COMUNICAÇÃO COM PACIENTE CONSCIENTE USANDO PRÓTESE RESPIRATÓRIA: UMA INTERLOCUÇÃO NA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA1 Flávia Gomes de Araújo2 Suanne Coelho Pinheiro3 Fabiane Paiva Ribeiro4 Cintia Rúbia Matos Santos5 Roseneide dos Santos Tavares6 1 Trabalho Apresentado à Comissão científica do 12º CBCENF, de acordo com as normas de Vancouver, para concorrer a prêmio na temática „Integralidade do Cuidado‟. Este trabalho foi extraído de Trabalho de Conclusão de Curso de Acadêmicas da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal do Pará – Ano 2008. Orientadora: Profª MSc. Roseneide dos Santos Tavares. Co-orientadora: Profª MSc. Maria Lúcia Marra. 2 Enfermeira assistente. 3 Enfermeira assistente. 4 Acadêmica de Enfermagem. 8º Bloco. Faculdade de Enfermagem. Universidade Federal do Pará. 5 Gerente de Enfermagem. Policlínica Infantil de Nazaré – Belém/PA. 6 Mestre em Enfermagem. Mestre em Enfermagem, Professora da Faculdade de Enfermagem da UFPA. Coordenadora Acadêmica. Doutoranda Modalidade DINTER UFSC / UFPA / CAPES. RESUMO O objetivo foi investigar como ocorre a comunicação entre intensivistas e o paciente consciente usando prótese respiratória e recursos utilizados neste processo. Estudo qualitativo, descritivo-exploratório. O cenário foi a Unidade de Terapia Intensiva do hospital universitário em Belém. Entrevistaram-se sete intensivistas (enfermeiros, médicos e técnicos de enfermagem). Verificou-se que os intensivistas têm dificuldade para se comunicar com os pacientes, entretanto, são unânimes quanto a importância do processo de comunicação como fator componente para a integralidade do cuidado. Os intensivistas utilizam recursos verbais e não-verbais (o toque) para a comunicação com o paciente. Este utiliza escrita, gestos, choro e sons. Conclui-se que um processo de comunicação eficaz representa a base para o intensivista exercer o seu papel de cuidador. Palavras Chaves: Comunicação; Respiração artificial; Unidade de Terapia Intensiva. ABSTRACT The objective was to investigate how the communication occurs between intensive and conscious patient using respiratory aids and resources used in this process. Qualitative study, descriptive and exploratory. The scenario was the intensive care unit of the hospital in Belem university is interviewed seven intensivists (nurses, medical technicians and nurses). It was found that intensivists have difficulties to communicate with patients, however, are unanimous about the importance of the communication component as a factor for the whole of care. The intensive resource use verbal and non-verbal (the touch) for communication with the patient. It uses writing, gestures, and crying sounds. It is a process of effective communication is the basis for intensive exercise their role as caregiver. Keywords: Artificial respiration; Communication; Intensive Care. RESUMEN El objetivo era investigar cómo se produce la comunicación entre paciente y consciente intensivos respiratorios utilizando las ayudas y los recursos utilizados en este proceso. Estudio cualitativo, descriptivo y exploratorio. El escenario fue la Unidad de Cuidados Intensivos del hospital de Belém universitário se entrevistó a siete intensivists (enfermeras, médicos y técnicos enfermeras). Se constató que intensivists tienen dificultades para comunicarse con los pacientes, sin embargo, son unánimes sobre la importancia del componente de la comunicación como un factor para el conjunto de la atención. El intenso uso de los recursos verbales y no verbales (el tacto) para la comunicación con el paciente. Utiliza la escritura, los gestos, los sonidos y el llanto. Es un proceso de comunicación eficaz es la base de la intensidad de ejercicio de su función como cuidador. Palabras clave: Comunicatión; Respiración artificial; Unidad del Cuidados Intensivos. 