PROCESSO DIGITAI iO PETIÇÃO INCIDENTAL MINISTÉRIQ PUBLICO FEDERAL Procuradoria Regional da República na 1' Região EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RELATOR COLENDA TURMA. , EGRÉGIO TRIBUNAL REGION*UFEDERAL DA 1« REGIÃO Tt «^ M millimliimnillIII1IIII11 l?,^"r>;',c^í;' oyio3» M l 111 I I I I I I 11 I I III V ' 41:!- I ! l i • 111 Etili EiSiH íllii 111" I t l " ••*' '*•< N° 276/2011 - MA °rÍ'oS03/Ô3/201i-10:24.'oí^'BÍr«; A l N*» 0 0 1 8 7 2 4 0 . 4 . 2 0 1 1 . 4 . 0 1 . 0 0 0 0 / M G ,^y:i^; Vcrorramâ jn/..riTmi -.rn^n.^^^ . AGRAVANTE: HAROLDO FERRAZ DA SILVA E OUTROS AGRAVADO: RAUL ARDITO LELÁRIO E OUTROS RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA QUINTA TURMA .^ AÇÃO AGRAVO „ DE POSSESSORIA INSTRUMENTO. E IMEDIATA REINTEGRAÇÃO DOS AUTORES NA POSSE DA "FAZENDA NOSSA SENHORA APARECIDA/ORION". IMPOSSIBILIDADE. OS QUILOMBOLAS AGRAVANTE^ SÃO OS LEGÍTIMOS POSSUIDORES DA ÁREA EM QUESTÃO. Os efeitos da r. decisão ora impugnada implicarão relevante perigo de lesão grave e de difícil reparação à comunidade Brejo dos Crioulos, uma vez que o seu cumprimento importará na retirada dos Quilombolas da "Fazenda Nossa Senhora Aparecida/Orlon", trabalham á terra colocando-os em onde residem e em regime de subsistência, uma condição de penúria, indignidade e sofrimento pela falta de habitação, PAR AI2009 059387-7/MA-Desapropnaçáo GAB-MA/smts e ccp . \ ^ dfü>i f V XfO iVL MINISTÉRIO PUBLICO FEDERAL Procuradoria Regional da República na 1" Região quando, em verdade, ainda não se tem um juízo de certeza acerca do cabimento ou não da Reintegração dos Agravados nas terras em disputa, sendo, inclusive, bastante possível que aquelas terras sejam desaprorpriadas, para cumprimento do disposto no art. 13, do Dexcreto n° 4.887/03 c/c art. 68, dos ADCT. Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por Haroldo Ferraz da Silva e Outros, com pedido de Efeito Suspensivo nos termos dos artigos 522, 524, 527, inciso II e 558 da lei processual civil, contra r. decisão proferidas pelo MM. Juiz Federal da 12^ Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais que, nos autos da Ação de Reintegração de Posse, ajuizada por Raul Ardito Lerário e Outros, em face da Associação dos Moradores do Quilombo Brejo dos Crioulos e Outros, determinou a imediata reintegração dos Autores na posse do imóvel descrito na petição inicial, "ficando desde já autorizado o uso de reforço policial pelo oficial de justiça, face às dificuldades que há de enfrentar". Inicialmente os autos principais foram processados perante o MM. Juízo de Direito da Vara Agrária estadual, pelo qual o referido Juízo, declinou da competência para o Juízo Federal, em virtude do interesse do INCRA/MG na desapropriação da área objeto da lide, a fim de regularizar e legitimar a posse de remanescentes de QUILOMBOLAS. Os Agravantes sustentaram que são legítimos possuidores da a área de 17.302,6057 ha, situada no Município de São João da Ponte, Varzelândia e Verdeíândia, onde situa-se a "Fazenda Nossa Senhora Aparecida/Orion", a qual está inserida no perímetro do território pleiteado pela Comunidade Quilombola de Brejo dos Crioulos, cuja PAR-AI2009.059387-7/MA-Desapropriação. GAB-MA/smts e ccp 2 MINISTÉRIO PUBLICO FEDERAL Procuradoria Regional da República na V Região regularização fundiária é objeto de processo administrativo expropriatórlo, 54170.002486/2008-53. Afirmaram que a Ação Expropriatória proposta pelo INCRA visa legitimar e regularizar a posse dos QUILOMBOLAS, na medida em que a área em questão não teve o seu destaque legítimo do patrimônio público para o particular, uma vez que a matéria foi regulada a partir da Lei imperial n.