ENSAIOS DE FLEXÃO: UMA REVISÃO DOS MODELOS MATEMÁTICOS
EMPREGADOS NA SUA ANÁLISE
E. A. de Carvalho e E. T. V. Duarte
Laboratório de Materiais Avançados
Universidade Estadual do Norte Fluminense
Av. Alberto Lamego, 2000 – Campos – RJ – 28015-620
RESUMO
Este trabalho apresenta os fatores geométricos e físicos que controlam o estado de
tensões em ensaios de flexão a 3 ou 4 pontos, muito empregados na determinação de
propriedades mecânicas em materiais frágeis, como os cerâmicos. O efeito das tensões de
contato, desalinhamento no carregamento, atrito e concentração de cargas tem efeito
dominante no resultado obtido em ensaios de flexão, porém as formulações tradicionalmente
empregadas para a determinação de estado de tensões não levam em conta estes efeitos,
causando um mascaramento de resultados, usualmente atribuído a natural alta dispersão de
valores obtidos quando do estudo de materiais frágeis em geral e cerâmicos em particular. O
efeito de cada fator é analisado isoladamente e em conjunto com outros, resultando em
formulações matemáticas que levam em conta os mesmos na conversão de cargas para tensões
de ruptura. Métodos experimentais e numéricos tais como Fotoelasticidade e Elementos
Finitos são empregados para corroborar as hipóteses apresentadas.
1. INTRODUÇÃO
Os ensaios tradicionais de flexão admitem apenas como existentes ou significativas as
tensões originárias da flexão da região estudada. Como conseqüência a formulação
empregada para converter uma carga aplicada em tensão reflete apenas este componente do
estado de tensões reinantes [1]. Uma análise cuidadosa de ensaios de tensão revela porém a
existência de outros componentes de tensão, originários das imperfeições geométricas do
corpo de prova bem como dos desalinhamentos do dispositivo de ensaio empregado.
CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais
09401
2. ALGUNS COMPONENTES DE TENSÃO EXISTENTES EM ENSAIOS DE
FLEXÃO
Alguns componentes presentes nos ensaios de flexão são agora listados:
2.1 Tensão de Flexão
É a tensão dominante em um ensaio de flexão, produto de carregamentos transversais em
uma dada seção. Será tratada com mais detalhes ao longo deste trabalho.
2.2 Tensões de Contato
O carregamento aplicado ao corpo de prova se faz através de cutelos ou roletes, que se
incumbem de transmitir o esforço da máquina de ensaios para o corpo de prova.
Evidentemente essa transmissão se faz através da deformação localizada do material, gerando
um campo de tensões que afeta toda a região próxima ao contato. Este campo, porém, não é
levado em conta nos modelos empregados tradicionalmente para se determinar o estado de
tensão reinante numa viga flexionada. O formato dos cutelos, ou roletes, influencia
grandemente as dimensões e magnitude do campo de tensões gerado. O uso de ferramentas
experimentais e numéricas tais como Fotoelasticidade [2] e Elementos Fintos [3] permitem a
visualização e avaliação dos efeitos das tensões de contato. As tensões de contato estão
sempre presentes em ensaios mecânicos que exigem contato físico para transmissão de
carregamento e geração de campo de tensões [4,5].
2.3 Tensões Devido a Curvatura do Corpo de Prova
Corpos de prova que apresentam curvatura em algum dos planos de carregamento (ou em
todos) apresentam comportamento de uma viga curva [6]. Propriedades mecânicas medidas
em regiões curvas serão evidentemente diferentes daquelas medidas em regiões planas. A
determinação de um limite máximo para esta diferença de tensões permite que se estabeleçam
os raios mínimos de curvatura daquele plano de carregamento estudado. Estas tensões podem
estar presentes ou não em uma dada situação, ou mesmo não serem relevantes [7].
2.4 Tensões de Torsão
A falta de paralelismo entre as faces de um corpo de prova prismático acarreta em que
partes de uma mesma face tocam os cutelos da máquina de ensaio antes do que outras,
causando uma excentricidade no carregamento e no surgimento de tensões cisalhantes devido
CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais
09402
a torsão. Estas podem ocorrer em todos os planos de carregamento. Este tipo de tensão pode
não existir caso o corpo de prova apresente as faces paralelas dentro de um dado limite [8].
2.5 Tensões Cisalhantes Transversais
Tensões cisalhantes ocorrem em uma superfície transversal interna de um dado corpo
devido à existência de uma força transversal cisalhante que equilibra uma carga concentrada
externa numa dada seção. Uma dada distribuição destas tensões é necessária para garantir o
equilíbrio interno do corpo. Estas tensões existem sempre que se empregam cargas
concentradas num dado ensaio. Seu valor é nulo nas superfícies, onde os carregamentos
externos atuam e máxima na linha neutra [9].