1. INTRODUÇÃO 1.1. Apresentação do Tema Para os profissionais da área de saúde – especialmente os enfermeiros – a comunicação com o paciente é considerada como um processo fundamental na identificação de sinais, sintomas, problemas físicos e de ordem subjetiva. Logo, a impossibilidade deste comunicar-se com seu paciente dificulta o diagnóstico e a implementação de cuidados, o que pode gerar a identificação de problemas equivocados, não só pelo enfermeiro, mas por outros intensivistas e, conseqüentemente, as ações desenvolvidas não alcançarão o resultado esperado. A comunicação compreende também o cuidado e deve ser observada dentro do contexto – onde, como e quando ela ocorre – para que o seu sentido não seja prejudicado. Observada a dinâmica dentro de uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), percebe-se que, a maneira – o tom da voz, quando há verbalização, a expressão facial e os gestos – com que a linguagem é transmitida pelo paciente em uso de prótese respiratória, pode traduzir idéias e sentimentos que muitas vezes não são expressas por palavras, uma vez que este não consegue fazer uso de sua voz para falar7. Por esta e outras razões decidiu-se desvendar como ocorre esse processo de comunicação entre a equipe intensivista (médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem) e o paciente, consciente, impossibilitado de falar devido o uso de prótese respiratória na UTI, o que nos objetivou a uma abordagem mais intensa. 1.2. Justificativa: 7 A comunicação vai muito além das palavras, sejam elas escritas ou faladas. A postura, os gestos, o olhar, o tom de voz e a maneira de tocar o outro são algumas das muitas maneiras que temos de transmitir e receber informações (GALA; TELLES; SILVA, 2003, p.53). 4 Considera-se a importância do tema uma vez que comunicação com o paciente e as formas com que ocorrem este processo fazem parte do cuidado integral prestados ao paciente pela equipe intensivista, uma vez que a internação na UTI de certa forma resulta numa série de mudanças na qualidade de vida do paciente, principalmente se ele tiver que fazer uso de prótese respiratória, pois além dos medos que ele desenvolve frente à necessidade de submeter-se a tal procedimento, a impossibilidade da comunicação verbal é um aspecto que, em dúvida, aumenta o estresse de ambos os personagens deste cenário. A dificuldade encontrada por este paciente na hora de relatar suas queixas aos intensivistas pode induzir estes a identificarem problemas de forma equivocada e isto, por conseguinte, impedirá que as ações desenvolvidas alcancem os resultados eficazes esperados. Como não compreender o que o paciente tem a dizer, uma vez que a comunicação é parte integral do cuidado? Por esses motivos, tudo leva a crer que a proposta de pesquisa poderá suscitar questionamentos e apontar possíveis caminhos para que permita discutir meios para que haja uma comunicação mais eficaz entre intensivistas e paciente, pois se entende que qualquer outra opção no universo da comunicação é sempre melhor que o silêncio. 1.3. Problemática: A suspeição desse problema não ocorreu de forma aleatória ou a partir de subjetividades, ao contrário, se fortaleceram a partir da observação de determinados fatos que ocorreram durante as atividades na UTI, quando pacientes e intensivistas por algum motivo por vezes não conseguiam se comunicar. Quando a comunicação não ocorre de fato, a situação é mobilizadora de sentimentos que envolvem sensações de incapacidade, angústia, mecanismos de defesa, 5 chegando alguns a não mais se importarem com o que os pacientes têm a dizer, fato este que compromete a assistência que deve ser prestada aos mesmos. 1.4. Questões norteadoras: Necessário se fez elaborar questões norteadoras que nos permitissem chegar a um suporte investigativo satisfatório e condizente com a realidade do fenômeno estudado, assim sendo, pergunta-se: Quais estratégias são utilizadas no processo de comunicação entre a equipe intensivista, (médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem) e os pacientes, conscientes, na UTI, que devido ao uso de prótese respiratória ficam impossibilitados de se expressar verbalmente? 1.5. Objetivos: O presente trabalho teve como objetivo desvendar as estratégias utilizadas no processo de comunicação entre intensivistas e o paciente, consciente internado na UTI, que faz uso de prótese respiratória, com o intuito de melhor debater a respeito das concepções que os mesmos têm sobre a comunicação com esse paciente impossibilitado de falar, acreditando ser este um dos componentes essenciais para o sucesso das ações desenvolvidas, no intuito de se promover o bem-estar como cuidado integral do paciente. 