° 601 de 1850, sendo que o imóvel objeto da lide, apenas foi registrado no ano de 1952, encontrando um hiato temporal de 102 anos, ou seja, de 1850, marco da origem das terras privatizadas no Brasil, até 1952, data do efetivo registro do imóvel em questão. Asseveraram que "O registro levado a efeito em 1952, não atendeu a legislação vigente", sendo que no ano da proclamação da República, tais terras foram transmitidas para os Estados Federados, nunca tendo sido transmitidas do domínio do Estado de Minas Gerais para o particular, sendo a matrícula do imóvel nula de pleno direito. Argumentaram que, por tratar-se de terras devolutas do Estado de Minas Gerais, descabe o pagamento de verbas públicas em caso de desapropriação pela UNIÃO a fim de atender áos interesses de titularizar ou regularizar as comunidades de remanescentes de quilombos. i Referiram que, "Por outro lado, tratando-se, |na hipótese de bem público, retira a legitimidade do autor ora agravado em requerer a proteção possessória conforme precedentes julgados no STJ". Aduziram que a concessão de liminar se dará exclusivamente, na hipótese do pericuium in mora e do fumus boni iures. critérios que não se encontram no caso em apreço, sendo que "A decisão PAR-At2009.059387-7/MA-Desapropriaçáo. GAB-^M/smts e ccp 1Í-- MINISTÉRIO PUBLICO FEDERAL Procuradoria Regional da República na 1' Região combatida fere preceitos processuais caros, formulados pelo principio da legalidade, cujo poder judiciário, é o seu maior guardião". Ponderaram que "a região em que se localiza a área objeto da lide, está no perímetro geográfico conhecido como semi árido norte mineiro (antiga área da SUDENE), cujo bioma é característico de caatinga em transição com o cerrado. É muito natural e comum na região, nessa época do ano, haver o período conhecido pela longa estiagem, fator pelo qual, os animais de grande porte e de rebanho, sofrem com a seca, quando morrem de sede e fome, pela falta d'agua e pastagem", pelo que não há como imputar aos ora Agravantes a perda de animais do seu plantei. Por fim, alegaram que a o sumiço e mortandade das 460 cabeças de gado não procede, tampouco pode ser atribuída aos ora Agravantes, mormente porquanto não restou comprovada sua culpa por qualquer dilapidação, depredação ou mortandade de animais. Os autos foram distribuídos para a egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1^ Região, sob a Relatoria do eminente Desembargador Federal João Batista Moreira, conforme Termo de Recebimento, Autuação e Distribuição juntado aos autos. Vieram os autos ao Ministério Público Federal. É o Relatório MÉRITO Versa a presente questão, em síntese, acerca da possibilidade ou não de reforma da r. decisão proferida pelo MM. Juízo da da 12^ Vara Federal da Seção Judiciária de Belo Horizonte/MG que determinou a imediata reintegração dos Autores na posse do imóvel descrito PAR-AI 2009.059387-7/MA-Desapropriação. GAB-MA/smts e ccp f MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria Regional da República na 1* Região I na petição inicial, "ficando desde já autorizado o uso de reforço policial pelo oficial de justiça, face às dificuldades que há de enfrentar". Consta dos autos que Raul Ardito Lerário, Ana Rosa Marcondes Lerário e Vito Ardito Lerário, propuseram Ação de Reintegração de Posse, em face dos membros da Associação dos Moradores do Quilombo "Brejo dos Crioulos", Haroldo Ferraz da Silva, José Carlos de Oliveira Neto e Maria da Glória dos Santos Silva, autos n° 675708.2011.4.01.3800/MG. O feito foi proposto inicialmente perante o Juízo de Direito da Vara Agrária estadual, sendo que o referido juízo declinou de sua competência para o Juízo Federal, em virtude do interesse do INCRA/MG em regularizar e legitimar a posse dos remanescentes de Quilombolas na área objeto da lide, qual seja, a "Fazenda Nossa Senhora Aparecida/Orion". É que a Autarquia Agrária instaurou Processo Administrativo Expropriatórlo, por interesse social, autos n*^ 54170.002486/2008-53, em face da mesma estar inserida no perímetro do território pleiteado pela Comunidade Quilombola de "Brejo dos Crioulos", j Sustentam os Agravantes, que a área em questão não teve o seu destaque legítimo do patrimônio público para o particular, uma vez que a matéria foi regulada a partir da Lei imperial n.