Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do
grau de Mestre em Historia Moderna e dos Descobrimentos, realizada sob a orientação
científica das Professoras Doutoras Ana Isabel Buescu, Susana Münch Miranda e
Eugénia Rodrigues
Esta tese foi realizada no âmbito do projecto Terras além dos mares: direitos de
propriedade no Império Português Moderno financiado pela Fundação para a Ciência e
a Tecnologia (PTDC/HIS-HIS/113654/2009)
À memória dos meus avós Lucinda e Carlos
AGRADECIMENTOS
No final da etapa académica que teve como resultado a presente tese de
mestrado não posso deixar de agradecer a algumas pessoas e instituições que, de uma ou
de outra maneira, tiveram um papel activo na sua concretização. O meu primeiro e
sentido agradecimento vai para as orientadoras, as Professoras Doutoras Ana Isabel
Buescu, Susana Münch Miranda e Eugénia Rodrigues, pelo apoio científico e
institucional, pelas críticas, conselhos e incitamento. Um agradecimento especial é
devido à Professora Doutora Eugénia Rodrigues pela forma com que generosamente me
acompanhou, me motivou e me inspirou desde que em 2009 comecei a trabalhar sob a
sua orientação no âmbito de uma bolsa de integração na investigação promovida pelo
Instituto de Investigação Científica e Tropical. A Professora Doutora Susana Münch
Miranda acolheu desde logo este projecto e já nos momentos derradeiros foi mais do
que essencial para a sua conclusão fazendo as diligencias necessárias e transmitindo-me
a dose certa de motivação.
O meu agradecimento estende-se ao Centro de Estudos de História
Contemporânea do ISCTE-IUL e ao Professor Doutor José Vicente Serrão, coordenador
do projecto FCT Terras além dos mares: direitos de propriedade no Império Português
Moderno (PTDC/HIS-HIS/113654/2009) no âmbito do qual se enquadra esta
dissertação. No Instituto de Investigação Científica e Tropical quero agradecer
especialmente ao Professor Doutor Miguel Jasmins Rodrigues a experiência de trabalho
no projecto FCT Pequena nobreza e ‘nobreza da terra’ na construção do Império: os
arquipélagos atlânticos (séculos XV a XVII). Não menos importantes foram as pistas
historiográficas e outras de carácter mais pessoal que me foi dando ao longo do
caminho. Também no Instituto de Investigação Científica e Tropical agradeço à
Professora Doutora Maria Manuel Ferraz Torrão e à Teresa Vilela a preciosa ajuda
prestada ao nível da pesquisa bibliográfica e cartográfica. De igual modo, um
agradecimento é também devido aos funcionários do Arquivo Histórico Ultramarino e
da biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, nos quais passei a maior parte do
tempo de pesquisa desfrutando de óptimas condições de trabalho.
O meu agradecimento dirige-se ainda ao Departamento de História da Faculdade
de Ciências Sociais e Humanas e aos professores e colegas com quem tive oportunidade
v
de conviver e aprender ao longo da Licenciatura em História e do Mestrado em História
Moderna e dos Descobrimentos. A minha gratidão estende-se ao Centro de História de
Além-Mar, instituição que me acolheu como investigadora impondo-se nesse sentido
um agradecimento particular à Professora Doutora Alexandra Pelúcia e ao Professor
Doutor João Paulo Oliveira e Costa. Ainda no Centro de História de Além-Mar o meu
agradecimento dirige-se muito em especial ao Professor Doutor Pedro Cardim pela
paciência e disponibilidade com que respondeu às minhas solicitações e pelo apoio que,
em geral, me dispensou em questões não directamente relacionadas com esta tese mas
igualmente importantes para o meu percurso académico. Ao Professor Doutor Paulo
Teodoro de Matos quero expressar o meu apreço pelo interesse que demonstrou pelo
meu trabalho e pela forma com que me recebeu no projecto FCT População e Império.
A Demografia e os Processos Estatísticos no Ultramar Português, 1776-1875.
No Programa Inter-Universitário de Doutoramento em História não posso deixar
de agradecer aos professores e colegas a compreensão face às ausências dos momentos
finais. Realço, muito concretamente, o apoio prestado pela Professora Doutora Mafalda
Soares da Cunha e pelo Professor Doutor José Luís Cardoso. O meu obrigada em
especial a este último pela ajuda institucional e pelas palavras de encorajamento.
Porventura desajeitadas e certamente incompletas são as palavras que aqui deixo
aos amigos e à família. Individualizando o individualizável, quero agradecer à Luísa
Coelho Sousa a disponibilidade, as conversas desopiladoras da mente e as palavras
certeiras em diferentes momentos deste percurso. Um obrigada particular à Augusta
pelo contributo gráfico, à João pelo contributo linguístico e à Maria D. pelo cuidado
constante. Aos pais o meu sentido agradecimento pelo apoio e confiança. E aos manos a
minha mais profunda gratidão pela área, pela amizade, pelo amparo e acolhimento
verdadeiramente essenciais.
vi
Entre a Ilha e a Terra. Processos de construção do continente fronteiro
à Ilha de Moçambique (1763 - c. 1802)
Maria Paula Pereira Bastião
RESUMO
Palavras-chave: Ilha de Moçambique; século XVIII; territorialização; agricultura e
comércio; regime jurídico da posse da terra; império português.
O presente trabalho estuda os processos de construção da Terra Firme da Ilha de
Moçambique entre 1763 e 1802 num contexto de crescimento populacional, de
intensificação do tráfico negreiro, de reforço da actividade agrícola e, em geral, da sua
afirmação enquanto capital da capitania de Moçambique. Ainda que o desenvolvimento
das terras fronteiras à Ilha de Moçambique já tenha sido notado pela historiografia, a
forma como decorreu esse desenvolvimento encontra-se pouco estudada. Assim, num
primeiro momento, procura-se avaliar o papel desempenhado pelo comércio e pela
agricultura na territorialização da colonização portuguesa e a resistência oposta pelas
populações africanas a essa territorialização. Num segundo momento, procura-se
discutir a forma como estas terras foram incorporadas na Monarquia portuguesa,
conhecer o regime jurídico que enquadrou a sua posse e propriedade e os protagonistas
destes processos.
Apesar de o território continental sob domínio português ocupar uma área muito
limitada na segunda metade de Setecentos, verifica-se como no final do século a
presença portuguesa se alargou um pouco para além dos limites anteriores e, sobretudo,
como se intensificou a apropriação económica e política desse espaço colonial.
vii
Between the Island and the mainland: construction processes of the opposite coast
of the Mozambique Island (1763 – c. 1802)
Maria Paula Pereira Bastião
ABSTRACT
Keywords: Mozambique Island; 18th century; territorialization; trade and agriculture;
legal framework of access to land; Portuguese empire.
This work studies the construction processes of the mainland of the Mozambique
Island between 1763 and 1802 in a context of population growth, intensification of the
slave trade, strengthening of the agricultural activity and, in general, of its affirmation as
the capital of the Captaincy of Mozambique. Even though the development of the lands
facing the Mozambique Island has already been noticed by historiography, the manner
in which this development has occurred remains insufficiently studied. Hence, firstly,
an attempt is made to assess the role played by trade and agriculture in the
territorialization of Portuguese colonization and the resistance opposed by African
populations to this territorialization. Secondly, the form under which these lands were
incorporated into the Portuguese Monarchy is discussed, as well as the legal regime that
framed their possession and ownership and the protagonists of these processes.
Although the mainland under Portuguese rule occupied a very limited area in the
second half of the eighteenth century, evidence shows that, towards the end of the
century, the Portuguese presence had extended slightly beyond its previous limits and,
especially, it had intensified its economic and political appropriation of the territory.
ix
ÍNDICE
INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 1
CAPÍTULO 1 ...................................................................................................................... 9
Ilha de Moçambique e Terra Firme (séculos XVI a XVIII) .............................. 9
1.1. A Ilha de Moçambique na costa leste-africana (século XV e XVI)................. 9
1.2. A Terra Firme no século XVIII...................................................................... 16
1.3. A Ilha de Moçambique na costa leste-africana (séculos XVI-XVIII) ........... 18
1.3.2. A autonomia do Estado da Índia: principais transformações políticas,
económicas e sociais ...................................................................................... 26
CAPÍTULO 2 .................................................................................................................... 33
Dinâmicas de construção da Terra Firme (1763 - c.1802)............................... 33
2.1. Limites territoriais e documentais da Ilha de Moçambique ........................... 35
2.2. Relações comerciais e abastecimento alimentar ............................................ 38
2.2.1. “Reduzidos a huma nesecidade bem cruel” ou a dependência alimentar
da Ilha 44
2.2.2. Medidas de desenvolvimento agrícola ................................................. 47
2.3. Dinâmicas de resistência à colonização da Terra Firme ................................ 51
2.3.1. As chefaturas macuas ........................................................................... 53
2.3.2. Os xecados de Quitangonha e Sancul .................................................. 56
2.4. A Terra Firme entre discursos e práticas ....................................................... 60
CAPÍTULO 3 .................................................................................................................... 65
A posse e a propriedade da terra na Ilha e Terra Firme ................................. 65
3.1. O acesso à terra em Moçambique na segunda metade de Setecentos ............ 67
3.1.1. Os prazos da Coroa nos Rios de Sena .................................................. 69
3.1.2. Os prazos da Coroa na Ilha de Moçambique. Uma tentativa de
definição ......................................................................................................... 75
3.2. A constituição do concelho e os prazos do Senado da Câmara ..................... 79
3.2.1. Dinâmicas de apropriação da Terra Firme .................................................. 85
CAPÍTULO 4 .................................................................................................................... 89
A terra e a elite da Ilha de Moçambique ........................................................... 89
4.1. A terra na Ilha e Terra Firme. Uma visão de conjunto .................................. 90
4.2. O caso de João da Silva Guedes ..................................................................... 94
xi
CONCLUSÃO ................................................................................................................... 99
FONTES E BIBLIOGRAFIA.............................................................................................. 105
ANEXOS ........................................................................................................................ 119
xii
ÍNDICE DE GRÁFICOS, MAPAS E TABELAS
Mapa 1 – A Ilha de Moçambique na costa oriental africana (pormenor da Ilha e Terra
Firme no século XIX) ....................................................................................................... 7
Mapa 2 – A Terra Firme em 1802 ................................................................................. 15
Mapa 3 – A Ilha de Moçambique e a Macuana ............................................................. 23
Gráfico 1 – Moradores e habitantes portugueses dedicados à agricultura (1766) ........ 41
Gráfico 2 – Instituição outorgante do aforamento (1763 - c. 1802) .............................. 91
Gráfico 3 – Distribuição da propriedade por género (1763 - c. 1802) .......................... 91
Gráfico 4 – Distribuição das propriedades foreiras à câmara por género (1763 - c. 1802)
........................................................................................................................................ 92
Gráfico 5 – Distribuição das propriedades foreiras à Coroa por género (1763 - c. 1802)
........................................................................................................................................ 92
Gráfico 6 - Distribuição dos foreiros por naturalidade (1763 - c. 1802) ....................... 93
Tabela 1 – Proprietários da Ilha de Moçambique e Terra Firme (1763 - c. 1802) ...... 119
Mapa 4 – A Terra Firme em 1802 (cálculo da área) ................................................... 137
Tabela 2 – Chãos da Cabaceira Grande aforadas pela câmara (1782) ........................ 139
Tabela 3 – Chãos de Mossuril aforadas pela câmara (1782) ....................................... 139
xiii
LISTA DE ABREVIATURAS
ACE – Assentos do Conselho de Estado (ed. Panduronga Pissurlencar)
AHU – Arquivo Histórico Ultramarino (fundo, série, documento)
Cit. – Citado
Cód. – Códice
Cons. Ultr. – Conselho Ultramarino
Coord. – Coordenação
Cx. – caixa
DCPM – Dicionário Corográfico da Província de Moçambique
DHP – Dicionário de História de Portugal
Dir. – Direcção
Doc. – Documento/os
Ed. – Edição
Fl. – Fólio/os
Gov. Moç. – Governo de Moçambique
HAG – Historical Archives of Goa
Km – Quilómetro
Liv. – Livro
Ord. Fil. – Ordenações Filipinas
Ord.Man. – Ordenações Manuelinas
Org. – Organização
P. – Página(s)
Pub. – Publicado
S.d. – Sem data
Segs. – Seguintes
SGL – Sociedade de Geografia de Lisboa
T. – Tomo
tt.º – Título
V. – Vide
Vol. – Volume
xv
INTRODUÇÃO
Na segunda metade do século XVIII a Ilha de Moçambique, capital política e
administrativa, centro mercantil e naval dos territórios portugueses da África Oriental,
viu o seu protagonismo aumentado em consequência de uma série de medidas tendentes
a afirmar a posição destes territórios no conjunto imperial português. No período
subsequente a 1752, data da separação dos territórios portugueses do leste-africano face
ao Estado da Índia, a actividade mercantil nos portos moçambicanos foi aberta aos mercadores portugueses do Índico (1757) e aos demais mercadores do império português
(1763). Também em 1763 a Ilha de Moçambique, até então com o estatuto de praça, foi
elevada a vila e dotada de câmara. Empreendidas sob o signo de Sebastião José de
Carvalho e Melo, estas foram algumas das medidas que concorreram para o contexto de
notável prosperidade então experimentado na colónia. Não obstante, foi em resultado do
tráfico de escravos que Moçambique e a sua capital conquistaram um papel à escala
global, primeiro por via das relações mercantis com as colónias francesas do Índico e,
mais tarde, com a América Portuguesa e Espanhola. Um volume de tráfico regular e
sistemático foi atingido grosso modo na década de 1770 e na transição de século a Ilha
de Moçambique era já um dos principais portos mundiais de exportação de mão-de-obra
escrava1.
No seu conjunto, os momentos e as conjunturas atrás expostas promoveram o
crescimento da Ilha de Moçambique em direcção ao continente adjacente e
proporcionaram a ampliação das oportunidades de negócio da elite insular ligada ao
comércio, genericamente designada por moradores2, bem como de outros grupos que aí
se fixavam com um carácter transitório, como os baneanes de Diu e Damão. Na
denominada Terra Firme – o termo da vila constituído pelas povoações de Mossuril,
Cabaceira Grande e Cabaceira Pequena – estas elites possuíam propriedades agrícolas –
palmares, fazendas e machambas – e comerciavam com as populações africanas
vizinhas. Embora tendo no comércio a sua principal ocupação, a exploração agrícola das
terras continentais constituiu-se como uma fonte extra de receita e uma oportunidade de
diversificação de negócios. Não raro, comércio e agricultura eram actividades que
1
Capela, 2002: p. 80-87.
Termo usado não como sinónimo de habitantes ou de residentes, mas na acepção de homens-bons ou
nobreza da terra, aqueles que constituíam a sua elite social e económica e que ocupavam cargos na
administração colonial e concelhia.
2
1
desenvolviam em articulação. Para a Ilha de Moçambique, o cultivo da Terra Firme
constituiu-se também como uma vantagem, já que contribuía para atenuar o problema
de abastecimento que desde sempre a afectara e que via agravado agora, na segunda
metade de Setecentos, em consequência das profundas transformações políticas,
económicas e sociais vividas na colónia.
Apesar do desenvolvimento da Terra Firme enquanto espaço complementar à
Ilha de Moçambique já ter sido notado pela historiografia, a forma como decorreu esse
desenvolvimento permanece pouco estudada. Assim, o que se propõe neste trabalho é a
investigação do processo de ocupação do termo da Ilha de Moçambique por meio da
intensificação do comércio e da exploração agrícola entre 1763 e o final do século
XVIII. Qual o papel do comércio e da agricultura na interiorização da colonização
portuguesa? Como decorreu o processo de apropriação, concessão e exploração das
terras localizadas no continente fronteiro à Ilha? Quais as causas e as consequências
destes processos considerados sob múltiplos pontos de vista (jurídico, político,
económicos, sociais, ideológicos)? Qual a principal matriz jurídica que regulou o acesso
à terra? A legislação sobre a terra foi emanada directamente de Lisboa ou
redireccionada de Goa? E qual a intervenção das autoridades locais como o governogeral ou o Senado da Câmara na aplicação desta legislação? Quem teve acesso a terra?
Qual a dimensão das parcela concedidas? Que posição ocuparam os detentores de terras
na sociedade e economia insulares? Como se relacionaram entre si? Como se
relacionaram com as autoridades portuguesas e com os demais actores sociais e
económicos, nomeadamente com as populações baneanes, suaílis e macuas que
habitavam os mesmos espaços ou espaços próximos? Estas são algumas das questões
orientadoras deste trabalho.
O âmbito cronológico da análise decorre entre 1763, data de criação da câmara
de Moçambique e momento a partir do qual esta passou a partilhar com a Coroa o
domínio eminente sobre o território da Ilha e Terra Firme, e 1802, ano que inaugura um
breve período de pacificação da região e também ano de produção de um largo número
de documentos relevantes para a nossa investigação3. Não obstante esta delimitação,
3
Por exemplo, “Mappa do Numero dos Habitantes Christaons, que possuem nas terras do Lumbo, Ilha de
Batû, Calundi, Apagafogo, Ampapa, Monsuril, Mapeta, Cabaceira Grande, e Cabaceira piquena, Cazas,
fazendas Escravos, e da Gente livre, e Feitores, que há nas ditas terras, as quaes são fronteiras a Ilha de
Mossambique”, 20.Ago.1802, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 96, doc. 62; “Relação das pessoas que
possuem maxambas, e que huns anos por outros, cultivando-as, pensamos poderão tirar das mesmas a
farinha seguinte”, 20.Mar.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fls. 259v-260v; “Relação dos habitantes
2
sempre que julgámos necessário fizemos breves incursões em cronologias anteriores ou
posteriores de modo a facilitar a compreensão de determinadas questões apenas
perceptíveis numa duração mais longa.
Mais do que qualquer outra temática de análise, a historiografia tem centrado
atenções no estudo do regime de concessão de terras na região do vale do Zambeze. De
entre os vários autores que se debruçaram sobre a problemática dos prazos da Coroa nos
Rios de Sena, como Alexandre Lobato, Narana Coissoró, Allen Isaacman, Malyn
Newitt e José Capela4, a presente dissertação é sobretudo tributária dos trabalhos de Eugénia Rodrigues5. Autora que, em estreito diálogo com os investigadores citados e escorada em documentação até então pouco explorada, aduz novas interpretações, actualiza
e aprofunda perspectivas anteriores. Mas se o regime jurídico que enquadrou a
territorialização portuguesa no vale do Zambeze – as capitanias-mores de Quelimane,
Sofala, Sena e Tete onde se incluíam a maior parte das Terras da Coroa – tem sido
objecto de uma ampla investigação, o estudo da posse e propriedade da terra noutros
espaços da capitania sobre os quais os portugueses exerceram também um domínio
territorial efectivo, como a Ilha de Moçambique, tem sido largamente negligenciado.
Eugénia Rodrigues aludiu já ao facto do regime dos prazos ter sido também usado nesta
região6 mas, com efeito, a história dos prazos afora o vale do Zambeze encontra-se em
grande medida por fazer, o que muito provavelmente se deve à escassez de fontes
directas como os livros de tombos. A presente investigação procura, portanto, preencher
uma parte desta lacuna pensando também a forma como os espaços da Ilha de Terra
Firme foram apropriados e enquadrados sob o regime jurídico português.
Do ponto de vista geral da história politica, militar, económica, comercial e
social do Moçambique da segunda metade de Setecentos são vários os autores e as
obras que sustentam a presente investigação. Desde logo, os trabalhos de Alexandre
Lobato, Fritz Hoppe e José Capela foram fundamentais para acompanhar as
que podem ter farinha no presente ano para dar ao provimento dos armazéns reais”, 19.Out.1802, AHU,
Gov. Moç., cód. 1353, fl. 279-279v; “Relação das pessoas a quem pertencem as Arvores de Café”,
23.Mar.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl. 262; Relação dos produtores de café que entregaram parte
da sua produção para ser enviado para o reino, 30.Out.1802, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 92, doc. 58.
4
Respectivamente: Lobato, 1945, 1957 e 1962; Coissoró, s/d; Isaacman, 1972; Newitt, 1973; e Capela,
1995.
5
Sobretudo a tese de doutoramento Portugueses e Africanos nos Rios de Sena. Os Prazos da Coroa nos
Séculos XVII e XVIII, v. Rodrigues, 2002. A mesma autora desenvolve determinados aspectos do regime
fundiário na capitania de Moçambique em artigos parcelares, por exemplo, Rodrigues 1998a, 2011 e
2013.
6
Rodrigues, 2002: p. 413.
3
transformações político-económicas desencadeadas pela reorganização administrativa
iniciada em 17527. Manolo Florentino trata a integração da costa oriental africana nas
dinâmicas escravistas dos oceanos Índico e Atlântico8, focando-se em concreto no
tráfico de escravos com destino à América Portuguesa. Edward Alpers faz uma análise
profunda e sistemática sobre o impacto do comércio de longo curso no leste-africano
abordando também, num estudo de menor fôlego mas não menos útil, as ligações às
colónias francesas vizinhas a pretexto da compra e venda de escravos9. O tráfico de
escravos é, aliás, pano de fundo de uma larga maioria de trabalhos sobre o Moçambique
dos séculos XVIII e XIX de entre os quais sobressai a investigação do já citado José
Capela, essencial para acompanhar o funcionamento geral do comércio escravista nos
portos moçambicanos entre os séculos XVII e XIX, as políticas imperiais e as
circunstâncias locais que subjazeram o desenvolvimento deste comércio e, bem assim,
os agentes que lhe deram corpo, nomeadamente, os negreiros estabelecidos na Ilha que
operavam nas rotas transíndicas e transatlânticas10.
Na História de Moçambique e nos demais artigos de Malyn Newitt referenciados
encontrámos as bases para trabalhar os contextos político, social e económico. Na
qualidade de capital da colónia ao longo do período moderno, a Ilha de Moçambique
acaba por ocupar um papel de grande destaque nestes estudos, muito concretamente, no
que diz respeito aos contactos comerciais que estabeleceu com portos mais ou menos
próximos, ao desenvolvimento urbano da vila ou à sua população11. Em particular,
sobre os processos sociais e as dinâmicas relacionais entre as populações presentes nos
espaços da Ilha e Terra Firme devem ser mencionados os trabalhos de Eugénia
Rodrigues relativos ao quotidiano e às representações das mulheres da elite insular e as
pesquisas de Ana Paula Wagner referentes às estruturas demográficas de Moçambique
que permitiram perceber o predomínio de reinóis e goeses entre a população cristã da
Ilha12. Outras populações que habitavam de forma permanente ou temporária a região
foram estudadas por Luís Frederico Antunes, que se debruçou em particular sobre a
comunidade baneane oriunda do Guzerate; Nancy Hafkin, que investigou as chefaturas
7
Lobato, 1945, 1957 e 1989; Hoppe, 1970; Capela, 2002.
Florentino, 1997 e 2009; Florentino, Ribeiro e Domingues da Silva, 2004.
9
Alpers, 1975 e 1970, respectivamente.
10
Em particular, Capela, 2002 e 2007.
11
Newitt, 2009, 2004 e 2008.
12
Rodrigues, 2010c e 2010d; Wagner, 2009, 2007 e 2011.
8
4
suaílis vizinhas; Joseph Mbwiliza, cujo labor contribuiu para uma maior compreensão
das populações macuas que habitavam o sertão próximo13.
As obras e os autores atrás referenciados compõem o corpus bibliográfico
principal da nossa análise. Quanto ao corpus documental, este trabalho baseia-se
sobretudo em fontes manuscritas do Arquivo Histórico Ultramarino, designadamente
nos códices do Governo de Moçambique e na série Moçambique do fundo Conselho
Ultramarino. Os acervos da Sociedade de Geografia de Lisboa, do Centro de História do
Instituto de Investigação Científica Tropical e do Arquivo Histórico Militar foram
também consultados embora mais brevemente e sobretudo a respeito da documentação
cartográfica. Por falta de oportunidade não foi possível consultar presencialmente o
Arquivo Histórico de Moçambique, a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e o
Historical Archives of Goa sendo que os documentos citados pertencentes a estes
arquivos foram gentilmente cedidos pela Professora Doutora Eugénia Rodrigues. Para
além das fontes manuscritas recorreu-se também a um conjunto variado de fontes
impressas, de resto, matéria em relação à qual a história do Moçambique moderno se
encontra bem sustentada.
A ausência de livros de tombos e a escassez de outras fontes directamente
relacionadas com a concessão de terras, documentação privilegiada para o estudo dos
processos de apropriação territorial e das elites fundiárias, limitou grandemente a nossa
análise. Face a esta limitação recolhemos, por entre a documentação consultada, todos
os indivíduos que detectámos na condição de proprietários14 chegando ao resultado de
253 proprietários e 264 propriedades (v. Anexo 1, Tabela 1). Através desta abordagem
de cariz prosopográfico foi então possível construir um retrato um pouco mais completo
da sociedade insular no que se refere aos grupos sociais com acesso à terra na Ilha de
Moçambique e Terra Firme. Cremos, por isso, ter-se revelado pertinente a metodologia
adoptada, assim como a recolha de uma base empírica o mais diversificada possível, a
atenção dada à cartografia histórica e às fontes de natureza administrativa e financeira
como mapas de habitantes, relações de dívidas à Fazenda Real, correspondência trocada
13
Antunes, 2001; Hafkin, 1973; Mbwiliza, 1991.
Proprietários no sentido em que dispunham do acesso a determinada parcela de terra, fosse um prédio
urbano ou rústico, podendo não possuir necessariamente um vínculo legal sobre ela. Na categoria
proprietários inclui-se a elite cristã (homens e mulheres), macuas, baneanes e, eventualmente,
muçulmanos cujo nomes muitas vezes se confundem entre si. Veja-se, por exemplo, a “Lista dos
palmareiros de Mossuril” na qual ambas as situações ocorrem – “Lista de todos os palmareiros de
Mossuril com declaração dos Lugares onde são Moradores”, 17.Mar.1781, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx.
35, doc. 94.
14
5
entre as autoridades portuguesas presentes em Moçambique (governadores-gerais,
câmara e outras) e entre estas e a coroa.
Quanto à estrutura interna, este trabalho desenvolve-se ao longo de quatro
capítulos. No primeiro capítulo, “Ilha de Moçambique e Terra Firme (séculos XVI a
XVIII)”, faz-se uma breve descrição das condições geográficas e morfológicas da região
e apresenta-se uma breve resenha histórica dos territórios da África oriental portuguesa
entre os séculos XVI a XVIII sobretudo com base em bibliografia secundária. No
segundo capítulo, “Dinâmicas de construção da Terra Firme (1763 - c. 1802)”,
procuramos conhecer a extensão do continente fronteiro sob domínio português, a
ocupação do território por via da intensificação das actividades comerciais e agrícolas e
os consequentes conflitos entre portugueses, suaílis e macuas. No terceiro capítulo, “A
posse e propriedade da terra na Ilha e Terra Firme”, debruçamo-nos sobre as formas de
apropriação territorial destacando o regime jurídico que enquadrou a concessão destas
terras. No quarto e último capítulo “A terra e a elite da Ilha de Moçambique” fazemos
uma breve análise do conjunto dos proprietários de terras na região e, a título de
exemplo, concluímos com o percurso de um destes proprietários, João da Silva Guedes.
6
Mapa 1 – A Ilha de Moçambique na costa oriental africana (pormenor da Ilha e Terra Firme no século XIX)
Alpers, 1975: p. 1.
Anónimo (s.d.) [1843], “Demonstração do Porto e Ilhas de
Mossambique”, Gabinete de Estudos Arqueológicos de
Engenharia Militar/Divisão de Infraestruturas 1220 2A -24A111.
CAPÍTULO 1
Ilha de Moçambique e Terra Firme (séculos XVI a XVIII)
Ao longo de cerca de quatro séculos, desde o início da fixação portuguesa no
Sudeste Africano até ao final do século XIX, a Ilha de Moçambique ocupou um lugar de
destaque no conjunto dos territórios da África oriental sob domínio português. Com
efeito, como notou Alexandre Lobato, foi da Ilha que o país que hoje conhecemos como
Moçambique tomou o nome depois de, na década de 1530, aquela ter sido escolhida
para centro das actividades portuguesas na região15. Capital política e administrativa
desde então até cerca de 1898 foi também centro naval, mercantil, militar e religioso e
uma das principais escalas da Carreira da Índia.
O que motivou a fixação portuguesa na Ilha de Moçambique? Quais os principais momentos que marcaram o seu crescimento entre os séculos XVI e XVIII? Que
condições fizeram dela a capital dos domínios portugueses na costa oriental africana?
Neste primeiro capítulo vamos procurar explorar estas questões atendendo sobretudo à
forma como as condições geográficas, ecológicas, humanas e socioeconómicas
enquadraram o desenvolvimento da Ilha e Terra Firme.
1.1. A Ilha de Moçambique na costa leste-africana (século XV e XVI)
A 2 de Março de 1498 a Ilha de Moçambique entrava indelevelmente na história
do império português. Nesse dia, a expedição comandada por Vasco da Gama em demanda da Índia fundeou no canal de Moçambique junto à Ilha de Goa, depois de já na
costa oriental africana ter escalado Quelimane e antes de rumar a norte com destino a
15
Lobato, 1988: p. 67.
9
Melinde. Na transição do século XV para o século XVI, a costa oriental africana integrava já a complexa rede comercial do Índico, do século XIII em diante de forma particularmente activa. Esta integração fez-se por via dos mercadores muçulmanos procedentes das regiões da península Arábica, do sub-continente indiano, da Indonésia e de
Madagáscar que, pelo menos desde o primeiro milénio d.C., ali se foram fixando16. Do
sucessivo entrecruzamento biológico e cultural entre estes e as populações africanas
nativas – maioritariamente, de matriz etnolinguística bantu – com as quais
estabeleceram relações familiares nasceram as populações suaílis, maioritariamente
islâmicas, que habitavam o litoral africano à época da chegada dos portugueses.
No século XV, a costa suaíli estendia-se ao longo da faixa litoral entre o Mar
Vermelho e Sofala17, pontuada por cidades e pequenas povoações fundadas, na maioria
dos casos, em ilhas próximas da costa e em zonas de confluência ou próximas das linhas
do comércio asiático com o sertão africano. De uma forma geral, enquanto as povoações
de maior dimensão actuavam como portos supra-regionais com ligação às principais
praças do Índico, as menores desempenhavam em relação a estas um papel de suporte
ao nível do abastecimento de produtos alimentares e outros18. E, enquanto o comércio
costeiro era dinamizado pelos mercadores suaílis, o comércio de longo-curso estava a
cargo dos referidos mercadores muçulmanos que ali traziam as contas19 e os têxteis
indianos, ambos produtos fundamentais para o resgate das mercadorias africanas dado o
papel social e político de que se revestiam em muitas comunidades leste-africanas en-
16
M.Lobato, 1998: p. 115; M.Lobato, 1996: p. 12; Rita-Ferreira, 1996: p. 31.
A maioria dos autores aponta a região de Sofala como o limite inferior da costa suaíli. Michael Pearson,
considera que esta se estenderia para além de Sofala chegando até Inhambane, v. Pearson, 2002: p. 69.
Sobre Sofala, v. Roque, 2012.
18
Newitt, 2004: p.21-22 e Lobato, 1988: p.67-68.
19
As contas eram usadas para adorno e confecção de tecidos e eram feitas em materiais tão diversos
como o vidro (neste caso, sendo designadas de velório ou avelório), pedra, concha, azeviche, madeira,
sementes, barro. Nos séculos XVII e XVIII, consoante as suas características, foram conhecidas por
diferentes designações. O termo missanga, por exemplo, parece referir-se apenas às contas de vidro
grosseiro originárias de Veneza, v. Torres (no prelo) (agradeço à Andreia Torres a consulta deste artigo
em versão ainda preliminar). Em 1758, Inácio Caetano Xavier dá conta desta variedade: “As joias são
compostas de missanga de diferentes cores, e sortes, e de mais estima, as que levão mistura de coral
meudo, e uzão tambem de alguãs de calaim”, Inácio Caetano Xavier, 1758: fl. 7v. As contas comerciadas
na costa oriental africana tinham duas origens principais: Veneza, de onde era remetida por via de Lisboa
e das naus da Carreira da Índia que escalavam a Ilha de Moçambique; e Surrate chegando através dos
mercadores baneanes. As contas de barro vidrado que também circulavam na região procediam de
Balagate, zona igualmente conhecida pela produção de fazendas grosseiras de algodão. Veja-se Antunes,
2001: p.132, Rodrigues, 2010a: p.106-107, Hoppe, 1970: p.260. Alexandre Lobato dá conta da recepção
dos diferentes modelos de contas pelas populações do sudeste africano em Lobato, 1960: p. 42-47.
17
10
quanto símbolos de poder utilizados em cerimoniais e no estabelecimento de alianças
familiares e políticas20.
No que à Ilha de Moçambique diz respeito, para séculos anteriores ao XI, presumível data da sua ocupação, a sua história é ainda em grande medida desconhecida. À
data de chegada de Vasco da Gama, ela constituía-se como um destes centros suaíli de
pequena dimensão que viviam na dependência de cidades mais dinâmicas como Quíloa,
Zanzibar e Sofala. Apresentava uma clara organização social e económica, sendo governada por um xeque – apontado como Mussa Ibne Biki – e tendo como principal actividade a construção e reparação navais. Segundo Malyn Newitt, esta era aliás a “raison
d’être” da Ilha21. Manuel Lobato, por seu lado, aponta-a, ainda no período suaíli, como
porto de escala quase obrigatória na rota do ouro, em consequência do desvio desta rota
do planalto zimbabweano em direcção a norte fazendo uso do Zambeze22. Fosse enquanto base naval ou enquanto escala na rota do ouro, no final do século XV era já evidente o lugar da Ilha de Moçambique como eixo de várias rotas marítimas e terrestres e
ponto de encontro das gentes e culturas que por elas circulavam. Uma condição adensada nos séculos posteriores, que determinou invariavelmente o seu devir e que, não por
acaso, é assinalada um pouco por todos os que sobre ela têm escrito23.
Para esta condição contribuiu a posição ocupada pela Ilha de Moçambique no
quadro da navegação do Índico oriental, a 15º 02’ 03’’ de latitude sul e 40º 44’ 09’’ de
longitude este, na que é hoje a província de Nampula. Escala intermédia para quem procede das regiões da Índia e Arábia e quer passar aos portos mais ao sul do litoral africano. E, ao contrário, paragem quase obrigatória para quem quer apanhar a monção de
sudoeste e rumar às penínsulas indostânica e arábica. Exactamente no ponto em que a
costa inflecte no sentido norte-sudoeste e se dá o voltear de monção que, praticamente
desde o início, levou a que nela invernasse um número expressivo de navios da Carreira
da Índia que chegavam com atraso à região24. Ou seja, assinalando “o fim da monção
20
Rodrigues, 2010a: p.106-107; Antunes, 2001: p.130-134.
Newitt, 2004: p.25.
22
M.Lobato, 1998: p. 115.
23
A condição de cadinho cultural da Ilha de Moçambique é bastante consensual entre os autores das mais
diversas áreas que a têm pensado ao longo dos tempos. Destacamos aqui, e apenas a título de exemplo,
quatro obras nas quais ela é manifestamente assumida: Oceanos, nº 25, Janeiro/Março, 1996, Angius e
Zamponi, 1999, Rodrigues, Rocha e Nascimento, 2009. Também Orlando Ribeiro partilhou desta
perspectiva descrevendo-a como “maravilhoso búzio onde ressoam todas as civilizações do Oceano
Índico”, v. Ribeiro, 1961: p. 198.
24
Cortesão, 1990: p. 632. Caso a passagem pelo Cabo não fosse feita até à primeira quinzena de Julho, as
naus perdiam a monção favorável que as conduzia à costa do Malabar sendo obrigadas a invernar na
costa oriental africana, onde a Ilha de Moçambique era o porto preferencial de paragem. Neste caso, a
21
11
para quem vinha da Índia e o início da nova monção para quem a ela quisesse regressar”, nas palavras de Manuel Lobato25.
Uma localização também privilegiada no que se refere à navegação de cabotagem, pois estando situada “quase ao meio de toda esta costa oriental (…) podia acudir
com facilidade a todos os lugares da sua dependência”. Ademais, naturalmente dotada
de um “porto excelente” onde podiam ancorar “navios de toda a grandeza”, a Ilha tornou-se eixo fundamental na articulação do comércio com os portos próximos da mesma
costa e, bem assim, com portos mais longínquos do Índico, Europa e América 26. Em
suma, condições geográficas singulares que a transformaram numa das principais cidades-porto27 do Estado da Índia ao longo da época moderna.
No continente fronteiro, Cabaceira Pequena (a nordeste), Cabaceira Grande (a
norte), Mossuril (a noroeste), Lumbo (a oeste) e Sancul (a sudoeste) formam a baía de
Mossuril à entrada da qual se localiza a Ilha de Moçambique28, separada daquele por
escassos três quilómetros e meio e orientada no sentido nordeste-sudoeste na linha de
junção das pontas de terra que a limitam, Cabaceira Pequena e Sancul. Baía alongada,
de costa intensamente recortada e repleta de esteiros que são também magníficos pesqueiros. Serve de porto seguro a pequenas embarcações de fundo raso como, por exemplo, os tradicionais pangaios que sulcam as águas da costa oriental africana. Contudo, os
numerosos bancos de coral que a pontuam dificultam a passagem a embarcações de
maior calado como as naus. A estas servia-lhes de ancoradouro natural, e quase sempre
livre de perigos, um canal com cerca de quatrocentos metros de largura máxima e qua-
escala prolongava-se por quase um ano pois a viagem só poderia ser completada no mês de Maio
seguinte, v. Albuquerque, 1978.
25
M.Lobato, 1998: p.115.
26
Cit.: Carta do procurador da Fazenda Real Pedro da Cunha para o secretário de Estado D. Rodrigo de
Sousa Coutinho, 9.Out.1800, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 86, doc. 22 e Albuquerque, 1978: p.7.
27
A Ilha de Moçambique é aqui referida como “cidade-porto” com base no facto do seu desenvolvimento
se ter ficado essencialmente a dever à sua localização próxima de um porto natural que depois se
transformou num relevante porto comercial, v. Biedermann, 2009 apud Kidwai, 1992: p. 25-26. São
vários os autores que vêm perspectivando a Ilha de Moçambique na condição de “cidade-porto”, casos de
Michael Pearson, Malyn Newitt, Isabel Macieira e Eugénia Rodrigues, v. Pearson, 2002; Newitt, 2004 e
2008; Macieira, 2007; Rodrigues, 2010.
28
Em corpo de texto indicam-se apenas as localidades de maior dimensão que rodeiam a baía de
Mossuril. Acrescentam-se aqui as demais pequenas localidades que, em conjunto com as anteriores, a
compõem. De norte para sul, são elas: Cabaceira Pequena, Cabaceira Grande, Murengulo, SemIlha,
Mapeta, Namecanbe, Mondero, São João, Mossuril, Mingorine, Apaga-fogo, Naavara, Iremba, Lumbo,
Bela Vista, Ponta Quisumba e Sancul – cf.: Moçambique: carta hidrográfica do porto de
Moçambique/Missão Hidrográfica de Moçambique (1933), 2ª Edição, escala 1: 25000. Lisboa: Instituto
Hidrográfico, 1975, SGL, 7-C-57 e Hoppe, 1970: p. 71.
12
renta metros de profundidade situado entre a Ilha e a ponta de São João, na direcção
sueste-noroeste29.
A sul da Ilha, acessível a pé na baixa-mar, localiza-se o ilhéu de São Lourenço
onde, no final do século XVI, foi levantado um pequeno forte da mesma invocação, em
posição complementar à fortaleza de São Sebastião, cuja construção foi iniciada na década de 155030. Próximas, mas já fora da baía, encontram-se as ilhas de Goa (ou de São
Jorge, orientada a este em relação à Ilha) e de Sena (ou de São Tiago, localizada a sudeste). Um pouco mais longe, na direcção nordeste, encontram-se as ilhas de Sete Paus,
Injaca e Injaca Pequena. Madagáscar – ou ilha de São Lourenço, como era denominada
pelos portugueses no século XVI –, a cerca de 440 quilómetros na direcção sudeste, tem
a Ilha de Moçambique como o ponto do continente africano mais próximo31.
A Ilha mede uns meros três Km de comprimento máximo por 350 metros de
largura média e 500 metros de máxima, o que perfaz uma área de cerca de um Km2.
Segundo o governador-geral Isidro de Almeida Sousa e Sá (1801-1805), com um
comprimento de passo de vinte e quatro polegadas, era possível percorrer o seu
perímetro em apenas 1½ hora32. De origem coralina, apresenta um solo arenoso,
relativamente plano, pobre em vegetação natural e fontes de água. Uma situação que
contrasta com a região continental onde os terrenos são mais férteis e a paisagem é hoje
dominada por vastos palmares, hortas e árvores de fruto33. A sua exiguidade e
esterilidade, por contraponto à maior abundância da Terra Firme, levou a que entre
ambas se estabelecesse uma relação de grande proximidade.