2. ABORDAGENS TEÓRICAS 2.1 – Uma breve perspectiva histórico-teórica sobre a linguagem e a comunicação A necessidade de comunicar-se, sempre existiu no homem. A comunicação é um processo social básico, importante em todos os setores da vida, do mais simples ao mais complexo. Acreditamos com isso, que a comunicação representa uma troca de informações que pode gerar compreensão entre os seus comunicantes e é utilizada com o objetivo de 6 transmitir fatos, pensamentos e valores de cada um através de um processo de emissão e recepção de mensagens, no qual pode se utilizar a forma verbal e não-verbal1. A forma verbal contempla a linguagem falada e escrita, enquanto a forma nãoverbal contempla os gestos, as expressões corporais e o toque. Segundo o mesmo autor, muito embora a linguagem seja considerada um dos mais importantes meios de comunicação, ela não é o único. Podem ser utilizados outros símbolos, os que chamamos de linguagem não verbal que são traduzidos por gestos e expressões de forma subjetiva. Este recurso não verbal, ou seja, gestual, é sem dúvida o mais praticado pelo homem. As expressões corporais (gestos com o olhar, boca, mãos, braços) ganham muito mais força expressiva e vida aliado há tudo o que falamos. Ainda que produzidos conscientemente ou involuntariamente, as expressões corporais darão todo um sentido àquilo que estamos tentando comunicar através da expressividade de nossos gestos. A comunicação é o processo de emissão, transmissão e recepção de mensagens por meios de métodos e/ou sistemas convencionais e ainda diz Ferreira 2:134 a capacidade de trocar ou discutir idéias, de dialogar, de conversar, com vista ao bom entendimento entre pessoas. Toda necessidade humana básica deve ser suprida, portanto uma vez em que se acredita ser a comunicação uma necessidade humana básica, o enfermeiro deve vê-la como uma ferramenta para proporcionar ao seu paciente além do conforto, uma resposta as suas necessidades, uma vez que a comunicação caracteriza-se, não só, como um dos principais instrumentos de interação e de troca durante o ato do cuidar, bem como uma ferramenta importante para compreender o paciente em suas necessidades e ajudá-lo em sua recuperação integral. 2.2 – A Unidade de Terapia Intensiva 7 Quando alguém tem um problema de saúde grave, doença que debilite seu organismo a ponto de deixá-lo sem condições mínimas para garantir sua sobrevivência a não ser com suporte intensivo que o ajude a recuperar seu estado de saúde, ou necessita realizar uma cirurgia de grande porte, este paciente por sua vez será internado numa UTI. Tal fato nos faz perceber a grande responsabilidade que se tem ao trabalhar numa UTI, uma vez que os serviços de terapia intensiva ocupam áreas hospitalares destinadas ao atendimento de pacientes críticos, que necessitem de cuidados complexos e especializados. Esses serviços têm como objetivos: concentrar recursos humanos e materiais para o atendimento de pacientes graves que exigem assistência permanente, além da utilização de recursos tecnológicos apropriados para a observação e monitorização contínua das condições vitais do paciente e para a intervenção em situações de descompensações 3. É fato concreto que a permanência em UTI é uma experiência assustadora e desumanizada, porque impede o paciente de perceber os limites de seu próprio corpo devido ao uso de equipamentos4. Acredita-se que para que todo esse sofrimento causado tanto ao paciente quanto a família seja amenizado de forma eficaz pelos intensivistas, faz-se necessário e fundamental que ocorra uma boa interação na comunicação entre os intensivistas e o paciente, tudo visando a recuperação deste. Por essas razões, surge a necessidade de compreendermos o processo de comunicação que acontece dentro de uma realidade mais específica, como a que efetivamente ocorre dentro de uma UTI. 2.3. O processo de comunicação e os intensivistas 8 De modo geral, toda internação em UTI acarreta uma série de mudanças na qualidade de vida do paciente, principalmente se ele tiver que fazer uso de prótese respiratória, pois além dos medos que ele desenvolve frente a tal procedimento, a impossibilidade da comunicação verbal é um