organizam recolhas de bens junto dos seus colaboradores e participam em projetos interempresas. O envolvimento dos colaboradores é um fator importante para a coesão interna da organização, sendo este aspeto reforçado nos relatórios analisados. * Considerando a classificação da Revista Exame – Edição Especial 2010 com as 500 Maiores e Melhores Empresas ´ IV. Principais conclusões O “investimento na comunidade” é um conceito complexo, muito abrangente e alvo de várias interpretações; na realidade, pode abranger quase toda a atividade da empresa – afinal todas as suas operações têm impacte na comunidade – ou apenas a sua ação social. A título de exemplo, algumas empresas integram a construção de infraestruturas no capítulo “comunidade” do seu relatório de sustentabilidade, outras limitam-se a citar os projetos de caridade apoiados. Há ainda outras que incluem projetos para criação de produtos acessíveis e outros patrocínios comerciais ou cedência de instalações. Uma mudança na visão estratégica do papel da empresa na comunidade Verifica-se uma crescente tentativa, por parte das empresas em estruturarem a sua área de envolvimento com a comunidade ainda que muitas vezes esta estruturação não seja fruto de uma reflexão estratégica para definir o papel da empresa na comunidade e as suas formas de atuação. Em 2008 apenas 13% das empresas comunicava ter uma política/estratégia filantropia ou investimento na comunidade, em 2009 e em 2010 este valor sobe respetivamente para 65% e 87%. A ligação entre as estratégias de envolvimento com a comunidade e as estratégias de sustentabilidade tornou-se também mais clara nos últimos dois anos comparativamente a 2008. Abordagem estratégica 2009 73% 65% Política ou estratégia envolvimento com a comunidade Compromissos/Áreas de actuação Abordagem estratégica 2010 87% Política ou estratégia de envolvimento com a comunidade 83% Compromissos/Áreas de actuação Verifica-se também uma melhoria, ainda que não tão significativa, na comunicação dos compromissos ou áreas de atuação passando, de 62% das empresas que em 2008 comunicavam estes indicadores para 73% e 83% em 2009 e 2010 respetivamente. Já no que respeita às definições e terminologias utilizadas pelas empresas, nota-se uma melhoria substancial, verifica-se uma maior homogeneidade nas definições utilizadas constatando-se uma tendência para a utilização dos termos “comunidade” (30%), “envolvimento com a comunidade” (25%), “investimento na comunidade” (15%). No que respeita à medição do impacto dos projetos na comunidade, esta continua ser uma área de melhoria ainda que, relativamente ao ano de 2008, se tenha verifica um ligeiro aumento das empresas que comunicam usar uma metodologia ou um conjunto de indicadores para medir o impacto dos seus projetos na comunidade. Em 2009 e em 2010, 92% e 82% das empresas, respetivamente, não comunicaram qualquer iniciativa neste sentido. As causas mais apoiadas Analisando as causas mais apoiadas pelas empresas verificou-se que o foco principal é a solidariedade (apoio a instituições de solidariedade, envolvimento em campanhas de comunicação lideradas por instituições, etc.) seguindo-se a educação (Crianças e Jovens) e a “cultura”. O envolvimento em causas como o apoio a idosos, às pessoas com dependências ou mesmo a deficiência continuam a ser as menos comunicadas. Quanto aos beneficiários, constatou-se que as instituições e iniciativas locais, por exemplo, associações desportivas, escolas, associações culturais, etc., continuam a ser, à semelhança do que aconteceu na primeira versão do estudo, as mais apoiadas pelas empresas analisadas. Verificou-se também que há uma predominância pelas entidades que têm maior notoriedade destacando-se, na área cultural, a Fundação de Serralves, a Fundação Casa da Música e, nas áreas sociais, o Banco Alimentar Contra a Fome e a EPIS – Empresários para a Inclusão Social. A tendência é sempre dar visibilidade a quem já é (muito) visível. Verifica-se também um crescente envolvimento das empresas em projetos educativos para promover temáticas como educação para a saúde, prevenção rodoviária, protecção do ambiente etc. Neste projectos, as empresas trabalham de forma próxima com as entidades públicas e assumem os encargos financeiros dos projectos. Quando analisados os critérios de escolha de instituições ou projetos apoiados as respostas são praticamente