Com efeito, habitar a Ilha dependeu sempre do fornecimento de alimentos e
água do exterior, quer das terras ao redor da baía de Mossuril, quer de pontos mais
distantes como os Rios de Sena, Sofala, Inhambane, ilhas Querimbas (ou Cabo
Delgado), Madagáscar e ilhas Mascarenhas. Esta dependência, já visível no período
suaíli, foi continuada e intensificada no período português. Inclusive, para Alexandre
Lobato, “a ocupação das terras firmes não teve inicialmente outra razão de ser” que não
29
Brito, 1997: p. 213-214; Roque, 1999: p. 47-49; M.Lobato, 1998: p. 25.
Inicialmente o forte chamar-se-ia de Santo António tendo sido renomeado de São Lourenço quando
outro forte dedicado a Santo António foi construído na zona sudeste do recinto insular já no século XIX,
v. Rodrigues, Rocha e Nascimento, 2009: p. 72-75.
31
Brito, 1997: p. 213-214; Newitt, 1983: p. 142; Moçambique: carta hidrográfica do porto de
Moçambique/Missão Hidrográfica de Moçambique (1933), 2ª Edição, escala 1: 25000. Lisboa: Instituto
Hidrográfico, 1975, SGL, 7-C-57.
32
Brito, 1997: p. 213; Rodrigues, Rocha e Nascimento, 2009: p. 129.
33
Rodrigues, 2010 e Carta do governador-geral Isidro de Almeida e Sá para o secretário de Estado, AHU,
Cons. Ultr., Moç., 25.Jul.1802, cx. 93, doc. 97.
30
13
a de abastecer de frescos a pequena, seca, estéril e rochosa Ilha de Moçambique34. De
forma breve, procuremos então conhecer a Terra Firme através dos testemunhos dos que
nela viveram ou dos que a conheceram à época.
34
Lobato, 1945: p. 137.
14
Mapa 2 – A Terra Firme em 1802
José Amado da Cunha, Carta Plana de Mossuril e Cabaceiras, 1802, AHU, CARTm, 064, D. 557
15
1.2. A Terra Firme no século XVIII
Seguindo de norte para sul em redor da baía de Mossuril, a primeira das principais povoações portuguesas da Terra Firme era a Cabaceira Pequena, localizada no
braço de terra que se estende obliquamente a oeste em relação à Ilha e cujos terrenos, de
natureza estéril e alagadiça, eram descritos como pouco férteis e nos quais apenas se
cultivavam alguns coqueiros. De acordo com Luís Vicente de Simoni, físico-mor da
capitania entre 1819 e 1821, ali existia à época uma pequena aldeia habitada por pescadores suaílis35. O número de habitantes entendidos como portugueses seria inexpressivo
mesmo em décadas anteriores. A Cabaceira Pequena sequer é referida na Relação dos
Moradores Portugueses que assistem em Moçambique e seus distritos (1757) e, em
1802, nela apenas viviam três habitantes cristãos36. Embora não se tratasse de uma
freguesia, dispunha desde a primeira metade do século XVIII da igreja de São João
Baptista, erigida em pedra e cal cerca de 176637.
À Cabaceira Pequena seguia-se a Cabaceira Grande localizada a uma distância
de quatro a cinco quilómetros da Ilha. Era a segunda povoação portuguesa mais importante da Terra Firme sendo também freguesia da invocação de Nossa Senhora dos Remédios da Cabaceira38. Ainda segundo Luís Vicente de Simoni, era a mais sadia da
povoações continentais. O seu solo, arenoso mas fértil, produzia “boa fruta” encontrando-se a costa da baía de Mossuril quase toda coberta por coqueiros, mangueiras e
cajueiros enquanto, no extremo oposto, a costa da baía de Condúcia era quase toda
“mato virgem”39.
Caminhando para sul, depois de passar as praias da Mapeta e de São João chegava-se ao “dilatado Mossuril” separado da povoação seguinte, o Lumbo, por um estreito canal estreito, o rio de Mossuril40. Apesar de ser considerada pouco saudável de35
Sebastião José Botelho, Memoria Estatistica (1833): p. 339 e Luís Vicente de Simoni, Tratado Medico
(1821): fl.32. Sobre Luís Vicente Simoni e o Tratado Medico sobre Clima e Enfermidades de
Moçambique, v. Rodrigues, 2006.
36
“Relação dos moradores portugueses” (1757) e “Mappa do Numero dos Habitantes Christaons, que
possuem nas terras do Lumbo, Ilha de Battû, Calundi, Apagafogo, Ampapa, Monsuril, Mapeta, Cabaceira
Grande, e Cabaceira piquena, Cazas, fazendas Escravos, e da Gente livre, e Feitores, que há nas ditas
terras, as quaes são fronteiras a Ilha de Mossambique”, 20.Ago.1802, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 96,
doc. 62.
37
Rodrigues, Rocha e Nascimento, 2009: p. 131.
38
Relações do número de habitantes da capitania de Moçambique, 24.Ago.1790, AHU, Cons. Ultr., Moç.,
cx. 61, doc. 12 e Rodrigues, Rocha e Nascimento, 2009: p. 140.
39
Luís Vicente de Simoni, Tratado Medico (1821): fls. 32-32v.
40
Cit. Joaquim José Varela, “Descrição da Capitania de Moçambique…” (1788): p. 285; Luís Vicente de
Simoni, Tratado Medico (1821): fl. 32v.
16
vido à natureza alagadiça dos seus terrenos, na segunda metade do século XVIII Mossuril era a principal povoação portuguesa. Cerca de 1766, por iniciativa do governadorgeral Baltasar Pereira do Lago (1765-1779), ali foi construída uma casa apalaçada para
recreio e residência de Verão dos governadores-gerais. O complexo incluía uma cisterna
com capacidade para cerca de duas mil pipas de águas, uma horta, um pomar e uma
igreja dedicada a Nossa Senhora da Conceição, padroeira que também dava o nome à
freguesia41.
Mossuril, até então desprovida de água, passou a partir daí a ser a povoação mais
habitada. Em 1821, segundo Simoni, encontrava-se “cheio de casas e fazendas”. Mossuril passou a ser o lugar da Terra Firme preferido pelos insulares para a construção das
suas habitações o que se explicava pela proximidade à casa de veraneio dos governadores, mas sobretudo pelo “motivo de ser a chave do comercio do sertão” onde se realizava aquela que, na transição do século XVIII para o XIX, se tornou na maior feira de
escravos da região42. O oficial britânico Henry Salt de passagem pela Ilha em 1809
apontava também como explicação a suposta protecção conferida pela fortaleza de São
José43, implantada no limite interior de Mossuril no local “por onde os macuas costumam invadir esta povoação”44.
Na generalidade, a Terra Firme foi considerada por Joaquim José Varela como
um local bastante aprazível: “as povoações continentais formam hum paiz bem
agradável pelos infinitos palmares que bordam as terras em grande distancia; há
abundancia de mangueiras, de cajueiros, de que estilam muito caju, bons pomares de
laranja da China, mimosas limas doces, limoeiros, romeiras, e cidreiras de que
abundam; faz todo o país bem vistoso na estação de seus frutos”45. A transferência do
41
Luís Vicente de Simoni, Tratado Medico (1821): fl. 32v; Joaquim José Varela, “Descrição da Capitania
de Moçambique…” (1788): p. 286-287; Rodrigues, Rocha e Nascimento, 2009: p. 128-129.
42
Luís Vicente de Simoni, Tratado Medico (1821): fl. 32v.
43
Precisamente como forma de conter os ataques macuas, o governador-geral Francisco de Melo e Castro
(1750-1758) ali mandou levantar um forte de faxina. Perante o estado de ruína em que se encontrava,
cerca de 1776, o governador-geral Baltasar Pereira do Lago reconverteu-o numa fortaleza de pedra e cal,
protegida por um fosso e equipada com casa de oficiais, quartel para soldados e auxiliares, armazém,
prisão, cozinha e ermida. Em 1802, a construção encontrava-se novamente bastante destruída prevendo o
governador-geral Isidro de Almeida e Sá gastar na sua recuperação entre 10 a 12 mil cruzados, v. Carta
do governador-geral Baltasar Pereira do Lago para o secretário de Estado, AHU, Cons. Ultr., Moç.,
20.Ago.1775, cx. 31, doc. 47; Carta do governador-geral Isidro de Almeida e Sá para o secretário de
Estado, AHU, Cons. Ultr., Moç., 25.Jul.1802, cx. 93, doc. 97; Rita-Ferreira, 1982: p. 158-160; Rodrigues,
Nascimento e Rocha, 2009: p. 133-134. Para a localização da fortaleza ver, por exemplo, Gregório
Taumaturgo Brito, Carta Topográfica da Ilha de Mossambique, 1754.
44
Henry Salt, A voyage to Abyssinia (1814): p. 44 e cit. Joaquim José Varela, “Descrição da Capitania de
Moçambique…” (1788): p. 287.
45
Joaquim José Varela, “Descrição da Capitania de Moçambique…” (1788): p. 285-286.
17
centro urbano para o continente chegou inclusive a ser equacionada como forma de
estimular o crescimento geral da capitania de Moçambique mas, face à instabilidade
militar da região, a protecção oferecida pela insularidade revelou-se uma enorme
vantagem46.
Com efeito, a geografia foi, se não o mais, um dos mais importantes agentes da
história da Ilha de Moçambique, simultaneamente condicionando e acondicionando o
seu desenvolvimento. Se, por um lado, a insularidade impôs o seu isolamento físico face
à Terra Firme contígua e a exiguidade limitou o seu crescimento, por outro, a condição
de escala fundamental à navegação e excepcional base naval para a época fizeram dela
um elemento central da economia do império português entre os séculos XVI e XVIII47.
E foi esta dupla realidade geográfica que enformou a construção das realidades políticas, sociais e económicas da Ilha ao longo do período moderno. Realidades sobre as
quais nos debruçaremos em seguida.
1.3. A Ilha de Moçambique na costa leste-africana (séculos XVI-XVIII)
Já evidente no período suaíli, a ligação entre a Ilha e a Terra Firme irá crescer
para uma relação de grande interdependência sob domínio português, nomeadamente
em consequência da sua afirmação como centro político e económico dos territórios
portugueses na África oriental e com o notável desenvolvimento urbano que experimentou a partir de meados do século XVIII em resultado das medidas tendentes a reafirmar a capitania de Moçambique e Rios de Sena no conjunto do empreendimento colonial português. Desde logo, a passagem para administração directa de Lisboa, o
estabelecimento da liberdade de comércio nos portos moçambicanos a todos os súbditos
do império português, a elevação da praça a vila dotada de câmara e o significativo
aumento do tráfico negreiro nos seus portos sobretudo nas últimas décadas do século
XVIII48. Estes são alguns dos momentos que acompanharemos mais adiante neste
capítulo. Antes, porém, atentemos nas estruturas políticas, sociais e económicas que se
revelam fundamentais para percebermos a Ilha de Moçambique da segunda metade do
século XVIII.
46
António Pinto de Miranda, “Memória sobre a Costa de África…” (1766): p. 272-273 e Rodrigues,
2010.
47
Rodrigues, 2010 e Lobato, 1988: p. 67.
48
Capela, 2008: p. 117 e Capela, 2002: p. 138-140.
18
1.3.1. Séculos XVI a XVIII
Após um primeiro período de contactos esporádicos, a Ilha de Moçambique foi
permanentemente ocupada pelos portugueses em 1507, depois de, em 1506, a Coroa
portuguesa ter decidido criar duas feitorias e fortalezas em Quíloa e Sofala, à época dois
dos principais centros de comércio do Índico africano, nomeadamente do comércio aurífero. Na Ilha os portugueses instalaram uma feitoria, construíram uma primeira
estrutura fortificada (a torre de São Gabriel49), uma igreja, um armazém para abrigo de
mercadorias e um hospital50. Nos anos seguintes, Quíloa foi abandonada (1513) e Sofala
afirmou-se como o centro mercantil, naval e administrativo dos interesses portugueses
no sudeste africano.
Se até à década de 1530 permaneceu na dependência de Sofala, a partir daí a
Ilha foi crescendo associada às condições de porto oceânico e de interface comercial
com outras cidades da costa suaíli, do Mar Vermelho e Índia Ocidental, assim como
com o sertão moçambicano51. Passou a ser escala preferencial da Carreira da Índia – e
muitas vezes a única – para reabastecimentos, reparação das embarcações e descanso
das tripulações52. Em meados do século XVI, João de Barros referia que a Ilha de
Moçambique “he hoje a maes nomeada escala de todo o mundo, e per frequentação a
maior que tem os Portugueses”. Na mesma cronologia, Malyn Newitt aponta-a como a
mais importante base naval da Carreira da Índia para além de Goa. Segundo Luís de
Albuquerque, até à década de 1610, as armadas da Índia só não a escalavam em circunstâncias excepcionais53.
Em seu desfavor a Ilha tinha, por um lado, uma elevada taxa de mortalidade sobretudo decorrente de, na sua maioria, as armadas da Índia terem ali a primeira paragem
após cinco a seis meses de viagem em más condições sanitárias e de alimentação. Por
outro, a presença de correntes, baixios e rochedos mal conhecidos e uma cartografia
49
Tratava-se de uma pequena estrutura defensiva de matriz medieval que, mais do que a uma fortaleza, se
assemelhava a uma torre abaluartada. Considerada obsoleta, foi substituída pela fortaleza de São
Sebastião (c.1558-1583), mais adequada à importância da praça e mais preparada para dar resposta às
investidas militares que se perspectivavam face à crescente ameaça turca. A fortaleza de São Sebastião foi
construída no extremo noroeste da Ilha, à entrada da barra de acesso à baía do Mossuril e terá ficado a
dever o seu projecto ao arquitecto Miguel de Arruda baseado num plano prévio de D. João de Castro.
Acerca do desenvolvimento urbano da Ilha de Moçambique desde a fixação portuguesa até ao século
XVIII, veja-se: Macieira, 2007.
50
Newitt, 2009: p. 19 e Roque, 1999: p. 54.
51
Newitt, 2009: p. 18-27 e Newitt, 2004: p. 25.
52
De entre a bibliografia dedicada à Ilha de Moçambique enquanto escala da Carreira da Índia veja-se,
por exemplo, Boxer, 1961 e Domingues, 1989.
53
Newitt, 2004: p. 29 e Newitt, 2008: p. 115; Albuquerque, 1978: p. 7.
19
ainda incipiente da região levavam a que, por vezes, fosse seguida a viagem por fora,
pelo Índico central, sem tocar o litoral africano. Porém, fazer escala na Ilha de Moçambique possibilitava a comunicação directa e regular entre Lisboa e os domínios portugueses da África oriental e, sobretudo, constituía-se como uma proveitosa oportunidade
de negócio privado para o oficialato e equipagem das armadas da Índia. Condições que
se revelaram essenciais ao seu crescimento e à sua afirmação política na segunda metade do século XVI54.
Na década de 1530, depois de um período em que dividiu com Sofala a condição
de centro dos interesses portugueses na região, a Ilha foi escolhida para residência permanente dos capitães de Sofala e Moçambique. A partir daí, para além de base naval,
passou também a ser a capital política e administrativa portuguesa e o centro do comércio praticado na região55. Como forma de tornar viável a sua própria presença, os
portugueses passaram a explorar os circuitos do comércio costeiro desde há longo
tempo montados pelos mercadores suaílis56. Ao longo do século XVII, em consequência
da fixação marave no continente interior compreendido entre a Ilha de Moçambique e a
margem esquerda do Zambeze, da ocupação do sertão próximo pelas populações macuas e do redireccionamento das rotas do marfim, cresceram de forma expressiva os
trânsitos comerciais na região envolvente à Ilha, a qual se constituiu no entreposto de
origem e destino de um largo número de rotas que a ligavam, quer aos portos vizinhos,
quer às ilhas próximas do Índico, quer à vasta região do vale do Zambeze onde se situavam os principais mercados abastecedores do ouro e do marfim. Os portugueses participavam mas este comércio continuou a ser dominado pelos suaílis57.
Com o intuito de aumentar a participação neste comércio, logo desde a segunda
metade do século XVI, os portugueses ensaiaram a penetração pelo interior e o reconhecimento do litoral africanos. Assim se estabeleceram nas ilhas Querimbas, a norte,
passaram a negociar a sul ao largo de Inhambane e da baía de Lourenço Marques e fundaram as povoações de Quelimane (1544), Sena e Tete (ambas c.1561) ao longo do
Zambeze58. A maioria, regiões com as quais já haviam entrado em contacto por via do
54
Boxer, 1961: p. 98-100; Domingues, 1989; Guinote, 1999.
Capela, 1995: p. 16; Newitt, 2004: p. 29; Newitt, 2009: p. 108.
56
Thomaz, 1998: p. 179; Subrahmanyam, 1995: p. 85-86; Lobato, 1988: p. 69.
57
Mbwiliza, 1991: p. 25-26
58
Lobato, 1988: p. 69-70; Newitt, 2009: p. 110 e 119; Capela, 2008: p. 122. Ao longo de Seiscentos o
vale do Zambeze era conhecido por Rios de Sofala ou Rios de Cuama. No século XVIII, a região passou a
ser designada por Rios de Sena e, a partir de meados do século XIX até aos nossos dias, por Zambézia.
55
20
comércio, nomeadamente do comércio aurífero praticado com os estados karanga do
Monomotapa (Mukaranga), Manica e Quiteve localizados no planalto a sul daquele rio.
A demanda do ouro, do marfim e, em particular, da prata que ali existia ou se supunha
existir – produtos imprescindíveis para a participação portuguesa nas redes mercantis
interasiáticas – estiveram na base dos programas de territorialização promovidos pela
Coroa portuguesa na segunda metade do século XVI e no decurso da centúria seguinte,
nomeadamente no vale do Zambeze59.
Por conquista ou aliança com os chefes africanos locais em troca de auxílio militar, e ainda que por vezes apenas a título formal, os portugueses acabaram por dominar
um território que se estendia até cerca de 120 léguas ao longo do Zambeze60. Terras que
a Coroa portuguesa incorporou como suas e que passou a aforar aos seus súbditos sob
um regime híbrido que aliava aspectos jurídicos da enfiteuse e da doação de bens da
Coroa, geralmente por um prazo de três vidas e mediante o cumprimento de determinadas obrigações como o pagamento de um foro e a prestação de serviços militares. Os
designados prazos da Coroa tornaram-se a base do poder e estatuto social dos seus detentores, os quais formaram a elite dos Rios de Sena. Não tendo um carácter obrigatório,
a concessão e sucessão destas terras em mulheres tornou-se uma prática comum, em
grande medida, como expediente para atrair colonos masculinos de origem ou de ascendência europeia. De forma inusitada no império português, as donas dos prazos da
Zambézia alcançaram assim uma posição de grande influência política, económica e
social61.
No caso da Ilha de Moçambique, uma ocupação mais efectiva do continente
fronteiro poderá também ser compreendida no âmbito deste movimento de territorialização. Se não incluída numa agenda oficial portuguesa, como resultado do seu dinamismo na transição do século XVI para o século XVII enquanto centro articulador de
um comércio crescente entre a costa leste-africana e o sub-continente indiano. A comunidade portuguesa, a início maioritariamente composta pelo pessoal político e militar ao
serviço da coroa e, de forma temporária, pelas tripulações das armadas da Índia, aumentou de forma progressiva ao longo de Quinhentos. Sob a designação genérica de
Abarcava parte da actual província com o mesmo nome e das províncias de Tete, Manica e Sofala, v.
Rodrigues, 2000 e Capela, 2008: p. 119.
59
Sobre os projectos comerciais e de territorialização associados à exploração das minas de ouro e prata
empreendidos pela coroa portuguesa, v. Axelson, 1969; Ames, 1998.
60
Newitt, 2009: p. 97-99 e Rodrigues, 2000.
61
Rodrigues, 2002: p. 167-178, 236-241.
21
moradores ou casados, passou a incluir a população civil de origem portuguesa mas
também indianos, luso-indianos e mestiços (descendentes de casamentos remotos de
reinóis e indianos com africanas) e assumiu-se como a elite insular nos séculos seguintes precisamente na ligação ao comércio e na exploração agrícola das terras continentais62.
A ocupação portuguesa da região continental fronteira cingiu-se, contudo, a uma
estreita faixa litoral uma vez que este era um espaço fortemente disputado pelas populações suaílis – os “mouros” das fontes portuguesas – e macuas que o habitavam, já antes
aliás dos portugueses ali se fixarem. A efectivação da presença portuguesa implicou o
rearranjo dos espaços ocupados por estas populações e a reconfiguração das rotas e dos
centros mercantis africanos. Desde logo, a comunidade suaíli instalada na Ilha à data da
chegada dos portugueses transferiu-se para o continente onde fundou as povoações de
Sancul – junto à baía de Mocambo, localizada a sul da baía de Mossuril – e Quitangonha – a norte, na baía de Condúcia, região também conhecida por Matibane ou Mosembé63. Para além de Sancul e Quitangonha, outros núcleos populacionais islamizados
foram fundados ou redinamizados na sequência da fixação portuguesa, casos de Moma,
Sangage, Bajone e Angoche64 (v. Mapa 1).
62
Lobato, 1945: p. 9-12; Rodrigues, 2010; Newitt, 2004: p. 32.
Newitt, 2004: p. 31, 33-34; Rita-Ferreira, 1982: p. 91-92, 157-158; Rodrigues, 2006a: p. 60; Hakfin,
1973: p. vi-vii, 8-10.
64
Newitt, 2008: p. 112; Newitt, 2004: p. 27, 33-34; Boxer, 1961: p. 111.
63
22
Mapa 3 – A Ilha de Moçambique e a Macuana
Alpers, 1975: p. 154
Desde sempre conectado com as rotas de longo-curso do Índico e, a partir de
Quinhentos também com as europeias, só no decurso do século XVIII com a participação nos circuitos do tráfico negreiro o sistema comercial do sudeste africano ganhou
uma dimensão transatlântica. Embora a compra e venda de escravos na região da Ilha de
Moçambique decorresse já em séculos anteriores ao XVI – praticada por suaílis e, a
partir desta data, também por portugueses –, um volume de negócios regular e sistemático só foi atingido de 1770 em diante por via do aumento do trato com as colónias francesas do Índico e, posteriormente, com a América portuguesa65.
Desde as ilhas Mascarenhas onde estavam estabelecidos – Bourbon (actual Reunião, 1642) e ilha de França (actual ilha Maurício, 1714) –, mas também como intermediários de Madagáscar, os franceses levavam mantimentos (sobretudo arroz) que trocavam por escravos. Datam de 1720 as primeiras abordagens à costa moçambicana em
demanda de escravos por parte dos franceses66. Grosso modo, entre 1720 e 1770 as demandas francesas acompanharam a dicotomia entre a necessidade de mão-de-obra para
o desenvolvimento nas Mascarenhas de uma economia de plantação baseada nas culturas do café, açúcar e algodão e a resistência das autoridades portuguesas a este tráfico.
65
Hafkin, 1973: p. x, 25-26 e Capela, 2002: p. 27-48.
O tráfico de escravos praticado pelos franceses na África oriental entre 1721 e 1810 é aprofundado por
Edward Alpers e por Jose Capela, v. Alpers, 1970 e Capela, 2002: p. 31-54, respectivamente.
66
23
A compra de escravos era então esporádica e feita com a cumplicidade de alguns dos
governadores-gerais que, contra as ordens de Lisboa, facilitavam a entrada dos navios
franceses na Ilha ou por contrabando com as chefaturas macuas, suaílis e patamares
portugueses nos pequenos portos e baías do litoral próximo.
De 1771 a 1784 a prática vulgarizou-se, os franceses afirmaram a sua presença
na região e alargaram-na às Querimbas. A partir de 1785, novas directrizes do secretário
de Estado da Marinha e Negócios Ultramarinos Martinho de Melo e Castro tornaram
legal a venda de escravos a troco de mantimentos limitada, no entanto, ao porto da capital67. A medida promoveu a expansão do tráfico francês que viveu o seu auge no período seguinte, entre 1785 e 1794. Segundo José Capela, um primeiro pico foi atingido
em 1789 com uma exportação de escravos superior à dezena de milhar. A partir de
1794, actividade negreira francesa no leste-africano sofreu perturbações pontuais em
consequência do alargamento das guerras napoleónicas ao Índico. O tráfico com a América Portuguesa, porém, crescia de importância68.
Embora os primeiros resgates de escravos nos portos moçambicanos com destino
ao Brasil recuem a 1645, até às ultimas décadas de Setecentos a demanda brasileira
manteve-se esporádica e irregular só se tornando significativa nas primeiras décadas de
Oitocentos após a instalação da corte no Rio de Janeiro (1808) e a instauração da liberdade de navegação directa entre todos portos ultramarinos (4 de Fevereiro de 1811)69.
Lisboa procurava promover as ligações comerciais entre Moçambique e o Brasil como
forma de aumentar as receitas aduaneiras da colónia africana e dotar de mão-de-obra a
colónia americana. Designadamente, desde 1769 que os mercadores brasileiros
traficavam na Ilha de Moçambique. Na prática, porém, uma série de circunstâncias
obstavam a este comércio70.
Por comparação com a costa ocidental, a viagem à costa oriental africana oferecia
mais perigos. Sendo mais demorada incorria, por isso, em taxas de mortalidade mais
67
As directrizes datam de 19 de Abril de 1785 mas só começaram a ser implementadas a partir de 1787.
O secretário de Estado Martinho de Melo e Castro instruiu o governador-geral António de Melo e Castro
(1786-1793), a fazer crer que aquela havia sido uma decisão sua, de maneira a que o comércio com os
franceses continuasse sem que fosse violada a lei geral que proibia a entrada de navios estrangeiros nos
portos ultramarinos, v. Alpers, 1970: p. 111-112 e Capela, 2002: p. 46.
68
Capela, 2002: p. 31-54.
69
Florentino, Ribeiro e Domingues da Silva, 2004. Pelas leis régias de 8.Fev.1711 e 5.Out.1715 estavam
proibidos os negócios com navios de outros estados europeus nos portos ultramarinos, excepto para
refúgio de intempéries, reparações urgentes ou extrema necessidade alimentar, v. Hoppe, 1970: p. 265266.
70
Rodrigues, 2011 e Capela, 2002: p. 140.
24
elevadas. Ademais, dada a proximidade geográfica e relações comerciais já consolidadas, os mercadores fixados na capital privilegiavam o contacto com os franceses71. Os
efeitos político-militares da guerra europeia no Índico foram contornados através de
navios de pavilhão neutro e do comércio dos escravos de Moçambique através das
Comores e das Seicheles 72. Ainda assim, provavelmente em virtude de uma conjuntura
comercial mais instável e do fortalecimento das redes que ligavam as costas oriental
africana e americana, o tráfico transatlântico foi adquirindo maior relevo. Do Rio de
Janeiro partiram cerca de quinze expedições com destino à Ilha de Moçambique entre
1795 e 1811. E, em sentido contrário, entre 1798 e 1810, pelo menos dezassete embarcações moçambicanas foram enviadas para a América portuguesa e espanhola73. O
período seguinte, de 1811 em diante, é apontado por Manolo Florentino como de consolidação da costa oriental africana como a “grande fonte abastecedora do Brasil” com
as exportações afro-orientais a conhecerem um ritmo de expansão muito superior ao das
exportações dos portos da costa atlântica74.
O desenvolvimento do tráfico de escravos foi, com efeito, a via pela qual então
se fez a integração da economia de Moçambique na economia do império português e a
circunstância que possibilitou a formação de um pequeno grupo de mercadores residentes na Ilha de Moçambique com capacidade financeira para participar no comércio de
longa distância. Conforme José Capela, este último era um objectivo desde há muito
intentado por Lisboa. O que se pretendia, diz, “era um grupo estabelecido na Ilha de
Moçambique, senhor de armação própria, que resgatasse a capitania da dependência em
que se mantinha das praças indianas. Isto é, que aí se fizesse a acumulação de capital
sem o qual a independência administrativa de Moçambique seria uma ficção e nulo o
seu contributo para o projecto colonial”75.
Em traços largos, debruçámo-nos a sobre a economia leste-africana e as redes
comerciais da Ilha de Moçambique entre os séculos XVI e XVIII. Centremo-nos agora
nos principais acontecimentos e na conjuntura política do século XVIII fazendo, a espaços, incursões em períodos anteriores para explicitar algumas questões deixadas em
aberto. Como se posicionaram as autoridades portuguesas perante os múltiplos actores
71
Carreira, 2005.
Capela, 2002: p. 48-54.
73
Florentino, Ribeiro e Domingues da Silva, 2004 e Carreira, 2005.
74
Florentino, Ribeiro e Domingues da Silva, 2004: p. 93-96.
75
Capela, 2002: p. 141.
72
25
político-económicos em cena na região? Que medidas foram tomadas no sentido de
consolidar a presença portuguesa? Quais as consequências destas medidas?
1.3.2. A autonomia do Estado da Índia: principais transformações políticas,
económicas e sociais
Por decreto régio de 19 de Abril de 1752 a capitania de Moçambique e Rios de
Sena foi subtraída à jurisdição do Estado da Índia e colocada sob administração directa
do Conselho Ultramarino e da secretaria de Estado da Marinha e dos Negócios Ultramarinos. Quatro dias mais tarde, a 23 de Abril de 1752, um aditamento ao decreto anterior
criava o governo-geral de Moçambique e Rios de Sena. Conforme anunciava o próprio
diploma, a medida visava combater a “prezente decadência do Governo de Mossambique”, baseava-se na suposição de que para isso “seria mais conveniente separa-lo do de
Goa para seu restabelecimento”76 e é consensualmente encarada como um ponto de
viragem na história da África oriental portuguesa pela historiografia que a ela se dedica77. Era o princípio do fim da subordinação política e administrativa de quase dois
séculos e meio, iniciada em 1505 com a criação do Estado da Índia e durante a qual a
região se afirmou como uma das mais relevantes para o império português enquanto
vértice indispensável do sistema comercial mantido pelos portugueses no Índico.
Uma condição que, aliás, havia muito lhe valia o assédio das potências europeias
e asiáticas. Logo em 1604, escassos dois anos após ter sido criada, a Vereenigde OostIndische Compagnie (VOC) fez uma primeira abordagem à Ilha de Moçambique
colocando-a sob cerco militar pouco depois, em1607 e 160878. Apesar da violência dos
confrontos e da destruição parcial do espaço urbano, os portugueses conseguiram suster
as ofensivas neerlandesas graças à protecção prestada pela fortaleza de São Sebastião e
ao apoio dispensado pelas comunidades africanas e suaílis vizinhas. Desde meados do
século XVI, com a construção dos equipamentos defensivos – nomeadamente a
fortaleza de São Sebastião, considerada a segunda maior do Estado da Índia – e o
estacionamento de um contingente previsto de cerca de sessenta homens, a Ilha passou
também a ser o centro do poder militar português na África oriental79. Frustrada a
pretensão de ali se fixarem, os neerlandeses acabaram por se instalar junto ao cabo da
76
Apud Hoppe, 1970: p. 63.
Cf.: Lobato, 1957 e 1989 e Hoppe, 1970. Também a historiografia mais recente se serve do ano de
1752 como ferramenta analítica para pensar a evolução histórica da região, veja-se por exemplo: Araújo,
1992; Rodrigues, 2003; Wagner, 2007; Antunes e M.Lobato, 2006; Capela, 2008.
78
Sobre os cercos neerlandeses à praça de Moçambique, v. Durão, 1952 e Axelson, 1969.
79
Newitt, 2008: p. 115-117, 119; M.Lobato, 1996: p. 20-21; Newitt, 2009: p. 169-170.
77
26
Boa Esperança, em 1652, e ao longo do século seguinte tentaram repetidamente
conquistar bases territoriais sólidas no litoral africano a partir das quais pudessem impor
o seu próprio comércio80.
Em igual período, o mesmo era tentado por franceses que, por via da Compagnie
française pour le commerce des Indes orientales, se estabeleceram na ilha de Bourbon
(actual Reunião, em 1642) e em Madagáscar (Fort Dauphin, 1649), e por ingleses, designadamente através da East India Company (EIC) cujas embarcações usavam o porto
de Anjouan (arquipélago das Comores) como escala de descanso e negócios. Para além
das potências europeias, os portugueses enfrentavam também os árabes omanitas da
dinastia Yarubi (1624-1738) os quais, após tomarem Mascate em 1650, ensaiavam expandir-se às costas ocidental indiana e africana do Estado da Índia oriental.
A Ilha de Moçambique e as Querimbas foram cercadas na década de 167081.
Mombaça, que havia sido conquistada em 1590 ante a ameaça turca e albergava uma
pequena comunidade portuguesa de solteiros ligados ao comércio, um corpo militar
estimado em cerca de 100 homens adstrito à fortaleza de Jesus (1593) e, desde 1597,
uma pequena comunidade de frades agostinhos, foi tomada pelos omanitas em 169882.
Assim como, no mesmo período, outros pontos da costa suaíli sobre os quais os portugueses reclamavam autoridade acabaram por ser integrados no império omanita, casos
de Pate, Zanzibar, Pemba e Melinde. Para a Ilha de Moçambique e Terra Firme em
particular, o estabelecimento dos omanitas a norte das Querimbas acabou por se tornar
vantajoso, já que as disputas políticas posteriores entre estes e as populações suaílis
levaram a que a região se afirmasse como o principal entreposto distribuidor do comércio africano e asiático, sobretudo no que ao marfim diz respeito83.
No final do século XVII, perante a crescente ameaça de neerlandeses, franceses,
omanitas e, em menor grau, de ingleses, a África oriental portuguesa atravessava então
uma conjuntura adversa. Acrescia o declínio da Carreira da India, a partir de 1650 incapaz de concorrer com a VOC e a EIC na rota comercial Europa-Ásia84, isto apesar da
sua parcial reanimação com a criação da Companhia Comercial das Índias Orientais,
como nos mostra Luís Frederico Antunes85. Porém, no espaço de apenas quatro décadas,
80
Hoppe, 1970: p. 248-252 e Newitt, 2008: p. 119.
Newitt, 2009: p. 167-176 e Newitt, 1983: p. 151-152.
82
Newitt, 2009: p. 24; Pearson, 2010: p. 108 e 111; Pearson, 2002: p. 133.
83
Sobre queda de Mombaça, v. Axelson, 1969: p. 155-175.
84
Guinote, 1999.
85
Em 1685, D. Pedro II propôs a fundação de uma companhia, segundo o modelo já instituído por outras
nações europeias, que explorasse em simultâneo o comércio da rota do Cabo e das rotas comerciais
81
27
o Estado da Índia assistiu à perda das praças de Ormuz (1622), Colombo (1656), Jaffna
(1658), Malaca (1661), das fortalezas do Canará (década de 1650) e do Malabar (designadamente Cochim, em 1663), para além da já referida tomada de Mascate.
O Moçambique sob soberania portuguesa que, à data, compreendia as regiões
litorais da Ilha de Moçambique e Terra Firme, ilhas Querimbas, Inhambane e Lourenço
Marques, e, ao longo do Zambeze, as povoações de Quelimane, Sena, Tete, as feiras do
Zumbo e de Manica, constituiu-se, assim, como um dos mais relevantes territórios no
conjunto do Estado da Índia86. Nas palavras de Malyn Newitt, na sua mais extensa e
rentável capitania87, o que decorria sobretudo do dinamismo das rotas comerciais que a
ligavam aos portos da Província do Norte. Nomeadamente Diu, em particular depois de,
em 1686, o seu comércio externo ter sido entregue à comunidade mercantil baneane. A
denominada Companhia de Comércio dos Mazanes obteve nesse ano o monopólio das
viagens entre este porto e Moçambique e, em breve, os mercadores baneanes passaram a
dominar as ligações entre os portos portugueses do Guzerate e Malabar e a costa
oriental africana88.
Face às dificuldades sentidas por Goa em lidar com as investidas (comerciais e
territoriais) de europeus e asiáticos que se faziam sentir desde as primeiras décadas do
século XVII – queda de Baçaim (1739) e Chaul (1740) em consequência do conflito
luso-marata (1737-40)89 –, a Coroa portuguesa separou administrativamente os
territórios Moçambique e Rios de Sena do Estado da Índia no ano de 1752. Decretada a
autonomia administrativa, política e militar, a autonomia económica, porém, só foi
decidida em 1755, já que o monopólio do comércio com o Estado da Índia continuou a
ser administrado pelo Conselho da Fazenda sediado em Goa. A “Lei sobre o
Commercio de Moçambique” de 10 de Junho de 1755 veio alterar a situação de
dependência económica abrindo o comércio nos portos moçambicanos a todos os
súbditos do Estado da Índia e a todas as mercadorias – com excepção das contas que
asiáticas. A Companhia Comercial das Índias Orientais ganhou estatuto jurídico em 1687 mas só em 1694
começou a funcionar em pleno tendo sido dissolvida apenas cinco mais tarde, em 1699 - v. Antunes,
2011. Do mesmo modo, anos antes havia sido criada a Companhia Geral do Comércio do Brasil (16491720).
86
Capela, 2008: p. 121-122; Rodrigues, 2003: p. 335.
87
Newitt, 2008: p. 120, 123-124 e Pearson, 2002: p. 132.
88
Antunes, 2001.
89
Antunes, 1998: p. 73-75; Antunes e M.Lobato, 2006: p. 309-313; Carreira, 2006: p. 82-83.
28
permaneceram estancadas até 1763, embora a lei só tivesse sido executada a 29 de Julho
de 1757 dada a oposição interna do próprio governador-geral90.
Em 1761 a liberdade de comércio foi estendida aos demais súbditos do império,
mais uma vez apenas tendo execução dois anos mais tarde91. Esta era uma de entre as
muitas medidas respeitantes ao comércio da África oriental portuguesa previstas no
conjunto das Instruções Gerais de 7 de Maio de 1761 dadas ao governador-geral indigitado, Calisto Rangel Pereira de Sá92, e dos diplomas complementares de 1763. Conquanto este tivesse desde o início assentado num regime monopolista, até meados de
Setecentos várias formas de gestão comercial foram adoptadas em função das diferentes
conjunturas políticas e financeiras. Quer explorado directamente pela Coroa portuguesa
por intermédio dos capitães de Sofala e Moçambique (até 1592), pela Junta de Comércio de Moçambique e Rios de Sena (1673-1681; 1691-1693; 1700-1719; 1722-1743),
ou pelo Conselho da Fazenda do Estado da Índia (1744-1757). Quer arrendado aos
capitães ou governadores por valor, tempo e obrigações determinados a priori – a denominada “mercê de Sofala” – ou à já referida Companhia Comercial das Índias Orientais (1694-1699). Ou, ainda, em regime de liberdade comercial para os súbditos do Estado da Índia entre 1593 e 1595, 1682 e 1690, e, enfim, de 1755 em diante93.
O monopólio régio do comércio exercia-se então, no que aos mercados internos
diz respeito, sobre Quelimane, Sofala e Inhambane, os chamados “portos vedados”, e
recaía apenas sobre alguns dos artigos negociados por grosso, as chamadas “fazendas de
lei” ou “vedadas”. À data, nesta categoria incluía-se o marfim, no caso das mercadorias
exportadas, e, no caso das importadas, a missanga, determinados tecidos indianos de
maior qualidade, armas de fogo e pólvora. Todas reservadas, em primeiro lugar, aos
governadores ou à Fazenda Real e sendo apenas acessíveis aos moradores a retalho ou
por revenda94. Por oposição, as mercadorias de venda livre podiam ser comerciadas por
qualquer pessoa interessada. Relativamente ao comércio externo, este baseava-se na
ligação a Goa dinamizada pela Superintendência do Comércio de Moçambique, uma
dependência do Conselho da Fazenda do Estado da Índia na Ilha de Moçambique; na
90
Hoppe, 1970: p. 122-124, 139-142, 213; Lobato, 1989: p. 229; Rodrigues, 2003: p. 337-338; Antunes e
M.Lobato, 2006: p. 302-303.
91
Bando do governador-geral João Pereira da Silva Barba, s.d. [1763], AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 23,
doc. 17.
92
Calisto Pereira de Sá morreu antes de chegar a Moçambique, pelo que as instruções régias foram
empreendidas pelos governadores-gerais seguintes, nomeadamente, João Pereira da Silva Barba (17631765), o governador-geral que lhe sucedeu, v. Hoppe, 1970, p. 230.
93
Araújo, 1992: p. 127 e segs.; Rodrigues, 2010a: p. 103-104; Newitt, 2009: p. 107-125; Hoppe, 1970: p.
25-38.
94
Lobato, 1989: p. 199-208; Rodrigues, 2010a: p. 103-104; Hoppe, 1970: p 122-124.
29
ligação ao porto de Damão para onde era enviado um navio armado pelo castelão de
Moçambique; e na ligação a Diu, contratada pela Companhia de Comércio dos Mazanes95. Fora do monopólio régio encontrava-se o trato com a Terra Firme, com a costa
norte até às ilhas Querimbas e com as ilhas do Índico (Madagáscar e Comores96),
regiões que formavam o mercado exclusivo dos moradores. Um privilégio que lhes fora
garantido nos finais do século XVI com o intuito de abreviar o crónico problema de
abastecimento da região97.