aspecto que aumenta a intensidade do estresse tanto sua quanto dos cuidadores, aqui, os intensivistas. Sabe-se que a voz humana é uma das melhores formas de comunicação do homem, sem ela as relações do indivíduo tornam-se por vezes confusas apresentando limitações para ser compreendida pelos outros5. Neste contexto, então, acreditamos que a comunicação eficaz é um processo contínuo de interpretações e não um mero discurso bem elaborado. No que se refere ao intensivista e paciente, em uso de prótese respiratória, o profissional pode utilizar-se de percepções e outros recursos para perceber a situação, o paciente e o ambiente, visando melhorar a mensagem que lhe foi transmitida de forma que ela seja compreensível, tudo isso levando sempre em consideração as reais necessidades do paciente, suas diferenças culturais, os meios utilizados para transmitir o que ele almeja e uma série de outras variáveis que, dependendo da situação o profissional, poderá precisar de maior ou menor capacidade de compreensão dos diversos sinais e símbolos de comunicação oral, gestual e escrita. 3. INTRINCADOS CAMINHOS RUMO ÀS ABORDAGENS METODOLÓGICAS Para a realização deste estudo, foi necessário adoção de posturas metodológicas que possibilitasse compreender os intricados caminhos de um pesquisador. Para dar conta de “destrincharmos” o universo da pesquisa, utilizamos a compreensão das abordagens qualitativas do tipo descritivo e exploratório. A modalidade metodológica pela qual se optou, constituiu-se fundamental para o alcance dos objetivos, uma vez que trabalhar com o universo de significados, crenças, valores 9 e atitudes, corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos a variáveis6. É importante compreender que os métodos qualitativos trazem como contribuição uma mistura de procedimentos de cunho racional e intuitivo capaz de contribuir para melhor compreensão dos fenômenos7. O Cenário desta pesquisa foi a UTI do Hospital Universitário João de Barros Barreto (HUJBB), hospital-escola da Universidade Federal do Pará, localizado na cidade de Belém do Pará. A coleta de dados ocorreu após aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa do HUJBB, Protocolo nº 3764 / 07, de acordo com a Resolução nº. 196 de 10 de outubro de 1996 do Conselho Nacional de Saúde, que versa sobre ética e pesquisa com seres humanos. Os sujeitos desta pesquisa foram sete intensivistas (médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem) com experiência profissional de no mínimo dois anos, que responderam a entrevista semi-estruturada. Foi utilizado um gravador tipo MP3, no entanto, o uso da caderneta de campo não foi desprezado. Após a coleta de dados foi realizada a análise dos conteúdos, a categorização dos dados e também a interpretação do que está por trás dos conteúdos manifestos. Esta pesquisa é isenta de riscos uma vez que por utilizar o roteiro de entrevista como instrumento de coleta de dados, os respondentes sempre ficaram a vontade para responder ou não o que lhes fora perguntado, além de ter sido garantido o anonimato através do TCLE. Quanto aos benefícios, estes surgirão em médio e longo prazos, pois espera-se que ajude no compartilhar com profissionais, pacientes e família, quanto ao processo de comunicação na UTI. 10 4. ANÁLISES DAS ENTREVISTAS 4.1. A comunicação, o paciente consciente que faz uso de prótese respiratória e a equipe intensivista A comunicação é o meio através do qual, pessoas interagem umas com as outras. O homem utiliza a comunicação nas ações do cotidiano e é por meio dela que partilha, com os demais, suas idéias. Nessa partilha, ele está sujeito a receber aprovação e desaprovação das outras pessoas, e isto acaba por determinar sua sensação de segurança e satisfação e seu ajustamento no ambiente que o rodeia8. No relato dos sujeitos entrevistados, os mesmos declaram que a comunicação, além de ser uma manifestação primária do ser humano por permitir o que chamamos de diálogo, é também vital para a relação profissional-paciente, uma vez que nem mesmo o uso da melhor tecnologia adiantaria se não houvesse comunicação. Bom, Primeiro isso é vital para que haja realmente um bom relacionamento entre o profissional e o paciente, é a comunicação né! [...] a gente sabe