nulas como comprovam os Relatórios de Sustentabilidade onde apenas 23,1% (2009) e 26,1% (2010) das empresas comunicam critérios de seleção. Nas questões da pobreza e exclusão social, as empresas adotam uma atitude mais virada para “dentro” A pobreza e a exclusão social continuam, atualmente, temáticas prementes e as empresas procuram canalizar “esforços” primeiro internamente e para isso vão muitas vezes buscar soluções na sua “essência” – ao seu core business e às suas competências. Alguns exemplos desta “atitude” são a criação de condições de empregabilidade para os seus colaboradores mais vulneráveis por exemplo através da iniciativa “Novas Oportunidades”, o desenvolvimento de programas de integração de pessoas com deficiência ou mesmo iniciativas que visam apoiar os colaboradores e /ou as suas famílias em situações mais criticas. Quantas empresas assumem um compromisso INTERNO o combate à pobreza e exclusão social? 82,6% 71,2% 2009 2010 Não obstante a predominância de iniciativas internas, é cada vez mais comum o trabalho desenvolvido no âmbito da pobreza e exclusão social através da criação ou adaptação de produtos / serviços tornando-os acessíveis a populações normalmente excluídas. Destacamos alguns exemplos como produtos que melhoram a qualidade de vida dos seniores, adaptações de infraestruturas para pessoas portadoras de deficiência, criação de ferramentas financeiras alternativas para pessoas que não podem recorrer ao sistema bancário tradicional (microcrédito, microseguro, etc.), participação de várias empresas, por exemplo através de colaboradores voluntários, nos diferentes projetos da EPIS – Empresários pela inclusão social. Quantas empresas assumem um compromisso EXTERNO no combate à pobreza e exclusão social? 73,9% 53,8% 2009 V. 2010 Recomendações • As empresas, tal como acontece com outras áreas de atuação, por exemplo no ambiente, deviam desenvolver políticas de envolvimento com a comunidade com eixos de atuação claros e alinhados com o seu contexto. • O posicionamento das empresas, no que respeita ao seu envolvimento com a comunidade, ganha em eficiência se estiver alinhado com a sua estratégia de sustentabilidade e com as expectativas das partes interessadas. • Devem ser definidos objetivos e respetivos indicadores para que seja possível monitorizar e avaliar a concretização dos mesmos. • As empresas podem ser mais exigentes ao nível de reporting / prestação de contas exigido às entidades parceiras (IPSS, ONG, etc.) mas convém capacitar este parceiros ou ajuda-los a trabalhar a informação relevate para a empresa. • A avaliação / medição do impacto dos projetos na comunidade, embora ainda pouco praticada por parte das empresas, é muito importante para a durabilidade dos projetos e para a sua melhoria permite também analisar a pertinência de apoiar uma ou outro projecto. • As empresas devem começar a olhar para a filantropia empresarial de uma forma mais estratégia passando de uma atuação baseada no donativo (que obviamente pode continuar a existir, mas com maior exigência no que se refere à sua eficiência, nas situações em que a assistência é a única via) para uma atuação mais estratégia de investimento social. • Existe a possibilidade de transferir uma parte dos montantes referidos para projetos de cariz empresarial e com finalidade social de forma a criar uma maior sustentabilidade. Atenção ao “social washing”? – uma proposta de critérios para reconhece-lo • A essência: a iniciativa social tem como objetivo escamotear ou suavizar um efeito negativo da atividade da empresa? o Exemplo: quando marcas de tabaco patrocinavam programas educativos nas escolas sobre os perigos de fumar... • A coerência: o envolvimento social da empresa é coerente com as suas práticas? Qual o desempenho a nível ambiental, respeito dos direitos humanos, relações com os fornecedores, etc. • A eficiência: o compromisso da empresa está relacionado com o seu core business ou está completamente desligado deste? O alinhamento entre o envolvimento social e a atividade permite maximizar os impactes e reforçar a adesão dos colaboradores. • A continuidade: o envolvimento torna-se credível com o tempo... Fonte :* D’ALSACE, Frèdèric; FAIVRE-TAVIGNOT, Bénédicte – «L’entreprise compatible avec le social business» ;Disponível em: http://www.liberation.fr/economie/0101617257-l-entreprise-compatible-avec-lesocial-business