A ilha-capital era o centro articulador deste comércio, por onde todas as
mercadorias deviam passar de forma a serem examinadas e tributadas e a fim de se evitarem irregularidades e negócios paralelos. A ela deviam dirigir-se todas as embarcações da Europa, América ou Ásia de maneira a que se transformasse no “Emporio de
todo o commercio, e navegação daqueles Portos” e que fosse dotada da força e cabedais
de onde deviam “sair todos os meyos, e todas as influencias para o estabelecimento, e
para o aumento de todas as outras colonias daquelle importante Territorio”98. Com
efeito, a centralização das actividades económicas e comerciais e a entrega do monopólio do trato costeiro aos moradores tinha por objectivo a criação de um grupo de armadores e comerciantes sediados na Ilha suficientemente influentes ao nível financeiro
para obstar à dependência de Moçambique do Estado da Índia e dos mercadores hindus
e muçulmanos que dominavam o seu trato externo99.
Resumidamente, à separação da capitania de Moçambique e Rios de Sena do
Estado da Índia (1752), seguiu-se a liberdade de comércio (1757 e 1763), a interdição
de práticas comerciais aos governadores-gerais (1720) e demais oficialato, sendo também decidido que os soldos destes fossem pagos em moeda e não em panos como era
feito até aí (1757). Finalmente, nas disposições de 1761-1763 constavam uma série de
medidas de carácter não só económico e comercial mas também político, administrativo, militar e religioso tendentes a “civilizar” e “reformar” a África oriental portuguesa,
inspiradas na legislação das capitanias do Brasil e no âmbito da política ultramarina de
Pombal prevista para todo o império100.
95
Rodrigues, 2010a: p. 103-104 e Antunes e M.Lobato, 2006: p. 301-303.
Sobre as redes comerciais do arquipélago das Comores antes do século XIX, v. Newitt, 1993. Sobre
Madagáscar, v.
97
Newitt, 1970: p. 147-148; Newitt, 2009: p. 177-178; Hoppe, 1970: p. 71-72.
98
Rodrigues, 2010a: p. 103; Hoppe, 1970: p. 130; Carta régia para o governador-geral Calisto Rangel
Pereira de Sá, 28.Mai.1761 apud Hoppe, 1970: p. 345-347.
99
Hoppe, 1970: p. 230 e Capela, 2002: p. 138-141.
100
Hoppe, 1970: p. 280 e segs. e Rodrigues, 2003: p. 337-343.
96
30
Do ponto de vista económico, a reforma de 1761-1763 dava continuidade às medidas de reorganização das actividades comerciais e financeiras com a supressão dos
monopólios e do comércio privado praticado por oficiais régios, militares e religiosos, a
proposta de uniformização dos pesos e das medidas pelos padrões usados no reino, a
instituição da secretaria do governo e da Junta do Crime, a centralização da administração financeira no Erário Régio (22 de Dezembro de 1761) e na Provedoria, o organismo
localmente encarregue da fiscalização da receitas e despesas da Fazenda Real101.
A nível social, em 1763, foi estendido a Moçambique o diploma que estabelecia
a igualdade legislativa entre os naturais do reino e os cristãos do Estado da Índia. No
sentido de fixar população empenhada na defesa da colónia e no serviço à coroa portuguesa, era incentivada a escolha preferencial de naturais para a ocupação dos ofícios
régios em detrimento de reinóis. Aplicada a Moçambique, esta legislação passou a dizer
respeito não apenas aos efectivamente originários da Índia, mas também aos naturais da
região102.
A nível administrativo foram, por fim, estabelecidas instituições concelhias na
Ilha de Moçambique, Quelimane, Sena, Tete, Ibo, Zumbo, Sofala e Inhambane. No caso
da Ilha, a elevação a vila dotada de câmara era uma medida deste há longo tempo reclamada pelas autoridades locais e moradores. Estes últimos, até aí associados em torno da
Misericórdia que ali exercia parte das funções municipais atribuídas à generalidade das
câmaras103, viam agora ser cumpridos os desejos de uma participação política eventualmente mais representativa e eficaz na defesa dos seus próprios interesses. Sob jurisdição
da câmara da Ilha de Moçambique foram colocadas as povoações da Terra Firme,
Mossuril, Cabaceira Grande e Cabaceira Pequena104.
As disposições de carácter religioso iam no sentido do exercício de um maior
controlo sobre o clero, em particular o regular. Assim, apenas seria atribuída uma paróquia aos religiosos regulares na falta de seculares e, a uns e outros, estava proibida
qualquer prática comercial105. De resto, mantinha-se a situação vigente desde 1612, ano
em que por Breve do papa Paulo V a circunscrição eclesiástica de Moçambique compreendida entre o Cabo de Guardafui e o da Boa Esperança – ou seja, Mombaça, Zanzibar, Ampaza, Cabaceira, Sofala, Tete e Rios de Sena – foi separada da arquidiocese de
101
Hoppe, 1970: p. 156-171 e Rodrigues, 2003: p. 337-343.
Rodrigues, 2003: p. 341-343 e Wagner, 2007: p. 79-82.
103
A respeito das Misericórdias de Moçambique e funções por elas desempenhadas antes da criação dos
municípios, v. Rodrigues, 2007.
104
Lobato, 1945: p. 141; Rodrigues, 2011a; Antunes, 2006.
105
Hoppe, 1970: p. 170-173; Rodrigues, 2003: p. 342; Antunes e M.Lobato, 2006: p. 327.
102
31
Goa passando a ser administrada por um clérigo regular ou secular provido pelo rei, por
tradição um dominicano106. A Ordem dos Pregadores dominicanos fora a primeira a fixar-se na Ilha de Moçambique (1577) desenvolvendo acção missionária de forma exclusiva até à chegada da Companhia de Jesus, em 1610. A Ilha era o centro coordenador de
ambas as Ordens que dali acompanharam a missionação do vale do Zambeze, ao longo
do qual fundaram igrejas. Por fim, os jesuítas foram expulsos em 1759 e os seus bens,
que incluíam um expressivo número de palmares na Terra Firme, confiscados107.
A nível militar, as disposições incumbiam o governador-geral do provimento
alimentar, do fardamento e do pontual pagamento do contingente estacionado na Ilha de
Moçambique. Em meados de Setecentos este contingente cifrava-se em 300 dos quais
saiam ainda os destacamentos das outras praças da colónia108.
O processo autonómico da capitania de Moçambique e Rios de Sena em relação
ao Estado da Índia estendeu-se ao longo de cerca de onze anos, entre 1752 e 1763. No
decurso deste período, a região sofreu profundas transformações. No seu conjunto, as
reformas encetadas por Lisboa, a expansão do tráfico de escravos possibilitaram a acumulação de capital na Ilha de Moçambique e a criação de um corpo mercantil nela sediado já com alguma dimensão na transição de Setecentos para Oitocentos109. E, para
além deste, continuaram os negócios do ouro e do marfim que haviam marcado as duas
centúrias anteriores.
106
Cópia do Breve In supereminenti do papa Paulo V [1612], AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 32, doc. 75
(anexo da Carta da rainha D. Maria I para o governador-geral Baltasar Pereira do Lago, 18.Mar.1779); v.
também Marques, 2006: p. 338 e Lobato, 1989: p. 103-123.
107
Rodrigues, 2003: p. 341-343 e Antunes e M.Lobato, 2006: p. 326-330.
108
Hoppe, 1970: p. 160; Rodrigues, 2006a: p. 61.
109
Capela, 2002: p. 138-156.
32
CAPÍTULO 2
Dinâmicas de construção da Terra Firme (1763 - c.1802)
Como notámos no capítulo anterior, a segunda metade do século XVIII foi um
período profundas transformações na Ilha e capitania de Moçambique, nomeadamente a
partir da autonomização administrativa, em 1752. A medida revelou-se o preâmbulo das
reformas promovidas na África Oriental portuguesa sob o signo de Sebastião José de
Carvalho e Melo. No âmbito da política reformista de Pombal para o conjunto imperial
português os territórios da costa oriental africana ocupavam uma posição periférica, a
que se somava a secular dependência comercial face ao Estado da Índia. América
portuguesa e Estado da Índia foram consideradas as colónias prioritárias e em proveito
das quais se organizaram os monopólios e as liberdades comerciais que caracterizaram a
política económica pombalina110.
O diploma de 10 de Junho de 1755 abriu o comércio nos portos moçambicanos a
todos os súbditos do Estado da Índia e a todas as mercadorias com o objectivo de promover a livre circulação entre os dois espaços. Contudo, só a partir da reforma de 17611763, a capitania de Moçambique mereceu particular atenção da Coroa com a aplicação
de uma nova política comercial conducente à sua activa integração na economia do
império português no cumprimento do Pacto Colonial, cuja essência residia na
subordinação do desenvolvimento das colónias aos interesses económicos do reino111.
Em 1763, a liberdade comercial nos portos moçambicanos foi estendida a todos
os súbditos do império, limitada porém ao porto da Ilha e ficando reservado aos arma-
110
111
Capela, 2002: p. 138-141 e Hoppe, 1970: p. 310-315.
Hoppe, 1970: p. 310-315 e Carreira, 2005: p. 3.
33
dores e mercadores nela residentes o comércio costeiro e com o interior africano112. A
acumulação de capital e a fixação de um corpo de mercadores e armadores que no seu
conjunto as reformas pombalinas tentavam promover só ocorreria, todavia, nas duas
últimas décadas de Setecentos, não tanto devido aos intentos de Lisboa mas mais em
consequência da sistematização do tráfico de escravos fomentado, antes de mais, pelos
franceses das ilhas Mascarenhas113. O desenvolvimento do tráfico de escravos na África
Oriental portuguesa foi, com efeito, a circunstância que permitiu a constituição de um
pequeno grupo de mercadores locais com capacidade financeira para armar frotas
negreiras com destino aos portos do Índico e do Atlântico, concorrendo directamente
com os armadores franceses, baneanes, reinóis, luso-brasileiros e espanhóis de Havana e
Montevideu, e a via pela qual se fez a integração da economia de Moçambique na
economia do império português114.
Neste contexto, a que se somou a elevação da praça à dignidade de vila e município e tendo continuado a exportação de marfim e ouro, a Ilha de Moçambique viu reforçada a sua posição de capital política, administrativa, mercantil e económica dos domínios portugueses da costa oriental africana. Consequentemente, crescia a população
da Ilha e da região envolvente. Quer a população residente – em particular, oficiais da
administração portuguesa, militares e comerciantes –, quer a população flutuante – escravos e mercadores que ali iam por apenas alguns meses tratar de negócios115. Alguns
autores sublinharam já que este dinamismo comercial e demográfico promoveu a
complexificação administrativa e o crescimento do espaço insular116. Outros notam
também o desenvolvimento da Terra Firme enquanto espaço adjacente e complementar
à Ilha117.
Dada a sua manifesta exiguidade parece, de facto, evidente que a conjuntura de
prosperidade então vivida se tenha repercutido no desenvolvimento da área continental
fronteira à Ilha e com a qual desde há longo tempo esta mantinha uma relação de grande
dependência. Pese embora a plausibilidade da asserção, faltam estudos sistemáticos que
112
Capela, 2010: p. 22-23.
Capela, 2002: p. 138-141.
114
Capela, 2002: p. 138-141 e Capela, 2008: p. 118-119.
115
Antunes, 2006: p. 199; Antunes e M.Lobato, 2006: p. 270. Ana Paula Wagner apresenta alguns
quantitativos da população cristã da Ilha de Moçambique e Terra Firme na segunda metade do século
XVIII. Segundo a autora, em 1777, a Ilha teria c. 245 habitantes, Mossuril c. 69 hab. e as duas Cabaceiras
c. 78. Em 1794, os quantitativos haviam na generalidade subido para c. 362 hab. na Ilha e c. 127 hab. em
Mossuril e mantiveram-se nas Cabaceiras em c. 77 hab., v. Wagner, 2007: p. 261-264.
116
Lobato, 1988; Liesegang, 1999; Antunes, 2001 e 2006; Rodrigues, 2010.
117
Lobato, 1945; Rodrigues, 1998 e 2010b; Antunes, 2001; Rodrigues, Rocha e Nascimento, 2009.
113
34
a confirmem e que dêem a conhecer o processo de colonização portuguesa da Terra
Firme entre meados e o final do século XVIII. Como contribuíram o acentuar de capitalidade, o aumento do tráfico negreiro e o acréscimo populacional para a ocupação e
apropriação dos espaços da Terra Firme pelos portugueses? O abastecimento alimentar
da ilha-capital era agora um problema de resolução ainda mais difícil que podia ser
solucionado, ou pelo menos atenuado, pela exploração agrícola do seu termo. Assim,
até que ponto agricultura e comércio se constituíram como motores da colonização
portuguesa no continente fronteiro à Ilha de Moçambique?
2.1. Limites territoriais e documentais da Ilha de Moçambique
A exemplo do que vem sendo feito pela historiografia recente, talvez o melhor
método para responder às questões atrás levantadas fosse usar como fontes primaciais
os registos das concessões de terras feitas pela administração portuguesa. Contudo, no
estado presente da questão sobre a posse e propriedade na Ilha de Moçambique e no seu
termo, esta é uma tarefa complexa. Não se identificaram no âmbito desta pesquisa mais
do que quatro registos directamente relacionados com o aforamento de terras na Ilha e
Terra Firme118. Uma das razões para tal parece ser o desaparecimento “dos seis
primeiros livros de cartas forais e os dois primeiros registos de aforamentos que houve
no Tombo Municipal” referido por Alexandre Lobato119. Perante esta lacuna documental, central para a discussão do regime jurídico que enquadrou a posse e propriedade
da terra na Ilha de Moçambique120, lancemos mão a outros testemunhos, necessariamente mais indirectos, para antes de mais tentarmos perceber qual era a extensão da
Terra Firme portuguesa no período em análise, isto é, entre 1763 e 1802.
118
São eles: a) Carta de confirmação do aforamento feito por D. Estêvão de Ataíde a António Ferreira,
HAG, Mercês Gerais, cód. 812, fl. 136; b) Processo de aforamento de um mato localizado em Mossuril a
Aruno Sangy, 24.Out.1755, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 11, doc. 64; c) Carta de aforamento de um chão
no Lumbo passada a Plácido José Mascarenhas e D. Maria Quitéria Teles de Carvalho de Sousa,
6.Mai.1785, AHU, Gov. Moç., cód. 1355, fls. 94-95, 264; d) Requerimento de Francisco Ferreira da
Graça ao governador-geral, ant. 20.Jun.1803, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fls. 291v-293v. A demais
informação sobre o regime dos prazos na Ilha de Moçambique encontra-se dispersa por documentos
variados, desde a correspondência trocada entre Lisboa e Moçambique, entre as autoridades locais,
bandos dos governadores, acórdãos camarários, entre outra documentação citada ao longo deste trabalho.
119
Lobato, 1945: p. 138-143. Para além de um dos mais prolíficos estudiosos da história de Moçambique,
Alexandre Lobato foi também director do Arquivo Histórico Moçambique na década de 1970.
120
Em 1958, Caetano Montez, à época conservador do Arquivo Histórico Moçambique, referia a
existência de um livro de registo das cartas de aforamento emitidas entre 1788 e 1815 e dois tombos de
aforamentos (1783-1788 e 1799-1852) então à guarda da câmara municipal da Ilha de Moçambique. Não
nos foi possível consultar esta documentação no âmbito da presente investigação, nem tão-pouco sabemos
se ainda se encontra conservada e disponível para consulta, v. Montez, 1958: p. 7.
35
Até aí com o estatuto de praça, a Ilha de Moçambique foi elevada à categoria de
vila com os privilégios das demais vilas do reino pelas cartas régias de 7 e 18 de Maio
de 1761121, embora a decisão só tenha tido consequência dois anos mais tarde com a
fundação da câmara de Moçambique, a 19 de Janeiro de 1763122. As instruções de 1761,
reiteradas pelo secretário de Estado da Marinha e dos Negócios Ultramarinos Francisco
Xavier de Mendonça Furtado (1760-1769), em 1763, determinavam que a municipalização da capitania de Moçambique observasse, no que fosse possível, os fundamentos da
criação da capitania de São José do Rio Negro e da sua capital, Barcelos, fixados na
carta régia datada de 3 de Março de 1755 de que remetia cópia123.
No caso da Ilha, o governo-geral João Pereira da Silva Barba (1763-1765) dava
conta da pronta execução das ordens emitidas por Lisboa, excepto no que dizia respeito
à concessão de terras na Terra Firme pois, conforme esclarecia, estando previsto que a
câmara podia fazer aforamentos até um limite de seis léguas, o termo da vila não tinha
“seis léguas de distância”. Em 1790, escrevendo à rainha sobre o “deplorável estado”
em que achou Moçambique, Manuel do Nascimento Nunes124 considerava que o espaço
ocupado pelos portugueses media, se tanto, 1,5 léguas de comprimento por
3/4
de légua
de profundidade, ou seja, 9,80 Km de extensão litoral por 4,90 Km de profundidade
interior125. De acordo com a representação cartográfica elaborada em 1802 pelo
sargento-mor José Amado da Cunha, a Terra Firme teria cerca de 9,68 Km de
comprimento por 4,69 Km de profundidade de extremo a extremo126. O equivalente a
121
Carta de régia para o governador-geral Calisto Rangel Pereira de Sá, 9.Mai.1761, AHU, Gov. Moç.,
cód. 1323, fls. 42-44v e Carta do governador-geral João Pereira da Silva Barba para o secretário de
Estado, 20.Jul.1763, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 23, doc. 59. Sobre o processo de municipalização da
capitania de Moçambique, v. Rodrigues, 1998a e Liesegang, 2001.
122
Auto de criação da câmara de Moçambique, 17.Ago.1763, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 23, doc. 82.
123
Carta do governador-geral João Pereira da Silva Barba para o secretário de Estado, 20.Jul.1763, AHU,
Cons. Ultr., Moç., cx. 23, doc. 59 e Carta régia para o governador do Grão Pará e Maranhão Francisco
Xavier de Mendonça Furtado, 3.Mar.1755, AHU, Gov. Moç., cód. 1323, fls.33-36v. A referida carta régia
de 3.Mar.1755 criava a capitania de São José do Rio Negro por desmembramento da capitania do GrãoPará. Vejam-se a este propósito os trabalhos de Renata Araújo, por exemplo: Araújo, 1998 e 2012.
124
Manuel do Nascimento Nunes, advogado, natural de Portugal, fora enviado em degredo para a Ilha de
Moçambique onde passou a residir com a sua mulher e filhos, v. “Denuncia do serviço de Sua Magestade
no Estado de Mosambique anno de 1790 por Manoel do Nascimento Nunes”, 10.Jun.1790, AHU, Cons.
Ultr., Moç., cx. 60, doc. 35. Adelto Gonçalves apresenta uma breve nota biográfica da personagem in
Gonçalves, 1999 e 2010.
125
Este e todos os cálculos doravante apresentados foram efectuados com base nos seguintes valores de
conversão: uma légua = 6,53594 Km e uma braça = 220 cm = 0,0020 Km – v. Marques, 2001, p. 23.
126
“Carta Plana de Mossuril, Cabaceira grande, e pequena feita por Jozé Amado da Cunha Sargento Mor
Graduado”, AHU, Cartm, 064, doc. 557 e Carta do governador-geral Isidro de Almeida e Sá para o
secretário de Estado João Rodrigues de Sá e Melo, AHU, Cons. Ultr., Moç., 25.Jul.1802, cx. 93, doc. 97.
Distâncias medidas em linha recta entre os pontos extremos da representação: o segmento de recta [AB]
de 2133,33 braças ou 4,69 Km de comprimento; e o segmento de recta [CD] com 5540 braças ou 11,97
36
uma área aproximada 19,43 Km2 (v. Anexo 2, Mapa 4). Já em 1822, Frei Bartolomeu
dos Mártires estimava que o território efectivamente ocupado pelos portugueses se
estendia por cinco a seis léguas pela praia (32,7 Km a 39,4 Km) e uma ou duas léguas
pelo interior (6,54 Km a 13,08 Km)127.
As escassas referências encontradas sobre a dimensão dos territórios ocupados
pelos portugueses no continente fronteiro à Ilha de Moçambique e, por outro lado, a
ambiguidade das descrições e a variedade de medidas de comprimento usadas para descrever as distâncias nos casos em que essa ocupação é dimensionada levantam
dificuldades na hora de aferir a efectiva extensão do domínio português. Não
esquecendo que os valores a que chegámos são meramente indicativos, podemos, no
entanto, a partir deles levantar algumas conjecturas sobre a extensão do termo da Ilha de
Moçambique na segunda metade do século XVIII. Desde logo, podemos deduzir que na
cronologia em estudo a Terra Firme portuguesa ocupava uma área aproximada de 10
Km de extensão litoral por 5 a 6 Km de profundidade interior128. Um espaço limitado, a
norte, pelo xecado de Quitangonha, a sul, pelo xecado de Sancul e, a oeste, pela
Macuana.
Tendo presentes estes valores procuremos conhecer o(s) seus porquê(s). Ou seja,
procuremos conhecer as dinâmicas de construção da Terra Firme da Ilha de
Moçambique forjadas, fundamentalmente, por dois movimentos contrários: a) de
expansão territorial por via das relações de comércio e da exploração agrícola
promovidas pelas autoridades e comunidade portuguesas; b) de oposição movida a esta
expansão por parte das populações macuas e suaílis em disputa pelo mesmo espaço e
envolvidas nas mesmas redes comerciais.
Km de comprimento. A área de 19,43 Km2 foi calculada por decomposição em quadrados de 0,5 cm de
lado (v. Anexo 2, Mapa 4).
127
Frei Bartolomeu dos Mártires, Memoria Chorografica da Provincia ou Capitania de Mossambique
(1822a): fl. 34.
128
Alexandre Lobato aventou um número ligeiramente superior. Segundo o historiador, em Setecentos “a
penetração portuguesa no continente fronteiro marginava uma linha dos seus dez quilómetros” não
referenciando, porém, a “imensa documentação do século XVIII e 1ª metade do XIX” que o “prova”.
Alguns anos mais tarde, reforçou a ideia da ocupação territorial portuguesa na Terra Firme se reduzir “a
uma estreita faixa litoral cuja profundidade”, no entanto, dizia estar ainda “por determinar, em virtude de
ter desaparecido o primeiro Tombo Foral organizado pelo Senado da Câmara quando em 1763 foi
constituído o concelho”, v. Lobato, 1945: p. 11-12 e Lobato, 1957: p. 37-38, respectivamente. Baseada
em Lobato, Nancy Hafkin refere, sem mais, a reduzida extensão da penetração portuguesa: “The
Portuguese looked inward from Sena and outward from Mozambique Island, rarely venturing more than a
few miles inland from Mozambique”, v. Hafkin, 1973: p. 20­21.
37
2.2. Relações comerciais e abastecimento alimentar
Se o papel da Ilha de Moçambique como entreposto articulador de uma vasta
rede comercial ao longo do período moderno tem sido amplamente sublinhado, não é
demais realçar a importância da Terra Firme no desempenho deste papel. Desde que a
Ilha se afirmara como o centro da presença portuguesa na costa oriental africana que o
palco das trocas comerciais fora o continente fronteiro aonde afluíam as mercadorias
africanas e até onde eram conduzidos os produtos importados por via marítima.
Na segunda metade de Setecentos, antes de todos os demais, os portugueses
mantinham relações comerciais com os macuas das terras vizinhas e com os ajauas do
interior próximo do lago Niassa. Aos macuas compravam mantimentos e marfim. Aos
ajauas, à época, compravam marfim, escravos, arroz “e outros efeitos mais da produção
das suas terras”129. Produtos que trocavam por panos do Malabar, pela missanga procedente de Portugal, de Surrate e de Balagate, entre outros artigos como sal e tabaco que
adquiriam junto dos navios da Carreira da India e dos mercadores baneanes de Damão,
Diu e Goa que todos os anos na monção do Norte, por altura de Março, chegavam a
Moçambique trazendo também alguns bens para consumo da Ilha e portos dependentes,
designadamente arroz, azeite de coco, manteiga, açúcar, louça e cobre 130. Separada a
parte das mercadorias creditada à Fazenda Real para pagamento das despesas administrativas e militares, os baneanes vendiam o remanescente aos mercadores portugueses,
indianos ou suaílis que se dedicavam ao comércio a retalho fazendo variar os preços em
função das afinidades ou das rivalidades sentidas em relação a estes. Os preços de venda
aos portugueses eram, por regra, mais elevados131.
A ligação aos mercadores de Diu e Damão permitia aos baneanes oferecer melhores condições de negócio, nomeadamente preços de venda dos panos indianos mais
baixos132. Segundo Luís Frederico Antunes, a “transposição para Moçambique dos
129
Frei Bartolomeu dos Mártires, “Memoria Chorografica da Provincia ou Capitania de Mossambique…”
(1822): p. 141-144; Capela, 2002: p. 231-235; cit. Carta de José Ferreira Nobre para o secretário de
Estado, 18.Ago.1784, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 44, doc. 46.
130
Joaquim José Varela, “Descrição da Capitania de Moçambique…” (1788): p. 295-296 e Hoppe, 1970:
p. 71-73.
131
Frei Bartolomeu dos Mártires, “Memoria Chorografica da Provincia ou Capitania de Mossambique…”
(1822): p.141-144; Hoppe, 1970: p. 176-183; Antunes, 2001: p. 127-128.
132
Sobre a influência baneane na Ilha de Moçambique e seu termo e, bem assim, sobre o comércio
desenvolvido entre a capitania de Moçambique e a região do Guzerate dinamizado pela comunidade
baneane, vejam-se os trabalhos de Luís Frederico Antunes, Antunes, 1992 e 2001. Veja-se também sobre
esta questão o artigo de síntese de Edward Alpers, Alpers, 1976. A respeito das relações comerciais entre
Moçambique e Portugal, v. Hoppe, 1970: p.207-216.
38
seculares e tradicionais laços de perfeito relacionamento e profícua colaboração económica e comercial entre hindus e muçulmanos em Diu” parece ter criado as condições
necessárias para o estreito contacto com as populações suaílis. Também com os africanos não islamizados os baneanes experimentaram uma convivência próxima em resultado das ligações de carácter conjugal que estabeleceram com as mulheres nativas.
Deste modo, pouco tempo depois, passaram a deter a maioria do trato com estas populações133.
Constrangidos a praticar preços superiores aos restantes mercadores nas transacções com os africanos, os portugueses viam reduzidas as suas margens de lucro e, no
extremo, chegavam mesmo a endividar-se junto dos seus credores. Algumas insolvências dos mercadores portugueses redundaram na entrega de casas, palmares e escravos
aos mercadores baneanes como forma de pagamento das dívidas contraídas134. Situação
no decorrer da qual os baneanes acabaram por se fixar na Terra Firme, de onde lograram
intensificar as suas actividades e ampliar a sua rede de relações comerciais135.
Com efeito, a partir do estabelecimento da liberdade de comércio nos portos moçambicanos a todos os súbditos do Estado da Índia, em 1757, a comunidade baneane,
até aí limitada na sua prática mercantil à Ilha de Moçambique, expandiu-se ao continente adjacente, não sem a conivência das autoridades portuguesas igualmente dependentes das mercadorias e do capital baneanes. Uma conjuntura plena de consequências
para os mercadores portugueses, os quais passaram a concorrer pelos mesmos espaços
comerciais com novos e mais fortes interlocutores, e, com não menos consequências,
para o processo de construção da Terra Firme marcado pela territorialização e pelo alargamento da área de influência baneane no período compreendido entre 1723 e 1770136.
Uma vez no continente fronteiro, os baneanes puderam contactar mais de perto
com macuas, ajauas e suaílis com quem passaram a comerciar de forma directa ou através de patamares137, dispensando a intermediação até aí prestada pelos portugueses.
Oferecendo melhores condições de final da década de 1780, estariam já na posse de
133
Serra, 1986: p. 90-91; Hoppe, 1970: p.183-187; Antunes, 2001: p.121-128; Hafkin, 1973: p.24.
“Lista de todos os Palmareiros de Mussuril com declaração dos Lugares onde são Moradores”, 17.
Mar.1781, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 35, doc. 94. Em 1781 contavam-se, apenas em Mossuril, cerca de
vinte baneanes proprietários de palmares. Veja-se também a relação apresentada por Luís Frederico
Antunes in Antunes, 2001: p. 385-414.
135
Hoppe , 1970: p. 176-183 e Antunes, 2001: p. 127-128, 137-138.
136
Antunes, 2001: p. 121-142.
137
Patamares, mercadores volantes ou mussambazes (vasambadzi), assim eram chamados os agentes
africanos que se internavam no sertão para comerciar com as populações africanas, tanto em
representação de mercadores baneanes, como de mercadores portugueses, v. Rodrigues, 2011a.
134
39
uma grande parte dos palmares de Mossuril138. Na década de 1790, haviam estendido a
sua influência, a oeste, até às proximidades do território ajaua, a sul, até aos Rios de
Sena e, a norte, até às Ilhas Querimbas139. Após um período de “expansão” e de
“domínio quase exclusivo” dos baneanes sobre o comércio praticado na capitania de
Moçambique entre 1770 e 1780, o desenvolvimento do tráfico negreiro promoveu significativas alterações no mercado comercial moçambicano nas três décadas seguintes.
Conforme Luís Frederico Antunes, enquanto os mercadores de grosso trato reforçaram o
seu domínio como credores das transacções comerciais, acentuou-se a subalternização
dos pequenos mercadores que negociavam a retalho140.
Tendo-nos desviado por momentos do nosso foco de análise, interessa esclarecer
que conhecer as actividades e o percurso da comunidade baneane no continente fronteiro não é de somenos, já que a sua intervenção foi decisiva para o devir da
comunidade portuguesa da Ilha, em particular, da capitania de Moçambique, em geral.
Ao longo da segunda metade de Setecentos, os baneanes alçaram-se a uma posição
hegemónica. Com acesso às fazendas indianas essenciais no trato com a costa lesteafricana acabaram por dominar o comércio praticado na capitania e assumiram-se como
credores e interlocutores privilegiados dos demais agentes económicos.
Quanto aos portugueses, o comércio praticado com macuas e ajauas era então
uma das suas principais fontes de rendimento. Dos 181 moradores e habitantes (homens
cristãos) arrolados no Mapa dos moradores e habitantes da Ilha de Moçambique e
terras firmes (1766) por ordem do governador-geral Baltasar Pereira do Lago para
“examinar os modos por que viviam” e conhecer “a razão por que não exercitavam os
oficios com que foram criados” cerca de 29% estavam envolvidos neste comércio.
Especificamente, 23% participavam no “negócio de mojão” (ou seja, negociavam com
os ajauas) e 6% no “negocio de mojão e macua” (com ajauas e macuas)141.
Dada a proximidade geográfica, os trânsitos comerciais com a Terra Firme eram
mais fáceis, mais seguros e menos dispendiosos, por isso, mas não menos pela exiguidade e a esterilidade da Ilha, entre ambas havia-se desenvolvido um intenso fluxo co138
Carta do capitão-mor da Terra Firme Francisco de Santa Teresa para o governador-geral José
Vasconcelos de Almeida, 21.Dez.1779, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 30-A, doc. 35.
139
“Denuncia do serviço de Sua Magestade no Estado de Mosambique anno de 1790 por Manoel do
Nascimento Nunes”, 10.Jun.1790, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 60, doc. 35; Hoppe, 1970: p. 179;
Antunes, 2001: p. 137-138.
140
Antunes, 2001: p. 143-151, 153-158.
141
Mapa dos moradores e habitantes da Ilha de Moçambique e Terra Firme, 30.Mai.1766, AHU, Cons.
Ultr., Moç., cx. 26, doc. 82.
40
mercial assegurado pela deslocação diária de numerosas barquinhas. De Mossuril e das
Cabaceiras chegavam alguns alimentos cultivados nos palmares e fazendas dos
moradores, sobretudo frescos e outros produtos de consumo diário142. A produção
agrícola e a criação de gado nas povoações portuguesas, porém, nunca foram suficientes
para alimentar a população residente e, por maioria de razão, os que ali permaneciam
em trânsito. De acordo com o citado Mapa dos moradores e habitantes de 1766, 43 dos
181 indivíduos listados dedicavam-se à exploração agrícola das suas fazendas (ou seja,
24 %) e dois à exploração dos seus palmares (1%). Actividade que a maioria desenvolvia em paralelo com o comércio, não raro, em articulação com ele. Destes 45 somente
oito (18%) viviam exclusivamente das suas terras (7 fazendas e um palmar). Os demais
acumulavam a exploração agrícola com a prática de algum negócio (sobretudo “negócio
de mojão”) ou ofício (ver Gráfico 1)143.
Gráfico 1 – Moradores e habitantes portugueses dedicados à agricultura (1766)
Em 1782, conforme o governador-geral Pedro Saldanha de Albuquerque, este
era “o único meio, com que [os habitantes cristãos] podiam manter-se e reparar-se dos
precisos mantimentos para o seu sustento”144.
142
Hoppe, 1970: p. 184; A.Lobato, 1989: p. 187-189; Rodrigues, Rocha e Nascimento, 2009. p. 127.
Mapa dos moradores e habitantes da Ilha de Moçambique e Terra Firme, 30.Mai.1766, AHU, Cons.
Ultr., Moç., cx. 26, doc. 82. Na categoria Outros reuniram-se os moradores e habitantes não agrupáveis,
tais como aqueles que se dedicavam à “fazenda, maneio e ofício” (1), “fazenda e soldo” (1), “fazenda e
ofício” (1), “fazenda e arte” (1), “fazenda, arte e negócio” (1).
144
Bando do governador-geral Pedro Saldanha de Albuquerque, 16.Out.1782, AHU, Cons. Ultr., Moç.,
cx. 40, doc. 10.
143
41
Uma parte significativa do provimento da Ilha era obtida pelos seus habitantes
junto das referidas populações africanas que se dirigiam à Terra Firme onde estabeleciam feiras (também chamadas de bandicos ou bazares) para o efeito145. Habitando o
sertão próximo, os primeiros eram presença regular e continuada ao longo do ano. Levando três a quatro meses de viagem e tendo que atravessar território macua para chegar
até ao litoral, a presença dos ajauas era sazonal. Em condições normais, estanciavam
anualmente no continente fronteiro durante a estação seca, grosso modo, entre os meses
de Maio a Outubro. Quanto aos portugueses, participavam quase todos nas feiras da
Terra Firme. Segundo o testemunho de Frei Bartolomeu dos Mártires, mesmo os moradores com residência na Ilha, naquele tempo, passavam “impreterivelmente” para as
suas propriedades do continente para fazerem negócio146.
Desde c.1767 que estas feiras se fixaram em Sancul e Mossuril onde o governador-geral Baltasar Pereira do Lago mandou assinalar duas praças como os únicos locais
onde seria permitido o comércio de alimentos147. A feira de Mossuril, em particular, tornou-se bastante afamada e concorrida tendo estado na base, conforme Edward Alpers,
daquela que na década de 1780 ficou conhecida como a “feira dos mujaos”, animada
não apenas pelo comércio de alimentos mas sobretudo pelo comércio de marfim e escravos. Nas décadas seguintes, segundo José Capela, ter-se-á estabelecido como o mais
constante entreposto de exportação da capitania de Moçambique mantendo-se activa,
com algumas interrupções, até ao século XIX148.
Cerca de 1750, os ajauas eram reconhecidamente os principais fornecedores de
marfim da região. Por via da referida rota entre as imediações do lago Niassa e o
Mossuril, passando pelo rio Lúrio e atravessando a Macuana, chegava mais de 90% do
total do marfim transaccionado no continente fronteiro. A pretexto do marfim, os ajauas
traziam também alguns escravos. Este último, um comércio praticado em menor escala
até meados de Setecentos mas com procura crescente nas últimas décadas do século. De
tal forma que, segundo José Capela, os ajauas se tornaram “os primeiros e provavelmente os maiores abastecedores da costa em escravos provenientes do interior pro145
Requerimento do capitão-mor da Terra Firme Joaquim do Rosário Monteiro, ant. 30.Jun.1803, AHU,
Cons. Ultr., Moç., cx. 100, doc. 47.
146
Cit. Joaquim José Varela, “Descrição da Capitania de Moçambique…” (1788): p. 295-296 e Frei
Bartolomeu dos Mártires, “Memoria Chorografica da Provincia ou Capitania de Mossambique…” (1822):
p. 143-144, respectivamente; Hoppe, 1970: p. 71-73.
147
Bando do governador-geral Baltasar Pereira do Lago, AHU, Cons. Ultr., Moç, 13.Jan.1768, cx. 28,
doc. 4 e Rodrigues, Rocha e Nascimento, 2009: p. 134.
148
Alpers, 1975: p. 117-118 e Capela, 2002: p. 44.
42
fundo”149. Desde as suas terras no planalto entre os rios Lugenda e Lucheringo, teceram
relações comerciais com várias populações do interior como os maraves e os bisas, alargando a sua influência até áreas próximas do Zambeze e abrindo rotas alternativas até
vários portos da costa moçambicana. Ao longo do século XVIII, controlaram o comércio de marfim entre o interior e o litoral substituindo-se aos maraves que no século anterior se constituíram como os principais abastecedores da Ilha de Moçambique por meio
da designada “rota da Macuana” que a ligava ao Zambeze150.
Durante o tempo em que estanciavam na Terra Firme, os mercadores ajauas
eram acolhidos pelos negreiros, tanto portugueses como baneanes, com quem estabeleciam negócio. O mesmo acontecia com os escravos adquiridos para exportação que
eram mantidos em armazéns situados no recinto insular ou nas propriedades da Terra
Firme onde aguardavam, por vezes longo tempo, o embarque para os portos de destino.
Também os navios transportadores eram obrigados a deter-se na Ilha até completarem a
sua lotação com os escravos que, de forma desfasada, iam chegando do interior e dos
portos dependentes. Ambas as situações exigiam grande disponibilidade de alimentos,
quer para manter os escravos, quer para o aprovisionamento dos navios151.
No que se refere ao aprovisionamento alimentar, afora os macuas e ajauas que se
dirigiam à Terra Firme, os moradores abasteciam-se nos portos e baías do litoral mais
ou menos próximo, junto tanto dos mesmos macuas como das populações suaílis vizinhas. De entre estes últimos, destacavam-se os xecados vizinhos de Sancul e Quitangonha com os quais os portugueses mantinham relações particularmente próximas. Ao
longo da costa, os habitantes da Ilha são explicitamente referidos por Joaquim Varela a
comprar mantimentos no rio Curé a “cafres [macuas] e mouros seus habitantes” e arroz
e milho em um bandico localizado perto do rio Mocambo, quatro léguas a sul152.
Tendo o capital necessário e estando dispostos a correr os riscos de viagens mais
longas e incertas, os moradores enviavam ainda as suas embarcações resgatar alimentos
a Madagáscar, às ilhas Comores, à ilha de França e aos portos dependentes como Sena,
149
Alpers, 1975: p. 64, 104-113 e cit. Capela, 2002: p. 233.
Rita-Ferreira, 1982: p. 122, 154-156; Alpers, 1975: p. 15-22; Antunes e M.Lobato 2006: p. 269-270.
151
Henry Salt, A voyage to Abyssinia (1814): p. 35-36; Alpers, 1970: p. 201-203, 208; Capela, 2002: p.
256-258; Rodrigues, 1998.
152
Joaquim José Varela, “Descrição da Capitania de Moçambique…” (1788): p. 284, 297. Segundo
Varela o rio Curé situar-se-ia entre os rios Pemba e Pinda; v. “Plano hidrográfico desde Cabo Delgado ao
Rio Mocambo para localizar os referidos elementos hidrográficos”, s.d. [séc.XVII], SGL, 1-G-47.
150
43
Quelimane, Inhambane e Sofala153. Embora deva ser encarado como uma excepção na
comunidade portuguesa, atente-se no caso de João da Silva Guedes, dono do patacho S.
Vicente Formidável e um dos principais homens de negócios da Ilha de Moçambique, a
quem pelo menos nos anos de 1801 e 1803 foi dada autorização para ir a Quelimane
carregar mantimentos154. Ao contrário de Silva Guedes, contudo, para os pequenos
mercadores portugueses o trato com o continente fronteiro foi sempre a única fonte possível de rendimento e de abastecimento regular155.
Quantificar o total de alimentos, marfim e escravos transaccionados pelos
portugueses afigura-se como uma tarefa inexequível atendendo às características do próprio comércio que, a maioria das vezes, escapava ao controlo das autoridades portuguesas156. Dada a extrema dependência dos abastecimentos externos, o comércio alimentar
constituir-se-ia como um significativo segmento de negócio. Os dois mais lucrativos e
pretendidos segmentos do comércio praticado no continente fronteiro na segunda
metade de Setecentos seriam, porém, o marfim e os escravos.
2.2.1. “Reduzidos a huma nesecidade bem cruel” ou a dependência alimentar
da Ilha
Em 1766, a preferência dos súbditos portugueses pelo comércio, em particular
pelo comércio de escravos praticado com os ajauas, motivava os lamentos do
governador-geral Baltasar Pereira do Lago: “aquy as nossas terras firmes produzem
admiráveis palmares e como deste se tirão vários frutos com boa extracção, não se cuida
de outra couza, passando deste contrato a fazer o do mujão (...) não tendo negação estas
Terras para darem todos estes mantimentos em muita abundancia”157. Empenhados num
comércio que, para muitos, se constituía como o principal sustento – ou, pelo menos,
como o mais lucrativo e imediato –, os portugueses dedicavam pouco interesse à
agricultura – como parecia acontecer também em relação aos demais ofícios mecâni-
153
Mapa dos moradores e habitantes da Ilha de Moçambique e Terra Firme, 30.Mai.1766, AHU, Cons.