que a comunicação é a manifestação primária do ser humano. Sem comunicação, sem diálogo, fica difícil a compreensão do que está acontecendo [E1]. Pode ser a melhor tecnologia, pode ser o melhor equipamento, se não tiver a comunicação interpessoal, se não tiver a relação, o respeito para com o cliente nada disso tem valor, então a gente tem que prezar por isso [E2]. Uma comunicação adequada para os intensivistas é pautada em conseguir conversar e receber informações pertinentes ao seu paciente; é entender o que ele quer transmitir e fazê-lo, através da compreensão de suas vontades, sentir-se bem atendido, tratado com carinho e paciência. A comunicação intensivista-paciente em uso de prótese respiratória só ocorre de fato quando há emissão e compreensão de informações, ainda que estas não sejam tão claras e objetivas. 11 Não se pode desconsiderar que sucesso ou o fracasso das interações humanas dependem de como a comunicação se efetiva 9. Ao analisar este aspecto a luz da realidade dos intensivistas, observamos que é necessária a transmissão de mensagem de maneira eficaz. Caso não ocorra o processo não haverá como cuidar do paciente em sua integralidade, portanto, se houver um domínio da comunicação como instrumento facilitador da assistência, as necessidades dos pacientes serão mais facilmente observadas, compreendidas e atendidas10. 4.2. Sentimentos, expectativas e vivências da equipe intensivista, diante difícil missão de se comunicar com o paciente consciente em uso de prótese respiratória na UTI As experiências vivenciadas pelos intensivistas são em sua generalidade tensas e por vezes até estressantes. Por isso, qualquer fator, dentre eles uma comunicação ineficaz com o paciente, que venha dificultar o processo da assistência pode ser considerado um fator agravante, uma vez que o intensivista se esforça para, mesmo em meio ao “corre-corre” de suas rotinas, entender o que o paciente está expressando (seja através de gestos ou tentativas frustradas de verbalização) e atender suas necessidades, porém, ao não conseguir, manifestam-se sentimentos como frustração, angústia e até mesmo culpa. Quando a gente não consegue entender o que ele tá querendo passar pra agente, a gente já fica um pouco assim [...] quase como se fosse uma frustração, porque ele tá tentando passar uma coisa pra gente e você tá tentando entender e não consegue [E 4]. É como eu te falei! Acaba sendo angustiante pra gente quando a gente não pode resolver, porque a gente não consegue entender e acaba deixando o paciente sem ser atendido naquilo que ele tava desejando [E 5] Muitas vezes os profissionais intensivistas fazem inúmeras perguntas ao paciente, na tentativa de “acertar” o que ele tem a dizer, mas o fato de ainda assim não conseguirem, 12 faz com que ambos, sintam-se frustrados e por vezes até mesmo irritados: o paciente por não conseguir ser compreendido e o intensivista por não atender as necessidades deste em sua totalidade. Esta situação é evidenciada a partir dos relatos dos sujeitos abaixo: “Olha, muitas vezes, é difícil! Porque, por exemplo, nem todas às vezes a gente consegue entender o que o paciente tá dizendo, tá querendo expressar. A gente, geralmente faz um monte de perguntas, tipo: tá com dor? Tá com fome? Quer água? E dependendo da condição dele, ele pode balançar a cabeça dizendo que sim ou que não, mas quando fica mais difícil ainda a gente acaba se estressando [E 5]. O processo de comunicação na rotina do CTI é muito difícil e por isso gera inúmeros sentimentos de sofrimento e ansiedade que se refletem do paciente ao intensivista das mais diversas formas. Todos os sujeitos envolvidos no cuidado direto ou indireto ao paciente são de alguma forma afetados. Mesmo mediante de toda a tensão gerada durante o processo de comunicação na rotina de trabalho de uma UTI, podemos perceber que de maneira geral, os intensivistas estão engajados para trabalhar em equipe e melhorar a assistência através de uma comunicação efetiva com estes. Isto é expressos através de emoções como alegria, felicidade, esperança e até mesmo de afeto para com o paciente, ao perceber que a comunicação está acontecendo efetivamente e os ajudando a implementar ações da melhor forma possível, fazendo com que