2.6 Tensões Cisalhantes de Atrito
Se as cargas são aplicadas nas faces dos corpos de prova através de um carregamento
concentrado, forças de atrito são criadas. Isto acarreta na redução do momento fletor aplicado
e no deslocamento da linha neutra. Na face superior do corpo de prova a distância tende a
diminuir devido a dois mecanismos presentes: deformações compressivas e deflexão. Em
conseqüência os roletes superiores tendem a se mover para fora desenvolvendo forças de
atrito nestas direções. No lado inferior a situação é mais complexa. As deformações trativas
tendem a alongar a face inferior e a deflexão tende a encurtar a distancia entre os roletes
inferiores. Experimentos mostram que o efeito das forças de atrito é o de reduzir o momento
fletor aplicado e de produzir deslocamento da linha neutra. Isto indicaria que as forças de
baixo apontam para a direção oposta das de cima do corpo de prova e são provavelmente
menores. Cada força de atrito é então equivalente a uma força trativa axial e tem sinal
contrário ao momento fletor. O teste que se deseje realizar deve ser feito com roletes móveis
para se minimizar este efeito, mas para caso onde alta precisão se exige recomenda-se um
estudo mais acurado do problema [2,10].
3. ENSAIOS DE FLEXÃO A QUATRO PONTOS (4P)
A formulação para este ensaio assume que existe um estado de flexão pura,
desconsiderando quaisquer outras tensões que possam advir do fato que exista carregamento
concentrado agindo sobre o corpo. A expressão a seguir assim descreve este campo de tensões
atuante em um corpo de prova com seção transversal retangular:
CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais
09403
4P
σ Flex
=
3Pd
bh 2
(1)
onde P é a carga aplicada, d é a distância entre os cutelos inferior e superior de um mesmo
lado, b é a largura e h a altura do corpo ensaiado.
Na Figura 1 pode-se notar como as tensões de contato perturbam a distribuição de tensões
numa região significativa. Qualquer valor medido nesta região deve levar em conta este fator.
Figura 1 – Campos de tensões em um viga prismática carregada a 4 pontos [2],
fotoelasticidade, franjas isocromáticas, campo escuro. A franja zero é a linha neutra e a dois
serve como referência para estudos.
4. ENSAIOS DE FLEXÃO A TRÊS PONTOS (3P)
A formulação que leva em conta somente os efeitos de flexão sobre o estado geral de
tensões tem para uma viga de seção retangular, a forma de:
3P
σ Flex
=
3PL
2bh 2
(2)
Onde P é a carga, L a distância entre cutelos, b a largura do corpo de prova e h a sua altura.
Frocht [2] apresenta uma expressão, chamada de Wilson-Stokes que leva em conta o efeito da
carga concentrada e tem a forma de:
P
σ 3stokes
=
12P  L h 
h
P
−
 x −  +
3 
bh  4 2π 
2  πbh
CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais
(3)
09404
onde: x varia de zero (abaixo do cutelo superior) até a altura total (h), na base do corpo de
prova.
A Figura 2, produzida por Frocht, apresenta o campo de tensões cisalhantes máximas,
que são as linhas pretas. Este resultado obtido pela técnica da Fotoleasticidade apresenta o
campo total de tensões que atua em uma viga prismática carregada a três pontos. A
complexidade do campo de tensões apresentado indica a precariedade da expressão (2)
quando tenta descrever o campo de tensões atuantes neste corpo.
Figura 2 - Campos de tensões em um viga prismática carregada a 3 pontos. [2], franjas
isocromáticas, campo escuro.
A Figura 3 apresenta a comparação entre a distribuição de tensões que admite apenas a
existência do componente de flexão e o modelo de Wilson-Stokes. A diferença entre os
valores obtidos entre as duas formulações é de 10.6 %. Isto significa que uma propriedade
medida no ponto oposto ao cutelo que aplica a carga, caso seja avaliada pela expressão (2),
indicará sempre um valor 10.6 % acima do valor fornecido por uma abordagem mais
realística.
40
tensão (MPa)
20
σy( x )
σf( x )
0
20
40
0
5
10
15
20
25
x
altura (mm)
Figura 3 – Comparação entre tensões: σy (linha cheia) representa o modelo de Wilson-Stokes
e σf (linha tracejada) leva em conta só a tensão de flexão na região abaixo do cutelo superior.
CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais
09405
5. ENSAIO DE FLEXÃO A 3 PONTOS EXCÊNTRICO (3Pe)
Caso o ensaios de flexão a 4 pontos seja realizado com o dispositivo de carregamento
superior fixo, ou seja sem permitir que os roletes ou cutelos se ajustem a falta de paralelismo
do corpo de prova, ocorrerá que um dos roletes irá tocar o corpo de prova antes do outro,
provocando um carregamento em três pontos excêntrico (o tradicional aplica o carregamento
no centro do vão livre).
No caso onde um dos roletes atinge o corpo de prova antes do outro, a expressão que
determina o valor das tensões de flexão tem a seguinte forma:
σ 3excP. =
Px (L − x )y
LI
(4)
Onde x é a distancia entre o rolete superior e o inferior adjacentes, L é a distancia entre os
cutelos, y é distância da linha neutra ao ponto estudado e I o momento de inércia da seção.
A razão entre a tensão prevista pelo modelo 4P e esta tensão excêntrica tem a forma de:
σ 4P
L
=
Exc
2(L − x )
σ 3P
(5)
Esta expressão revela que os valores obtidos por ensaios onde um dos roletes atinge o
corpo antes do outro, os valores obtidos devem ser ajustados pela relação acima, caso se
deseje comparar com outros ensaios em 4 pontos. O comportamento da função (5) se encontra
na Figura 4.
1
0.9
0.8
R ( x)
0.7
0.6
0.5
0.4
0
10
20
30
40
50
x
Distância entre os Centros dos roletes
Figura 4 – Variação da razão R(x) com a distância entre os centros dos roletes adjacentes
CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais
09406
6. CONCLUSÕES
Quando da conversão das cargas limite obtidas em um dado ensaio mecânico, deve-se ter
o cuidado de se levar em conta outros componentes de tensão, caso a geometria particular de
cada corpo de prova assim o exija. Para um ensaio de flexão a quatro pontos, basta que o
dispositivo de aplicação de carga seja fixo para que o ensaio se torne a três pontos excêntrico.
Caso isto não seja corrigido, erros consideráveis ocorrerão na interpretação dos resultados.
Para o ensaio a três pontos, o campo de tensões reais difere consideravelmente do
previsto pelo modelo matemático, acarretando uma diferença de cerca de 11% na face inferior
do corpo de prova.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem a FENORTE, FINEP e a FAPERJ pelo suporte financeiro ao
longo deste estudo. É justo também mencionar o Prof. Chris P. Burger da Texas A&M
University como inspirador desta linha de pesquisa.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[1] ASTM Standards, ASTM (2000).
[2] Frocht, M.M., Photoelasticity, McGraw-Hill (1941).
[3] Cook, R.D., Malkus, D.S. and Plesha, M.E., Concepts and Application of Finite Element
Analysis, John Wiley and Sons (1974).
[4] Carvalho, E. A. et al , Determination of Mechanical Properties of Red Clay Ceramics,
SEM IX International Congress on Experimental Mechanics, pp. 22-25 (2000).
[5] Dally, J.W. e Riley, W.F. Experimental Stress Analysis, McGraW-Hill, Inc. (1991).
[6] Budynas, R.G., Advanced Strength and Applied Stress Analysis, McGraw-Hill (1977).
[7] Young, W.C., Roark’s Formulas for Stress & Strain, Mc-Graw-Hill (1975).
[8] Den Hartog, J.P., Advanced Strength of Materials, Dover (1952)
[9] Timoshenko, S. and Goodier, J.N. , Theory of Elasticity, Mc-Graw-Hill (1984).
[10] Szeri, A.Z., Tribology – Friction, Lubrication and Wear, McGraw-Hill (1980).
CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais
09407
POINT BENDING TESTS: A REVIEW OF THE USED MATHEMATICAL MODELS
E. A. de Carvalho e E. T. V. Duarte
Laboratório de Materiais Avançados
Universidade Estadual do Norte Fluminense
Av. Alberto Lamego, 2000 – Campos – RJ – 28015-620
ABSTRACT
This work presents physical and geometrical factors controlling stress state in 3 or 4
point bending tests, largely used for brittle materials, as ceramics, mechanical properties
determination. The effect of contact stress, misalignments, friction and concentrated loads has
dominant effect over results, but classical formulations used to stress state determination do
not take into account these effects causing result contamination, usually credited to the natural
high dispersion obtained for brittle materials in general and ceramics in particular. Each factor
effect is analyzed by itself and together with others. Resulting in new expressions, which
contains relevant factors and are able to translate rupture loads into stress. Experimental and
numerical methods as photoelasticity and finite element are used to validate presented
hypothesis.
CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais
09408
Download

ENSAIOS DE FLEXÃO: UMA REVISÃO DOS MODELOS