Ultr., Moç., cx. 26, doc. 82; Hoppe, 1970: p. 221-224.
154
Passaportes passados a João da Silva Guedes para comerciar em Quelimane, 23.Out.1801, AHU,
Cons. Ultr., Moç., cx. 89, doc. 41 e 12.Mar.1803, cx. 97, doc. 25. O percurso de João da Silva Guedes
será abordado no quarto capítulo.
155
Mbwiliza, 1991: p. 44.
156
Edital do Senado da Câmara proibindo a venda de mantimentos para fora da Ilha de Moçambique sem
licença camarária, 17.Mar.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fls. 259-259v e Capela, 2002: p. 171 e ss..
157
Carta do governador-geral Baltasar Pereira do Lago para o secretário de Estado, 17.Ago.1766, AHU,
Cons. Ultr., Moç., cx. 26, doc. 67.
44
cos158. De resto, as condições edafoclimáticas do continente fronteiro tão-pouco se
adequavam à produção de arroz e trigo, cereais que constituíam a base alimentar de europeus e asiáticos, nem os moradores portugueses se interessavam pelo cultivo dos cereais tradicionais africanos como a mapira e a mexoeira159. Em suma, ao nível alimentar, sobretudo no que respeitava ao cultivo de cereais, a Ilha de Moçambique não se
bastava a si própria, pelo que a sua subsistência estava dependente de um conjunto de
mercados exteriores.
Este estado de coisas afectava não apenas a generalidade da população mas também as próprias autoridades portuguesas, já que cabia ao governo-geral a responsabilidade de prover as guarnições militares, o Hospital Real e as tripulações das embarcações da Coroa portuguesa estacionadas na Ilha. O governo-geral era, ainda, obrigado a
intervir no sistema geral de abastecimento em ocasiões de carência extrema160, o que
sucedia não raras vezes. Do mercado interno da capitania de Moçambique chegava uma
parte das provisões. Quelimane, localizada no delta do Zambeze e com uma basta produção de trigo, arroz e milho, algumas frutas e legumes, constituía-se como o principal
mercado abastecedor sendo a ligação entre os dois portos conduzida em dois ou três
navios anuais. Das ilhas Querimbas, também com uma periodicidade bianual, era exportado arroz e milho. Em função da maior distância à Ilha, a ligação aos portos de Sofala e Inhambane, de onde era remetido principalmente arroz, fazia-se em regra apenas
uma vez ao ano161.
Mas, quer pelo insuficiente número de viagens, quer pela reduzida tonelagem da
frota a que se somava o pouco espaço disponibilizado para o transporte de mantimentos
preteridos em relação aos produtos destinados à exportação como o marfim e os escravos, as remessas dos portos dependentes eram manifestamente insuficientes. Por isso, o
provimento da ilha-capital dependeu também de mercados externos à própria capitania,
nomeadamente do Estado da Índia, das ilhas Comores, de Madagáscar e das ilhas
Mascarenhas. Através dos navios da Carreira da Índia Moçambique era abastecido de
vinho, manteiga, queijo, frutos secos e cacau e outros produtos de luxo direccionados
158
Carta do governador-geral Baltasar Pereira do Lago para o secretário de Estado, 15.Ago.1766, AHU,
AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 26, doc. 61.
159
Rodrigues, 1998.
160
Rodrigues, 1998 e Hoppe, 1970: p. 267.
161
Joaquim José Varela, “Descrição da Capitania de Moçambique…” (1788): p. 283, 300; Frei
Bartolomeu dos Mártires, “Memoria Chorografica da Provincia ou Capitania de Mossambique…” (1822):
p. 146-147; Carta do governador-geral Isidro de Almeida e Sá para o secretário de Estado, AHU, Cons.
Ultr., Moç., 25.Jul.1802, cx. 93, doc. 97; Hoppe, 1970: p. 241-243. Sobre a natureza dos produtos
alimentares importados dos portos dependentes para a Ilha de Moçambique, v. Lobato, 1989: p. 187-189.
45
para a elite local. Para além de produtos alimentares, importava de Portugal vários
outros artigos fundamentais ao quotidiano dos insulares e à manutenção das redes
comerciais locais, como: missanga, materiais e ferramentas para construção e reparação
de edifícios, apetrechos para manutenção naval, armas, munições, uniformes militares,
serras, limas, tesouras, espelhos, tinteiros e papel. Ao ritmo das carreiras da Ásia, chegava basta quantidade de arroz dos portos indianos. Das Comores eram levadas
mercadorias como madeira, pedra para construção e, principalmente, alimentos. De
Madagáscar ia sobretudo arroz e algum gado162.
No conjunto, a indispensabilidade destas importações para a vida na Ilha fica
evidente no facto de, frequentemente, as autoridades e comunidade portuguesas se sujeitarem às condições impostas pelos seus interlocutores comerciais. Por exemplo
quando, dependentes das remessas de Madagáscar, os portugueses se viam obrigados a
pagar os elevados preços pedidos pelos locais que, conforme alegava Pereira do Lago,
pelo “concurso das mais naçõens” haviam deixado de se interessar pelas “nossas quinquelharias querendo unicamente nosso, patacas, pessas de ouro, polvora, e armas”163.
Todavia, o envio de embarcações em busca de alimentos a portos mais distantes era
afectado pela falta de recursos materiais (número suficiente de embarcações) e financeiros (dificuldades de financiamento junto dos credores) do governo-geral de Moçambique. Assim, e apesar de proibido164, o comércio com os navios franceses que se dirigiam
à Ilha de Moçambique significou frequentemente a salvação de situações de extrema
carestia. O mesmo Pereira do Lago recorreu, por diversas vezes, aos franceses para adquirir arroz e legumes em troca de escravos165.
Em 1786, o governador-geral António de Melo e Castro (1786-1793), escassos
dias após ter tomado posse, lembrava aos oficiais camarários que a Ilha não vivia “da
sua propria substancia que as terras firmes não lhe dão o mantimento necessario e que
nessecita da navegação maritima e transportes longinquos”. Havia ainda a considerar
162
Hoppe, 1970: p. 241-243.
Carta do governador-geral Baltasar Pereira do Lago para o secretário de Estado, 18.Ago.1767, AHU,
Cons. Ultr., Moç., cx. 27, doc. 75; Hoppe, 1970: p. 263-268, 207-229, 278; Newitt, 1983: p. 147.
164
Pelas leis régias de 8.Fev.1711 e 5.Out.1715 estavam proibidos os negócios com navios de outros
estados europeus nos portos ultramarinos, excepto para refúgio de intempéries, reparações urgentes ou
extrema necessidade alimentar, v. Hoppe, 1970: p. 265-266.
165
Hoppe, 1970: p. 269 e 273. Ao aportar a Madagáscar, em 1742, o vice-rei D. Luís Inácio Xavier de
Meneses dá conta de ter ali desembarcado 700 homens doentes que convalesceram com “abundancia de
leite, frutas e hortaliças, e excelentes carnes de que fez largos provimentos por preços acomodados”.
Vendo-se obrigado a aportar a Moçambique achou, pelo contrário, “grande falta de mantimentos fazendo
hua despeza considerável com secenta e seis pessoas a que desde Lisboa deu mesa” durante os 42 dias em
que se deteve “naquele mau clima na costa de Africa”, cf.: ACE, vol. V, p. 636-637.
163
46
que estes podiam “ser interrompidos /a não falar nas guerras/ por tempestades ventos e
outros acidentes, e verem se os seus habitantes reduzidos a huma nessecidade bem
cruel”166. Com efeito, são recorrentes por parte dos oficiais portugueses as queixas sobre
a carência e insegurança alimentares e sobre o preço excessivo que os víveres atingiam
em função das condições em que eram transaccionados167.
O défice produtivo apontado por Melo e Castro era minorado pelos fornecimentos exteriores procedentes, de mais a mais, de diferentes mercados. Não obstante, a Ilha
vivia permanentemente condicionada por este défice, vulnerável perante a exiguidade
dos fretes e das embarcações disponíveis, perante quebras ou atrasos nos abastecimentos
decorrentes de guerras, catástrofes naturais e naufrágios.
2.2.2. Medidas de desenvolvimento agrícola
Que medidas foram então tomadas no sentido de resolver, ou pelo menos reduzir, a dependência da Ilha de Moçambique dos fornecimentos exteriores? Na conjuntura
de 1760, de acordo com o pensamento agrarista dominante168, Lisboa dava instruções
para a promoção da agricultura na capitania. Ao governador-geral João Pereira da Silva
Barba (1763-1765) era recomendado “muito expecialmente o cuidado em promover a
lavoura”169. Baltasar Pereira do Lago (1765-1779), o governador-geral seguinte, recebia
iguais recomendações. Para tanto, aos que se dedicassem às actividades agrícola e pecuária devia ser dada uma ajuda de custo para a compra de gado e arados no primeiro ano
de trabalho. Pretendia assim o Conselho Ultramarino tornar menos onerosa a tarefa e
inspirar práticas idênticas170. Confrontado na prática com o empreendimento, Pereira do
Lago qualificava de “milagre” a situação vivida na Ilha, pois reconhecia que “sem os
frutos que della se colhe” não podia haver “Republica que se sustente e perdure sem
milagre, o qual só se verifica em Moçambique”171.
Logo em 1768, mandava que os moradores da Terra Firme, tanto “cristãos como
mouros”, não deixassem passar o inverno sem cultivar os alimentos necessários prome166
Carta do governador-geral António de Melo e Castro para o Senado da Câmara, 21.Mar.1786, AHU,
Gov. Moç., cód. 1353, fls. 62v-63.
167
Carta do governador-geral Baltasar Pereira do Lago para o secretário de Estado, 15.Ago.1778, AHU,
Cons. Ultr., Moç., cx. 30-A, doc. 25.
168
Cardoso, 1989: p. 67-79 e Serrão, 1993.
169
Carta do governador-geral João Pereira da Silva Barba para o secretário de Estado, 15.Ago.1763,
AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 23, doc. 80.
170
Parecer do Cons. Ultr., depois de 17.Ago.1766, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 26, doc. 32.
171
Carta do governador-geral Baltasar Pereira do Lago para o secretário de Estado, 17.Ago.1766, AHU,
Cons. Ultr., Moç., cx. 26, doc. 67.
47
tendo as “honras” devidas a quem o fizesse. Era seu objectivo tornar a Ilha menos dependente dos fornecimentos externos e, antes de mais, acabar com as cada vez mais
dispendiosas importações de Madagáscar. Nesse sentido, o governador-geral procurava
fazer com que a população se dedicasse à actividade agrícola no continente fronteiro.
Não sem a consciência dos problemas que, nesse propósito, lhe causava a “invenssivel
preguiça” que dizia afectar tanto “os naturaes de Goa, como os poucos filhos da
Terra”172. Fritz Hoppe notou já que o aproveitamento das terras dos insulares localizadas em Mossuril e nas Cabaceiras se activou um pouco desde a introdução da cultura da
mandioca na costa oriental africana, em 1768173.
Com efeito, em 1769, Pereira do Lago dava conta que a cultura da mandioca era
produzida “com grande fecundidade” por alguns moradores. Mas, aparentemente, não
seria assim tão “grande” a “fecundidade” desta produção ou, pelo menos, o governadorgeral não estaria satisfeito com o número de moradores empenhados na tarefa, porque a
12 de Abril de 1769 decretava a obrigatoriedade do cultivo da mandioca sob pena de
prisão, pagamento de multas e deportação para os portos dependentes para os transgressores174. A 27 de Dezembro desse mesmo ano obrigava também todos os residentes na
Terra Firme (incluindo portugueses, muçulmanos, hindus e africanos) a arrotear estes
terrenos para o cultivo da mandioca, a prepará-los para a plantação de árvores de fruto
(videiras, figueiras, pessegueiros, laranjeiras) e a semear prados para pastagem do
gado175.
Perante a forte oposição da população às obrigações impostas, Pereira do Lago
expediu nova legislação (10 de Outubro de 1770) que procurava, diferentemente da anterior, persuadir os moradores para o cultivo da mandioca através da garantia de imunidade, pelo período de três anos, aos devedores que fizessem prova da plantação anual de
quatro mil pés de mandioca em terra virgem. Assim, a estes devedores não seriam
apreendidos os seus escravos, cujo trabalho podia ser direccionado para a agricultura.
Como este, outros incentivos foram dados pelo governo-geral os quais, porém, até ao
início da década de 1780 não terão suscitado uma grande adesão por parte dos
moradores.
172
Carta do governador-geral Baltazar Pereira do Lago para o capitão da Terra Firme, 20.Dez.1768, Gov.
Moç., cód. 1353, fls. 56-57v; cit. Carta do governador-geral Baltasar Pereira do Lago para o secretário de
Estado, 17.Ago.1766, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 26, doc. 67; Hoppe, 1970: p. 224, 241-243.
173
Hoppe, 1970: p. 242.
174
Carta do governador-geral Baltasar Pereira do Lago para o secretário de Estado, 10.Ago.1769, AHU,
Cons. Ultr., Moç., cx. 29, doc. 54; Rodrigues, 1998; Hoppe, 1970: p. 242.
175
Hoppe, 1970: p. 241-243.
48
Para a forte implantação da cultura da mandioca verificada a partir daí terá antes
sido mais relevante a possibilidade de colocar a farinha produzida a partir da planta em
mercados variados – antes de mais, os Armazéns Reais para alimentação dos militares e
escravos a cargo do governo-geral – e a sua inclusão nas práticas alimentares dos
habitantes da Ilha. O cultivo da mandioca no continente fronteiro estava já definitivamente firmado na década de 1780 com uma produção anual de farinha de c. 30 000 alqueires176. E, nas décadas seguintes, desenvolveu-se a ponto de suprir as necessidades
da guarnição militar, dos insulares e, em parte, das embarcações que aportavam a Moçambique e dos portos dependentes que atravessassem períodos de maior escassez177.
Para a Ilha de Moçambique, a cultura da mandioca desenvolvida no seu termo
resolvia parte do crónico défice alimentar que a afectava. Não só era mais acessível,
porque geograficamente mais próxima e não dependente do ritmo das monções, mas
também mais barata quando comparada com outros cereais, como o arroz e o trigo consumido por europeus e asiáticos178. Constituiu-se, ademais, móbil do desenvolvimento
agrícola e da ocupação territorial do continente adjacente promovidos pelos moradores
e autoridades portuguesas. Em 1787 foram identificados 10 moradores na Cabaceira
Grande e 12 em Mossuril a “fazer farinha de mandioca”. Farinha que, em proporção à
quantidade produzida por cada um, costumavam vender para os Armazéns Reais179.
Alguns anos mais tarde, em 1802, o número destes produtores havia subido para um
total de pelo menos 54 com uma produção total estimada em c. 35.000 alqueires180. No
mesmo ano, os habitantes cristãos exploravam um total de 105 fazendas – cujas produções não se reduziriam necessariamente à mandioca – dispersas pelas povoações do
Lumbo, ilha de Batu, Calundi, Apaga Fogo, Ampapa, Mossuril, Mapeta, Cabaceira
Grande e Cabaceira Pequena. Dispersão geográfica que, aliás, evidencia a (ligeira) expansão da colonização portuguesa às terras em redor da baía de Mossuril localizadas a
176
Rodrigues, 1998. Este artigo de Eugénia Rodrigues é particularmente útil para conhecer a forma como
a mandioca entrou e se desenvolveu na costa oriental africana e os usos que lhe foram dados. Veja-se
também da mesma autora o artigo relativo à nutrição dos moçambicanos onde são abordados alguns
aspectos da preparação e do valor nutricional da mandioca, v. Rodrigues, 2006.
177
Hoppe, 1970: p. 241-243 e Carta de José Ferreira Nobre para o secretário de Estado, 18.Ago.1784,
AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 44, doc. 46.
178
Rodrigues, 1998.
179
Mapa dos moradores e habitantes da Ilha de Moçambique e Terra Firme, 30.Mai.1766, AHU, Cons.
Ultr., Moç., cx. 26, doc. 82; “Rellação dos moradores que fazem farinha de mandioca e a acostumão
Vender para os Reais Armazens de Sua Magestade por Rateyo a porporção do que Cada hum Recolhia”,
3.Set.1787, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 55, doc. 15.
180
“Relação das pessoas que possuem Maxambas, e que huns anos por outros, cultivando-as, pensamos
poderão tirar das mesmas a farinha seguinte”, 20.Mar.1802, AHU, Gov. Moç, cód. 1353, fls. 259v-260v.
49
oeste/noroeste relativamente à Ilha de Moçambique, ou seja, na direcção oposta à área
de povoamento inicial, o Mossuril e as Cabaceiras181.
Cerca de 1800, as autoridades portuguesas tentavam também incentivar a produção de café demandando aos detentores de terras na região da Ilha que o plantassem e
enviassem anualmente para Lisboa na quantia de 10 arrobas. Em 1802, contavam-se 15
produtores de café distribuídos entre Mossuril, Cabaceira Grande, Lumbo, Apaga Fogo
e Mogulumosa. Nesse ano, a soma do café recolhido não ultrapassou, porém, as 4 arrobas o que os oficiais camarários justificavam pelo facto de esta ser uma plantação
recente e que não havia ainda atingido uma plena produção182.
Particularmente no período compreendido entre as iniciativas promovidas por
Baltasar Pereira do Lago para reduzir a dependência dos abastecimentos externos e o
princípio do século XIX, são manifestas as transformações nos espaços territorial, comercial e social do continente fronteiro à Ilha de Moçambique. Nesse entretanto, fosse
instigado pelas autoridades portuguesas, fosse por iniciativa própria, cresceu o interesse
dos moradores pela exploração da Terra Firme. Em 1802, estes eram já proprietários de
um total de 105 fazendas dispersas pelas povoações do Lumbo, ilha de Batu, Calundi,
Apaga Fogo, Ampapa, Mossuril, Mapeta, Cabaceira Grande e Cabaceira Pequena183.
Em suma, é possível presumir que, quer através do aumento do número de propriedades
em posse dos moradores, quer através da referida dispersão geográfica, a área dedicada
ao cultivo agrícola na Terra Firme cresceu de forma expressiva entre c. 1770 e c. 1802
e, bem assim, aumentou a comercialização dos produtos cultivados.
Uma asserção que não contradiz a conjectura atrás formulada sobre o espaço
ocupado pelos portugueses nesta cronologia não ultrapassar os 5 a 6 Km de profundidade interior, uma vez que a extensão da área cultivada parece ter sobretudo
resultado da exploração mais intensiva das parcelas já anteriormente agricultadas e do
aproveitamento das terras até então incultas e menos da apropriação de novas terras para
181
“Mappa do Numero dos Habitantes Christaons, que possuem nas terras do Lumbo, Ilha de Batû,
Calundi, Apagafogo, Ampapa, Monsuril, Mapeta, Cabaceira Grande, e Cabaceira piquena, Cazas,
fazendas Escravos, e da Gente livre, e Feitores, que há nas ditas terras, as quaes são fronteiras a Ilha de
Mossambique”, 20.Ago.1802, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 96, doc. 62.
182
Carta do governador-geral Isidro de Almeida Sousa e Sá para o senado da câmara, 26.Fev.1802, AHU,
Gov. Moç., Cód. 1353, fl.257v-258 e “Relação das pessoas a quem pertencem as Arvores de Café”,
23.Mar.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl. 262.
183
«Mappa do Numero dos Habitantes Christaons, que possuem nas terras do Lumbo, Ilha de Battû,
Calundi, Apagafogo, Ampapa, Monsuril, Mapeta, Cabaceira Grande, e Cabaceira piquena, Cazas,
fazendas Escravos, e da Gente livre, e Feitores, que há nas ditas terras, as quaes são fronteiras a Ilha de
Mossambique», 20.Ago.1802, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 96, doc. 62.
50
além do espaço sob jurisdição portuguesa apesar de, como veremos adiante, numa
extensão muito limitada, a área sob domínio português ter aumentado184.
Muitos dos moradores com acesso à terra eram mercadores envolvidos no
comércio da Ilha. Por exemplo, agentes negreiros que na exploração agrícola das suas
propriedades da Terra Firme encontravam uma forma barata de alimentar os seus
escravos baixando assim os custos associados a este tráfico. Por outro lado, a agricultura
dava-lhes a possibilidade de somar aos lucros do tráfico de escravos os lucros da venda
dos excedentes de produção185. Outros destes moradores eram produtores que, mesmo
sem grande dimensão produtiva, tomavam parte no comércio para conseguir escoar os
seus produtos. Para todos, a agricultura constituiu-se ainda como uma oportunidade de
diversificação dos seus negócios e interlocutores comerciais que os tornava menos
dependentes dos mercadores baneanes que à época dominavam os circuitos comerciais
locais e índicos.
2.3. Dinâmicas de resistência à colonização da Terra Firme
Mas se o termo da Ilha de Moçambique conheceu, em particular nas últimas três
décadas de Setecentos, um processo de expansão territorial, esta não foi, de todo, uma
expansão linear e unidireccional. Pelo contrário. Por diversas vezes, a Terra Firme viveu
“dezordens e desimquitaçoens, pelas continuadas guerras, que não deixão socegar os
habitantes moradores que os impossibilita de poderem tratar da agricultura de seus palmares [e] roças de farinha de pau”186. Relações pacíficas com as chefaturas africanas e
suaílis vizinhas eram, naturalmente, condição necessária à agricultura e ao comércio no
continente fronteiro187. Porém, no decurso da segunda metade de Setecentos foram
recorrentes os confrontos militares entre portugueses, macuas e suaílis, sobretudo em
função do crescimento do tráfico negreiro mas também das transformações comerciais
resultantes do estabelecimento da liberdade de comércio, em 1757.
Com efeito, a ida das populações macuas e ajauas à Terra Firme era apenas uma
das formas de comerciar. Outra das formas de fazer comércio passava por enviar patamares ao sertão mais ou menos distante para participarem nas feiras e povoações do
interior continental. Um procedimento que se tornou recorrente após a decisão de abrir o
184
V. Capítulo 3, em especial a alínea 3.2..
Rodrigues, 1998.
186
Carta do capitão-mor da Terra Firme Francisco de Santa Teresa para o governador-geral, 21.Dez.1779,
AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 30-A, doc. 35.
187
Newitt, 2004: p. 33-34 e Hoppe, 1970: p. 71.
185
51
comércio nos portos moçambicanos a todos os súbditos do Estado da Índia, em 1757. A
partir daquele ano, a comunidade baneane, até aí limitada no seu comércio à Ilha de
Moçambique, expandiu-se ao continente adjacente de onde logrou intensificar as suas
actividades e ampliar a sua rede de relações mercantis tornando-se interlocutora
privilegiada de suaílis, macuas e ajauas.
Os baneanes, no entanto, não se limitaram a comerciar no continente próximo
desencadeando significativas transformações no comércio da capitania de Moçambique.
Na expectativa de ampliar os seus lucros, aumentaram as importações de panos e contas
e passaram a enviar patamares às feiras e povoações do interior. A situação provocou a
descida dos preços destes produtos e o desvio das populações africanas que habitualmente se deslocavam à Ilha de Moçambique para comerciar. Os portugueses viram
assim reduzidas as transacções com macuas e ajauas, que entretanto evitavam dirigir-se
à região, e eram obrigados a pagar os preços exigidos por aqueles que ainda optavam
por o fazer188. Naturalmente que, neste contexto, os baneanes foram tidos como a
“cauza” da desordem do comércio da Terra Firme, das “hostelidades” e das guerras
“injustas” com que os portugueses se confrontavam, pois tinham “absolutamente
co[rrom]pido os custumes dos cafres, e destruido o bom methodo com que antigamente
se comerciava com eles”189.
Mas, para lá das alterações às relações comerciais entre portugueses, macuas e
ajauas provocadas pela crescente influência económica da comunidade banenane, a razão iminente dos conflitos no continente fronteiro à Ilha de Moçambique foi a intensificação do tráfico de escravos na região. Rodeada por chefaturas macuas e suaílis e
insuficientemente guarnecida de efectivos e material de guerra, a Terra Firme viveu
durante o período em análise sob constante pressão militar. Em diferentes conjunturas,
as autoridades portuguesas aliaram-se temporariamente a uns ou a outros com o objectivo de alcançarem alguma supremacia sobre os opositores, muitas vezes, explorando as
rivalidades entre as próprias chefias políticas africanas190.
188
Hoppe, 1970: p. 183-187; Antunes, 2001: p. 137-139. Veja-se, por exemplo, a Carta dos moradores
para o Senado da Câmara, s.d [1784], AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 47, doc. 39 onde estes se queixam da
transgressão dos bandos emitidos pelos governadores-gerais David Marques Pereira (11.Mai.1758), Pedro
Saldanha de Albuquerque (1.Mai.1761) e João Pereira da Silva Barba (31.Jan.1763, 7.Mar.1765 e
7.Mar.1775) que proibiam os baneanes de comerciarem e se estabelecerem na Terra Firme.
189
Carta dos mercadores da praça de Moçambique para o Senado da Câmara, 9.Out.1782, AHU, Cons.
Ultr., Moç., cx. 40, doc. 4.
190
Hoppe, 1970: p. 183-187, 314-315; Rodrigues, 2006a: p. 60-62; Carta do governador-geral Baltasar
Pereira do Lago para o secretário de Estado, 15.Ago.1776, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 30-A, doc. 12.
52
2.3.1. As chefaturas macuas
A Macuana – ou seja, o sertão além da Terra Firme que tinha como limites prováveis Memba, a norte, Angoche, a sul, e a ocidente se estendia sem limite definido –
encontrava-se grosso modo dividida em dois territórios: i) Uticulo, localizado entre 45 a
60 Km da linha de costa e tendo como principais chefes de linhagem (ou “régulos”,
como eram designados pelos portugueses) Mauruça, Morimuno e Maviamuno; ii) Cambira, cujo chefe de linhagem era Macutomuno, tradicional inimigo de Uticulo que habitaria a região a sudoeste da Ilha191 (v. Mapa 3). Desde o início de Seiscentos que há
referências a ataques macuas às povoações do litoral fronteiro à Ilha de Moçambique,
então protagonizados pelo chefe Mauruça dado como o mais poderoso dos chefes do
Uticulo. Apesar da escassez de informações, a historiografia parece concordar que,
desde então até às primeiras décadas do século XVIII, as relações entre portugueses e
macuas se desenrolaram de forma relativamente pacífica. Na década de 1720, incidentes
idênticos aos do início de Seiscentos ter-se-ão ficado a dever à crescente afluência dos
ajauas na Terra Firme e à consequente perda de preeminência dos macuas enquanto
intermediários do comércio de marfim praticado com o interior192.
A segunda metade de Setecentos ficou marcada por repetidos confrontos entre
portugueses e macuas, nomeadamente a partir da campanha militar dirigida pelo governador-geral Francisco de Melo e Castro (1750-1758) contra o régulo Morimuno, em
1753. A chegada a Moçambique de 315 soldados e os constantes cortes ao trânsito das
caravanas ajauas que se dirigiam a Mossuril por parte dos macuas parecem ter justificado a ofensiva. Esta contou com a colaboração dos xecados de Sancul e Quitangonha
até ao momento em o xeque de Sancul foi morto pelo oficial que comandava o contingente português. Em resposta ao sucedido as forças suaílis retiraram-se. Em clara desvantagem militar a partir daí, os portugueses acabaram por perder pelo menos metade
dos seus efectivos193.
Posteriores investidas do xeque de Quitangonha forçaram o deslocamento das
forças de Morimuno para o interior embora, pouco tempo depois, por acção conjunta
deste e do chefe Mauruça, os ajauas tenham estado impedidos de atravessar a Macuana
191
Rita-Ferreira, 1982: p. 157-161; Lobato, 1989: p. 107; Serra, 1986: p. 93-95.
Frei João dos Santos, Etiópia Oriental (1609): p. 249; Alpers, 1975: p. 82-85, 104-113; Serra, 1986: p.
93-95.
193
Rita-Ferreira, 1982: p. 158-160 e Alpers, 1975: p. 104-110.
192
53
para ir negociar à Terra Firme durante um período de cerca de dois anos194. Apesar das
constantes “insolências e roubos”, por temer o sucedido em 1753, o governador-geral
Baltasar Pereira do Lago só em 1766 reagiu militarmente, na sequência de novos ataques ao termo da Ilha e às caravanas ajauas. A campanha de 1766 juntou portugueses, o
xecado de Quitangonha e alguns chefes macuas contra os régulos de Uticulo e Cambira
mas revelou-se inconsequente195.
Ainda assim, a Ilha de Moçambique viveu um período de relativa tranquilidade
ao longo dos dez anos seguintes. A partir de 1776, porém, recrudesceram as hostilidades
entre portugueses e macuas. Até determinada altura, o comércio de escravos no litoral
moçambicano contribuiu para o aumento do poder militar das populações macuas. Não
só porque a aquisição de panos e de contas permitia aos chefes de linhagem recompensar os seus seguidores e atrair novos aliados, mas ainda porque o resgate das mercadorias africanas por franceses, luso-brasileiros, suaílis e, inclusive, portugueses passou
também a correr a troco de armas e pólvora. A venda de material de guerra aos macuas
visava facilitar-lhes a captura de escravos e de elefantes para a extracção de marfim e
realizou-se de forma clandestina até 1787, ano em que as autoridades portuguesas levantaram a proibição ainda que unicamente em troca de escravos196.
Mas para o recrudescer dos confrontos na Terra Firme mais relevante ainda parece ter sido o crescente envolvimento dos macuas nas redes do tráfico negreiro na condição simultânea de vendedores e escravizados. Com efeito, de acordo com José Capela,
os escravos comerciados na Ilha de Moçambique eram maioritariamente de origem macua, preferidos aos escravos comprados aos mercadores ajauas que apresentavam maiores taxas de mortalidade em resultado das longas viagens e da adaptação ao ambiente
litoral. Os macuas eram também os principais fornecedores de escravos, tanto dos mercadores portugueses, como dos mercadores baneanes e suaílis. A aquisição de escravos
era feita pelos patamares ao serviço dos negreiros fixados na região, ou por compra
junto dos chefes de linhagem da Macuana ou dos seus representantes que os apresavam
194
Alpers, 1975: p. 104-110; Rodrigues, 2006a: p. 62; Rita-Ferreira, 1982: p. 159-160; Lobato, 1989: p.
88.
195
Cit. Carta do governador-geral Baltasar Pereira do Lago para o secretário de Estado, 20.Ago.1766,
AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 26, doc. 78; Carta do capitão-mor das Cabaceiras Francisco Pereira
Henriques para o governador-geral, 23.Ago.1766, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 26, doc. 91; Alpers, 1975:
p. 110-113.
196
Carta do governador-geral Baltasar Pereira do Lago para o secretário de Estado, 15.Ago.1776, AHU,
Cons. Ultr., Moç., cx. 30-A, doc. 12; Alpers, 1975: p. 150-157, 194-196; Rita-Ferreira, 1982: p. 160-161;
Capela, 2002: p. 46. Ver também nota 57.
54
entre linhagens inimigas, ou ainda através de razias feitas no interior próximo pelos
mesmos negreiros portugueses, baneanes e suaílis197.
O ataque de 6 de Janeiro de 1776 ao Mossuril parece, precisamente, ter sido a
reacção do chefe Morimuno a uma destas razias para captura de escravos na região de
Voacela198 levada a cabo pelo capitão-mor da Terra Firme João Francisco Delgado e por
Mateus Coelho Soares, então um dos mais influentes moradores da Ilha de Moçambique. O xeque da Quitangonha participou no ataque como aliado de Morimuno e, em
resposta, as autoridades portuguesas reuniram o apoio de cerca de vinte régulos de
Cambira liderados por Macutomuno “que sempre forão uteis pellas suas agriculturas, e
boa amizade com os Portuguezes” e contra-atacaram Morimuno conseguindo expulsá-lo
do seu território e afastá-lo para o interior199.
Até cerca de 1784 não cessaram, contudo, os conflitos entre portugueses e macuas. As instáveis condições vividas, tanto na Terra Firme como na Macuana, dificultavam o trânsito das caravanas ajauas que tinham a Ilha de Moçambique como destino.
Frequentemente, os macuas bloqueavam a passagem dos ajauas impedindo-os de chegar
às feiras da região para negociar com os mercadores locais. Os ataques macuas dirigiam-se também contra os patamares enviados às feiras e povoações do interior continental aos quais roubavam as mercadorias destinadas a esse comércio. Nestas circunstâncias, as autoridades portuguesas decidiram organizar nova ofensiva contra os chefes
do Uticulo, mais uma vez com o apoio dos xecados de Sancul e Quitangonha e juntando
ainda as forças do chefe macua Comala (ou Inhamacoma)200.
Com excepção do chefe Mauruça, a campanha de 1783-1784 atenuou as “suprezas violentíssimas” que os macuas faziam às povoações da Terra Firme e colocou os
portugueses “em huma paz pacifica” com todos os chefes do Uticulo. As condições de
paz acordadas entre ambos previam o fim das hostilidades contra os portugueses e, bem
assim, o fim das guerras entre as diferentes linhagens macuas, o apoio militar em caso
de ameaças externas, a devolução dos escravos dos habitantes portugueses refugiados na
Macuana e o livre-trânsito das caravanas ajauas. A 24 de Julho de 1784, o chefe Morimuno declarou-se vassalo e cedeu formalmente o seu território à Coroa portuguesa, o
197
Capela, 2002: p. 43, 247-250 e Alpers, 1975: p. 194-196.
Território localizado a duas léguas de Mossuril na direcção de Uticulo chefiado por Comala que,
alegadamente, se encontrava sob tutela política de Morimuno, v. Alpers, 1975: p. 152-153.
199
Alpers, 1975: p. 152-157; Rita-Ferreira, 1982: p. 160-161; Carta do governador-geral Baltasar Pereira
do Lago para o secretário de Estado, 15.Ago.1776, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 30-A, doc. 12.
200
Rita-Ferreira, 1982: p. 154-156.
198
55
qual incluía as povoações de Mutipa – à distância de cerca de 8 léguas da Terra Firme,
ou seja, cerca de 52 Km201 –, Namuxixi, Greja e Namusupe “com todos os seus destrictos e pretenças”202.
Não obstante, cerca de 1807, as queixas dos habitantes portugueses contra os
macuas, a quem acusavam de continuar a roubar as mercadorias despachadas para o
sertão e de aquartelar os escravos fugidos das suas terras sem sequer os entregarem
contra o pagamento de vinte cruzados como era costume, motivaram nova ofensiva
contra Morimuno pois, muito embora estes fossem comportamentos comuns a “todos os
regulos, e potentados do continente”, “o mais desaforado que havia, e o [de] mais facil
acesso era Morimuno”203.
2.3.2. Os xecados de Quitangonha e Sancul
A expansão do tráfico de escravos verificada sobretudo de 1770 em diante conduziu necessariamente ao enfraquecimento das populações africanas implicadas neste
comércio e à quebra de poder das chefaturas da Macuana. Para os portugueses esta situação, depois de longos esforços para suster as investidas macuas sobre a Terra Firme,
acabou por se traduzir num ganho territorial – ainda que, provavelmente, pelo menos no
curto prazo, com pouca expressão prática – e numa relativa pacificação da região da
Ilha nos onze anos seguintes, entre 1784 e 1795. Por sua vez, para as populações suaílis
vizinhas, em particular para as chefaturas da Quitangonha, a participação no tráfico de
escravos gerou novas perspectivas de negócio e um acréscimo de poder cujos esforços
de conservação colocaram de novo a região em estado de guerra. A influência suaíli
sobre o comércio praticado na região cresceu precisamente a partir do momento em que
os escravos se começaram a substituir ao marfim como principal produto de exportação
da costa oriental africana204.
201
Carta do tenente-coronel Vicente Caetano da Maia e Vasconcelos para o Marquês de Angeja,
18.Ago.1784, AHU, Cons. Ultr., Moç, cx. 44, doc. 45. Mais uma vez, tendo como referência que uma
légua equivalia a 6,54 Km (Marques, 2006: p. 23) ou a uma hora de caminho (Hoppe, 1970: p. 319).
202
Cit. Carta do tenente-coronel Vicente Caetano da Maia e Vasconcelos para o secretário de Estado,
20.Ago.1785, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 50, doc. 24 e Auto de vassalagem do régulo Morimuno,
24.Jul.1787, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 55, doc. 92, respectivamente; Carta dos governadores interinos
para o secretário de Estado, 6.Ago.1784, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 47, doc. 3; Alpers, 1975: p. 152157.
203
“Relatório dirigido ao Visconde de Anadia pelo coronel de milícias comunicando o estado de rebeldia
dos régulos das Terras Firmes”, 9.Out.1807, Soc. Geog. Lisboa, Res. 1 - Est. 145 - Pasta L - N.º 17 e
Alpers, 1975: p. 196.
204
Alpers, 1975: p. 194-196; Capela, 2008: p. 27; Serra, 1986: p. 126.
56
No âmbito deste comércio, os mercadores suaílis, como de resto os portugueses,
prosperaram enquanto intermediários entre as populações africanas e os mercadores
externos que ali vinham abastecer-se de escravos. Contudo, no quadro legal da Monarquia portuguesa estavam proibidos os negócios com outras nações europeias nos portos
ultramarinos. Uma situação da qual beneficiaram os núcleos suaílis vizinhos que comerciando sem restrições se tornaram interlocutores privilegiados de franceses, os primeiros
a demandarem a costa oriental africana de forma sistemática à procura de mão-de-obra
escrava para as plantações das suas colónias, mas também dos mercadores muçulmanos
das Comores, Zanzibar, Madagáscar e Península Arábica com os quais partilhavam laços sociais e religiosos205.
As relações entre suaílis e portugueses agravaram-se sobretudo a partir do momento em que a venda de escravos aos franceses foi tacitamente autorizada no porto da
Ilha de Moçambique, em 1787206. Até então, como vimos, em quase todos os confrontos
contra as chefaturas macuas, os xeques de Sancul e Quitangonha haviam-se associado
às autoridades portuguesas. Por um lado, interessava-os o aprovisionamento de escravos
que podia decorrer desses confrontos. Por outro, contendiam para dominar um dos seus
principais concorrentes comerciais, já que os chefes macuas procuravam quebrar a intermediação e aumentar os seus lucros através do estabelecimento de relações directas
com os mercadores externos à região207.
De acordo com Nancy Hafkin, nos dois séculos anteriores e ao longo dos três
primeiros quartos do século XVIII, de um modo geral, portugueses e suaílis estabeleceram e conservaram relações de tolerância mútua. Sob a promessa de lealdade e de protecção militar contra as chefaturas macuas do interior, os xeques de Quitangonha e Sancul foram sendo integrados na hierarquia administrativa portuguesa. Os governadoresgerais confirmavam a investidura de cada novo xeque, era-lhes passada uma carta-patente e pago um soldo mensal através da Fazenda, a exemplo dos demais oficiais portugueses. As relações decorriam também da dependência alimentar da Ilha e do facto dos
xecados serem dois dos seus principais fornecedores. Um comércio que se exercia nos
dois sentidos, tanto com os suaílis a dirigirem-se à Terra Firme como com os portugue-
205
Mbwiliza, 1991: p. 30, 43-44; Capela, 2002: p. 108; Hafkin, 1973: p. 25-28; 51-53.
Capela, 2002: p. 46.
207
Mbwiliza, 1991: p. 43-44; Hafkin, 1973: p. 94-95; Serra, 1986: p. 95-96.
206
57
ses a deslocarem-se às povoações suaílis208. Desde a introdução da cultura da mandioca
que, para além de alimentos, o comércio com os vizinhos da Quitangonha se baseava
também na compra de escravos para mão-de-obra agrícola daquelas plantações. Artigos
adquiridos sobretudo a troco de panos indianos, os quais posteriormente eram vendidos
pelos suaílis aos macuas por, entre outras coisas, marfim e mel209.
Apesar da inclusão na hierarquia administrativa e, de resto, da grande proximidade com os portugueses, os xecados de Quitangonha e de Sancul conservaram um elevado grau de autonomia. A vivência tolerada assente na partilha de interesses que marcara as anteriores relações entre portugueses e suaílis alterou-se, porém, nas duas últimas décadas de Setecentos com a entrada maciça dos franceses no trato da costa oriental
africana. Os lucros gerados pelo tráfico de escravos com o novo parceiro comercial induziram a mudança de comportamento do xeque da Quitangonha, Toacali Hija, e parecem ter-lhe fornecido a motivação e os meios necessários para reforçar a autonomia
relativamente aos portugueses e para aumentar a influência sobre as chefaturas macuas.
Após o ataque de 1776 a Mossuril em que participou como aliado de Morimuno e de
uma nova ofensiva sobre a Terra Firme em 1786, o xeque da Quitangonha empreendeu
uma guerra em larga escala contra os portugueses em 1795-1796. Movia-o a defesa da
sua autonomia e a continuidade do comércio com os franceses. O continente fronteiro à
Ilha de Moçambique foi o palco da guerra que redundou no triunfo militar e económico
suaíli com o fornecimento de escravos aos mercadores portugueses a ser largamente
afectado no momento seguinte210.