o paciente se sinta mais confortável e se recupere mais rápido. Pra mim, eu fico um pouco emocionada, [...] porque é uma conquista da gente, entende? Foi uma vitória da equipe [...] quando a gente vê que aquele paciente tá evoluindo bem, que tá próximo de desmamar, que ele tá aceitando tudo que é imposto pra ele, ele aceita, que ele colabora [...] pra mim isso é uma alegria, entende? É uma felicidade muito grande que eu tenho porque eu to vendo ali que o meu serviço tá dando jeito [...] Tá sendo retribuído de alguma forma ali em ver aquele paciente que tá evoluindo bem [E 7]” 13 4.3. Os meios de comunicação do paciente na UTI: “Pequenos gestos, grandes significados”. A utilização conjunta da leitura labial, gestos manuais, e expressões faciais caracterizam a leitura de fala, pois fornece pistas importantes em relação ao que está sendo dito11. No que se refere ao paciente, impossibilitado de se comunicar verbalmente o uso de expressões faciais, olhares, gestos, lágrimas, tudo o que no campo da linguagem facilite a troca, o compartilhamento e aproximação entre este e os intensivistas precisa ser identificado. De acordo com os relatos, o paciente de UTI utiliza recursos da linguagem não verbal para tentar ser entendido em seus anseios. Abaixo enumeraremos alguns recursos utilizados relacionando-os com os relatos apresentados. a) Expressões faciais: Aqueles que estão realmente conscientes conseguem apontar seu desconforto, conseguem fazer expressões que são universais de desconforto [E 3]. b) Gestos e movimentos corporais: Se ele pode mobilizar os membros, então ele faz gestos, como balançar a cabeça na medida em que a gente vai perguntando ele vai respondendo. Às vezes, assim, até com a expressão de raiva [...] Fazem gestos, se debatendo, às vezes o paciente também faz isso agoniado, ele se debate no leito [E 1]. c) Aperto de mão: Então a gente tenta de todas as maneiras fazer com que ele aperte a mão, dê um gesto, pisque algum gesto de olhar [E 2]. d) Aceno: Eles utilizam o gesto com a mão. Geralmente quando eles querem alguma coisa eles levantam a mão, eles ficam chamando e pra comunicar com eles [E 6]. e) Escrita: 14 Então para com ele a gente já trabalha a questão da escrita, porque muitas vezes ele consegue escrever, ele pede um papel e caneta, aí você disponibiliza pra ele escrever, ou gravuras pra ele mostrar, de maneira que ele expresse [E 7]. f) Som (aqui entendido como barulho): A arma dele é a grade! Ele vai bater as mãos na grade, ele empurra, como muitas vezes aqui [...] Então muitas vezes o movimento que eles fazem alarma logo, então a gente vai ver. Então o paciente tá agitado [...] então eles se comunicam assim, ou eles batem na grade, ou eles conseguiram fazer uma força, de repente, sai o tubo, como muitas vezes acontece [E 6]. g) Choro: Muitas maneiras de se expressar, às vezes é chorando, porque tem muito paciente que, por a gente não conseguir entender começa a chorar, então são várias maneiras que o paciente manifesta seus gestos [E 1]” O fato de o paciente utilizar-se prioritariamente da linguagem não-verbal para se comunicar com a equipe de saúde é reforçado pelo pensamento de pesquisadores, quando afirmam que cerca de noventa e três por cento da comunicação humana é feita através de expressões faciais e movimentos do corpo 12. Então cabe aqui considerar: se em condições normais o ser humano utiliza quase o máximo de sua linguagem pautada no gestual, imagine uma pessoa impossibilitada de usar sua voz para se expressar! Constatou-se que a comunicação pode ocorrer sem fazer sequer o uso de uma só palavra, utilizando-se somente meios alternativos que dentro da rotina hospitalar das UTI´s serão mais práticos que o silêncio e ainda suprirão as necessidades de comunicação dos pacientes impossibilitados de usar a sua expressão oral. Através deste meio o paciente tenta se fazer compreendido pelo profissional intensivista, que por sua vez, também terá que encontrar meios para dar a sua resposta assertiva a este paciente. 