° 601 de 1850, sendo que o imóvel objeto da lide, apenas foi registrado no ano de 19Ô2, encontrando um hiato temporal de 102 anos, ou seja, de 1850, marco da origem das terras privatizadas no Brasil, até 1952, data do efetivo registro jdo imóvel em questão. Asseveraram, ainda, que o registro levado a efeito PAR-AI2009.059387-7/MA-DesaproprÍaçáo. GAB-MA/smts e ccp MINISTÉRIO PUBLICO FEDERAL Procuradoria Regional da República na V Região em 1952, não atendeu a legislação vigente, sendo que a matrícula aberta, leva à conclusão de que foi por meio de artificiosos arranjos jurídicos e cartorários que a referida terra passou do domínio do Estado para o particular, o que torna nula, de pleno direito, a matrícula do imóvel, não havendo falar, dessarte em possibilidade de reintegração de posse do bem aos ora Agravados. Merece reforma a r. Decisão que determinou a imediata reintegração dos Autores na posse do imóvel descrito na petição inicial, pois os Quilombolas Agravantes são os legítimos possuidores da área em questão, senão vejamos: Numa breve retrospectiva sobre o tema, tem-se que, no presente caso, encontra-se em discussão a Expropriaçâo da "Fazenda Nossa Senhora Aparecida/Orion", inserida na área relativa à Comunidade de Brejo dos Crioulos, remanescentes de Quilombolas. Primeiro, observa-se que a Comunidade de Brejo dos Crioulos, desde o ano de 2000, pleiteava junto à Fundação Cultural Palmares o reconhecimento desta condição, sendo que no ano de 2005, foi expedida certidão de auto-reconhecímento da referida Comunidade, registrada no Livro de Cadastro Geral n** 001, Registro n° 008, fls. 09, publicada no DOU n^43, de 04 de março de 2004.. Reconhecida a Comunidade, o INCRA, com fundamento no Decreto Federal n° 4887/03, iniciou seu trabalho no sentido de promover a regularização fundiária do território Quilombola, a fim de titularizar as terras em nome desta Comunidade. No curso, deparou-se com áreas rurais particulares, que se encontravam inseridas na área delimitada como dos Quilombolas, passando, portanto, a fazer a devida vistoria para fins de desapropriação. PAR-AI 2009.059387-7/MA-Desapropriação GAB-MA/smts e ccp MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria Regional da República na 1" Região Assim, não se trata de Desapropriação para fins de Reforma Agrária, mas sim e tão somente de regularização da titulação de terras Quilombolas. Com efeito, estudos apontam que a origem da Comunidade "Brejo dos Crioulos", patrimônio histórico e cultural brasileiro, localizada na região da bacia do rio Verde Grande, remete ao período em que as terras do Vale do rio Verde Grande eram ainda consideradas impróprias para a presença humana. Sua mata, além de dificultar o acesso, favorecia a existência de insetos causadores de várias doenças tropicais, como a malária. Em função disso, a região ficou conhecida como Mata da Jaíba - o termo jaíba teria origem tupi e significaria águas ruins ou fruta ruim. Considerada insalubre, ela não foi alvo da ambição colonizadora durante os séculos XVIII e XIX. Nesse sentido, tornouse a principal área de fuga dos negros escravos da região. Em sua determinação por liberdade, eles enfrentaram as dificuldades e se instalaram gradativamente naquelas matas. E se, inicialmente, o aspecto geográfico já era considerado um empecilho para sua ocupação pelos setores dominantes da sociedade mineira, a presença negra consolidou a visão do lugar como inadequado e impróprio. Desvalorizadas por causa da insalubridade e da presença de negros fugidos ou forros, as matas do Jaíba permaneceram livres de grandes disputas nos séculos XVIII e XIX - fato que permitiu aos negros se instalarem naquele território e ali criarem raízes e uma vida de liberdade. Foi somente no século XX que a região da Jaíba se tornou atrativa para a sociedade em geral, por causa da construção de PAR-A12009.059387-7/MA-Desapropriação GAB-MA/smts e ccp \r MINISTÉRIO PUBLICO FEDERAL Procuradoria Regional da República na 1" Região uma estrada de ferro nas proximidades da Serra do Espinhaço. A estrada de ferro resultou na valorização das terras e nas conseqüentes disputas