O reconhecimento da situação e da falta de capacidade militar para a contrariar,
levaram o governador-geral recentemente empossado, Francisco G. C. Meneses da
Costa (1797-1801), a “oferecer perdão” a Toacali Hija. Ou antes, o governador-geral fez
“espalhar, não com vozes de susto, que se ele pedisse perdão (…) estaria nas circunstancias de o obter atendendo á alta benegnidade de Sua Magestade, e ao muito que se
nos fazia precizo a união deste cheque, e dos vasalos portuguezes nas actuaes circunstancias para a defeza do Estado, procurando até deminuir a qualidade do seu crime por
208
Passaporte passado a António da Costa Xavier para ir comprar mantimentos e madeira à Quitangonha,
15.Abr.1803, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 99, doc. 24 e Tradução da carta do xeque da Quitangonha
Toacali Hija para o governador-geral Isidro de Almeida Sousa e Sá e sua mulher, s.d. [antes de
18.Jan.1801], AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 89, doc. 31.
209
Hafkin, 1973: p. 91-121. Veja-se uma relação dos “empregos da Terra Firme” e dos respectivos
vencimentos pagos a cada um in “Relação do vencimento geral das folhas Ecleziasticas, Militares, Civis,
e outras abaixo declaradas, assim desta Capital; como dos Portos Subordinados”, s.d. [1797], AHU, Cons.
Ultr., Moç.,cx. 79, doc. 52.
210
Hafkin, 1973: p. 28, 91-121 e Antunes e M.Lobato, 2006: p. 271.
58
se não vir a fazer tam sensivel a falta do castigo”211. Na prática, o governador português
reconhecia a incapacidade para suster os suaílis de Quitangonha. O “perdão português”
foi aceite por Toacali Hija sob alegação de que sempre fora um “vassalo fiel” e que não
havia “feito mal nenhum contra [a] Coroa [portuguesa]”, porém, se o governador-geral
julgasse que sim, então, que o perdoasse. Não obstante, este foi um acto meramente formal. No momento imediatamente seguinte, o xecado de Quitangonha continuou a invadir a Terra Firme e a incorrer em práticas comerciais que os portugueses consideravam
lesivas para os seus interesses, por exemplo, convidando as populações de Zanzibar, de
Mascate, de Madagáscar e os franceses das Mascarenhas para comerciarem nas suas
praias212.
Cerca de um ano depois, os portugueses decidiram empreender uma ofensiva em
larga escala contra aquele xecado por violação das leis gerais que regulavam o seu
comércio. As expedições de 1799-1801 contaram com o apoio das chefaturas macuas de
Morimuno, Maviamuno (sobrinho daquele) e do xeque de Sancul, e, embora sem uma
vitória militar cabal da coligação luso-macua-suaíli, terminaram com o xeque Toacali
Hija a, efectivamente, pedir perdão ao governador-geral Meneses da Costa e a reiterar a
sua condição de “fiel vassalo”.
Nancy Hafkin considera que esta terá sido a forma encontrada pelos suaílis da
Quitangonha em se acomodarem à presença portuguesa. Uma presença que estariam
dispostos a tolerar mediante a conservação de relações pacíficas que lhes permitissem
continuar o seu comércio e cujas formalidades estariam dispostos a aceitar desde que
não interferissem com a sua liberdade de acção213. Nesta, como na já citada declaração
de vassalagem do chefe Morimuno em 1784, os portugueses fizeram uso de um dispositivo jurídico que se tornou relativamente comum no relacionamento com os potentados africanos e asiáticos entre os séculos XVII e XIX, o contrato de vassalagem, enca-
211
Carta do governador-geral Francisco G. C. Meneses da Costa para o secretário de Estado,
24.Nov.1797, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 79, doc. 12.
212
Cit. Tradução da carta do xeque da Quitangonha para o governador-geral Francisco G. C. Meneses da
Costa, 7.Nov.1797, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 79, doc. 12; Carta do governador-geral cessante
Francisco G. C. Meneses da Costa para o novo governador-geral Isidro de Almeida Sousa e Sá,
11.Jan.1802, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 92, doc. 27; Hafkin, 1973: p. 97-107.
213
Cit. Tradução da carta do xeque da Quitangonha Toacali Hija para o governador-geral Isidro de
Almeida Sousa e Sá, ant. 1.Nov.1801, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 89, doc. 31; Carta do governadorgeral Francisco G. C. Meneses da Costa para o secretário de Estado, 25.Ago.1799, AHU, Cons. Ultr.,
Moç., cx.83, doc. 9; Hafkin, 1973: p. 97-107.
59
rado, segundo António Vasconcelos de Saldanha como uma “solução de ordenamento e
pacificação interna das autoridades tradicionais”214.
2.4. A Terra Firme entre discursos e práticas
Assim, na segunda metade de Setecentos a Terra Firme foi palco, não só do comércio e da agricultura, mas também dos conflitos entre portugueses, macuas e suaílis.
Ao longo do período cronológico focado neste trabalho esses momentos foram pelo
menos seis: 1766, 1776, 1783-1784, 1786, 1795, 1799-1801. E se, na prática, nem todos
tiveram lugar na Terra Firme, indirectamente todos tiveram um impacto profundamente
negativo sobre o comércio e a agricultura ali praticados pelos portugueses. Com efeito,
estas foram actividades largamente afectadas pela instabilidade vivida na região na segunda metade do século XVIII, quer em resultado directo dos conflitos com a consequente destruição de casas, palmares e fazendas, quer em função da perda de vidas humanas, do desvio da mão-de-obra escrava dos trabalhos agrícolas para os esforços de
guerra e de todas as despesas associadas, nomeadamente os saguates remetidos às chefaturas africanas como forma de granjear apoios militares215.
Também a simples iminência de novos ataques perturbava o trato das terras e dificultava a prática diária do comércio aos habitantes da Terra Firme216. Segundo o tenente-coronel e à época governador interino Vicente Caetano da Maia e Vasconcelos,
“todos os Povos da terra firme (…) bastava ouvirem dizer guerra para tudo dezamparar
suas cazas, e meterem-se nas embarcações”217. Nessas ocasiões, os continentais
procuravam refúgio, ou no recinto insular, ou na fortaleza de São José de Mossuril, já
que nem sempre existia número suficiente de embarcações para transportar toda a população para a Ilha. Assim, por vezes durante largos períodos, as propriedades do continente ficavam “dezamparadas” dos “seos senhorios uteis”218. Períodos ao longo dos
quais permaneciam entregues ao cuidado do respectivo capitão ou administrador de
214
Saldanha, 2005: p. 397-398. O tratado de 1629 com o Estado do Monomotapa que havia conferido aos
portugueses a soberania formal sob um extenso território no vale do Zambeze é talvez o mais conhecido
exemplo de um destes contratos na região da costa oriental africana.
215
V. Relação da despesa feita com as Guerras de Quitangonha, 22.Dez.1801, AHU, Cons. Ultr., Moç,
cx. 88, doc. 33.
216
Carta do governador-geral Baltasar Pereira do Lago para o secretário de Estado, 15.Ago.1778, AHU,
Cons. Ultr., Moç., cx. 30-A, doc. 26 e Carta de José Ferreira Nobre para o secretário de Estado,
18.Ago.1784, AHU, Cons. Ultr., Moç, cx. 47, doc. 46.
217
Carta do tenente-coronel Vicente Caetano da Maia e Vasconcelos para o Marquês de Angeja,
18.Ago.1784, AHU, Cons. Ultr., Moç, cx. 44, doc. 45.
218
Cit. Carta do governador-geral Baltasar Pereira do Lago para o secretário de Estado, 15.Ago.1776,
AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 30-A, doc. 12.
60
cada palmar ou fazenda ou “à administração de alguns seos captivos”219. Com o
objectivo de evitar os prejuízos decorrentes de alertas infundados de guerras e ataques
macuas e suaílis, o governo-geral chegou a emitir bandos compelindo os foreiros da
Terra Firme a tomar as cautelas necessárias para a protecção dos seus bens e a decretar a
prisão daqueles que espalhassem falsas notícias sobre possíveis ataques220.
Empiricamente, os conflitos registados e, não menos, os momentos de colaboração entre portugueses, macuas e suaílis que caracterizaram a segunda metade de Setecentos testemunham os processos de expansão territorial e de extensão da influência
portuguesa um pouco mais para além da Ilha de Moçambique do que o verificado até
então221. Estes processos decorreram de forma gradual e, mais do que por via da força,
tiveram por base a intensificação das actividades de comércio e de exploração agrícola
verificadas na Terra Firme, já que os portugueses se confrontavam com uma manifesta
inferioridade de meios humanos e militares por comparação com aquelas populações
para levarem a cabo uma política de conquista. Neste quadro, importa conhecer um
pouco melhor o ponto de vista das autoridades central e local sobre o assunto. Quais os
discursos formulados sobre as relações portuguesas com macuas e suaílis? E qual a prática destes discursos?
No rescaldo da campanha de 1783-1784 contra o chefe Morimuno, discutindo-se
o recado de Comala – chefe macua aliado que pretendia voltar ao Uticulo, arrasá-lo por
completo, colocar como régulo daquele território um sobrinho seu e, para o efeito, pedia
dois frascos de pólvora ao capitão-mor da Terra Firme João Vicente de Cardenas e Mira
–, o governo interino (1783-1786) desaconselhava o apoio e a entrega da pólvora pedida. O capitão-mor da Terra Firme era ainda aconselhado a responder que aquelas
“eram novas ordens da Soberana” e que, por isso, o governo-geral não podia “dar hum
passo de adiantamento nesta matéria”222.
No que se referia à guerra de 1799-1801 contra o xecado da Quitangonha, os
oficiais da Terra Firme consultados sobre a evolução do conflito defendiam, pelo con219
Cit. Bando do governador-geral Francisco G. C. Meneses da Costa, 26.Out.1798, AHU, Cons. Ultr.,
Moç., cx. 83, doc. 9. Ver também Carta do capitão de infantaria José António Caldas para o governadorgeral, 20.Set.1799, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 83, doc. 63; Carta do governador-geral Francisco G. C.
Meneses para o secretário de Estado, 9.Abr.1799, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 82, doc. 5.
220
Bando do governador-geral D. Diogo de Sousa Coutinho, 6.Mai.1795, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 70,
doc. 74 e Bando do governador-geral Francisco G. C. Meneses da Costa, 26.Out.1798, AHU, Cons. Ultr.,
Moç., cx. 83, doc. 9.
221
Mbwiliza, 1991: p. xvi.
222
Carta do capitão-mor da Terra Firme João Vicente de Cardinas e Mira para os governadores interinos,
16.Out.1784, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 48, doc. 19.
61
trário, uma postura mais agressiva do então governador-geral Francisco Guedes de Carvalho Meneses da Costa (1797-1801) que, diziam, precisava renunciar à esperança de
conseguir “huma reconcilliação tantas vezes solicitada pelo Estado, e tantas vezes prometida pelo Xeque, com o único intuito de se perpetuar na independencia, e cometer
com segurança as hostilidades que sempre maquinou”. Parecia-lhes impossível alcançar
a paz e pôr cobro a estas “hostilidades” por outra via que não a das armas e, não menos,
do que por via de uma “guerra viva” e não de uma “guerra defensiva” como a que até
então os portugueses vinham praticando e que, a longo prazo, consideravam ser mais
dispendiosa. Tanto mais que, pelo particular conhecimento que tinham dos usos e costumes dos chefes macuas vizinhos, julgavam ser mais vantajoso manter a aliança conjuntural com estes últimos, evitando uma guerra que seria ainda mais onerosa para a
Fazenda Real do que aquela que estava em curso contra Quitangonha, pois acreditavam
que “todos os [macuas] que não combaterão para o estado, combaterão contra ele”223.
A este propósito, o governador-geral Meneses da Costa lembrava que “a idea
dos homens, e as suas openioens não são todas igoaes”. De facto, por detrás da postura
belicosa dos oficiais da Terra Firme estaria muito provavelmente a defesa dos seus próprios interesses. Os capitães-mores e demais oficiais da Terra Firme eram uns dos mais
activos agentes negreiros. Manter a região em “estado de sítio” constituía-se como uma
forma fácil de dispor de escravos para alimentar os seus negócios. Daí provavelmente,
neste caso em particular, fazerem a apologia da guerra contra o xecado de Quitangonha
cuja eventual derrota poderia, ademais, representar a perda de preeminência do principal
concorrente comercial. Daí também, de uma forma geral, as atitudes abusivas e discricionárias com que eram acusados de tratar as populações macuas e suaílis vizinhas na
prossecução das suas ambições pessoais. Atitudes impostas a coberto da autoridade que
no quadro da administração portuguesa o ofício lhes conferia e em resultado das quais o
comércio da restante comunidade portuguesa foi largamente afectado, já que alguns dos
ataques e dos bloqueios à passagem das caravanas ajauas por parte dos macuas terão
sido a resposta às técnicas agressivas de comércio – mormente o confisco de escravos –
praticadas pelos oficiais da Terra Firme224.
Também o anterior governador-geral, D. Diogo de Sousa Coutinho (1793-1797)
defendia a continuidade da guerra contra o xecado de Quitangonha. Porém, por seu
223
Carta dos oficiais da Terra Firme para o governador-geral Francisco G. C. Meneses da Costa,
24.Set.1801, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 89, doc. 14.
224
Hafkin, 1973: p. 24-26, 89-90, 115-120 e Capela, 2002: p. 248.
62
lado, como vimos atrás, o governador-geral então em exercício, Meneses da Costa, reconhecia que uma postura de não-agressão era a que mais interessava aos portugueses
tendo sobretudo em conta a desproporcionalidade de forças entre as partes envolvidas.
Segundo este último, o xeque Toacali Hija tinha sob o seu comando cerca de 1000 homens, enquanto no final do século XVIII na ilha-capital, onde à época estavam concentrados quase todos os recursos militares da colónia, o número máximo de efectivos seria
de aproximadamente 500. Quanto aos macuas, só o chefe Morimuno por ocasião do
ataque ao Mossuril em 1776 havia conseguido reunir uma força de 8000 homens225.
Não obstante as necessárias reservas relativamente à grandeza das forças macuas e suaílis, era evidente que os portugueses não dispunham dos meios suficientes para oporem
por si mesmos resistência a estas populações e que, assim sendo, para manterem a sua
posição na região foram obrigados a estabelecer alianças com uns e com outros de
acordo com as diferentes conjunturas políticas, económicas e militares.
Tal como Meneses da Costa, o governador-geral seguinte, Isidro de Almeida
Sousa e Sá (1801-1805), sustentava uma postura de não-agressão. Só nos casos em que
não lhe fosse possível “reconciliar[-se] com esta qualidade de rebeldes (…) com razoes,
e algumas dadivas” os reprimiria pela força. Não mais do que uma guerra defensiva,
portanto, pois na sua opinião aumentar os domínios portugueses na África Oriental era
gastar a Fazenda Real “sem utilidade”. E não havendo “meyos para couza algua” o indispensável era que do reino fossem enviados instrumentos e mão-de-obra para a exploração agrícola e também oficiais para servirem nos postos superiores da administração
militar. No intento de desenvolver a agricultura, contudo, não deixava de considerar que
o melhor seria expulsar os suaílis vizinhos de Sancul e Quitangonha pois as terras ocupadas por estes eram as mais próximas e as melhores pela “fecundidade de aguas nativas”226.
Pelo menos na conjuntura das duas últimas décadas de Setecentos, tendo conhecimento da difícil situação político-militar vivida na capital dos domínios portugueses
na África Oriental, Lisboa recomendava a manutenção de relações pacíficas com as
225
Carta do governador-geral Francisco G. C. Meneses da Costa para o secretário de Estado, 1.Nov.1801,
AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 90, doc. 2; Carta do governador-geral Francisco G. C. Meneses da Costa
para o secretário de Estado, 24.Nov.1797, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 79, doc. 12; Hafkin, 1973: p. 102105.
226
Carta do governador-geral Isidro de Almeida Sousa e Sá para o secretário de Estado, 23. Set.1801,
AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 89, doc. 11; Carta do governador-geral Isidro de Almeida Sousa e Sá para o
secretário de Estado, 13.Jan.1801, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 92, doc. 27; Carta do governador-geral
Isidro de Almeida e Sá para o secretário de Estado, 25.Jul.1802, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 93, doc. 97
63
populações africanas vizinhas em prol do desenvolvimento do comércio e, nesse sentido, dava instruções para que não fossem feitas mais “conquistas nestas terras em benefício da Coroa”227. Também para os moradores, mercadores e generalidade da comunidade portuguesa um quotidiano tranquilo e sem os recorrentes conflitos que ditavam a
destruição dos seus bens, os impediam de cultivar as suas terras e de praticar os seus
negócios era certamente mais desejado, como aliás atestam os remetidos lamentos às
autoridades portuguesas nesse sentido228.
Assim, no cômputo geral, a postura a observar parecia ser relativamente consensual: todos, ou quase todos, pareciam crer que a convivência tanto quanto possível pacífica era o que mais convinha aos interesses portugueses. Mas, para além dos discursos –
tantas vezes pícaros e contraditórios –, a realidade era bastante mais complexa. Na prática, confinados entre várias unidades políticas africanas e limitados pelos escassos recursos demográficos, militares e financeiros, para continuarem a existir em Moçambique os portugueses encontravam-se dependentes dos africanos e, por isso, praticaram
uma política circunstancial consubstanciada no constante fazer e desfazer de guerras e
alianças, ora com macuas ora com suaílis. Ou, nas palavras de Nancy Hakfin, adoptaram uma “política de mera sobrevivência”229.
227
Carta do capitão-mor da Terra Firme João Vicente de Cardenas e Maia para os governadores interinos,
16.Out.1784, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 48, doc. 19 e Carta dos oficiais da Terra Firme para o
governador-geral Francisco G. C. Meneses da Costa, 24.Set.1801, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 89, doc.
14.
228
Carta dos mercadores da praça de Moçambique para o Senado da Câmara, 9.Out.1782, AHU, Cons.
Ultr., Moç., cx. 40, doc. 4 e Carta dos moradores da Ilha de Moçambique para o Senado da Câmara, s.d.
[1784], AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 47, doc. 39.
229
Hafkin, 1973: p. 100, 105 e Rita-Ferreira, 1982: p. 161.
64
CAPÍTULO 3
A posse e a propriedade da terra na Ilha e Terra Firme
Qual o regime de propriedade que enquadrou o acesso à terra na Ilha de Moçambique e no seu termo? A quem competia dar terras? Que normas regeram a concessão e a sucessão destas terras? Depois de apresentados os actores e as acções de materialização do domínio português e da resistência que lhe foi oposta entre 1763 e 1802, ao
longo deste capítulo centrar-nos-emos na forma como este espaço foi incorporado na
Monarquia portuguesa, nos mecanismos jurídico-institucionais utilizados nesse processo e nas dinâmicas de apropriação da terra.
A 19 de Janeiro de 1763 a Ilha de Moçambique era, então, elevada a vila e dotada de Senado de Câmara conforme a directiva régia de 1761. Repetiam-se, genericamente, os princípios organizadores e as prerrogativas dos concelhos do reino e demais
conquistas ultramarinas. Seguia-se, em particular, a moldura legislativa da capitania
brasileira de Rio Negro, nomeadamente a já referida lei de 3 de Março de 1755230. Assim, à câmara da Ilha era outorgada jurisdição administrativa, política, jurídica, fiscal e
económica sobre um território que incluía o recinto insular e “todos os lugares, povoações e fazendas que na terra firme adjacente” se achavam estabelecidos e futuramente se
estabelecessem até um limite de seis léguas em quadro231.
Dentro deste limite a “data de terras” passava a ser uma prerrogativa da câmara
destinada a dotá-la de receitas próprias por meio da arrecadação de foros. Cada parcela
230
Carta do governador-geral João Pereira da Silva Barba para o secretário de Estado, 20.Jul.1763, AHU,
Cons. Ultr., Moç., cx. 23, doc. 59; Carta régia para o governador do Grão Pará e Maranhão Francisco
Xavier de Mendonça Furtado, 3.Mar.1755, AHU, Gov. Moç., cód. 1323, fls.33-36v.
231
Auto de criação da câmara de Moçambique, 17.Ago.1763, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 23, doc. 82.
65
de terra doada não devia ser superior a meia légua em quadro de modo a permitir o desenvolvimento urbano e a fixação futura de habitantes232. Com igual intuito, no mesmo
espaço das seis léguas devia conservar-se um “distrito” para “se poderem edificar novas
cazas” e para “logradouro público”. Para além das seis léguas legisladas, a dada de terras continuava a ser uma prerrogativa do governo-geral. Assim como ficava reservado
ao governo-geral “o terreno vago immediato” à fortaleza de São Sebastião233.
Sobre os bens consignados aos concelhos e, de resto, sobre questões de ordenamento urbano, as Ordenações portuguesas eram vagas e pouco claras (Ord. Man., liv.
IV, tt.º 62-65 e Ord. Fil., liv. IV, tt.º 36-39)234. Acrescia a desadequação de um conjunto
de leis que, originalmente elaborado para a América portuguesa, pouco levava em consideração a realidade leste-africana. A adaptação das cláusulas relativas às terras cedidas
ao concelho suscitou, desde logo, as dúvidas de João Pereira da Silva Barba, o governador-geral a quem coube a tarefa de criar os municípios da capitania. No caso da Ilha,
não só porque, como referido no capítulo anterior, o domínio português sobre o
continente próximo não tinha seis léguas de distância, mas também porque as fazendas e
outros prédios, tanto rústicos como urbanos, eram património da Coroa “pertencendo os
foros das mesmas fazendas a Vossa Magestade”235.
Com efeito, embora já o fosse anteriormente, a concessão de terras como uma
das competências dos governadores-gerais de Moçambique foi consagrada na legislação
de 1760. Circunstância perante a qual Silva Barba deliberou “interinamente” que a câmara aforasse apenas “terra inculta e por cultivar de que não houvesse aforamento feito
a Fazenda Real” enquanto Lisboa não esclarecesse “a dúvida dos aforamentos da Camara”236. Em 1764, o procurador da Fazenda deu deferimento à decisão do governadorgeral mantendo-se assim sob jurisdição do governo-geral as terras aforadas antes da
232
Carta do rei para o governador do Grão Pará e Maranhão Francisco Xavier de Mendonça Furtado, 3.
Mar.1755, AHU, Gov. Moç., cód. 1323, fls. 33-36v. A expressão “légua em quadra” tanto podia designar
um terreno de forma quadrada com a mesma extensão de frente e de fundo, como um terreno rectangular
cujo fundo era definido em função de determinado referencial geográfico, normalmente o pelourinho, v.
Marx, 1991: p. 35-36.
233
Auto de criação da câmara de Moçambique, 17.Ago.1763, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 23, doc. 82.
234
Marx, 1991: p. 56-65; Raquel Glezer, 2007 apud Moura, 2010: p. 63; Rodrigues, 1998: p. 589-590.
235
Carta do governador-geral João Pereira da Silva Barba para o rei, 20.Jul.1763, AHU, Cons. Ultr.,
Moç., cx. 23, doc. 59.
236
Rodrigues, 2002: 446 e Carta do governador-geral cessante Francisco G. C. Meneses da Costa para o
novo governador-geral Isidro de Almeida Sousa e Sá, 11.Jan.1802, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 92, doc.
27.
66
constituição do concelho, enquanto as prerrogativas do município em matéria fundiária
ficavam limitadas à concessão de “terras incultas e por cultivar”237.
Logo após a criação do município tornam-se evidentes as disputas entre a câmara e o governo-geral pela administração das terras da Ilha e da Terra Firme. Neste
terceiro capítulo, para além da análise do regime de posse e propriedade nos espaços
insular e continental, pretende-se também conhecer essas disputas e clarificar os espaços
administrados por cada uma destas instituições. Para já, procuremos conhecer o regime
jurídico-político que serviu de pano de fundo à posse e propriedade da terra na ilha-capital, designadamente na segunda metade de Setecentos, em particular a partir da criação do município em 1763. Não dispondo de títulos de aforamento em número
suficiente para fazer uma análise exaustiva da questão dos prazos na região da Ilha de
Moçambique procuremos, então, pensá-la no cruzamento entre os registos disponíveis e
a historiografia dedicada aos prazos dos Rios de Sena.
3.1. O acesso à terra em Moçambique na segunda metade de Setecentos
Quando na década de 1760 a capitania de Moçambique foi dotada de instituições
formais de municipalismo baseadas na experiência da América portuguesa, verificavase já desde 1752 uma crescente aproximação à ordem jurídica brasileira. Segundo Eugénia Rodrigues, a separação do Estado da Índia e a passagem para administração directa da secretaria de Estado da Marinha e dos Negócios Ultramarinos e do Conselho
Ultramarino levaram a um processo de “sesmarização” – ou de “atlantização” – do regime fundiário moçambicano. Isto é, pelo menos no plano discursivo, as políticas territoriais nas colónias americana e leste-africana tenderam a convergir no sentido de os
prazos de Moçambique se aproximarem das sesmarias atlânticas 238. Esta associação
entre prazos e sesmarias notada por Eugénia Rodrigues explica-se, em grande medida,
pelo vazio legal gerado após a separação do Estado da Índia e pela referida transferência
de Moçambique para a esfera do Conselho Ultramarino, instituição já responsável pela
237
Parecer do procurador da Fazenda, 22.Out.1764, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 23, doc. 59.
Em Portugal as concessões de terras em sesmaria foram adoptadas como medida de povoamento e
aproveitamento agrícola desde períodos tão recuados quanto o século XIII. As terras, geralmente incultas,
eram distribuídas com a obrigatoriedade de serem cultivadas dentro de um intervalo de tempo não
definido. Sob diferentes conformações e variantes ao longo dos séculos e dos espaços o instituto das
sesmarias foi transplantado para as Ilhas atlânticas, Angola e Brasil; v. DHP, vol. v: p. 542-544. Sobre as
sesmarias medievais, v. Rau, 1982. Sobre as sesmarias atlânticas, v. Saldanha, 1992. Para conhecer o
processo de “sesmarização” dos prazos dos Rios em maior detalhe, v. Rodrigues, 2002: p. 465-475.
238
67
concessão de terras na América portuguesa e que passava agora a tutelar também as
concessão nos territórios leste-africanos inspirado na experiência brasileira239.
Os anos seguintes a 1752 foram caracterizados por uma certa indefinição no tocante às questões fundiárias e até pela sobreposição legislativa entre as diferentes instituições que passaram a tutelar o processo de concessão de terras em Moçambique, como
o Conselho Ultramarino, a secretaria de Estado da Marinha e dos Negócios Ultramarinos e o próprio governo local. Mas, por fim, em 1760, Lisboa determinava que Moçambique se passasse a reger pela legislação em vigor nas capitanias brasileiras. No lesteafricano a nova legislação devia ser aplicada aos prazos então vagos e aos que daí em
diante vagassem, limitava a dimensão máxima das concessões a três léguas de comprido
por uma de largo ou, tratando-se de terras minerais ou costeiras, a meia légua em quadro. E, bem assim, obrigava os foreiros a ceder as suas terras em caso de criação de um
novo povoado. Ademais, as concessões passavam a ser da exclusiva competência dos
governadores-gerais em vez de serem uma competência partilhada entre estes e os tenentes-generais dos Rios de Sena como acontecia desde o início do século XVIII. Exigia-se, ainda, o parecer das câmaras e do feitor da Fazenda Real e a confirmação do
Conselho Ultramarino dentro de um prazo de quatro anos240.
Se, num primeiro momento, a aproximação da legislação leste-africana à legislação americana em matéria fundiária parece ter decorrido de um certo vazio legal e da
simples transposição das leis vigentes nas capitanias brasileiras, na conjuntura de 1760,
com Pombal, e sobretudo depois, já sob a magistratura dos ministros ilustrados de D.
Maria, ela traduz a tendência de uniformização institucional e legislativa delineada para
o império português241. Contudo, à letra de lei, apenas os procedimentos burocráticos,
como a passagem das concessões de terras para a alçada única dos governadores-gerais
e a respectiva confirmação pelo Conselho Ultramarino, tiveram consequência. As transformações parecem, então, ter acontecido mais a um nível discursivo do que prático
com os prazos de Moçambique a incorporarem a tónica da “sesmarização” sem que, no
entanto, essa “sesmarização” se efectivasse de forma plena. Por uma série de constrangimentos locais a nova legislação nunca chegou a ser totalmente aplicada e, na reali239
Eugénia Rodrigues sustenta que a leitura dos prazos como sesmarias feita por autores como Alexandre
Lobato e Narana Coissoró se baseou na documentação posterior à autonomia de Moçambique face ao
Estado da Índia (1752) não levando em conta os diferentes entendimentos das concessões consoante o
tempo histórico e os contextos locais, Rodrigues, 2002: p. 466.
240
Rodrigues, 2002: p. 465-470 e Rodrigues, 2013: p. 298-300.
241
Rodrigues, 2013: p. 295-296 e Hespanha, 2007.
68
dade, o regime jurídico que continuou a servir de enquadramento à posse e propriedade
da terra nos territórios portugueses do sudeste africano foi o dos prazos242.
Atentemos, pois, e ainda que de forma sintética, no regime dos prazos dos Rios
de Sena e na sua evolução desde os primeiros momentos da sua institucionalização até à
segunda metade de Setecentos, particularizando as normas que regularam as formas de
concessão e de sucessão destas terras243.
3.1.1. Os prazos da Coroa nos Rios de Sena
A primeira concessão de terras identificada nos territórios portugueses do sudeste africano recua a 1582 e ao espaço dos Rios de Sena244. Tratava-se das terras Inhamiói, Bengueira, Quitundo e Quituca cedidas perpetuamente aos dominicanos fixados
na região, uma concessão confirmada pelo vice-rei a 3 de Novembro de 1583. Para além
da perpetuidade, desconhecem-se as restantes condições de aforamento. Pelo menos
outras duas concessões foram feitas na transição do século XVI para o XVII, uma em
Tete e outra em Sena, em relação às quais se desconhecem igualmente as cláusulas
contratuais.
Contudo, só posteriormente, por alvará de 6 de Fevereiro de 1608 emitido pelo
governador da Índia D. Frei Aleixo de Meneses (1607-1609), é que as concessões de
terras em Moçambique foram regulamentadas e, a partir daí, se generalizaram tendo
como modelo as normativas emitidas para os territórios da Província do Norte e também
de Ceilão. O referido alvará de 6 de Fevereiro de 1608, que se instituirá como a “primeira legislação” sobre matérias fundiárias, dispunha a cedência de terras a título de
aforamento pelo período de três vidas – ou, alternativamente, pelo tempo definido pelo
capitão-general – mediante o pagamento de um foro e em regime de remuneração de
serviços prestados à Coroa245.
Os títulos de concessão seriam emitidos na própria capitania cabendo a sua confirmação ao vice-rei do Estado da Índia no prazo de três anos. Determinava-se ainda que
242
Rodrigues, 2013: p. 297-299 e Rodrigues, 2002: p. 465-470.
Uma vez mais, o estudo essencial é o levado a cabo por Eugénia Rodrigues que, a despeito do foco nos
séculos XVII e XVIII, recua até 1498 e traça uma panorâmica da colonização portuguesa daí em diante
sob a perspectiva da territorialização, das soluções jurídicas de apropriação e repartição da terra e das
relações entre portugueses e africanos, v. Rodrigues, 2002: p. 409 e segs..
244
Esta posição é defendida por Eugénia Rodrigues, v. Rodrigues, 2002: p. 409-410. Opinião divergente
têm Alexandre Lobato que situa a introdução do regime dos prazos nos Rios de Sena na década de 1630
(Lobato, 1957: p. 211-217); Malyn Newitt que aponta o ano de 1646 (Newitt, 1995: p. 224); e José
Capela que considera 1618 como a data de concessão legal dos prazos (Capela, 1995, p. 27).
245
Rodrigues, 2002: p. 409-410.
243
69
fossem elaborados um livro de tombo para registo das cartas de aforamento e um livro
de receita dos foros. As concessões posteriores a 1608 ter-se-ão baseado nesta legislação mas, mais uma vez, ignoram-se as condições e as obrigações a elas inerentes excepto no caso das terras cedidas aos dominicanos em 1582. O título que lhes era passado em 1608 continuava a prever o aforamento em regime perpétuo sublinhando-se a
impossibilidade de alienação do domínio útil sem a devida autorização régia. Possibilitava-se, em contrapartida, o subaforamento ou arrendamento até um máximo de três
anos246.
Desde as últimas décadas de Quinhentos, a perspectiva da existência de minas de
ouro e prata motivava os esforços de colonização portuguesa nos Rios de Sena. Depois
da expedição de Francisco Barreto/Vasco Fernandes Homem (1569-1575) ter contribuído para o alargamento da presença oficial portuguesa, aos acontecimentos de 1607 –
em que o mutapa Gatsi Rusere cedeu os direitos sobre as minas argentíferas da Chicova
à Coroa – e de 1629 – em que o mutapa Mavhura se declarou vassalo português – seguiram-se programas de conquista alargada da região e sucessivas disposições sobre o tratamento jurídico a dar aos territórios incorporados na Monarquia portuguesa como património da Coroa e, portanto, sob domínio eminente do monarca247.
Pelo regimento dado ao capitão-general D. Nuno Álvares Pereira (1619-1623)
em 10 de Março de 1618 Lisboa determinava, sem mais, a distribuição de terras deixando a cargo do governo de Goa a regulamentação da forma como essa distribuição
devia ser feita. Não obstante a ausência dos títulos de aforamento, é possível perceber
que todas as concessões feitas na década de 1620 eram confirmadas em três vidas e previam o pagamento de um foro. Quanto à forma de sucessão, ou eram omissas, ou previam a livre nomeação. As obrigações militares raramente eram discriminadas e não era
exigido que os foreiros residissem na parcela de terra aforada. E quanto a outras condições, eram bastante irregulares variando em função dos pareceres dos procuradores da
Coroa e da Fazenda que antecediam a confirmação e que passaram a ser obrigatórios a
partir de 1624. Subjacente à generalidade das concessões da década de 1620 estava a
promoção da agricultura, a necessidade de conservação do território e de contenção das
populações africanas vizinhas248.
246
Rodrigues, 2002: p. 409-410.
Rodrigues, 2009 (citado sob autorização da autora) e Rodrigues, 2002: p. 409-417.
248
Rodrigues, 2002: p. 411-413.
247
70
O alvará de 14 de Dezembro de 1633 emitido pelo vice-rei conde de Linhares
reiterava o anterior alvará de 6 de Fevereiro de 1608 acrescentando a obrigação de os
foros serem pagos em ouro. Os citados alvarás parecem ter sido a resposta das autoridades de Goa aos tratados de 1607 e 1629 que asseguraram a posse de uma vasta área na
região dos Rios de Sena que os portugueses pretendiam senhorear e enquadrar sob as
suas normativas249. Entre 1633 e 1752, o regime jurídico dos prazos sofreu transformações ligeiras sobretudo em resultado das directivas de Goa e das políticas régias gizadas
para a Província do Norte posteriormente aplicadas às terras leste-africanas.
À semelhança dos emprazamentos de outros territórios do Estado da Índia, os
prazos dos Rios de Sena encerraram, então, aspectos das práticas enfitêutica e de doação
de bens da Coroa transpostas do reino incorporando, além disso, determinados
particularismos locais. Por um lado, tal como na enfiteuse250, a Coroa portuguesa (o
proprietário directo, isto é, quem detinha o domínio directo ou eminente sobre a terra)
transferia o domínio útil de determinada unidade territorial para outrem (o foreiro) para
o possuir e desfrutar como próprio mediante o pagamento anual de uma pensão (o foro
ou cânon pago em dinheiro ou géneros). Sob o ponto de vista da enfiteuse, os prazos251
constituíam-se como um contrato jurídico entre partes (no caso, entre a Coroa portuguesa e os seus súbditos) que comportou várias configurações jurídicas.
Assim, quanto à duração, dividiam-se em perpétuos e temporários. Os primeiros, também designados prazos fateusins, eram concedidos sem limite temporal sendo
que, em princípio, o foro se mantinha inalterado ao longo das gerações. Os segundos,
também designados prazos vitalícios ou de vidas, eram concedidos por um número certo
de vidas findas as quais as terras eram devolvidas ao senhorio directo. Em regra, os emprazamentos dos Rios de Sena foram temporários, contratados geralmente por três vidas252. Casos em que o foreiro a quem era feita a concessão usufruía dela na sua vida,
detendo a faculdade de nomear uma pessoa para lhe suceder e esta a faculdade de nomear uma terceira pessoa. Habitualmente, admitiu-se ainda o direito de renovação, o
249
Rodrigues, 2009 (citado sob autorização da autora).
Para uma síntese do regime enfitêutico no reino, v. Serrão, 2000: p. 423 e segs. e DHP, vol. II: p. 379383.
251
Emprazamentos, aforamentos, carta de foro ou concessões ad forum: as expressões são intermutáveis.
Assim como a designação foreiro tinha como equivalentes jurídicos: enfiteuta, proprietário útil, senhorio
útil e, mais raramente, colono e caseiro.
252
Rodrigues, 2002: p. 425- 431; Almeida, 1898: pp: 44-46. Três vidas dizia respeito às vidas de três
indivíduos, normalmente o primeiro foreiro, o cônjuge e um filho de ambos, v. Serrão, 2000: p. 436-437.
250
71
qual possibilitava ao herdeiro da última vida obter nova concessão e declarar um sucessor que, por sua vez, alcançava outras três vidas253.
Quanto à forma de sucessão, o regime enfitêutico dividia-se genericamente entre
prazos de livre nomeação, em que o foreiro de cada vida era livre de nomear a pessoa
que havia de lhe suceder fosse ela familiar ou não (Ord. Fil., liv. IV, t.º 36-37), e prazos
de nomeação restrita ou de pacto e providência, em que a nomeação devia recair na(s)
pessoa(s) indicada(s) no título de aforamento (Ord. Fil., liv. IV, t.º 38, § 2). Nestes últimos, as normas de sucessão divergiam segundo a duração do aforamento. Assim, os
prazos perpétuos subdividiam-se em: a) hereditários puros, quando a nomeação recaia
sobre os herdeiros; b) familiares, quando recaia sobre filhos, descendentes ou familiares; c) mistos, quando recaia sobre filhos, descendentes, herdeiros ou sucessores. Enquanto os prazos de vidas se subdividiam em: a) de providência, quando apenas podiam
ser nomeados filhos; b) de providência familiar, quando na falta de filhos podiam ser
nomeados familiares; c) providência misto, quando na falta de filhos ou familiares podia
ser nomeado quem o foreiro entendesse254.
A designação do sucessor podia ser feita de duas formas: em vida, por um acto
de doação inter vivos através de um instrumento público, ou, em morte, por nomeação
através de um testamento. Caso não existissem sucessores válidos as terras revertiam
para a Coroa. Contudo, a transmissão da propriedade aforada encontrava-se geralmente
constrangida pelo princípio da indivisibilidade, o que significava que não podia ser dividida por vários herdeiros detendo o foreiro a faculdade de nomear um (e apenas um)
sucessor. Mas enquanto os prazos de vidas passavam indivisos para esse único herdeiro,
os prazos perpétuos podiam ser divididos, por estimação, entre os vários herdeiros
sendo depois deferidos a um deles com o consentimento dos restantes (Ord. Fil., liv. IV,
t.º 36, § 1-2 e t.º 96, § 23-24)255. Observado o princípio da indivisibilidade, por motivos
relacionados com a dificuldade de atracção de colonos para uma região periférica como
o leste-africano, com a elevada mortalidade da população europeia e porque o controlo
dos territórios se encontrava em larga medida dependente dos exércitos dos grandes
253
Rodrigues, 2002: p. 431 e segs.. José Vicente Serrão define renovação como a concessão reiterada da
enfiteuse. No reino, a renovação dos prazos começou por ser uma prática consuetudinária que se afirmou
de forma progressiva e que apenas foi confirmada, ainda que de forma incompleta, pelas leis de
4.Jul.1768, 12.Mai.1769 e 9.Set.1769 – v. Serrão, 2000: p. 454-456.
254
Almeida, 1898: p. 44-46 e Rodrigues, 2002: p. 431-432.
255
Serrão, 2000: p. 452-454 e Rodrigues, 2002: p. 431-432.
72
foreiros, nos Rios de Sena prevaleceu a livre nomeação, a forma de sucessão que mais
eficazmente garantia o controlo político e territorial destas terras256.
Porém, como referido, nos territórios portugueses da África oriental coexistiram
dois institutos jurídicos distintos: ao regime jurídico da enfiteuse justapuseram-se as
normas que regulavam a doação de bens da Coroa. Assim, enquanto bens da Coroa257,
os prazos foram concedidos como mercês para recompensar os súbditos portugueses –
e, bem assim, os seus familiares – pelos serviços prestados à Coroa devendo, por isso,
reger-se pelos princípios da Lei Mental, a saber: indivisibilidade, inalienabilidade, confirmação periódica, primogenitura e masculinidade258. Como contrapartida à concessão,
os foreiros eram constrangidos a residir nas terras aforadas e a prestar serviços, designadamente de natureza militar através do recurso às populações africanas que as habitavam. Com efeito, para os foreiros dos Rios de Sena a posse de terras significou não só a
arrecadação de rendas fundiárias, fiscais e judiciais mas também a jurisdição sobre os
africanos nativos. Mais do que mera medida de colonização interna tendo em vista a
fixação de colonos, os prazos serviram então propósitos de enquadramento das populações nativas tornando-se, nesse sentido, “instituições de administração do território e
dos seus habitantes africanos”259.