15 4.4. Os meios de comunicação do intensivista: a linguagem verbal como forma dominante. Trabalhar em uma UTI, que por sua natureza é um ambiente um tanto quanto estressante, devido à exposição constante dos pacientes a situações de risco, faz com que, muitas vezes, os intensivistas, devido a necessidade de implementar suas ações de maneira rápida, não utilizem de maneira eficaz os recursos da comunicação disponíveis como processo terapêutico. Desse modo, acabam perdendo a oportunidade de fazer valer o princípio da integralidade da assistência, tão pregado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mas em meio a tantos afazeres, quando os intensivistas conseguem estabelecer um vínculo de comunicação eficaz com o paciente, percebemos que o mesmo é fundamentado principalmente na comunicação verbal e no toque. Bom, nesse caso se ele tá consciente, orientado, a gente fala mesmo, pelo menos ele pode ouvir a gente, a gente é que tem dificuldade de entender ele [E 2]. Geralmente esse processo de comunicação verbal, que se dá do profissional para o paciente, ocorre através de indagações que os intensivistas fazem com intuito de obter uma resposta mais coerente possível com as necessidades do paciente. Para ilustrar essa afirmação, no relato a seguir, observa-se que o sujeito enfatiza o recurso da linguagem verbal, como sendo o recurso mais amplamente utilizado por ele e pelos demais colegas de trabalho. Mesmo que cada um o utilize de maneira muito peculiar, o intuito é o de comunicar algo, ou seja, informar o paciente. Bom, é comunicação verbal. Eu só acho que a dificuldade é quando ele tem déficit auditivo. Ai você tem que encontrar formas alternativas de transmitir tudo isso, toda essa missão de fornecer informação ao paciente [...] Então, a forma de comunicação verbal é a mais eficiente, talvez seja uma das únicas [...] a forma individual de cada ator neste cenário, é como eu digo, muito particular [...] uma forma mais eficiente ainda é a verbal. Não é? É você comunicar, informar e informar! [E 5]. 16 Outra forma de comunicação do intensivista em momentos em que este utiliza da linguagem não verbal é o uso do toque. Este recurso é uma forma de comunicação não verbal que deve permear a assistência prestada; não deve ser condicionado a realização de procedimentos técnicos científicos; mas devem ter a finalidade de demonstrar carinho, empatia, segurança e proximidade em relação ao paciente 13. Os sujeitos de nossas entrevistas nos dão exemplos práticos disso ao afirmarem que: Além das perguntas, a gente vai tocando, por exemplo, se o paciente tiver com dor e não sabe dizer o local, a gente vai tocando [E 6]. Cada pessoa tem, digamos assim, um ou outro atenuante nessa comunicação, alguns vão e fazem um carinho, põe a mão na cabeça [E 1]. O toque, enquanto linguagem não-verbal é um recurso que tem a capacidade de promover nos pacientes melhoras significativas em seu quadro clínico. Ao fazer indagações ao paciente e ao mesmo tempo tocá-lo, o profissional está proporcionando sensação de bem estar, que, por conseguinte proporcionará a este uma sensação mais confortável, segura e confiante. Os intensivistas que são realmente preocupados com o paciente sob seus cuidados devem desenvolver meios, instrumentos, técnicas, habilidades, capacidade e competência para oferecer ao mesmo a oportunidade de uma comunicação mais digna, mais compreensiva e menos solitária. 5. CONCLUSÃO A necessidade de comunicação é algo que permeia toda e qualquer relação humana desde os seus primórdios. Nesse sentido, faz-se necessário priorizar a comunicação como um recurso fundamental para a recuperação saúde, uma vez que contribui para com o êxito das 17 ações implementadas ao paciente, promovendo com isso uma melhora significativa em seu quadro clínico. Diante dos discursos analisados percebemos que os intensivistas reconhecem o processo de comunicação dentro da rotina de uma UTI, como um fator relevante e que contribuiu para a boa evolução do estado clínico do paciente, entretanto, utilizam quase sempre a comunicação verbal e por vezes o toque (não-verbal) como recurso para comunicarse com o paciente, o que por vezes pode ser apenas um contato unilateral, uma vez que este mesmo consciente está impossibilitado de se expressar verbalmente. Desse modo, é importante considerar que a pesquisa nos aponta o seguinte entendimento: a) Fica evidenciado que o uso dos recursos de comunicação não somente verbal, mas os não verbais - gestos, expressões faciais e corporais, toque, olhar, escrita, dentre outros, como ferramentas de trabalho do intensivista, tal como faz o paciente, será um grande aliado para o processo de comunicação. b) Ao se comunicar de forma efetiva com o paciente consciente impossibilitado de se expressar verbalmente, o intensivista, não está apenas melhorando a qualidade de seus cuidados, mas fazendo com que o paciente tenha suas necessidades atendidas em sua magnitude. Isso faz da prática assistencial um momento gratificante, pois o paciente se sente satisfeito ao ver suas necessidades respondidas, e o intensivista realizado, ao ver que suas ações foram coerentes com os anseios do paciente, permeando mais uma vez a integralidade do cuidado. Ao final deste estudo ao vislumbrarmos o objetivo proposto na pesquisa, consideramos que uma vez desvendadas as formas de comunicação entre intensivistas e 18 pacientes, acreditamos que muito ainda se tem a aprender com os próprios pacientes, nunca deixando de considerar que esta relação é um sempre um aprendizado. 6. SUGESTÕES Visando estimular a divulgação dos métodos de comunicação entre profissionais intensivistas e o paciente consciente que faz uso de prótese respiratória na UTI, elencamos aqui alguns aspectos básicos que poderão contribuir no repensar das questões apontadas propondo: Investir na educação continuada no que diz respeito a divulgar a importância da comunicação para a melhoria da assistência ao paciente, conscientizando a todos que a comunicação também é parte integral do cuidado prestado. Compreender cada vez mais os recursos utilizados no processo de comunicação entre os intensivistas e o paciente. Promover oficinas que mostrem os métodos de comunicação já existentes e ensinem novos meios para se comunicar com o paciente consciente impossibilitado de se comunicar verbalmente. “A lei de ouro do comportamento é a tolerância mútua, já que nunca pensaremos todos da mesma maneira, já que nunca veremos senão uma parte da verdade e sob ângulos diversos”. (Mohandas Karamchand Gandhi) 19 REFERÊNCIAS 1. Silva ML. A Comunicação como processo interativo do relacionamento terapêutico enfermeira-cliente. Revista Enfoque, 1991, dez . 2. Ferreira, A BH. Minidicionário da língua portuguesa. 3ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Nova Fronteira, 1993. 3. Leite MA, Vila VSC. Dificuldades vivenciadas pela equipe multiprofissional na unidade de terapia intensiva. Rev Latino-am Enfermagem [on line] 2005 mar / abril; [citado 07 dez 2006]; 13(2): aprox 6 telas]. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v13n2/v13n2a03.pdf 4. Hudak CM, Gallo BM. Efeitos da unidade de terapia intensiva sobre o enfermeiro. In: Hudak CM, Gallo BM. Cuidados intensivos de enfermagem: uma abordagem holística. 6ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Guanabara Koogan, 1997. 5. Behlau MS, Gielow I, Carvalho VS, Jardim DM, Moreira JF, et al. O Laringectomizado Informações Básicas. Rio de Janeiro (RJ): Revinter, 1999. 6. Minayo MCS, Deslandes SF. Pesquisa Social: Teoria Método e Criatividade. 23ª ed. Petrópolis (RJ): Vozes, 2004. 7. Neves JL. Pesquisa qualitativa, características usos e possibilidades. Caderno de Pesquisas em Administração [on line] 1996 jul / dez; [citado 07 dez 2006]; 3 (2): aprox 5 telas]. Disponível em: <http://www.ead.fea.usp.br/cad-p(2005)/arquivos.pdf.> 8. Stefanelli MC. Comunicação com paciente teoria e ensino. São Paulo (SP): Robe editorial, 1993. 9. Ferraz AEP. et al. O processo de comunicação em enfermagem. Visão do aluno de graduação. Anais do 6º Simpósio Brasileiro de Comunicação em Enfermagem; 1998, Ribeirão Preto (SP), 2000 p. 162-74. 10. Inaba LC, Silva MJP, Telle SCR. Paciente crítico e comunicação: visão de familiares sobre sua adequação pela equipe de enfermagem. USP – Revista da Escola de Enfermagem da USP 2005; 39(4): 423-9. 11. Riper CV, Emerick L. Correção da Linguagem: Uma introdução à patologia da fala e a audiologia. 8ª ed. Porto Alegre (RS): Artes médicas, 1997. 20 12. Allan BP. Desvelando os Segredos da Linguagem corporal. Rio de Janeiro (RJ): Sextante, 2005. 13. Silva MJP. Comunicação tem remédio: a comunicação nas relações interpessoais sem saúde. São Paulo: Editora Gente, 1996.