fundiárias na região. O território negro tornou-se então alvo de grande interesse econômico. A partir da década de 1940, a região tornou-se alvo de disputas com fazendeiros que se utilizaram da violência para expulsar famílias inteiras de suas terras, sendo obrigadas muitas vezes a se esconderem nas matas que circundavam suas casas, vê-las sendo queimadas e seu gado roubado. Para não serem mortos, tiveram que fugir para outros lugares, depois de venderem seus bens a tronco de pinga, lenços e quase nada em dinheiro para aqueles que cobiçaram suas terras. Desde essa época, fugindo ao horror da violência fazendeira apoiada pelo poder municipal, parte de seus parentes espalharam-se pelo país inteiro, fugindo, como seus ancestrais, para outros lugares para manterem-se vivos. Assim, a vida em comunidade foi drasticamente afetada e o território negro dividido. O artigo 68 da Ato das Disposições Constitucionais Transitórias é claro ao afirmar, verbis: "Aos Remansescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o estado Emitir-lhes os títulos respecitivos." Conforme já referido, no ano de 2005, foi expedida certidão de auto-reconhecimento da Comunidade de Remanescentes Quilombolas de "Brejo dos Crioulos", registrada no Livro de Cadastro Geral rP 001, Registro n° 008, fls. 09, publicada no DOU n*^43, de PAR-At2009.059387-7/MA-Desapropriação. GAB-MA/smts e ccp S MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria Regional da República na 1" Região 04 de março de 2004 (fls. 65), sendo reconhecida a Comunidade, e que o INCRA. com fundamento no Decreto Federal n° 4887/03. iniciou seu trabalho no sentido de promover a regularização fundiária do território Quilombola. para titularizá-lo em nome desta Comunidade. No curso, deparou-se com possíveis áreas rurais particulares encravadas no seio da Comunidade, ou seja, que se encontravam passando, inseridas portanto, na área delimitada como a fazer a devida dos vistoria Quilombolas, para fins de desapropriação a qual deve pagar somente a justa indenização para posseiros de boa-fé, visto que por força da Constituição da República, as terras ocupadas por Quilombolas a eles lhes pertence, não existindo direito adquirido contra a Constituição originária. Dessa feita, para dar continuidade à demarcação * da área, teve o INCRA que promover as Ações Expropriatórias, nos termos estabelecidos pelo Decreto Federal n° 4887/2003, o que gerou a resistência dos eventuais titulares de imóveis encravados nas localidades Quilombolas, consubstanciada em Ações de Reintegração de Posse, como a presente. Ocorre que a liminar deferida, foi irregularmente concedida, haja vista que o art. 804 do Código de Processo Civil somente admite sua concessão sem a oitíva da parte contrária nas hipóteses em que o Réu, sendo citado, puder torná-la ineficaz, o que não é o caso dos autos. Exsurge evidente que os efeitos da r. decisão ora impugnada implicarão relevante perigo de lesão grave e de difícil reparação à comunidade Brejo dos Crioulos, ensejando a suspensão pretendida, uma vez que o seu cumprimento importará na retirada dos Quilombolas da "Fazenda Nossa Senhora Aparecida/Orion", onde residem e trabalham a terra em regime de subsistência, colocando-os em uma condição de penúria, indignidade e sofrimento pela falta de PAR-AI2009.059387-7/MA-Desapropriaçáo. GAB-MA/smts e ccp MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria Regional da República na 1' Região habitação, quando, em verdade, ainda não se tem um juízo de certeza acerca do cabimento ou não da Reintegração dos Agravados nas terras em disputa, sendo, inclusive, bastante possível que aquelas terras sejam desaprorpriadas, para cumprimento do disposto no art. 13, do Dexcreto n° 4.887/03 c/c art. 68, dos ADCT. Ex positís, o Ministério Público Federal é pelo provimento do Agravo de Instrumento, reformando-se a r. decisão. Brasília, 02 de junho de 2011 MARCELO ANTÔNIO CEARÁ SERRA AZUL Procurador Regional da República PAR-AI2009 059387-7/MA-Desapropriação. GAB-MA/smts e ccp 10