Quer por ser inerente à enfiteuse, quer pela condição de bens da Coroa, a sucessão regulou-se pelo já referido princípio da indivisibilidade e pelo princípio da inalienabilidade, que fazia depender de autorização régia a nomeação da vida seguinte. Esta
última, uma condição imposta com o intuito de controlar os foreiros, de resto, tal como
acontecia nos outros territórios do Estado da Índia e a exemplo do que ocorria habitualmente com os bens da Coroa no reino260. Quanto aos princípios da primogenitura e da
masculinidade pelos quais também se regulava a transmissão de bens da Coroa, os pra256
V. Rodrigues, 2002: p. 431-441 e Rodrigues, 2011: p. 135-136. A excepção foram as comunidades
religiosas, às quais pela legislação geral estavam interditas a concessão e a sucessão nos prazos. Uma
proibição introduzida nos Rios de Sena em meados de Seiscentos, embora a própria Coroa tenha
continuado a ceder e a confirmar terras tanto a dominicanos como a jesuítas, v. Rodrigues, 2002: p. 431433 e 449-451.
257
Segundo António Hespanha, no Portugal da segunda metade de Setecentos, os bens da Coroa – ou
seja, aqueles possuídos pela Coroa portuguesa – eram constituídos por um conjunto de bens de raiz e de
direitos reais de origem muito diversa. Assim, eram bens da Coroa: as cidades e vilas; lugares e castelos;
os maninhos; as lezírias; os direitos enumerados nas Ordenações; as pensões e rendas concedidas de juro
e herdade; o padroado régio; as jurisdições; a décima das Ilhas; outros bens (capelas, reguengos, etc.)
quando objectos de incorporação nos próprios da Coroa. Em contrapartida, não eram bens da Coroa: os
reguengos não incorporados; as sesmarias; os baldios e os pastos comuns - Hespanha, 1982: p. 286, n.
527. Veja-se também a definição de bens da Coroa in DHP, vol. I: p. 331-332.
258
Rodrigues, 2002: p. 403-404, 410, 414-417 e Miranda, 2007: p. 133-135.
259
Rodrigues, 2002: p. 409 e segs. e cit. Rodrigues, 2013: p. 295.
260
Rodrigues, 2002: p. 445-449.
73
zos dos Rios de Sena divergiram em larga medida das práticas do reino e do Estado da
Índia. Neste aspecto em particular, a livre nomeação, normativa de transmissão mais
flexível consagrada pela enfiteuse, sobrepôs-se ao princípio da primogenitura abrindo
assim caminho à transmissão por via feminina, a qual passou a prevalecer na concessão
e sucessão das terras deixando a masculinidade de ser obrigatória no Estado da Índia
ainda no século XVI.
Com o objectivo de atrair reinóis para a defesa do território, uma ordem régia de
14 de Fevereiro de 1626 – renovada no essencial em 1672, 1682 e 1737 em conjunturas
de semelhante pressão militar – determinava que os prazos do Norte fossem cedidos a
mulheres na condição de casarem com portugueses de origem europeia com oito anos
de serviços militares à Coroa. A posterior introdução desta legislação em Moçambique
parece ter acontecido apenas no final de Seiscentos por iniciativa das autoridades de
Goa e por via da transposição da legislação concebida originalmente para a Província do
Norte. Porém, ao contrário do Norte, a concessão e sucessão femininas nos Rios de
Sena alcançaram um considerável relevo. Com efeito, nos Rios de Sena a concessão e
sucessão dos prazos em mulheres tornou-se uma prática comum. Eugénia Rodrigues
calcula que, entre 1692 e 1751, 31% dos emprazamentos tenham integrado a cláusula de
transmissão do prazo a uma filha e que 6,5% tenham sido deferidos a mulheres sob a
alegação de serem já casadas ou de futuramente se casarem com portugueses naturais do
reino261. Não sendo um exclusivo feminino, pelo menos na segunda metade de Setecentos um elevado número de prazos (c. 50%) estavam na posse de mulheres e estas detinham uma posição de grande influência política, económica e social262.
Em 1752, as instruções gerais dadas ao primeiro governador-geral de Moçambique em 20 de Abril, complementadas no terreno pelo próprio governador, impunham
que os foreiros reinóis, goeses e “naturais” casassem as suas filhas exclusivamente com
europeus, sob pena de perderam as suas terras. A nomeação de prazos em mulheres foi
usada como expediente para fixar na região colonos masculinos de origem ou
ascendência europeia, os quais, por sua vez, encontravam por esta via uma forma de
acesso à terra. Tendo em vista estes objectivos muitos prazos dos Rios de Sena foram
261
Rodrigues, 2002: p. 431-441 e Almeida, 1898: p. 44-46. A sucessão feminina foi admitida mas, em
geral, em Portugal a constituição fundiária do Antigo Regime (António Hespanha) regeu-se pela
primogenitura e pela masculinidade seguindo de perto o direito sucessório e vincular da Monarquia
espanhola, em movimento contrário à tendência europeia que favorecia a partilha de bens entre herdeiros,
v. Monteiro, 2000: p. 74 e Hespanha, 1994: p. 402 e segs..
262
Rodrigues, 2002: p. 431-441.
74
efectivamente titulados em mulheres – designadamente mestiças e locais – mas tal não
implicou o exclusivo feminino na concessão e na sucessão destas terras continuando, de
resto, a vigorar a livre nomeação263.
Os elementos atrás apresentados constituem apenas o traço mais largo do quadro
legal, político e social que subjazeu à formação e à evolução do regime dos prazos dos
Rios de Sena. Mas, perante a já referida lacuna documental que obsta a uma análise
mais aprofundada das questões fundiárias na Ilha de Moçambique e no seu termo, tomemo-los como ponto de partida tentando perceber as semelhanças e as dissemelhanças
entre as duas regiões.
3.1.2. Os prazos da Coroa na Ilha de Moçambique. Uma tentativa de definição
O início da concessão de terras parece ter ocorrido de forma mais ou menos simultânea no conjunto dos territórios do sudeste africano sob domínio português recuando, como vimos, ao final do século XVI. Porventura, na Ilha este processo terá sido
até um pouco anterior. A documentação disponível não o permite confirmar. O que parece certo é que a política de regulamentação fundiária terá principiado com os alvarás
de 6 de Fevereiro de 1608 e de 14 de Dezembro de 1633; que se dirigiu, antes das demais, à região do vale do Zambeze onde o domínio territorial português era mais expressivo e se encontrava em expansão; e que, no momento seguinte, se terá estendido
aos restantes territórios.
Na Ilha de Moçambique a primeira concessão identificada data de 1610. Tratava-se de um chão e de uns pardieiros velhos, com 10 braças de comprimento e quatro
braças de largura, que o capitão-general D. Estêvão de Ataíde (1610-1613) aforava a
António Ferreira a título perpétuo, contra o pagamento de 10 meticais de foro e ressalvando a quebra de contrato em caso de guerra264. A respectiva carta de confirmação
passada a António Ferreira, casado e morador na fortaleza de São Sebastião, continha
ademais o treslado do alvará de 6 de Fevereiro de 1608. Assim, é inquestionável que,
pelo menos desde a década de 1610, as terras da Ilha e Terra Firme eram cedidas em
263
Rodrigues, 2002: p. 440-441.
Carta de confirmação do aforamento feito pelo capitão D. Estêvão de Ataíde a António Ferreira, HAG,
Mercês Gerais, 25.Nov.1610, cód. 812, fl. 136. A quebra de contrato seria provavelmente uma ressalva
comum como reflexo das frequentes ameaças externas. Recorde-se que, poucos anos antes, a Ilha passara
por três cercos militares. Atente-se também que, por ocasião das ofensivas omanitas da década de 1670
que resultaram na perda de algumas casas e palmares, o Conselho de Estado discutia a transferência da
habitação dos moradores para dentro de muros e determinava o pagamento, a expensas da Fazenda Real,
de uma ajuda de custo no valor máximo de 2 mil cruzados para os que tivessem sido afectados
reedificarem as suas casas, v. ACE, vol. IV, p. 213-214.
264
75
regime de aforamento e que o alvará de 1608 serviu também de base legal às primeiras
concessões feitas na região.
Pouco depois, em 1618, um ex-ouvidor em carta dirigida ao monarca dava conta
das muitas terras aforadas que ali tinha encontrado, ainda que a maioria não se achasse
tombada pelo que as mandara tombar265. Tanto quanto de momento é possível perceber,
as normas que regeram a concessão e a sucessão das terras localizadas na Ilha e no seu
termo foram fundamentalmente as mesmas que enquadraram os aforamentos dos Rios
de Sena266, tendo a principal diferença quanto à aplicabilidade do regime residido na
porção de terra disponível. Enquanto, no período em análise, os portugueses exerciam
domínio sobre um vasto espaço ao longo do Zambeze e dos seus afluentes, na Ilha,
como vimos, ocupavam um território não superior a 10 Km de extensão litoral por 5 a 6
Km de profundidade interior medida desde a linha de costa. Uma área restrita que não
permitiu a constituição de grandes propriedades, ao contrário da região dos Rios onde
alguns prazos se estendiam por vários quilómetros267.
Na Ilha e Terra Firme o mais vulgar parece ter sido o emprazamento de prédios
urbanos e rústicos de extensão muito variável, mas frequentemente medidos em braças
o que sugere a concessão de unidades territoriais de muito menor dimensão quando
comparadas com as do vale do Zambeze268. A dimensão das propriedades parece também ter tido influência directa na duração dos aforamentos. À semelhança de outras
áreas urbanas do reino, da própria capitania e do Estado da Índia269, na Ilha e Terra
265
Rodrigues, 2002: p. 410 e Carta do ex-ouvidor de Moçambique para o rei, 30.Jan.1618 in Documentos
Remetidos da Índia, vol. VI, p. 176-182.
266
Para além da Ilha de Moçambique e da vasta região dos Rios de Sena – as capitanias-mores de Quelimane, Sofala, Sena e Tete onde se incluíam a maior parte das terras da Coroa – o regime jurídico dos
prazos vigorou também no arquipélago das Querimbas – v. Rodrigues, 2002: p. 413; Carta do
governador-geral Francisco C. G. Carvalho e Menezes para o capitão-mor das Ilhas de Cabo Delgado,
9.Jul.1798, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 81, doc. 55; Carta de aforamento da Ilha de Amiza a Calisto de
Morais, 26.Mai.1791, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 62, doc. 39.
267
Ver, por exemplo, a relação de terras de Quelimane, Luabo e Tete feita por António Pinto de Miranda
em 1766, v. António Pinto de Miranda, “Memória sobre a Costa de África…” (1766): p. 288-301.
268
Apenas conhecemos a dimensão exacta de alguns das terras foreiras à câmara de Moçambique. No ano
de 1782, no conjunto das machambas de Cabaceira Grande e Mossuril a mais pequena tinha uma área de
0,72 Km2, enquanto a maior ocupava uma área de 1,16 Km2. Curiosamente, esta última tinha uma área
semelhante à da Ilha que, como vimos, ocupa pouco mais de um Km2 de área total – v. Anexo 3, Tabelas
Tabelas 2 e 3 e Acórdão da câmara de Moçambique sobre os aforamentos da Terra Firme, 19.Ago.1782,
AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 38, doc. 70. As terras foreiras à Coroa teriam provavelmente áreas
semelhantes, já que a dimensão das parcelas aforadas estaria mais relacionada com o espaço disponível
do que com a instituição outorgante.
269
Serrão, 2000: p. 438-439 e Rodrigues, 2002: p. 415. Em Baçaim, na segunda metade do século XVI,
estavam em vigor um elevado número de aforamentos perpétuos, os quais terão sido limitados por ordem
régia de 1588 em favor dos aforamentos com a duração máxima de três vidas, v. Miranda , 2007: p. 133134 e Teixeira, 2010: p. 265. Fátima Brandão e Robert Rowland ao analisarem as questões de propriedade
76
Firme seriam relativamente comuns os aforamentos perpétuos. Para além das concessões feitas às ordens religiosas, a perpetuidade vigorou nos aforamentos de chãos urbanos para levantamento de casas e boticas, tanto nas povoações dos Rios como na Ilha de
Moçambique, tal como é revelado na carta de confirmação do aforamento de 1610 em
que se sublinhava que “os chãos para casa se costumam dar em fatiota”, ou seja, “para
sempre”270.
Na região da Ilha também alguns prédios rústicos da Terra Firme terão sido alvo
de aforamentos perpétuos. Foi o caso de um chão baldio localizado no Lumbo deferido
pelo governo de Moçambique a Domingos de Carvalho c. 1763. Em data desconhecida
sucedeu-lhe Adrião de Carvalho, seu filho e “unico e ultimo herdeiro”, o qual vendeu o
seu domínio, em 1785, ao casal Plácido José Mascarenhas e Maria Quitéria Teles de
Carvalho de Sousa. Satisfeita a compra e pagos os respectivos laudémios e sisa271 à Fazenda Real, os novos enfiteutas solicitaram carta de aforamento que confirmasse a posse
perpétua do referido chão para si e para os seus descendentes e ascendentes contra o
pagamento de uma pensão de 2.400 réis272. “E com isso o possuirão com todas as suas
entradas e sahidas (…) e nele farão todas as benfeitorias que quiserem e por bem tiverem (…) e dele colherão os uzofructos e rendimentos como de couza sua própria” 273. À
morte do marido em data anterior a 1790, Quitéria de Sousa assumiu a administração da
casa e dos bens da família na qualidade de cabeça-de-casal274. Ignora-se como se
processou a sucessão deste chão, se testamentária, se ab intestato. E tão-pouco sabemos
no Minho da primeira metade de Oitocentos notam que em todos os casos em que o regime de aforamento
é referido este tem uma natureza perpétua, v. Brandão e Rowland, 1980: p. 187.
270
Carta de confirmação do aforamento feito pelo capitão D. Estêvão de Ataíde a António Ferreira, HAG,
Mercês Gerais, 25.Nov.1610, cód. 812, fl. 136. Nos Rios de Sena o termo “fatiota” assumiu contornos
diferentes designando as terras de plena propriedade, livre de encargos como o foro e que não se
encontravam sujeitas às normas dos contratos enfitêuticos com a Coroa, v. Rodrigues, 2011.
271
Laudémio era a percentagem devida ao senhorio directo como contrapartida pela aprovação da venda
do domínio útil, sendo que em Portugal as percentagens mais comuns foram de 10%, 5% e 2,5% sobre o
preço da venda – v. Serrão, 2000: p. 451-452. A sisa era um imposto régio que incidia sobre as
transacções e cujas receitas geradas (em resultado do contrato de encabeçamento das sisas celebrado
entre a Coroa e os concelhos no século XVI) eram transferidas para os concelhos mediante o pagamento
de um quantitativo fixo anual à Coroa, o património régio. Cabia às câmaras lançar e cobrar as sisas
podendo, sob autorização régia, guardar o excedente (os sobejos das sisas) em relação ao montante
fixado. Segundo Nuno Gonçalo Monteiro, no final do Antigo Regime as receitas dos sobejos das sisas
adquiriram uma dimensão essencial na administração camarária ultrapassando em muitos casos as
receitas próprias das câmaras do reino – v. Monteiro, 1996b: p. 121 e 132.
272
Como referência note-se que, em 1766, o total dos foros pagos à Fazenda Real era de cerca de 600 000
réis, v. Requerimento do Senado da Câmara de Moçambique, s.d. [12.Ago.1766], AHU, Gov. Moç., cód.
1321, fls. 190v-191.
273
Carta de aforamento de um chão no Lumbo passada a Plácido José Mascarenhas e D. Maria Quitéria
Teles de Carvalho de Sousa, 6.Mai.1785, AHU, Gov. Moç., cód. 1355, fls. 94-95.
274
“Denuncia do serviço de Sua Magestade no Estado de Mosambique anno de 1790 por Manoel do
Nascimento Nunes”, 10.Jun.1790, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 60, doc. 35.
77
se esta união deixou ou não geração. Admitindo que a exemplo dos aforamentos dos
Rios de Sena tenha prevalecido a livre nomeação, pelo menos neste caso seguiu-se também a tendência dos Rios de dar prioridade ao cônjuge sobrevivente na sucessão dos
prazos275.
Também perpétuo parece ter sido o aforamento feito a Aruno Sangi de um “mato
fechado de arvores agrestes” localizado em Mossuril e pelo qual devia ser pago “de
foros a Sua Magestade em cada hum anno hum cruzado”. Neste caso conhecemos o
processo, com data de 1755, mas não a carta de aforamento passada na sequência do
pedido de mercê. Ignoramos, por isso, as cláusulas relativas à duração e à transmissão
do prazo embora o teor do processo sugira tratar-se de um emprazamento a título perpétuo e de um terreno de reduzido valor agrícola276.
Em tese, a duração dos aforamentos tinha influência directa na estabilidade das
relações contratuais. À partida, prazos de vidas implicavam maior instabilidade, ao
passo que os perpétuos garantiam maior segurança e reforçavam o vínculo do foreiro à
propriedade emprazada277. Em Moçambique, pelo menos até determinado ponto, a
conjugação do princípio da indivisibilidade e do direito de renovação fez com que uns e
outros adquirissem um valor equivalente. No final do século XVIII foram introduzidas
restrições na sucessão e renovação dos aforamentos. A partir de então a nomeação deixou de ser livre. Os prazos passaram a poder apenas ser nomeados em descendentes e
ascendentes o que acabou por fazer crescer o número de terras que revertiam para a Coroa. As restrições impostas foram particularmente sentidas pelos moradores dos Rios de
Sena que, neste processo, foram desapropriados das suas terras em favor dos homens de
negócio da Ilha de Moçambique278.
Mas, com efeito, este terá sido um processo sobretudo sentido nos Rios de Sena.
Na Ilha, em termos práticos, a maior diferença entre prazos vitalícios e perpétuos parece
ter continuado a jogar-se ao nível da actualização dos foros por ocasião do acto de
renovação. Assim, a opção por prazos vitalícios ou perpétuos ter-se-á dado sobretudo
em função da dimensão das unidades territoriais. Enquanto nos Rios de Sena, onde
275
Rodrigues, 2002: 433-434.
Processo de aforamento de um mato a Aruno Sangi, 17.Set.-24.Out.1755, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx.
11, doc. 64.
277
V. Serrão, 2000: p. 437-438.
278
A respeito da construção de um novo discurso legal que redundou no enfraquecimento do poder dos
moradores dos Rios de Sena e na emergência de um novo grupo de foreiros sediados na Ilha de
Moçambique, veja-se Rodrigues, 2002: p. 511 e segs.
276
78
algumas das terras passíveis de serem aforadas tinham dimensões de várias léguas, as
concessões eram feitas geralmente em três vidas como forma de garantir a actualização
periódica dos foros e a disponibilidade futura de terras, parece crível que na Ilha e Terra
Firme, onde as parcelas a aforar tinham dimensões bastante mais reduzidas, tenham sido
mais vulgarmente contratados aforamentos perpétuos.
Não obstante, dever-se-á também admitir que algumas parcelas de maior dimensão possam ter sido alvo de aforamentos vitalícios. A geografia terá também tido influência no período de tempo contratado. No núcleo urbano da Ilha – ou seja, o recinto
insular – constituíram-se pequenas parcelas que, muito provavelmente, dada a condição
de chãos urbanos terão sido aforadas na totalidade a título perpétuo. Por outro lado, na
Terra Firme – o espaço continental equivalente ao termo – constituíram-se propriedades
cuja dimensão279 poderia justificar a concessão a título vitalício.
3.2. A constituição do concelho e os prazos do Senado da Câmara
Mas se até à data da constituição do concelho de Moçambique o domínio eminente sobre a terra na Ilha de Moçambique e no seu termo não levanta dúvidas, com o
monarca português a arrogar-se como senhorio directo e a competir aos governadoresgerais a concessão das terras da Coroa, de 1763 em diante também esta questão se torna
de mais difícil compreensão. Ao criar o concelho, a Coroa transferia para a câmara
jurisdição sobre um território constituído pelo recinto insular e por um termo inicialmente fixado em seis léguas em quadro que, em 1766, viria a ser limitado a “huma legoa em circuito”280. Enquanto órgão representativo do concelho, a câmara passava a ser
o senhorio directo deste espaço, a instituição reconhecedora da posse da terra e à qual,
daí em diante, devia ser solicitado o aforamento da parcela de terra desejada desde que
inculta.
As competências da câmara de Moçambique não seriam assim exercidas na totalidade do território que lhe fora outorgado. Desde logo porque este, na realidade, era
notoriamente inferior a seis léguas e, como referido, no tocante às formas de repartição
da terra apenas lhe era reconhecida jurisdição sobre os terrenos baldios. Mas também
porque, pelo menos uma parte das terras concedidas pelo governo-geral antes da consti-
279
V. 279.
Cartas do governador-geral Baltasar Pereira do Lago referentes ao seu magistério, 1766, AHU, Cons.
Ultr., Moç., cx. 26, doc. 32.
280
79
tuição do concelho, manteve a natureza de terras da Coroa, como por exemplo, o chão
aforado a Plácido Mascarenhas e a Quitéria de Sousa281.
Assim, resumidamente, no plano jurídico estatuíam-se várias categorias de terras
dentro da circunscrição concelhia282. Uma primeira categoria era a das já mencionadas
terras concedidas a título individual em que a instituição outorgante era o governo-geral.
Foi o caso das concessões feitas até 1763 enquadradas pelo regime jurídico dos prazos
da Coroa de Moçambique com as especificidades mencionadas na alínea anterior. Uma
segunda categoria era a dos bens do concelho, lato sensu aqueles atribuídos ao concelho
para usufruto comum da população. Incluíam-se nesta definição os baldios, maninhos,
matos, pastos comuns, pegos (expressões que designavam genericamente as terras
incultas), edifícios, caminhos e determinados objectos de utilidade comum, como por
exemplo, fornos, moinhos e prensas283. As Ordenações, porém, não fornecem elementos
que permitam perceber rigorosamente a diferença entre bens dos concelhos, baldios e
maninhos e outros incultos em geral. Embora se encontrassem sujeitos ao domínio directo da Coroa pelo direito da conquista e ocupação geral do território284, no reino uma
parte desses incultos fora sendo doada aos concelhos como fonte de receita municipal
sendo progressivamente entendidos como bens do concelho, cabendo às câmaras a sua
administração e repartição periódica285.
A decisão do governador-geral João Pereira da Silva Barba de permitir que a
câmara de Moçambique aforasse apenas as “terras incultas e por cultivar de que não
houvesse aforamento feito a Fazenda Real para desse rendimento suprir as despezas do
mesmo concelho” ia, então, ao encontro desta prática286. Neste caso, a instituição outorgante do aforamento era a câmara e as terras eram cedidas a título individual, perpétuo e
281
O mesmo aconteceu no reino onde por ocasião da constituição de determinados concelhos algumas
terras estavam já apropriadas sendo reconhecidas nos forais de acordo com as situações jurídicas em que
então se encontravam, v. Hespanha, 1982: p. 137-138.
282
Nas suas linhas gerais, segue-se aqui a categorização feita por António Hespanha a respeito das terras
concelhias no Portugal medieval e moderno, cf.: Hespanha, 1982: p. 137-138.
283
Sobre os bens dos concelhos, v. Hespanha, 1982: p. 137-138, 151-154, 280-281; DHP, vol. I: p. 331;
Serrão, 2000: 440-443.
284
As Ordenações Filipinas dispunham que “todos os bens vagos, a que não he achado senhor certo”
eram património régio, cf.: Ord. Fil., Liv. II, tt.º 26, § 17.
285
Coincide com o período em análise o alargamento da intervenção das câmaras do reino no aforamento
de terrenos baldios a particulares. Nomeadamente a partir do alvará de 23.Jul.1766 que, ao contrário do
pretendido, tendeu a transferir as competências da administração dos incultos para as câmaras embora
exigindo a consulta das instituições centrais (a Mesa do Desembargo do Paço, designadamente) no caso
de novos aforamentos. A questão da privatização dos incultos no período final do Antigo Regime tem
suscitado um largo interesse da historiografia, vejam-se, por exemplo, os seguintes trabalhos: Nunes e
Feijó, 1990; Monteiro, 1996b: p. 129-135; Neto, 1997; J.V.Capela, 1995.
286
Carta do governador-geral João Pereira da Silva Barba para o rei, 20.Jul.1763, AHU, Cons. Ultr.,
Moç., cx. 23, doc. 59.
80
hereditário, o que tudo indica ter acontecido na maioria das concessões feitas a partir de
1763.
Interessa entretanto distinguir entre: a) bens próprios do concelho, aqueles de
que os concelhos podiam dispor livremente e que lhes haviam sido atribuídos como
forma de obterem receitas próprias, os quais na Ilha corresponderam às “terras incultas
e por cultivar”; b) bens comuns do concelho, aqueles atribuídos para uso comum de
todos os que beneficiassem do estatuto de vizinho287 e que não podiam ser alineados
sem o devido título de doação régia. Nestes últimos, incluíam-se o “distrito para se
poderem edificar novas cazas” e o “logradouro público”. Uma categoria específica da
Ilha de Moçambique era a do terreno localizado junto à fortaleza de São Sebastião, o
campo de São Gabriel, que pelos diplomas fundadores do concelho ficava reservado ao
governo-geral com a obrigatoriedade de permanecer livre de construções para ser usado
como zona de instrução e manobras militares288.
Mas, na prática, até que ponto a ordem jurídica contida nos diplomas fundadores
do concelho e na decisão do governador-geral foi cumprida? Em 1766, o Senado da
Câmara confrontado com a falta de receitas para fazer face às despesas do tribunal,
“obras publicas” e restante serviço comum, requeria, entre outras coisas, a mercê do
aforamento das terras baldias não obstante esta prerrogativa já lhe pertencer. Isso
mesmo alegava o Senado: “na conformidade das mais camaras” pertencia-lhe a si a data
destas terras “e não à Provedoria da Fazenda Real onde para[v]am”. O procurador da
Fazenda concordava que os “ditos chãos” pertenciam “sem duvida alguma” à câmara “e
que por ela se deviam dar os mesmos chãos huma legoa em circuito”289.
O governador-geral Baltazar Pereira do Lago, por seu lado, contrapunha ter
permitido à câmara todas as honras e jurisdição devidas e que o facto de “os emolumentos estarem na Provedoria da Fazenda era por posse anterior à camara” 290. Pouco
depois, em 1767, emitia um bando cujo objectivo parecia ser o de resolver a situação.
Uma vez que tantos moradores possuíam terras sem os necessários títulos de afora287
Resumidamente, possuíam o estatuto de vizinho, homens-bons ou moradores todos aqueles que
habitassem e possuíssem bens de raiz em determinado lugar, freguesia ou concelho (Ord. Fil., liv. II, tt.º
56), v. Nunes e Feijó, 1990: p. 65.
288
Auto de criação da câmara de Moçambique, 17.Ago.1763, AHU, Cons. Ultr., Moçambique, cx. 23,
doc. 82.
289
Requerimento do Senado da câmara de Moçambique, Gov. Moç., s.d. [12.Ago.1766], cód. 1321, fls.
190v-191 e Cartas do governador-geral Baltasar Pereira do Lago referentes ao seu magistério, 1766,
AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 26, doc. 32.
290
Cartas do governador-geral Baltasar Pereira do Lago referentes ao seu magistério, 1766, AHU, Cons.
Ultr., Moç., cx. 26, doc. 32.
81
mento, não lhes sendo por isso cobrados os foros e dízimos devidos, nele se determinava que os referidos títulos fossem apresentados na Provedoria da Fazenda no prazo de
um mês sob pena de comisso291. Após este episódio e embora tivesse tido expressão em
outras circunstâncias e a propósito de outras questões292, no tocante aos aspectos fundiários, as fontes consultadas não permitem esclarecer de forma segura o aparente conflito
jurisdicional entre o governo-geral e a câmara. Todavia, em 1785, o Senado afirmava
não ter “até ao presente aforado chão algum” que não lhe pertencesse “pelo seu foral”293. Por isso, após alguma indefinição inicial, tudo leva a crer que a câmara assumiu
de forma plena a prerrogativa da concessão das terras incultas e por cultivar e que os
respectivos foros terão acabado por reverter para si.
Em 1783, o próprio Senado da Câmara se assumia como instituição reconhecedora da posse da terra: “dizemos que há anos que este Senado tem aforado muitas fazendas e metido em posse delas os habitantes desta Colonia Vassalos de Sua Magestade
Fidelissima estabelecidos e casados nela”294. Em 1788, Joaquim Varela dava conta que
“os baldios desta Ilha” estavam “todos aforados pelo Senado por merce que deles lhe
fez Sua Magestade no ano de 1761”. Varela parece referir-se apenas aos baldios localizados no recinto insular, porém, não deixa de corroborar o facto de caber então à câmara a concessão do domínio útil das “terras incultas e por cultivar”. E também na
Terra Firme são conhecidos vários terrenos a ela foreiros295. Só entre 7 de Maio de 1780
e 19 de Agosto 1782, por exemplo, a câmara aforou um total de 17 machambas, quatro
na Cabaceira Grande e 13 em Mossuril296. Em 1801, outros 16 foreiros da câmara na
posse de terrenos localizados na Ilha, em Mossuril e nas Cabaceiras eram chamados a
pagar os foros em dívida no prazo de trinta dias sob pena de comisso. Entre eles incluíam-se portugueses, baneanes e um “moço forro”. E, já em 1835, Sebastião Xavier Bo-
291
Bando do governador-geral Baltazar Pereira do Lago, 14.Dez.1767, AHU, Gov. Moç. , cód. 1353, fls.
53v-54.
292
Veja-se, por exemplo, a Carta do príncipe regente para o Senado da Câmara, [s.d.], AHU, Cons. Ultr.,
Moç., cx. 80, doc. 22 advertindo o Senado por ter interferido na escolha da composição do governo
interino entre “outros procedimentos igualmente abusivos”.
293
Carta do Senado da Câmara de Moçambique para a rainha, 27.Abr.1785, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx.
49, doc. 42.
294
Carta do Senado da Câmara de Moçambique para o desembargador e ouvidor-geral António José de
Morais Durão, 15.Jan.1783, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 40, doc. 70.
295
Joaquim José Varela, “Descrição da Capitania de Moçambique…” (1788): p. 293.
296
Acórdão da câmara de Moçambique sobre os aforamentos da Terra Firme, 19.Ago.1782, AHU, Cons.
Ultr., Moç., cx. 38, doc. 70. Dados sintetizados no Anexo 3, Tabelas 2 e 3.
82
telho dava conta que a “maior parte” dos terrenos de Mossuril eram foreiros à câmara297.
No momento seguinte a 1766 a câmara de Moçambique afirmou-se, então, como
proprietária dos baldios da Ilha e Terra Firme e, na qualidade de representante do concelho, como a única instituição que podia dispor do seu domínio útil. O evidente aumento das concessões deferidas faria supor o aumento das receitas do município associadas à cobrança de foros, mas na década de 1780 constava que o seu rendimento fixo
“continuava tão diminuto” que não chegava a mil cruzados por ano 298. Um baixo nível
de rendimentos que, aliás, era comum à maioria das câmaras do reino e de outros territórios ultramarino299. No caso de Sena, por exemplo, a câmara parecia não beneficiar
sequer das receitas dos foros porque, conforme referia, não possuía “um só palmo de
terreno” que pudesse aforar estando toda a vila circundada de prazos da Coroa de que os
governadores-gerais faziam mercê300.
De resto, no que diz respeito à Ilha e Terra Firme, as disputas entre o governogeral e a câmara pela propriedade da terra parecem encontrar fundamento na desordem
em que se encontravam, em geral, os registos de aforamentos o pagamento dos foros.
Em 1779, o governador-geral Baltazar Pereira do Lago considerava que as terras da
Coroa se encontravam em ponto de se perder ou de ter “grande diminuição” se não
fosse feito novo tombo. Defendia, ademais, que as propriedades deviam ser divididas
em parcelas mais pequenas, porque a agricultura era impraticável em fazendas de muitas léguas como as dos Rios de Sena, uma vez que “os possuidores e colonos” precisavam de “imensa escravatura que não podem ter por lhe faltarem as forças e cabedais
para compra-la”301.
Logo após a sua chegada a Moçambique, ao fazer o balanço dos cofres da
Fazenda Real, o governador-geral José Vasconcelos de Almeida (1779-1781) con297
Edital do Senado da Câmara, 9.Fev.1801, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fls. 248-249 e Sebastião
Xavier Botelho, Memoria Estatistica (1835): p. 336, respectivamente.
298
Carta do desembargador António José de Morais Durão para o Senado da Câmara, 16.Out.1784, AHU,
Gov. Moç., cód. 1353, fls. 41v-42 e Carta do governador-geral António Manuel de Melo e Castro para a
rainha, AHU, Cons. Ultr., Moç., 1.Dez.1786, cx. 52, doc. 50. As receitas fundiárias (o rendimento dos
bens próprios do concelho e os direitos cobrados pela utilização dos bens comuns) eram apenas uma de
entre várias receitas municipais. As demais relacionavam-se com o comércio e consumo e com coimas e
condenações. Para os municípios do reino, veja-se Hespanha, 1982: p. 280-281.
299
Monteiro, 1996b: p. 131.
300
Carta do Senado da Câmara de Sena para a rainha, 18.Jul.1796, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 74, doc.
68. Sobre o papel da câmara dos Rios de Sena, veja-se Rodrigues, 2002: p. 494-595.
301
Carta do governador-geral Baltazar Pereira do Lago para o secretário de Estado, c.14.Ago.1779, AHU,
Cons. Ultr., Moç., cx. 30-A, doc. 51.
83
firmava a situação de desordem. Sobre a arrecadação das receitas do comércio, por
exemplo, considerava que “tem sido a mais pessima e extraordinaria, porque não há
livro algum da sua receita, acha-se em papelinhos avulsos sem ordem, e pouca clareza, e
tudo o mais assim esta”. A respeito dos “dízimos e foros” dizia não aparecer “mais que
hum velho rol por que se cobram, sem mais assento dos que pagaram, e ainda em
Mossuril se acham terras a que se não lançou foro, nem pagam dizimos”302. O
governador-geral ordenava então que, no prazo de quinze dias, todos os enfiteutas
pagassem os foros e dízimos em dívida e, bem assim, que requeressem os títulos de
aforamento em falta na Provedoria da Fazenda. E imediatamente a seguir, em 1781, era
nomeado um juiz do tombo em Mossuril e nas Cabaceiras com a tarefa de descrever a
natureza e qualidade dos prazos – isto é, “se são fatozins prepetuos, ou prazos de vidas
de livre nomeaçam ou de huma regular sucessão” –, de arbitrar os foros, medir,
delimitar e discriminar os prazos e os seus foreiros303. Quanto à câmara, sabe-se que
cerca de 1799 publicou editais para reformar os títulos dos prédios que lhe eram foreiros
de modo a proceder à “boa arrecadação” dos foros em dívida304. E, não por acaso, como
referido, em 1801 foram detectados 16 enfiteutas em incumprimento.
A elaboração periódica de tombos era, com efeito, condição necessária à cobrança dos foros e não era invulgar os foros antigos deixarem de ser cobrados na falta
de actualização dos livros de tombos305. Segundo directriz de 1742 dirigida ao Estado
da Índia, e a exemplo do que já acontecia no reino, impunha-se a medição das propriedades e a renovação dos tombos a cada vinte e cinco anos306. Como mencionado, embora não nos tenha sido possível consultá-los, conhece-se a existência de, pelo menos,
302
Carta do governador-geral José Vasconcelos de Almeida para o secretário de Estado, 26.Agos.1780,
AHU, Cons. Ultr., Moç. cx. 34, doc. 53.
303
Bando do governador-geral José Vasconcelos de Almeida, 9.Jun.1780, Gov. Moç., cód. 1341, fls. 4848v e Carta de nomeação de Jerónimo Francisco dos Anjos no posto de juiz do tombo em Mossuril e
Cabaceiras, 12.Fev.1781, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 34, doc. 40, respectivamente.
304
Ordem da Junta da Fazenda, 16.Ago.1799, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fls. 222v-223 e Carta do
desembargador Manuel José Gomes Loureiro para o Senado da Câmara, 8.Nov.1799, AHU, Gov. Moç.,
cód. 1353, fls. 223v-224.
305
Monteiro, 2010: p. 73-74. De resto, a elaboração de relações circunstanciadas do património régio,
incluindo os dízimos e foros devidos à Coroa, era uma das obrigações dos governadores-gerais, v.
Instruções gerais da rainha para o governador-geral António de Melo e Castro, 5.Abr.1785, AHU, Cons.
Ultr., Moç., cx. 49, doc. 31. A realização de tombos era, contudo, uma tarefa complexa e onerosa sendo
por isso frequentemente descurada. Por exemplo, na segunda metade de Setecentos, Margarida Sobral
Neto detecta algumas situações de terras recentemente arroteadas na região de Coimbra “que não
pagavam foros devido ao facto de o arroteamento não ter sido precedido de pedido de licença, nem
legalizado, posteriormente, através da realização do contrato”, v. Neto, 1997: p. 106-107.
306
Rodrigues, 2006b: p. 453 e Instrução do governador-geral João Pereira da Silva Barba, 8.Ago.1763,
AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 23, doc. 67.
84
dois tombos dos aforamentos feitos entre 1783 e 1788 e entre 1799 e 1852307. Acrescia
que, muitas vezes, os foros estipulados nos contratos não eram pagos e as terras acabavam por cair em comisso podendo ser consequentemente confiscadas308.
Em 1856, por exemplo, alguns dos enfiteutas da Ilha e Terra Firme tinham foros
em atraso há mais de 20 anos. Perante esta situação, a câmara decidia fazer-lhes “um
desconto proporcional aos anos que tiverem deixado de pagar os respectivos foros”: aos
que devessem 5 a 10 anos de foros seria feito um desconto de 20%; os que devessem 10
a 20 anos teriam 30% de desconto; e 40% os que devessem para além de 20 anos309. O
que perpassa em conclusão é que, fosse por indefinição jurisdicional, fosse por incumprimento das cláusulas de aforamento ou por desorganização dos tombos das terras da
Coroa e dos bens do concelho, em matéria fundiária a Ilha de Moçambique viveu sob
uma extraordinária desordem durante boa parte do período em análise.
3.2.1. Dinâmicas de apropriação da Terra Firme
O papel da câmara enquanto instituição outorgante dos baldios é ainda evidente
no processo de ocupação dos lugares de Nandoa, Mutuamulamba e Savaçava310, “terras
circunferentes à Coroa” que os “mouros filhos nacionais desta conquista e [os] cafres
forros” haviam habitado desde “sempre” mas que, cerca de 1782, já depois de terem
arroteado e semeado os seus chãos “com incansável trabalho”, começavam a abandonar
“por cauza do Nobre Senado [os] aforar”. A situação é exposta pelo capitão-mor da
Terra Firme Caetano de Quadros em nome das populações que “governava”, no caso,
referindo-se a suaílis (“mouros”) e africanos livres de provável origem macua (“cafres
forros”). Estes, segundo também revelava, mostravam grande empenho em alcançar o
aforamento daqueles chãos de modo a manterem as suas casas e sementeiras. Confrontado com a situação, Quadros escrevia então ao ouvidor-geral pedindo que fosse determinado um lugar alternativo para a habitação daquelas populações e requerendo ainda
307
Montez, 1958: p. 7.
Edital do Senado da Câmara, 9.Fev.1801, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fls.248-249.
309
Boletim Oficial do Governo-Geral da Província de Moçambique, n.º 20, 23.Set.1854, Parte Oficial, p.
78-79.
310
Terras próximas a Mossuril e que na transição do século XIX para o século XX são já dadas como
pertencendo à capitania mor de Mossuril. Para Mutuamulamba e Nandoa, v. Lapa e Cró de Castro, 1889:
p. 106 e 108, respectivamente. Para Savaçava, v. DCPM, 1921: p. 125.
308
85
que fosse possibilitado o aforamento àqueles com recursos para tal, sob o argumento de
que a sua deslocação deixaria a Terra Firme à mercê dos ataques dos “inimigos” 311.
Por sua vez, o Senado da Câmara repudiava a queixa do capitão-mor da Terra
Firme. A indignação dos oficiais camarários dirigia-se sobretudo contra os suaílis a
quem acusavam de agir como intermediários dos mercadores baneanes entendidos, a par
daqueles, como a causa do prejuízo do comércio português e, implicitamente, do
prejuízo dos seus negócios pessoais. Contra os suaílis esgrimiam também o argumento
religioso queixando-se da ofensa que faziam à fé católica e do mau exemplo que
representavam para “os nossos cafres cristãos”. Admitiam que suaílis e macuas
cultivavam aquelas terras há um grande número de anos, mas consideravam que a sua
produção agrícola era tão fraca que não justificava a sua permanência. Assim, opunhamse veementemente a um “estabelecimento misto”, como diziam pretender os suaílis,
sugerindo, ao invés, que estes fossem mandados para Sancul ou Quitangonha, “porque
quanto mais separados de nós estiverem, mais seguros, e livres ficamos dos seus
malignos artifícios”. Quanto aos africanos macuas, achavam justa a sua manutenção
desde que fossem distribuídos pelos lugares circunvizinhos de Mossuril e desde que
passassem a viver afastados dos suaílis312.
O ouvidor-geral António José de Morais Durão partilhava da opinião dos oficiais
camarários em relação os suaílis mas, ao contrário daqueles, considerava que nem todos
deviam ser “expulsos” para Sancul ou Quitangonha. Aos que na realidade tivessem arroteado, aberto e semeado os chãos em que habitavam devia ser dada a possibilidade de
obter os respectivos títulos de aforamento. Para tanto, dava-lhes o prazo de um mês sob
pena de, passado este período, os chãos serem considerados devolutos e “se conferirem
aos portugueses que mais lançarem em leilão”. O prazo dado era porém tão limitado
que, na prática, o parecer do ouvidor-geral pouco terá beneficiado as populações suaílis
e macuas, antes terá jogado em favor do Senado da Câmara e dos portugueses. No seu
entender, não havia razão para que estes últimos, sendo inclusivamente “mais dignos de
favor”, pagassem foros anuais pelos seus prédios, enquanto as populações suaílis e ma-
311
Carta do capitão-mor da Terra Firme Caetano de Quadros para o desembargador e ouvidor-geral
António José de Morais Durão, 24.Dez.1782, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 40, doc. 70.
312
Carta do Senado da Câmara de Moçambique para o desembargador e ouvidor-geral António José de
Morais Durão, 15.Jan.1783, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 40, doc. 70 e Carta do desembargador e
ouvidor-geral António José de Morais Durão para o governador-geral Pedro Saldanha de Albuquerque,
18.Jan.1783, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 40, doc. 70.
86
cuas desfrutavam livremente das terras “não merecendo semelhante graça por tempo
algum”313.
Para além de evidenciar a actuação da câmara enquanto instituição outorgante
dos baldios, este episódio em torno da ocupação dos lugares de Nandoa, Mutuamulamba e Savaçava vem também dar força à conclusão anterior sobre o avanço da colonização portuguesa na Terra Firme na cronologia em análise. No mesmo sentido aponta o
pedido feito, em 1784, pelo ouvidor-geral à câmara para que lhe fosse passada uma relação extraída dos tombos do Senado da Câmara dos chãos que se pediram para roças e
dos que se começaram a cultivar no sítio de Niaullá e suas vizinhanças314.
Na qualidade de senhorio directo a câmara de Moçambique passou a desempenhar um papel chave no processo de apropriação territorial. Este papel é particularmente
notório de 1780 em diante com os esforços de regularização da situação fundiária e com
a ocupação de espaços até então exteriores à circunscrição portuguesa. Como na prática,
e ao contrário do que acontecia nos Rios de Sena em que as terras incultas estavam integradas nos prazos315, todas as terras não emprazadas na Ilha e Terra Firme terão sido
consideradas incultas, aqueles que pretendiam ver reconhecido formalmente o domínio
útil sobre determinado terreno tinham de recorrer à câmara para o obter, quer já o possuíssem anteriormente, quer a ele acedessem através de nova concessão. E, como vimos
no episódio supracitado, em alguns casos de terrenos já desbravados a iniciativa do aforamento coube inclusive à própria câmara que assim podia beneficiar de um aumento
das suas receitas, ao mesmo tempo que afastava elementos considerados “indesejados”.
Com efeito, se bem que, lhes fosse dada a possibilidade de aforar, sendo até
conhecido o caso de vários baneanes e de dois “cafres forros” que eram foreiros da
câmara316, é plausível assumir que as populações não cristãs tenham sido
313
Carta do desembargador e ouvidor-geral António José de Morais Durão para o governador-geral Pedro
Saldanha de Albuquerque, 18.Jan.1783, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 40, doc. 70.
314
Carta do desembargador e ouvidor-geral António José de Morais Durão para o Senado da Câmara,
1.Jan.1784, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl. 27. Não foi possível determinar a localização exacta do ”sítio
de Niaullá” mas supomos situar-se também junto a Mossuril. No mesmo ano de 1784, Niaullá é referido
como o local onde o régulo Empaia esperava licença para falar com o capitão-mor da Terra Firme. Uma
referência que remete para uma geografia próxima dos limites da circunscrição portuguesa, para Mossuril
em particular dado, como vimos, ser esta a principal porta de entrada das populações macuas - v. Carta do
capitão-mor da Terra Firme João Vicente de Cardenas e Maia para os governadores interinos,
16.Out.1784, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 48, doc. 19 e Joaquim José Varela, “Descrição da Capitania de
Moçambique…” (1788): p. 287.
315
Rodrigues, 1998: p. 592.
316
Foi o caso, por exemplo, do baneane Nana Mulgy e dos “cafres forros” Luís Mascarenhas do Rosário e
de Teodósio João Neto, v. Acordão da câmara de Moçambique sobre os aforamentos da Terra Firme,
19.Ago.1782, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 38, doc. 70. No mapa do número de habitantes cristãos que
87
frequentemente preteridas do acesso à terra desde logo por motivos ideológicos e
religiosos. Ainda assim, tendo em conta o número de baneanes que foi possível detectar
na posse de terras na Ilha e Terra Firme e destes serem aliás apontados como uns dos
principais foreiros, o principal obstáculo para conseguir aceder ao aforamento de
determinada parcela de terra seria, porém, financeiro.
possuíam terras na Terra Firme em 1802 era referido que, para além daqueles, havia também “mouros” ali
estabelecidos mas “como os seus estabelecimentos” eram “de pouca consideração nas ditas terras” não se
fazia menção deles, v. “Mappa do Numero dos Habitantes Christaons, que possuem nas terras do Lumbo,
Ilha de Battû, Calundi, Apagafogo, Ampapa, Monsuril, Mapeta, Cabaceira Grande, e Cabaceira piquena,
Cazas, fazendas Escravos, e da Gente livre, e Feitores, que há nas ditas terras, as quaes são fronteiras a
Ilha de Mossambique”, 20.Ago.1802, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 96, doc. 62.
88
CAPÍTULO 4
A terra e a elite da Ilha de Moçambique
A despeito da desordem em matéria fundiária e da escassez de títulos de aforamento apontadas no capítulo anterior, entre a documentação consultada foi possível
detectar 253 proprietários e 264 propriedades, já que 11 destes proprietários estavam na
posse de mais do que uma propriedade. De igual modo, foi possível apurar alguns
elementos identificadores, como o género e a naturalidade do proprietário, o tipo de
propriedade e a instituição outorgante do aforamento (v. Anexo 1, Tabela 1)317. Estes
são certamente valores que ficam aquém do número total de proprietários da Ilha e
Terra Firme e que tão-pouco traduzem o total das propriedades da região na cronologia
em estudo. Desde logo, em razão da evidente ausência de documentação directa como
os livros de tombos, mas também porque o número de proprietários a que chegámos diz
maioritariamente respeito à comunidade cristã portuguesa sendo evidente o défice de
detentores de terras que não se enquadram sob esta categoria como, por exemplo,
baneanes, suaílis e macuas318. Ademais, para além dos indivíduos com terras aforadas à
coroa ou à câmara, havia ainda o caso daqueles – como, por exemplo, as populações
suaílis e macuas apontadas no capítulo anterior – que ocupavam terras e se
317
Optámos por incluir nesta recolha uma fonte de data anterior ao período cronológico em análise, cf.:
“Relação dos moradores portugueses” (1757). Uma opção metodológica que julgamos pertinente dada a
riqueza de informação da referida fonte quanto à condição social e económica dos indivíduos retratados e
à estabilidade dos bens em causa. Assumimos que todas as terras (no caso, palmares) mencionadas na
“Relação dos moradores portugueses” eram prazos da Coroa uma vez que o concelho ainda não havia
sido criado.
318
V. Lista dos palmareiros de Mossuril, 17.Mar.1781, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 35, doc. 94.
89
consideravam seus proprietários sem, no entanto, possuírem sobre elas um vínculo de
posse enquadrado no regime jurídico português não sendo, portanto, foreiros319.
Convém notar igualmente que esta é uma representação estática. Ou seja, que
não leva em consideração as sucessivas transmissões dos prédios por doação, nomeação
ou venda320. Dado o carácter lacunar da informação, mas também dada a natureza da
investigação – necessariamente limitada no tempo –, trata-se da representação por ora
possível. Pese embora os limites enunciados e sem preocupações de exaustividade,
procuremos analisá-la nas suas linhas gerais neste quarto e último capítulo.
4.1. A terra na Ilha e Terra Firme. Uma visão de conjunto
Assim, no universo das 264 propriedades 17% eram terras foreiras à Câmara (o
correspondente a 45 prazos) e 11% à Coroa (o correspondente a 29 prazos) sendo que o
já referido chão comprado por Plácido Mascarenhas e Quitéria de Sousa é o único em
relação ao qual conhecemos o título de aforamento. Ignora-se qual a instituição outorgante nos restantes 72% dos casos (o correspondente a uma larga maioria de 190
prazos) (v. Gráfico 2).
319
Disso mesmo nos dá conta o capitão-mor da Terra Firme Joaquim do Rosário Monteiro ao elaborar o
“Mapa do número de habitantes cristãos” notando, à margem, que “alem dos habitantes christaons, que
possuem cazas, e fazendas nas dittas terras, há tambem moiros, estabelecidos nas mesmas, porem como
os seus estabelecimentos, são de pouca consideração nas ditas terras por essa razão senão faz menção
deles”, cf.: “Mappa do Numero dos Habitantes Christaons, que possuem nas terras do Lumbo, Ilha de
Batû, Calundi, Apagafogo, Ampapa, Monsuril, Mapeta, Cabaceira Grande, e Cabaceira piquena, Cazas,
fazendas Escravos, e da Gente livre, e Feitores, que há nas ditas terras, as quaes são fronteiras a Ilha de
Mossambique”, 20.Ago.1802, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 96, doc. 62.
320
Percebe-se, no entanto, que existiu um expressivo mercado de compra e venda de terras. Veja-se, por
exemplo, o Inventário dos bens de Mateus Coelho Soares e D. Ana Soares da Serra 22.Agos.1783, AHU,
Cons. Ultr., Moç, cx. 44, doc. 6 e a Carta do provedor dos ausentes e defuntos Manoel José Gomes
Loureiro para o governador-geral Francisco G. C. Meneses da Costa, 6.Set.1799, AHU, Cons. Ultr.,
Moç., cx. 83, doc. 31.
90
Gráfico 2 – Instituição outorgante do aforamento (1763 - c. 1802)
No que diz respeito aos 253 proprietários, 83% eram homens (209) e 15% mulheres (39). Os restantes 2% (5), agrupados como não aplicáveis (N/A), traduzem os
casos em que a posse é atribuída “aos herdeiros” de determinado proprietário (4) ou ao
casal Plácido Mascarenhas e Quitéria de Sousa (1) (v. Gráfico 3).
Gráfico 3 – Distribuição da propriedade por género (1763 - c. 1802)
No caso específico das propriedades foreiras à câmara, 89% (33) foram tituladas
em homens e 11% (4) em mulheres (v. Gráfico 4). Ao nível da distribuição por género as
propriedades foreiras à Coroa apresentam valores idênticos. De um total de 29 prazos,
86% (25) foram titulados em homens, 10% (3) em mulheres. Os restantes 4% (1) dizem
respeito ao chão aforado por Plácido Mascarenhas e Quitéria de Sousa (v. Gráfico 5).
91
Gráfico 4 – Distribuição das propriedades foreiras à
câmara por género (1763 - c. 1802)
Gráfico 5 – Distribuição das propriedades foreiras à
Coroa por género (1763 - c. 1802)
Quanto à naturalidade, dos 253 proprietários 17,3% (44) eram portugueses do
reino, outros 16,6% eram originários da Província do Norte (42), 6% (15) eram goeses,
seguindo-se os naturais de Moçambique e do Rio de Janeiro que representavam,
respectivamente, 5% (13) e 2% (6) do total. Uma vez mais, desconhece-se a situação da
maioria dos casos, 53% (133) (v. Gráfico 6). Porém, neste percentual de proprietários de
naturalidade desconhecida incluem-se as 39 mulheres atrás referidas, as quais,
atendendo à configuração da sociedade insular e à reduzida colonização feminina,
podemos supor tratarem-se na sua maioria de mulheres mestiças de origem local,
descendentes de portugueses e africanas ou de portugueses e indianas321. Assim, e
apesar de em determinados casos individuais ser visível um certo protagonismo, no seu
conjunto, as mulheres detentoras de terras na Ilha e Terra Firme desempenharam um
papel de pouco relevo, sobretudo quando comparadas às donas do Zambeze que adquiriram uma posição de grande preeminência política, social e económica chegando a deter
cerca de metade dos prazos da região dos Rios de Sena322.
321
322
92
Sobre o quotidiano e relações sociais das mulheres da elite insular v. Rodrigues, 2010b e 2010c.
Rodrigues, 2002: 167-178, 236-241.
Gráfico 6 - Distribuição dos foreiros por naturalidade (1763 - c. 1802)
O retrato dos proprietários da Ilha e Terra Firme aqui traçado nas suas linhas
gerais confirma e completa o que vem sendo evidenciado pela historiografia em relação
à composição da elite insular ao longo da segunda metade de Setecentos, nomeadamente a preponderância da população masculina e a diversidade das suas origens geográficas323. No conjunto daqueles que tiveram acesso à terra sobressai a emigração
masculina procedente do subcontinente indiano (Goa e Província do Norte com uma
peso de 23,6%) seguida da emigração, igualmente masculina, com origem em Portugal.
Não por acaso. Ao longo da segunda metade de Setecentos a Ilha de Moçambique foi o
porto de destino dos mercadores e negociantes atraídos pelos vigoroso ambiente comercial. Na condição de capital da colónia de Moçambique e Rios de Sena foi também
ponto de chegada dos oficiais régios, religiosos e militares chamados à sua
administração e defesa. Pelo menos uma parte destes indivíduos acabou por se fixar na
região, integrando-se na sociedade insular. Uma vez na Ilha, o comércio – o tráfico de
escravos, em particular – constituiu-se invariavelmente na principal ocupação de uma
larga maioria. Mais lucrativo e imediato do que os negócios até então praticados na
costa leste-africana, o tráfico negreiro facilmente se tornou no principal interesse da
generalidade da população insular.
Não só aqueles que se dedicavam exclusivamente ao tráfico, também muitos
oficiais da administração régia, militares, clérigos, náuticos, agricultores se envolveram
na compra e venda de escravos. Não o fazendo de forma exclusiva, já que em
simultâneo desempenhavam várias outras actividades, era deste negócio que retiravam
323
Veja-se, em particular, Wagner, 2011.
93
uma parte substantiva dos seus rendimentos324. Como em outras sociedades de Antigo
Regime, estes indivíduos investiam o capital acumulado no comércio em bens de raiz,
quer pelo prestígio que decorria da sua posse, quer pelas rendas que eles podiam
facultar, quer ainda pela segurança do investimento pois este era um tipo de património
mais estável e que contrabalançava os riscos inerentes às actividades comerciais.
Ao longo das páginas seguintes, iremos acompanhar o caso de um dos
proprietários da Ilha e Terra Firme, João da Silva Guedes, que se afigura como um
exemplo paradigmático dos processos atrás descritos.
4.2. O caso de João da Silva Guedes
Natural do Porto onde terá nascido cerca de 1750, a presença documentada de
João da Silva Guedes em Moçambique data de 1778 ou 1779, altura em que iniciou
funções como escrivão maior da alfândega325. Sabemo-lo casado com D. Rosaura Monteiro de Sousa antes de 1784. E, em 1787, é já um dos maiores produtores agrícolas no
conjunto dos produtores portugueses estabelecidos no termo da Ilha de Moçambique,
cuidando das suas e ajudando no trato das fazendas de sua sogra e cunhada326. Entretanto, pelo menos desde 1789, encontramo-lo envolvido no tráfico negreiro negociando
escravos que resgatava no sertão a troco de armas e pólvora. A partir de 1791 passa a
armar navios tornando-se, inclusivamente, no primeiro armador residente na Ilha de
Moçambique a expedir uma embarcação negreira para a América portuguesa, em
1794327.
Escrivão maior da alfândega, e portanto em contacto directo com armadores e
negreiros, João da Silva Gudes passou também ele a comprar e vender escravos sem no
entanto abandonar aquela ocupação328, cujo exercício aliás lhe traria inúmeros benefícios. Não por acaso, pelos ofícios da alfândega terão passado alguns dos principais
negreiros de Moçambique. No mesmo período, é também o caso do goês Joaquim do
324
Capela, 2002.
Requerimento de João da Silva Guedes para continuar a servir o ofício de escrivão maior da alfândega,
4.Jan.1802, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 92, doc. 5 e “Auto de devassa a que mandou proceder o
dezembargador ouvidor geral Antonio Jozé de Morais Durão pelo contheudo na ordem e interrogatorios
juntos” 16.Mar.1783, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 41, doc. 32, fl.24v.
326
Mapa dos baptizados, casamentos e falecimentos na Sé Matriz de Moçambique entre Janeiro de 1783 e
Agosto de 1784, 11.Ago.1784, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 47, doc. 51 e Relação dos moradores que
fazem farinha de mandioca, 3.Set.1787, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 55, doc. 15.
327
Capela, 2002: p. 78 e 147.
328
João da Silva Guedes requereu a serventia vitalícia do ofício de escrivão maior da alfândega, a qual lhe
foi confirmada em 1799, v. Carta de mercê do posto de escrivão maior da alfândega passada a João da
Silva Guedes, AHU, Cons. Ultr. Moç., 1.Mar.1799, cx. 82, doc. 22.
325
94
Rosário Monteiro. De resto, João da Silva Guedes e Joaquim do Rosário Monteiro foram talvez os dois maiores armadores da Ilha de Moçambique das duas primeiras décadas de Oitocentos329.
Pelo menos nos anos de 1794 e 1801 João da Silva Guedes integrou o Senado da
Câmara330. Foi ainda mesário da Misericórdia (1793)331, capitão-mor da companhia de
ordenanças de Moçambique332 e tornou-se um dos maiores produtores agrícolas com
várias fazendas e palmares aforados333. Embora desconhecendo os produtos em causa,
sabemos que se envolveu também na comercialização de mantimentos. Dono do
patacho S. Vicente Formidável foi autorizado a navegar para Quelimane para carregar
mantimentos pelo menos em 1801 e 1803334. E, bem assim, em associação com outros
mercadores, iniciou-se na pesca da baleia na costa ao largo de Lourenço Marques 335 e
arrematou os dízimos da Ilha e Terra Firme336.
A variedade de actividades desempenhadas e a diversidade de negócios em que
participou é, de resto, uma característica comum a muitos outros agentes negreiros em
actuação em Moçambique no mesmo período. A título de exemplo refira-se o caso de
António José Teixeira Tigre, sócio de João da Silva Guedes no negócio de escravos e tal
como aquele natural do Porto, que foi também tenente-coronel do regimento de infantaria de Moçambique, irmão da Misericórdia, capitão-mor da Terra Firme e “um dos mais
principais moradores (…) pelo aumento de suas fazendas e propriedades de casas”337.
329
Capela, 2002: p. 147. Veja-se, em particular, a entrada João da Silva Guedes no Dicionário de
Negreiros em Moçambique 1750-1897 para um breve resumo da sua actividade comercial – Capela, 2007:
p. 31-32.
330
Carta do Senado da Câmara para a rainha, 26.Nov.1794, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 69, doc. 46 e
Carta do Senado da Câmara para o príncipe regente, 22.Set.1801, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 89, doc. 9.
331
Carta dos irmãos Misericórdia de Moçambique para o governador das Ilhas de Cabo Delgado,
6.Jul.1793, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 74, doc. 96.
332
Carta-patente de João da Silva Guedes no posto de capitão-mor da companhia de ordenanças de
Moçambique, 5.Nov.1793, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fls. 139v-141.
333
Carta do governador-geral Francisco G. C. Meneses da Costa para a rainha, 8.Ago.1799, AHU, Cons.
Ultr., Moç., cx. 83, doc. 40.
334
Passaportes passados a João da Silva Guedes para comerciar em Quelimane, 23.Out.1801, AHU,
Cons. Ultr., Moç., cx. 89, doc. 41 e 12.Mar.1803, cx. 97, doc. 25.
335
Carta do governador-geral D. Diogo de Sousa para o secretário de Estado, 29.Out.1796, AHU, Cons.
Ultr., Moç., cx. 80, doc.22.
336
“Auto de arrematação dos dízimos dos distritos das tres Freguezias desta vila de Moçambique e das
Cabaceiras por tres annos de 1788, 1789 e 1790”, 6.Dez.1787, AHU, Gov. Moç., cód. 1564, fls. 1-3.
337
Carta do governador-geral D. Diogo de Sousa para o secretário de Estado, 29.Out.1796, AHU, Cons.
Ultr., Moç., cx. 80, doc.22; Folha de conduta dos militares da 1ª à 9ª companhias do regimento de
Moçambique [s.d.], AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 68, doc. 22; Carta dos irmãos Misericórdia de
Moçambique para o governador das Ilhas de Cabo Delgado, 6.Jul.1793, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 74,
doc. 96; Carta do governador-geral António de Melo e Castro para o Senado da Câmara, 15.Mar.1786,
AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fls. 58v-60; Carta do capitão-mor da Terra Firme António José Teixeira
Tigre para o governador-geral, 4.Set.1797, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 78, doc. 69; Capela, 2007: p. 54.
95
Quanto a João da Silva Guedes, segundo o governador-geral Francisco G. C.
Meneses da Costa, distinguiu-se “mais do que nenhum outro morador no fabrico de
varias propriedades de cazas”. Para além daquela em que habitava, a qual “mesmo na
Europa” seria reputada como “huma propriedade nobre”, Silva Guedes seria senhor de
vários prédios localizados no recinto insular. No continente fronteiro fez “aumentar o
seu patrimonio pelos meios da agricultura, tendo roteado terrenos nas terras firmes e
formado fazendas que alem dos seus grandes palmares excedem anualmente em
produção a mais de oito ou 12 mil alqueires de farinha de pau”338. Em suma, Silva
Guedes era um homem “abonado com bens de raiz superabundantes na capital”339. A
aplicação do capital mercantil em património fundiário era uma estratégia que obedecia,
fundamentalmente, a propósitos de afirmação social e de segurança. Tratava-se de um
tipo de investimento menos incerto e de rendas fixas que mais facilmente garantiam um
padrão de vida de acordo com os ganhos mercantis acumulados. E também João da
Silva Guedes se serviu desta estratégia.
Para além dos factores de segurança e afirmação social, na Ilha de Moçambique
a posse de terras revestia-se ainda de uma outra dimensão que decorria da extrema dependência alimentar a que estava sujeita. Como vimos no segundo capítulo, sobretudo
no que se referia ao cultivo de cereais, a Ilha não se bastava a si própria encontrando-se
dependente de um conjunto de mercados exteriores. Assim, alguns dos maiores
negreiros tornaram-se simultaneamente alguns dos maiores produtores agrícolas, já que
através da exploração das suas propriedades encontravam uma forma mais barata de
alimentar os seus escravos baixando assim os custos associados a este tráfico340. A
agricultura, não só permitia reduzir os custos com a alimentação dos escravos
traficados, como possibilitava somar os lucros da venda dos excedentes de produção aos
lucros do tráfico. A despeito dos valores apontados pelo governador-geral Francisco G.
C. Meneses da Costa, a quantidade estimada de farinha de mandioca produzida por João
da Silva Guedes no ano 1802 era de 2.000 alqueires. Também em 1802, Silva Guedes
338
Carta do governador-geral Francisco G. C. Meneses da Costa para a rainha, 8.Ago.1799, AHU, Cons.
Ultr., Moç., cx. 83, doc. 40.
339
“Auto de arrematação dos dízimos dos distritos das tres freguezias desta vila de Moçambique e das
Cabaceiras por tres annos de 1788, 1789 e 1790”, 6.Dez.1787, Gov. Moç., cód. 1564, fls. 1-3.
340
V. Relação das pessoas que possuem machambas, 20. Mar.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fls.
259v-260v e Rodrigues, 1998.
96
tinha plantadas 37 árvores de café, cultura que então as autoridades portuguesas
tentavam introduzir na região341.
A par da dimensão prática de alimentar a Ilha de Moçambique e o próprio
negócio de escravos, as propriedades do continente fronteiro encerravam ainda uma
dimensão simbólica. Apesar dos habitantes mais destacados terem morada principal no
recinto insular, as propriedades da Terra Firme eram por eles procuradas para recreio. A
posse destas terras permitia-lhes assim dar visibilidade à fortuna acumulada no
comércio negreiro e, simultaneamente, gozar do prestígio social que uma residência de
recreio podia conferir342.
O percurso de João da Silva Guedes na Ilha de Moçambique prolonga-se para
além da cronologia de análise deste trabalho. Segundo a investigação realizada por José
Capela, Silva Guedes manteve-se ligado ao tráfico de escravos até cerca de 1813.
Retira-se em razão da idade mas a actividade é continuada pelos seus filhos
continuando, de resto, a ocupar o ofício de escrivão maior da alfândega pelo menos até
1819343.
341
Relação das pessoas a quem pertencem as árvores de café, 23.Mar.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353,
fl. 262 e Relação das pessoas que possuem machambas, 20.Mar.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fls.
259v-260v.
342
Rodrigues, Rocha e Nascimento, 2009. De resto, uma estratégia de promoção social comum às demais
sociedades de Antigo Regime. Como verificou Jorge Pedreira, os homens de negócio da praça de Lisboa
na segunda metade do século XXVIII investiam uma fracção do seu património em quintas em Lisboa e
nos arredores, “um investimento com finalidades simbólicas, posto que permitia uma demonstração social
das fortunas mercantis e do padrão de vida que elas proporcionavam”, v. Pedreira, 1996: p. 373.
343
Capela, 2007: p. 31-32.
97
CONCLUSÃO
A segunda metade do século XVIII representou para a Ilha de Moçambique um
período de notável transformação e dinamismo, nomeadamente a partir da passagem
para administração directa de Lisboa, em 1752. Seguiu-se o estabelecimento da
liberdade de comércio nos portos moçambicanos a todos os súbditos do império
português e a elevação da praça a vila dotada de câmara. Sistematizou-se o tráfico
negreiro, o qual passou a correr de forma particularmente intensa nas últimas décadas de
Setecentos. Porém, com pouco mais de um Km2 de área total, para conseguir acolher as
transformações e o dinamismo então vividos a Ilha foi “obrigada” a fazer uso ostensivo
das terras continentais fronteiras. A Terra Firme foi o cenário privilegiado do
desenvolvimento comercial e agrícola da segunda metade de Setecentos e os moradores
e demais proprietários da Terra Firme afirmaram-se como os protagonistas deste
desenvolvimento.
Muito sinteticamente, foram estes os processos que acompanhámos ao longo do
trabalho que agora se conclui. Em primeiro lugar, observámos como na segunda metade
de Setecentos a Terra Firme ocupava uma área aproximada de 10 Km de extensão litoral
por 5 a 6 Km de profundidade interior. Valores meramente indicativos mas que, em
todo o caso, permitem perceber o quão reduzido era o espaço sob efectivo domínio
português no continente fronteiro à Ilha. Não obstante, observámos também como, no
mesmo período, em resultado da intensificação do comércio e da agricultura ali
praticados, os portugueses passaram a ocupar parcelas do território continental até então
pouco ou nada exploradas, como a região litoral situada a oeste/noroeste relativamente à
Ilha.
O processo de apropriação territorial na Terra Firme torna-se evidente nas
últimas três décadas de Setecentos, nomeadamente a partir de 1770 com a promoção de
uma política de produção e distribuição de mantimentos que permitisse aumentar a
independência da região face aos provimentos externos e que desse resposta ao aumento
populacional verificado sobretudo em função do tráfico de escravos. Introduzida cerca
de 1768, a mandioca desempenhou um importante papel neste contexto. Rapidamente se
transformou numa das principais culturas da região, contribuindo para atenuar esta
dependência e constituindo-se móbil de uma agricultura mais intensiva. Neste contexto,
99
a área dedicada ao cultivo agrícola cresceu de forma expressiva e as terras continentais
tornaram-se ainda mais importantes para o abastecimento da Ilha, tanto para alimentar a
população residente e a população em trânsito, como para assegurar a manutenção dos
seus circuitos comerciais. O alargamento da área cultivada verificada nas últimas três
décadas de Setecentos decorreu, no entanto, sob constante pressão militar das
populações suaílis e macuas vizinhas e, por isso, numa segunda parte deste trabalho,
debruçámo-nos sobre as dinâmicas de resistência à colonização portuguesa focando os
principais momentos políticos e militares do relacionamento entre portugueses, suaílis e
macuas.
Uma terceira grande questão prendeu-se com os mecanismos jurídico-políticos
que regularam o acesso à terra na região da Ilha. Partimos de uma breve caracterização
do regime jurídico de concessão das terras de Moçambique nos séculos XVII e XVIII
com base na historiografia dedicada aos prazos dos Rios de Sena. Em seguida,
procurámos esboçar o quadro fundiário da Ilha e Terra Firme entre o final do século
XVI e 1763 e vimos como também aqui, embora com determinados particularismos
decorrentes em grande medida das limitações do espaço, o regime jurídico que
enquadrou a posse e propriedade da terra foi o regime jurídico dos prazos de
Moçambique. Ao longo de 1763, acompanhámos a criação da câmara e a constituição
do concelho de Moçambique. E, de 1763 em diante, verificámos como o domínio
eminente sobre o território da Ilha e Terra Firme foi partilhado entre a câmara e o
governo-geral. Enquanto os prazos anteriores à criação do concelho se mantiveram sob
tutela do governo-geral, a câmara passou a deter a prerrogativa da concessão dos
terrenos incultos.
Mas como dentro da então circunscrição portuguesa uma larga maioria do
território seria inculto, a câmara assumiu o destaque do processo de apropriação
territorial num contexto de crescimento da população, de intensificação da actividade
comercial e de afirmação geral da Ilha enquanto capital da capitania de Moçambique.
Com efeito, tudo indica que na cronologia em estudo o progresso na ocupação da Terra
Firme se ficou sobretudo a dever a uma exploração mais intensiva dos terrenos já
agricultadas e ao aproveitamento dos baldios localizados dentro da circunscrição
portuguesa. A apropriação de terras para além deste espaço que rondaria os 5 a 6 Km de
profundidade interior foi também uma realidade, como fica aliás claro no processo
protagonizado pela câmara de ocupação de Nandoa, Mutuamulamba e Savaçava, terras
100
até então “circunferentes à Coroa”. Deste processo resultou um território um pouco
mais vasto a ser administrado e explorado pelos portugueses. Porém, na cronologia em
estudo, o avanço da colonização portuguesa parece ter sido efectivamente muito
escasso.
Já nas páginas finais deste trabalho, e ainda que de forma breve, tivemos
oportunidade de nos debruçar sobre outro dos protagonistas do processo de
territorialização portuguesa na Terra Firme, os proprietários. Através de uma análise de
conjunto verificámos, tal como seria expectável num espaço de encruzilhada de
múltiplas rotas comerciais como a Ilha de Moçambique da segunda metade de
Setecentos, o predomínio da população masculina e a sua grande diversidade de origens.
A concluir importa ainda sublinhar que muitas das questões levantadas neste
trabalho continuam em aberto. A manifesta escassez de títulos de aforamento representa
uma lacuna dificilmente ultrapassável por qualquer outra documentação por mais
abundante e diversificada que ela seja. Certamente a análise do livro de registo dos
aforamentos concedidos entre 1788 e 1815 e dos tombos de 1783-1788 e 1799-1852 –
que sabemos existirem mas não que nos foi possível consultar – poderá trazer novas
perspectivas sobre a questão fundiária na Ilha e Terra Firme do período moderno. Mas,
portanto, no estado presente da investigação são muitas as dúvidas que ficam por
esclarecer, tanto em resultado das referidas limitações documentais como em resultado
dos limites inerentes a uma tese de mestrado.
Quais os usos dados às terras do continente fronteiro à Ilha? Para além da
mandioca e do café, que outros produtos eram cultivados e para que fins foram usados?
Que inovações (agrícolas, fiscais, políticas ou outras) foram aplicadas no sentido de
tornar mais produtivas e rentáveis estas terras? Qual o papel dos escravos enquanto
mão-de-obra agrícola privilegiada e como é que a captação de escravos para a
agricultura da Terra Firme se articulou com as demandas do tráfico negreiro?
Interessaria também conhecer de uma forma mais aprofundada as normas que regeram a
concessão e a sucessão destas terras e, bem assim, as famílias e os indivíduos que
beneficiaram da sua posse. Não obstante a falta de resposta para estas e outras das
perguntas formuladas ao longo deste trabalho, chegados ao final ficámos a conhecer a
forma como a Terra Firme foi sendo construída por via da abertura de novos palmares,
fazendas e machambas.
101
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31, 32, 34, 35, 38, 39, 40, 41, 44, 47, 48, 49, 50, 52, 53, 55, 59, 60, 61, 62, 68,
69, 70, 71, 74, 75, 78, 79, 80, 81, 82, 83, 85, 86, 88, 89, 90, 91, 92, 93, 94, 96,
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expansão portuguesa, vol. 9, tomo 1. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar,
1954, p. 283-310.
344
A existência de duas referência à mesma fonte explica-se em virtude da versão publicada por Virgínia
Rau não incluir determinados trechos relevantes para este trabalho. O acesso à cópia do manuscrito foi
facultado pela Doutora Eugénia Rodrigues, a quem agradeço a partilha.
106
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116
Anexos
ANEXO 1
Tabela 1 – Proprietários da Ilha de Moçambique e Terra Firme (1763 - c. 1802)
Género
Naturalidade
Morada
Propriedades
Instituição
outorgante do
aforamento
1. Abdul Raimane
M
Desconhecida
Desconhecida
Palmar em Mossuril
Desconhecida
Antunes, 2001: p. 385
2. Abduraman
M
Desconhecida
Desconhecida
Palmar (sem indicação de
local) (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
3. Agostinho Dias [a mãe de]
F
Desconhecida
Mossuril
Palmar em Mossuril (1766)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94;
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82
4. Alexandre Roberto
Mascarenhas
M
Desconhecida
Cabaceira Grande (1783)
Palmar na Cabaceira Grande
(1783)
Desconhecida
3.Set.1787, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 55, doc. 15;
22.Agos.1783, AHU, Cons. Ultr., Moç, cx. 44, doc. 6
5. Amarchande Madougi
M
Desconhecida
Deconhecida
Palmar em Mossuril
Desconhecida
Antunes, 2001: p. 385
6. Amichande Taranes
M
Desconhecida
Deconhecida
Palmar (sem indicação de
local)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
7. Amigi Amode
M
Desconhecida
Deconhecida
Terreno em Nanivaco (1801)
Câmara
9.Fev.1801, AHU, Gov. Moç, cód. 1353, fls.248-249
8. Amode Timaly
M
Desconhecida
Desconhecida
Terreno em Nanivaco (1801)
Câmara
9.Fev.1801, AHU, Gov. Moç, cód. 1353, fls.248-249
9. Ana de Sousa Mascarenhas
[Dona]
F
Desconhecida
Desconhecida
Machamba na Cabaceira
Grande (1802)
Desconhecida
10. Ana Joaquina Rosa
F
Desconhecida
Desconhecida
Terreno (sem indicação de
local) (1801)
Câmara
N/A
Desconhecida
Desconhecida
Machamba em Mossuril
(1802)
Desconhecida
23Mar.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl. 262
F
Desconhecida
Desconhecida
Machamba em Mossuril
(1802)
Desconhecida
20.Mar.-19.Out.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353,
fls.262v e 279v
Nome
11. Ana Maria da Costa God.ª [os
herdeiros de Dona]
12. Ana Monteiro de Sousa
[Dona]
Fontes
20.Mar.-19.Out.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fls.
262 e 279
9.Fev.1801, AHU, Gov. Moç, cód. 1353 fls.248-249
13. Anacleto Fortunato da Costa
Matoso
M
Desconhecida
Desconhecida
Machamba (1802)
Desconhecida
19.Out.1802, AHU, Gov. Moç. cód. 1353, fl. 279v.
14. António Alberto Pereira
M
Desconhecida
Desconhecida
Machamba na Cabaceira
Grande (1802)
Desconhecida
20.Mar.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl.262
15. António Caetano Pinto
M
Goa
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
Moçambique (1766)
Mossuril (1800)
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82; Relação dos
moradores portugueses (1757): 168; 16.Mar.1783,
AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 41, doc. 32, fl.33;
119
Nome
16. António Carvalho Corte Real
17. António Castro da Costa
Godinho
18. António Cavado das Merces
(ou Mercedes?)
Género
Naturalidade
Morada
Propriedades
Instituição
outorgante do
aforamento
Fontes
M
Desconhecida
Desconhecida
Chão em Mossuril (1782)
Câmara
19.Ago.1782, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 38, doc. 70
M
Portugal
Moçambique
Fazenda (1766)
Desconhecida
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82;
M
Goa
Mossuril
Fazenda (1766)
Desconhecida
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82
19. António Correia Monteiro de
Matos
M
Província do
Norte (Chaul)
Moçambique (1757)
Cabaceira Pequena
(1766)
Palmar (1757)
Coroa
20. António da Costa por Tomás
(?) [a viúva de]
F
Desconhecida
Mossuril
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
21. António da Cruz e Almeida
M
Desconhecida
Desconhecida
Machamba na Cabaceira
Grande (1802)
Desconhecida
20.Mar.-19.Out.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fls.
259v. e 279
22. António da Cunha
M
Província do
Norte
Moçambique
Palmar (1757)
Coroa
23. António de Figueiredo
M
Moçambique
(Ilha de
Moçambique)
Mossuril
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
24. António Dias
M
Desconhecida
Desconhecida
Chão em Mossuril (1782)
Câmara
25. António Ferreira Nazaré
M
Desconhecida
Desconhecida
Propriedade* na Cabaceira
Grande (1787)
Desconhecida
3.Set.1787, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 55, doc. 15
26. António Ferreira Nazaré [a
viúva de]
F
Desconhecida
Desconhecida
Machamba na Cabaceira
Grande (1802)
Desconhecida
20.Mar.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl.262
27. António Francisco
M
Desconhecida
Desconhecida
Chão em Mossuril (1782)
Câmara
28. António Gomes de Amorim
Pessoa
M
Portugal
Moçambique (1757)
Palmar (1757)
Coroa
29. António José Engeitado
M
Portugal
(Coimbra)
Cabaceira
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
30. António José Pereira
M
Desconhecida
Desconhecida
Chão em Mossuril (1782)
Câmara
120
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82; Relação dos
moradores portugueses (1757): 156
Relação dos moradores portugueses (1757): 156
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94;
19.Ago.1782, AHU, Cons. Ultr., Avulsos, Moç., cx. 38,
doc. 70; AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 41, doc. 32, fl.43v;
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82
19.Ago.1782, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 38, doc. 70
19.Ago.1782, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 38, doc. 70
Relação dos moradores portugueses (1757): 155
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94;
16.Mar.1783, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 41, doc. 32,
fls.10-10v
19.Ago.1782, AHU, Cons. Ultr., Avulsos, Moç., cx. 38,
doc. 70; 28.Fev.1800, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 85,
doc. 54
Género
Naturalidade
Morada
Propriedades
Instituição
outorgante do
aforamento
31. António José Teixeira Tigre
M
Portugal
Moçambique (1795)
Fazenda (1797)
Desconhecida
32. António Marques Coelho
M
Desconhecida
Desconhecida
Propriedade* em Mossuril
(1787)
Desconhecida
33. António Rodrigues
M
Desconhecida
Desconhecida
Nome
Propriedade* na Cabaceira
Grande (1787)
Propriedade* em Mossuril
(1787)
Machamba na Cabaceira
Grande (1802)
Chão na Cabaceira Grande
(1782)
Fontes
4.Set.1797, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 78, doc. 69;
[1794], AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 68, doc. 22;
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Desconhecida
3.Set.1787, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 55, doc. 15
Desconhecida
3.Set.1787, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 55, doc. 15;
20.Mar.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl.259v.;
25.Jun.1802, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 93, doc. 73;
Capela, 2007: 168
Câmara
19.Ago.1782, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 38, doc. 70
34. António Salvador de
Abranches
M
Desconhecida
Moçambique (1791)
35. António Teixeira
M
Desconhecida
Desconhecida
36. António Teixeira [a viúva de]
F
Desconhecida
Cabaceira
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
37. António Xavier Ferreira
M
Desconhecida
Desconhecida
Machamba na Cabaceira
Grande (1802)
Desconhecida
20.Mar.-19.Out.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fls.
262 e 279; 29.Dez.1798, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl.
191-192
38. Apolinário José Luís
M
Desconhecida
Desconhecida
Chão na Cabaceira Grande
(1782)
Câmara
39. Aruno Sangi
M
Desconhecida
Desconhecida
Um mato localizado em
Mossuril
Coroa
24.Out.1755, AHU, cx. 11, doc. 64; antes de
17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
40. Assani
M
Desconhecida
Desconhecida
Palmar (sem indicação de
local)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
Desconhecida
20.Mar.-19.Out.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fls.
259v. e 279; 23.Mar.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353,
fl. 262, 280-280V; 25.Jun.1802, AHU, Cons. Ultr., Moç.,
cx. 93, doc. 73
19.Ago.1782, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 38, doc. 70;
20.Mar.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl.262
41. Baltasar Manuel de Sousa e
Brito
M
Desconhecida
Desconhecida
Machamba na Cabaceira
Grande (1802)
42. Benjamim Ferrão
M
Desconhecida
Desconhecida
Machamba em Mossuril
(1802)
Desconhecida
23Mar.-19.Out.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fls.
262 e 279v; 29.Dez.1798, AHU, Gov. Moç., cód. 1353,
fl. 190-191
43. Bernarda Pais
F
Desconhecida
Desconhecida
Machamba na Cabaceira
Grande (1802)
Desconhecida
20.Mar.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl.262
44. Bernardo Barreto
M
Goa
Desconhecida
Fazenda (1766)
Desconhecida
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82
45. Bernardo Barreto [a viúva de]
F
Desconhecida
Mossuril
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
121
Género
Naturalidade
Morada
Propriedades
Instituição
outorgante do
aforamento
46. Bernardo de Almeida
M
Desconhecida
Desconhecida
Terreno em Napome (1801)
Câmara
9.Fev.1801, AHU, Gov. Moç, cód. 1353 fls.248-249
47. Bernardo Fernandes
M
Desconhecida
Desconhecida
Terreno em Mutanga (1801)
Câmara
9.Fev.1801, AHU, Gov. Moç, cód. 1353 fls.248-249
48. Bernardo José Coelho
M
Desconhecida
Desconhecida
Chão em Mossuril (1782)
Câmara
19.Ago.1782, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 38, doc. 70
49. Boane Sangagi
M
Desconhecida
Desconhecida
Palmar (sem indicação de
local)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
50. Brás Osório da Fonseca
M
Portugal
Moçambique
Fazenda (1766)
Desconhecida
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82; 17.Ago.1763,
AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 23, doc. 82
51. Caetana da Sousa Salazar
[Dona]
F
Desconhecida
Desconhecida
Machamba na Cabaceira
Grande (1802)
Desconhecida
3.Set.1787, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 55, doc. 15;
20.Mar.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl.262
52. Caetano de Quadros
M
Desconhecida
Mossuril (1781)
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94; 3.Set.1787,
AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 55, doc. 15
53. Calangi da Mutixenda
M
Desconhecida
Desconhecida
Palmar (sem indicação de
local) (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
54. Carlos José dos Reis e Gama
M
América
Portuguesa
(Rio de
Janeiro)
Desconhecida
Machamba em Ampapa
(1802)
Desconhecida
20.Mar.-19.Out.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353,
fls.262v e 279v; 23.Dez.1801, AHU, Cons. Ultr., Moç.,
cx. 91, doc. 18
55. Carsangi Sacargi
M
Desconhecida
Desconhecida
Palmar em Mossuril
Desconhecida
Antunes, 2001: p. 389
56. Carva Canacadas
M
Desconhecida
Desconhecida
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94; Antunes,
2001: p. 390
57. Catarina Leite Pereira
F
Desconhecida
Desconhecida
Machamba na Cabaceira
Grande (1802)
Desconhecida
20.Mar.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl.262
58. Clemente Simões
M
Desconhecida
Mossuril (1757)
Palmar (1757)
Desconhecida
Relação dos moradores portugueses (1757): 157
59. Constantino António Álvares
da Silva
M
Portugal
(Coimbra)
Desconhecida
Machamba na Cabaceira
Grande (1802)
Desconhecida
20.Mar.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl.262;
22.Ago.1795, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 71, doc. 53;
Capela (2007): 97
60. Dionísio Lopes de Castro
M
Moçambique
Mossuril
Fazenda (1766)
Desconhecida
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82
61. Dionísio Pereira Botelho
M
Desconhecida
Mossuril (1781)
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
Nome
122
Fontes
Género
Naturalidade
Morada
Propriedades
Instituição
outorgante do
aforamento
62. Domingas Fernandes
F
Desconhecida
Desconhecida
Palmar (1757)
Coroa
63. Domingos Carvalho
Comprido
M
Província do
Norte
Mossuril (1766)
Fazendas (1766)
Desconhecida
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82
64. Domingos Carvalho Cozumba
M
Moçambique
Mossuril (1766)
Fazenda (1766)
Desconhecida
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82
65. Domingos da Rosa
M
Desconhecida
Mossuril
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
66. Domingos da Silva Casão [a
viúva de]
F
Desconhecida
Desconhecida
Machamba na Cabaceira
Grande (1802)
Desconhecida
20.Mar.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl.262
67. Domingos Ferreira da Gama
M
Portugal
Cabaceira Pequena
(1757)
Palmar (1757)
Coroa
68. Domingos Francisco da Silva
(“o Maconde”)
M
Desconhecida
Desconhecida
Machamba em Mossuril
(1802)
Desconhecida
[20.Mar.-19.Out.1802], AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fls.
262v e 279v
69. Domingos José Leite
M
Desconhecida
Desconhecida
Machamba em Mossuril
(1802)
Desconhecida
20-23.Mar.-19.Out.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353,
fls.262-262v, 279v-280v.
Nome
70. Duarte Aurélio de Meneses
71. Duarte Aurélio de Menezes [os
herdeiros de]
Fontes
Relação dos moradores portugueses (1757): 165
Relação dos moradores portugueses (1757): 168-169
M
Goa
Moçambique
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94;
[29.Dez.1794-5.Jan.1795] AHU, Gov. Moç., cód. 1353,
fls. 148-152; 29 de Abril de 1783, AHU, Cons. Ultr.,
Moç., cx. 41, doc. 32, fl.8; 11.Jul.1799, AHU, Cons.
Ultr., Moç., cx. 83, doc. 15
N/A
Desconhecida
Desconhecida
Machamba em Mossuril
(1802)
Desconhecida
23Mar.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl. 262
Desconhecida
Chão no recinto insular
("ponta da Ilha") (1803)
Câmara
20.Jul.1803, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl. 294v
Desconhecida
Machamba em Ampapa
(1802)
Desconhecida
20-23.Mar.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fls. 262262v; 23.Mar.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl. 262
Desconhecida
Chão na Cabaceira Grande
(1782)
Câmara
20.Mar.-19.Out.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fls.
259v e 279; 19.Agos.1782, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx.
38, doc. 70; 22.Ago.1795, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx.
71, doc. 53
Desconhecida
Palmar (sem indicação de
local) (1781)
Desconhecida
72. Eleutério José Delfim
M
73. Eleutério José Delfim
M
América
Portuguesa
(Rio de
Janeiro)
América
Portuguesa
(Rio de
Janeiro)
74. Elias José Pereira Ramos
M
Portugal
(Lisboa)
75. Ermichande Vningen
M
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
123
Nome
76. Estanilão da Fonseca
Género
Naturalidade
Morada
Propriedades
Instituição
outorgante do
aforamento
M
Desconhecida
Desconhecida
Terreno em Cambira (1801)
Câmara
9.Fev.1801, AHU, Gov. Moç, cód. 1353 fls.248-249
Câmara
20.Jul.1803, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl. 294v; ant.
20.Jun.1803, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl. 291v-292;
ant. 18.Jul.1803, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl. 292v293v
Fontes
77. Estêvão Francisco de
Carvalho
M
Desconhecida
Desconhecida
Chão no recinto insular
("ponta da Ilha") (1803)
78. Eufémia de Melo Pereira
[Dona]
F
Desconhecida
Desconhecida
Machamba em Mossuril
(1802)
Desconhecida
20.Mar.-19.Out.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fls.
262v e 279v; (Capela, 2007: p. 118)
79. Félix das Chagas [a viúva de]
F
Desconhecida
Desconhecida
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
80. Feliz de Castro Soares
M
Moçambique
Mossuril
Palmar (1757)
Coroa
81. Francisca de Sousa e Brito
[Dona]
F
Desconhecida
Desconhecida
Machamba em Cabaceira
Grande (1802)
Desconhecida
20.Mar.-19.Out.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fls.
262 e 279
82. Francisca Rita de Cardinas
[Dona]
F
Desconhecida
Moçambique
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94;
12.Maio.1795, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 70, doc. 80
83. Francisco de Brum
M
Portugal
Mossuril (1757)
Apaga-Fogo (1766)
Fazenda (1766)
Coroa
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82; Relação dos
moradores portugueses (1757): 158
84. Francisco de Paula
M
Desconhecida
Desconhecida
Machamba na Cabaceira
Grande (1802)
Desconhecida
20.Mar.-19.Out.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fls.
262 e 279
85. Francisco de Santa Teresa
M
Portugal
Cabaceira Grande (1766)
Fazenda (1766)
Desconhecida
86. Francisco dos Reis
M
Portugal
Cabaceira Grande (1766)
Palmar (1757)
Coroa
87. Francisco Ferreira da Graça e
Gama
M
Desconhecida
Cabaceira Grande
Vários chãos no recinto
insular (“ponta da Ilha”)
(1803)
Câmara
88. Francisco Ferreira da Graça e
Gama
M
Desconhecida
Cabaceira Grande
Machamba na Cabaceira
Grande (1802)
Desconhecida
89. Francisco Manuel de Sampaio
e Melo
M
Portugal
Cabaceira Grande (1757)
Palmar (1757)
Coroa
90. Francisco Manuel Saldanha
M
Desconhecida
Desconhecida
Terreno em Napome (1801)
Câmara
124
Relação dos moradores portugueses (1757): 159
30.Mai.1766, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 26, doc. 82;
14.Ago.1771, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 30, doc. 38
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82; Relação dos
moradores portugueses (1757): 162
ant. 20 de Junho de 1803, AHU, Gov. Moç., cód. 1353,
fls. 291v-294; 25.Jun.1802, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx.
93, doc. 73
20.Mar.-19.Out.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fls.
259v, 262 e 279; 23.Mar.1802, AHU, Gov. Moç., cód.
1353, fl. 262, fl. 280-280v
Relação dos moradores portugueses (1757): 160
9.Fev.1801, AHU, Gov. Moç, cód. 1353 fls.248-249
Género
Naturalidade
Morada
Propriedades
Instituição
outorgante do
aforamento
91. Francisco Monteiro de Sousa
M
Província do
Norte
Mossuril (1757)
Palmar (1757)
Coroa
Relação dos moradores portugueses (1757): 159
92. Francisco Pereira Henriques
M
Portugal
Mossuril (1757)
Cabaceira Pequena
(1766)
Palmar (1757)
Coroa
Relação dos moradores portugueses (1757): 157-158;
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82
93. Francisco Xavier de Bragança
M
Goa
Mossuril
Fazenda (1766)
Desconhecida
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82
94. Gabriel de Araújo
M
Desconhecida
Moçambique
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94;
11.Ago.1784, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 47, doc. 51;
29.Abr.1783, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 41, doc. 38;
20.Mar.1783, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fls. 14-15
95. Gita Doido
M
Desconhecida
Desconhecida
Palmar (sem indicação de
local)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
96. Gregório Fernandes Cardoso
M
Goa
Desconhecida
Chão no recinto insular
("ponta da Ilha) (1803)
Câmara
97. Gregório Fernandes Cardoso
M
Goa
Desconhecida
Machamba na Cabaceira
Grande (1802)
Desconhecida
[20.Mar.-19.Out.1802], AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fls.
262 e 279; 22.Set.1801, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 89,
doc. 9
98. Gregório Pereira da
Cabaceira
M
Desconhecido
Desconhecido
Propriedade* na Terra Firme
(1787)
Desconhecida
3.Set.1787, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 55, doc. 15
99. Gregório Taumaturgo de
Brito
M
Portugal
Cabaceira Pequena
(1757)
Palmar (1757)
Coroa
100. Harichande
M
Desconhecida
Desconhecida
Palmar (sem indicação de
local) (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
101. Henrique José de Matos
M
Portugal
Moçambique
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94;
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82
102. Inácio de Matos Quintela
M
Portugal
Mossuril
Fazenda (1766)
Desconhecida
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82
103. Inácio de Melo e Alvim
M
Portugal
(Minho)
Cabaceira Grande (1757)
Moçambique (1766)
Palmar (1757)
Coroa
104. Isabel de Castro
F
Desconhecida
Desconhecida
Machamba em Mossuril
(1802)
Desconhecida
20.Mar.-19.Out.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fls.
262v e 279v
105. Jerónimo Francisco dos
Anjos
M
Desconhecida
Mossuril
(1781)
Propriedade* em Mossuril
(1787)
Desconhecida
3.Set.1787, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 55, doc. 15;
12.Fev.1781, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 34, doc. 40;
28.Set.1782, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 39, doc. 65
106. Jezofo de Mamudo
M
Desconhecida
Desconhecida
Palmar (sem indicação de
local) (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
107. Joana Fernandes de
Almeida [Dona]
F
Desconhecida
Desconhecida
Machamba em Mossuril
(1802)
Desconhecida
[20.Mar.-19.Out.1802], AHU, Gov. Moç., cód. 1353,
fls.262v e 279v
Nome
Fontes
20.Jul.1803, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl. 294v
Relação dos moradores portugueses (1757): 164
Relação dos moradores portugueses (1757): 1161
125
Género
Naturalidade
Morada
Propriedades
Instituição
outorgante do
aforamento
108. João Afonso
M
Desconhecida
Moçambique
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
109. João António
M
Desconhecida
Moçambique
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
110. João Correia Ramos
M
Desconhecida
Mossuril (1757)
Palmar (1757)
Coroa
111. João da Costa Figueiredo
M
Moçambique
Cabaceira Grande
Fazenda (1766)
Desconhecida
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82
112. João da Costa Pereira
M
Moçambique
Mapeta
Fazenda (1766)
Desconhecida
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82
113. João da Costa Soares
M
Desconhecida
Desconhecida
114. João da Costa Soares
M
Desconhecida
Desconhecida
115. João da Costa Xavier
M
América
Portuguesa
(Rio de
Janeiro)
Moçambique (1781)
116. João da Silva
M
Desconhecida
117. João da Silva Guedes
M
118. João da Silva Lima [a viúva
de]
Nome
Chão no recinto insular
("ponta da Ilha", 1803)
Machamba na Cabaceira
Grande (1802)
Câmara
Fontes
Relação dos moradores portugueses (1757): 158
20.Jul.1803, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl. 294v;
6.Jul.1805, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 100, doc. 119
Desconhecida
20.Mar.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl.262
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94;
12.Ago.1794, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 68, doc. 61;
29.Dez.1796, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl. 164v165v; 6.Jul.1793, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 74, doc.
96; 3 de Outubro de 1795, AHU, Cons. Ultr., Moç, cx.
86, doc. 27
Moçambique (1781)
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
Portugal
(Porto)
Desconhecida
Machamba em Mossuril
(1802)
Desconhecida
3.Set.1787, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 55, doc. 15;
23.Mar.-19.Out.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fls.
262 e 279v; 30.Out.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353,
fl. 280-280v
F
Desconhecida
Desconhecida
Propriedade* na Cabaceira
Grande (1787)
Desconhecida
3.Set.1787, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 55, doc. 15
119. João da Silva Pereira
M
Desconhecida
Desconhecida
Chão em Mossuril (1782)
Câmara
19.Ago.1782, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 38, doc. 70
120. João de Sousa Brito
M
Moçambique
Desconhecida
Chão na Cabaceira Grande
(1782)
Câmara
19.Ago.1782, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 38, doc. 70;
16.Mar.1783, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 41, fl.28v;
6.Jul.1793, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 74, doc. 96
121. João Ferreira
M
Portugal
Cabaceira Grande
Fazenda (1766)
Desconhecida
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82
122. João Ferreira da Cruz
M
Portugal
Mossuril
Fazenda (1766)
Desconhecida
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82
M
América
Portuguesa
(Rio de
Janeiro)
Desconhecida
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82; antes de
17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94; 29.Set.1796, Cons.
Ultr., Moç., cx. 75, doc. 68; 24.Ago.1779, AHU, Cons.
Ultr., Moç., cx. 32, doc. 87; 8.Mar.1766, AHU, Cons.
123. João Francisco Delgado
126
Mossuril
Fazenda (1766)
Nome
Género
Naturalidade
Morada
Propriedades
Instituição
outorgante do
aforamento
Fontes
Ultr., Moç., cx. 26, doc. 29
124. João Francisco Delgado
M
Portugal
Desconhecida
Palmar (1757)
Coroa
Relação dos moradores portugueses (1757): 157
Desconhecida
20.Mar.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl.262;
23.Mar.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl. 262;
30.Jan.1799, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 82, doc. 10;
11.Jul.1799, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 83, doc. 15;
22.Abr.1797, AHU, Cons. Ultr., cx. 077, doc. 69
125. João Francisco Guterres de
Lima
M
Desconhecida
Desconhecida
Machamba na Cabaceira
Grande (1802)
126. João Francisco Macambo
M
Desconhecida
Mossuril
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
127. João Franco
M
Portugal
Mossuril
Fazenda (1766)
Desconhecida
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82
128. João Freire do Prado
M
Desconhecida
Desconhecida
Chão em Mossuril (1782)
Câmara
19.Ago.1782, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 38, doc. 70
129. João Lopes de Azevedo da
Cruz
M
Desconhecida
Ilhas Quirimbas
Palmar (1799)
Coroa
8.Mar.1799, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 84, doc. 44;
14.Fev.1800, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 85, doc. 11
130. João Luís da Silveira
M
Goa
Mossuril
Fazenda (1766)
Desconhecida
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82
131. João Malheiro de Menezes
Pereira
M
Portugal
(Braga)
Desconhecida
Machamba em Mossuril
(1802)
Desconhecida
[20.Mar.-19.Out.1802], AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fls.
262v e 279v; 30.Dez.1800, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx.
97, doc. 28; 20.Abr.1799, AHU, Gov. Moç., cód. 1353,
fl. 216v-218.
132. João Vicente de Cardenas e
Mira [os herdeiros de]
N/A
Desconhecida
Desconhecida
Machamba em Mossuril
(1802)
Desconhecida
20.Mar.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl.262v
133. João Vicente de Cardinas e
Mira
M
Desconhecida
Desconhecida
Propriedade* em Mossuril
(1787)
Desconhecida
3.Set.1787, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 55, doc. 15
134. João Vicente de Cardinas e
Mira
M
Desconhecida
Desconhecida
Machamba na Cabaceira
Grande (1802)
Desconhecida
[20.Mar.-19.Out.1802], AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fls.
262 e 279
135. João Xavier de Magalhães
M
Goa
Mossuril
Fazenda (1766)
Desconhecida
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82
136. Joaquim (?) do Rosário [a
viúva de]
F
Desconhecida
Desconhecida
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
137. Joaquim António de
Mendonça
M
Desconhecida
Desconhecida
Machamba (sem indicação
local, 1802)
Desconhecida
19.Out.1802, AHU, Gov. Moç. cód. 1353, fl. 279v.
138. Joaquim António Ribeiro
M
Portugal
(Águas Belas)
Desconhecida
Machamba em Mossuril
(1802)
Desconhecida
23Mar.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl. 262;
22.Ago.1795, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 71, doc. 53
139. Joaquim da Silva Patraquim
[ou Patroquim?]
M
Desconhecida
Desconhecida
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
127
Género
Naturalidade
Morada
Propriedades
Instituição
outorgante do
aforamento
Fontes
140. Joaquim do Rosário
Monteiro
M
Goa
Desconhecida
Machamba em Mossuril
(1802)
Desconhecida
[23Mar.-19.Out.1802], AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fls.
262 e 279v; 29.Abr1783, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 41,
doc. 38
141. Joaquim Jorge
M
Desconhecida
Moçambique
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
142. Joaquim José da Costa
Portugal
M
Desconhecida
Moçambique
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
143. Joaquim José de Araújo
M
Desconhecida
Moçambique
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
144. Joaquim José de Melo e
Costa
M
Desconhecida
Desconhecida
Machamba em Mossuril
(1802)
Desconhecida
20.Mar.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl.287
145. Joaquim José Rangel
M
Portugal
Moçambique
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94;
29.Set.1796, Cons. Ultr., Moç., cx. 75, doc. 68;
29.Abr.1783, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 41, doc. 38
146. Joaquim José Rangel
M
Portugal
Moçambique
Propriedade* na Cabaceira
Grande (1787)
Desconhecida
3.Set.1787, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 55, doc. 15
147. Joaquim Ventura
M
Moçambique
Cabaceira Grande (1757)
Palmar (1757)
Desconhecida
Relação dos moradores portugueses (1757): 165
148. José Álvares
M
Portugal
Moçambique
Palmar (1757)
Coroa
149. José Amado da Cunha
M
Portugal
(Coimbra)
Desconhecida
Machamba em Mossuril
(1802)
Desconhecida
150. José António Caldas
M
Portugal
Desconhecida
Chão no recinto insular
("ponta da Ilha") (1803)
Câmara
151. José António Caldas
M
Portugal
Desconhecida
Machamba em Mossuril
(1802)
Desconhecida
20-23.Mar.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fls. 262262v
Desconhecida
16.Mar.1783, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 41, doc. 32,
fl.6v; 3.Set.1787, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 55, doc.
15; 1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl. 262, 280280v; 20.Mar.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl.262
Nome
Rellaçam dos moradores Portuguezes (1757): 154
23Mar.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl. 262;
6.Jul.1805, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 100, doc. 119;
[1794], AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 69, doc. 100
20.Jul.1803, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl. 294v
152. José António de Araújo e
Lima
M
Portugal
Moçambique (1783)
Machamba na Cabaceira
Grande (1787)
153. José António Vanodayk
M
Portugal
Cabaceira Pequena
Fazenda (1766)
Desconhecida
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82
154. José Carlos Manoel de
Sousa Brito
M
Desconhecida
Desconhecida
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94;
16.Mar.1783, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 41, fl.13v
155. José da Silva
M
Portugal
Cabaceira Grande
Fazenda (1766)
Desconhecida
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82
128
Género
Naturalidade
Morada
Propriedades
Instituição
outorgante do
aforamento
156. José de Almeida
M
Província do
Norte
Mossuril
Fazenda (1766)
Desconhecida
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82
157. José Ferreira
M
Desconhecida
Mossuril
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
158. José Ferreira Nobre [os
herdeiros de]
N/A
Desconhecida
Desconhecida
Machamba em Mossuril
(1802)
Desconhecida
20.Mar.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl.262v
159. José Francisco da Mata
M
Desconhecida
Moçambique
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
160. José Francisco de Sequeira
Pires
M
Goa
Moçambique
Fazenda (1766)
Desconhecida
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82
161. José Francisco de Sousa
Pires
M
Desconhecida
Moçambique
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
162. José Gomes Henriques
M
Desconhecida
Cabaceira Grande (1757)
Palmar (1757)
Coroa
163. José Gonçalves Melgaço
M
Desconhecida
Desconhecida
Chão no recinto insular
("ponta da Ilha", 1803)
Câmara
164. José Joaquim Ferreira da
Graça
M
Portugal
Cabaceira Pequena
Fazenda (1766)
Desconhecida
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82 ;3.Set.1787,
AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 55, doc. 15
165. José Joaquim Monteiro
M
Desconhecida
Desconhecida
Machamba em Ampapa
(1802)
Desconhecida
[20.Mar-19.Out.1802], AHU, Gov. Moç., cód. 1353,
fl.262v e 279v
166. José Lopes Fagundes
M
Desconhecida
Mossuril
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
167. José Manoel Picardo
M
Desconhecida
Moçambique (1781)
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
168. José Manoel Vaz
M
Desconhecida
Desconhecida
Machamba em Mossuril
(1802)
Desconhecida
20.Mar.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl.262v
169. José P.e Almeida
M
Desconhecida
Mossuril (1781)
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
170. José Ribeiro
M
Moçambique
Mossuril (1766)
Palmar (1766)
Desconhecida
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82
171. José Rodrigues Barros
M
América
Portuguesa
(Rio de
Janeiro)
Mossuril (1766)
Fazenda (1766)
Desconhecida
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82
172. José Rodrigues Manopla
M
Desconhecida
Mossuril (1757)
Palmar (1757)
Coroa
173. José Valério Pereira
M
Desconhecida
Desconhecida
Chão no recinto insular
("ponta da Ilha") (1803)
Câmara
Nome
Fontes
Relação dos moradores portugueses (1757): 160
20.Jul.1803, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl. 294v
Relação dos moradores portugueses (1757): 157
20.Jul.1803, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl. 294v
129
Género
Naturalidade
Morada
Propriedades
Instituição
outorgante do
aforamento
Fontes
174. Josefa Maria Afonso
F
Desconhecida
Desconhecida
Machamba em Mossuril
(1802)
Desconhecida
[20.Mar.-19.Out.1802], AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fls.
262v e 279v
175. Juliana França de Sousa
[Dona]
F
Desconhecida
Desconhecida
Propriedade* na Cabaceira
Grande (1787)
Desconhecida
3.Set.1787, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 55, doc. 15
176. Lacamichande Motichande
M
Desconhecida
Desconhecida
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
177. Lázaro de Lima de
Figueiredo
M
Moçambique
Mossuril
Palmar (1766)
Desconhecida
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82
178. Lopo da Costa Castanho
M
Desconhecida
Desconhecida
Machamba em Mossuril
(1802)
Desconhecida
[20.Mar.-19.Out.1802], AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fls.
262v e 279v
179. Luís Mascarenhas do
Rosário ("cafre forro")
M
Desconhecida
Desconhecida
Chão em Mossuril (1782)
Câmara
180. Luís Teles de Carvalho
M
Portugal
Moçambique
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94;
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82
181. Luís Xavier do Rosário
M
Desconhecida
Desconhecida
Machamba em Mossuril
(1802)
Desconhecida
[23.Mar.-19.Out.1802], AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fls.
262 e 279v
182. Luísa Maria da Costa Soares
[Dona]
F
Desconhecida
Desconhecida
Propriedade* em Mossuril
(1802)
Desconhecida
23.Mar.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl. 262
183. Maca
M
Desconhecida
Desconhecida
Palmar em Mossuril (1802)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
184. Mamode (“xerife de
Sancul”)
M
Desconhecida
Desconhecida
Terreno em Sancul (1801)
Câmara
185. Mamude
M
Desconhecida
Desconhecida
Palmar (sem indicação de
local) (1781)
Desconhecida
186. Mamude Isinfo
M
Desconhecida
Desconhecida
Terreno em Ampoense (1801)
Câmara
187. Manuel [Pereira] Botelho [a
viúva de]
F
Desconhecida
Mossuril
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
188. Manuel Cardoso
M
Desconhecida
Desconhecida
Machamba em Mossuril
(1802)
Desconhecida
23Mar.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl. 262
189. Manuel da Costa Pescada
M
Desconhecida
Moçambique (1781)
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
190. Manuel da Silva
M
Desconhecida
Mossuril (1757)
Palmar (1757)
Coroa
Nome
130
19.Ago.1782, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 38, doc. 70
9.Fev.1801, AHU, Gov. Moç, cód. 1353, fls.248-249
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
9.Fev.1801, AHU, Gov. Moç, cód. 1353, fls.248-249
Relação dos moradores portugueses (1757): 158
Género
Naturalidade
Morada
Propriedades
Instituição
outorgante do
aforamento
191. Manuel de Sousa Brito
M
Portugal
Moçambique (1766)
Fazenda (1766)
Desconhecida
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82
192. Manuel de Sousa Guimarães
M
Desconhecida
Moçambique (1781)
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
Nome
Fontes
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94;
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82; Relação dos
moradores portugueses (1757): 153; 17.Ago.1763, AHU,
Cons. Ultr., Moç., cx. 23, doc. 82
193. Manuel Domingues
M
Portugal
Moçambique
Palmar em Mossuril (1781)
Coroa
194. Manuel Francisco Natanga
M
Desconhecida
Mossuril
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
195. Manuel Gomes
M
Portugal
Mossuril
Fazenda (1766)
Desconhecida
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82
196. Manuel Iansen Moller
M
Portugal
Cabaceira Grande
Fazenda (1766)
Desconhecida
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82
197. Manuel Leite Pereira de
Melo Virgolino
M
Desconhecida
Desconhecida
Machamba em Mossuril
(1802)
Desconhecida
20.Mar.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl.262v
198. Manuel Moreira
M
Desconhecida
Desconhecida
Machamba na Cabaceira
Grande (1802)
Desconhecida
[20.Mar.-19.Out.1802], AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fls.
262 e 279
199. Manuel Pereira Botelho
M
Desconhecida
Cabaceira Grande (1757)
Palmar (1757)
Coroa
200. Manuel Ribeiro dos Santos
M
Desconhecida
Desconhecida
Machamba em Mossuril
(1802)
Desconhecida
201. Manuel Rodrigues Braga
M
Portugal
Moçambique (1757)
Palmar (1757)
Coroa
202. Manuel Vicente [da Silva] [a
viúva de]
F
Desconhecida
Desconhecida
Propriedade* em Mossuril
(1787)
Desconhecida
203. Manuel Vicente da Silva
M
Desconhecida
Desconhecida
Chão em Mossuril (1782)
Câmara
204. Margarida Chaves
F
Desconhecida
Moçambique (1781)
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
205. Maria Araújo e Lima [Dona]
F
Desconhecida
Desconhecida
Chão no recinto insular
("ponta da Ilha") (1803)
Câmara
206. Maria Figueiredo [o filho da
falecida Dona]
M
Desconhecida
Desconhecida
Propriedade* na Cabaceira
Grande (1787)
Desconhecida
3.Set.1787, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 55, doc. 15
207. Maria Gomes
F
Desconhecida
Moçambique (1781)
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
208. Maria V.a de Vicen. (?)
F
Desconhecida
Moçambique (1781)
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
Relação dos moradores portugueses (1757): 159-160
23Mar.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl. 262
Relação dos moradores portugueses (1757): 155
3.Set.1787, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 55, doc. 15
19.Ago.1782, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 38, doc. 70
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
20.Jul.1803, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl. 294v
131
Género
Naturalidade
Morada
Propriedades
Instituição
outorgante do
aforamento
209. Maria Viegas
F
Desconhecida
Mossuril
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
210. Mateus Coelho Soares
M
Portugal
Cabaceira Grande (1757)
Palmar (1757)
Coroa
211. Mateus Coelho Soares
M
Portugal
Cabaceira Grande (1757)
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
212. Mateus Inácio de Almeida
M
Goa
Moçambique (1781)
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
213. Matias Machado
M
Portugal
Cabaceira Grande (1766)
Fazenda (1766)
Desconhecida
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82
214. Miguel Machado
M
Goa
Mossuril (1766)
Fazenda (1766)
Desconhecida
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82
215. Mofiachande Namidele (?)
M
Desconhecida
Desconhecida
Terreno (sem indicação de
local) (1801)
Câmara
9.Fev.1801, AHU, Gov. Moç, cód. 1353, fls.248-249
216. Mussagi (“amo de Sancul)
M
Desconhecida
Desconhecida
Terreno em Sancul (1801)
Câmara
9.Fev.1801, AHU, Gov. Moç, cód. 1353, fls.248-249
217. Nana Mulgi
M
Desconhecida
Desconhecida
Palmar em Mossuril (1781)
Câmara
19.Ago.1782, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 38, doc. 70;
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
218. Nangim Danior (?)
M
Desconhecida
Desconhecida
Palmar (sem indicação de
local) (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
219. Narangi Dangi
M
Desconhecida
Desconhecida
Palmar em Mossuril
Desconhecida
Antunes, 2001: p. 402
220. Narciso José Pereira
M
Desconhecida
Desconhecida
Machamba em Mossuril
(1802)
Desconhecida
20.Mar.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl.262v
221. Narsi Ranassór
M
Desconhecida
Desconhecida
Palmar em Mossuril
Desconhecida
Antunes, 2001: p. 403
222. Narsi Ranchor
M
Desconhecida
Desconhecida
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
223. Natal Rapuchandes (?)
M
Desconhecida
Desconhecida
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
224. Nuno Anfão
M
Desconhecida
Desconhecida
Terreno em Ampoense (1801)
Câmara
225. Páscoa da Silva [Dona]
F
Desconhecida
Desconhecida
Palmar (1757)
Coroa
Relação dos moradores portugueses (1757): 164
226. Páscoa de Sousa Salazar
[Dona]
F
Desconhecida
Desconhecida
Palmar (1757)
Coroa
Relação dos moradores portugueses (1757): 15164-165
227. Pascoal Dias
M
Desconhecida
Moçambique (1781)
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
228. Paulo de Bouto
M
Moçambique
(Sena)
Mossuril
Fazenda (1766)
Desconhecida
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82
Nome
132
Palmar (sem indicação de
local)
Palmar (sem indicação de
local)
Fontes
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
Relação dos moradores portugueses (1757): 163
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82; antes de
17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94;
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82
9.Fev.1801, AHU, Gov. Moç, cód. 1353 fls.248-249
Género
Naturalidade
Morada
Propriedades
Instituição
outorgante do
aforamento
229. Pedro da Costa Soares
M
Portugal
Moçambique
Palmar em Mossuril (1781)
Coroa
230. Pedro da Costa Xavier
M
Moçambique
Desconhecida
Machamba (1802)
Desconhecida
231. Pedro Rebelo
M
Goa
Mossuril (1781)
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
232. Plácido José Mascarenhas
M
Desconhecida
Desconhecida
Propriedade* em Mossuril
(1787)
Desconhecida
3.Set.1787, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 55, doc. 15
N/A
Desconhecida
Desconhecida
Chão no Lumbo (1785)
Coroa
6.Mai.1785, AHU, Gov. Moç., cód. 1355 fls.94-95
234. Precipe [sic] Banadaique
M
Desconhecida
Desconhecida
Palmar (sem indicação de
local)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
235. Premochande Odougi
M
Desconhecida
Desconhecida
Palmar em Mossuril
Desconhecida
Antunes, 2001: p. 406
236. Punja Mulgi
M
Desconhecida
Desconhecida
Palmar (sem indicação de
local) (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
237. Quitéria Maria de Sousa
F
Desconhecida
Mossuril
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
238. Raimundo Luís de Lima
M
Desconhecida
Desconhecida
Chão no recinto insular
("ponta da Ilha") (1803)
Câmara
20.Jul.1803, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl. 294v
239. Raimundo Luís de Lima
M
Desconhecida
Desconhecida
Machamba em Ampapa
(1802)
Desconhecida
20.Mar.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl.262v
240. Ranchor
M
Desconhecida
Desconhecida
Propriedade* (sem indicação
de local)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
241. Ricardo José de Lima [como
testamenteiro de Teodósio João
Neto]
M
Desconhecida
Desconhecida
Propriedade* em Mossuril
(1787)
Desconhecida
3.Set.1787, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 55, doc. 15
242. Rodrigo da Fonseca
M
Goa
Mossuril
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82; antes de
17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
243. Rogunato Gangadas
M
Desconhecida
Desconhecida
Palmar em Mossuril
Desconhecida
Antunes, 2001: p. 408
244. Rosa Maria Monteiro [Dona]
F
Desconhecida
Mossuril
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
245. Rufina Leite Pereira
F
Desconhecida
Desconhecida
Terreno na ponta da Ilha
(1801)
Câmara
9.Fev.1801, AHU, Gov. Moç, cód. 1353 fls.248-249
246. Sambadane Bacar
M
Desconhecida
Desconhecida
Terreno em Ampoense (1801)
Câmara
9.Fev.1801, AHU, Gov. Moç, cód. 1353, fls.248-249
Nome
233. Plácido José Mascarenhas e
Quitéria Maria de Sousa
Fontes
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94; Relação dos
moradores portugueses (1757): 153-154.
19.Out.1802, AHU, Gov. Moç. cód. 1353, fl. 279v;
6.Jul.1805, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 100, doc. 119;
9.Out.1801, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 90, doc. 35-A;
30Jan.1799, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 82, doc. 10
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94;
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82
133
Género
Naturalidade
Morada
Propriedades
Instituição
outorgante do
aforamento
247. Sangagi Mulgi
M
Desconhecida
Desconhecida
Palmar em Mossuril
Desconhecida
Antunes, 2001: p. 409
248. Sangagi Vali
M
Desconhecida
Desconhecida
Palmar (sem indicação de
local)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
249. Sebastiana do Rosário
F
Desconhecida
Mossuril
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
250. Sebastião do Rosário
M
Goa
Mossuril
Fazenda (1766)
Desconhecida
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82
251. Sebastião José Rodrigues
M
Portugal
Desconhecida
252. Sebastião José Rodrigues
M
Portugal
Desconhecida
253. Silvestre Rodrigues
M
Desconhecida
Mossuril (1781)
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
254. Silvestre Rodrigues da Costa
M
Desconhecida
Desconhecida
Chão em Mossuril (1782)
Câmara
255. Silvino Avarento
M
Desconhecida
Desconhecida
Machamba (1802)
Desconhecida
256. Teodósio João Neto
[Muchitande]
M
Moçambique
Mossuril (1784)
Chão em Mossuril (1782)
Câmara
257. Teodósio João Neto
Muchitande [a mãe de]
F
Desconhecida
Moçambique (1781)
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
258. Tomás António Gonzaga
M
Portugal
Desconhecida
Machamba na Cabaceira
Grande (1802)
Desconhecida
20-23.Mar.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl.262
259. Tomás Pedro Rangel
M
Portugal
(Lisboa)
Moçambique (1783)
Palmar em Mossuril (1781)
Desconhecida
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94;;
16.Mar.1783, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 41, fl.31v.;
29.Set.1796, Cons. Ultr., Moç., cx. 75, doc. 68
260. Tomásia de Araújo e Lima
[Dona]
F
Desconhecida
Desconhecida
Chão no recinto insular
("ponta da Ilha") (1803)
Câmara
20.Jul.1803, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl. 294v
261. Tomé Xavier
M
Desconhecida
Desconhecida
Terreno na Cabaceira Grande
(1801)
Câmara
9.Fev.1801, AHU, Gov. Moç, cód. 1353 fls.248-249
262. Vitol Gocol
M
Desconhecida
Desconhecida
Palmar em Mossuril (1781)
Desonhecida
263. Vitorino da Fonseca
M
Desconhecida
Desconhecida
Chão em Mossuril (1782)
Câmara
Nome
134
Chão no recinto insular
("ponta da Ilha", 1803)
Machamba em Mossuril
(1802)
Câmara
Desconhecida
Fontes
20.Jul.1803, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fl. 294v;
Capela (2002): 148; Capela (2007): 48-49
20.Mar.-19.Out.1802, AHU, Gov. Moç., cód. 1353, fls.
262v e 279v
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
19.Ago.1782, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 38, doc. 70
19.Out.1802, AHU, Gov. Moç. cód. 1353, fl. 279v.
30.Mai.1766, AHU, Moç., cx. 26, doc. 82; 19.Ago.1782,
AHU, Cons. Ultr., Avulsos, Moç., cx. 38, doc. 70; antes
de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
antes de 17.Mar.1781, AHU, cx. 35, doc. 94
19.Ago.1782, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 38, doc. 70
Nome
264. Xavier Pinho
Género
Naturalidade
Morada
Propriedades
Instituição
outorgante do
aforamento
M
Desconhecida
Desconhecida
Terreno em Condúcia (1801)
Câmara
Fontes
9.Fev.1801, AHU, Gov. Moç, cód. 1353 fls.248-249
135
ANEXO 2
Mapa 4 – A Terra Firme em 1802 (cálculo da área)
D
A
B
C
José Amado da Cunha, Carta Plana de Mossuril e Cabaceiras, 1802, AHU, CARTm, 064, D. 557
137
ANEXO 3
Tabela 2 – Chãos da Cabaceira Grande aforadas pela câmara (1782)
Dimensões (braças)
Área (Km2)
Apolinário José Luís
Elias José Pereira
Ramos
João de Sousa Brito
300 comp. (x) 300 larg.
0,43.
300 compr. (x) 400 larg.
0,58
300 comp. (x) 300 larg.
0,43
António Teixeira
300 comp. (x) 200 larg.
0,29
Apolinário José Luís
300 comp. (x) 300 larg.
0,43
Total
2,17
Fonte: Acórdão da câmara de Moçambique sobre os aforamentos da Terra
Firme, 19.Ago.1782, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 38, doc. 70
Tabela 3 – Chãos de Mossuril aforadas pela câmara (1782)
Dimensões (braças)
Área ( Km2)
400 comp. (x) 400 larg.
0,77
500 compr. (x) 300 larg.
0,72
300 comp. (x) 300 larg.
0,43
300 comp. (x) 200 larg.
29.04
Teodósio João Neto
500 comp. (x) 300 larg.
0.72
Silvestre Rodrigues da
Costa
400 comp. (x) 300 larg.
0,58
Nana Mulgy
800 comp. (x) 300 larg.
1,16
João Freire do Prado
300 comp. (x) 300 larg.
0,43
Luís Mascarenhas do
Rosário
300 comp. (x) 200 larg.
0,29
António Dias
400 comp. (x) 300 larg.
0,58
Vitorino da Fonseca
100 comp. (x) 150 larg.
0,07
João da Silva Pereira
300 comp. (x) 200 larg.
0,29
António Francisco
António Carvalho
Corte Real
Bernardo José Coelho
Manuel Vicente da
Silva
Total
6,51
Fonte: Acórdão da câmara de Moçambique sobre os aforamentos da Terra
Firme, 19.Ago.1782, AHU, Cons. Ultr., Moç., cx. 38, doc. 70
139
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