Tutoria e Mediação em Educação: Novos Desafios à Investigação Educacional
XVI Colóquio AFIRSE/AIPELF 2008
A TUTORIA E A MEDIAÇÃO NA INCLUSÃO DE ALUNOS COM
MULTIDEFICIÊNCIA
SILVA, Maria Odete Emygdio da ([email protected])
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa
FERREIRA, Maria Eugénia Saraiva ([email protected] )
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa
RESUMO
Os Estabelecimentos de Ensino – Agrupamentos de Escolas – passaram a ter o
desafio da Educação para Todos incluindo os alunos que apresentam problemas mais
acentuados como os que são considerados como tendo multideficiência.
Nesta perspectiva, surgiu a necessidade do estabelecimento de parcerias com outras
instituições a fim de ser possível o desenvolvimento de respostas específicas
diferenciadas para estes alunos, que tendem a pertencer
a “unidades de apoio
especializado para a educação de alunos com multideficiência”, como a nova
legislação, DL 3/08, de 7 de Janeiro, as designa.
No âmbito do Projecto de Investigação do Doutoramento em Educação Inclusiva, ainda
numa fase inicial, iremos abordar alguns aspectos relevantes relativos a esta
problemática, relativamente à qual o papel do professor de educação especial como
mediador entre os diferentes actores, é fundamental..
Introdução
Com esta comunicação queremos reflectir o processo que está subjacente à
inclusão de alunos considerados como tendo multideficiência nas escolas do ensino
regular. Este trabalho resulta do nossa investigação enquanto Doutoranda em
Educação, atendendo a que este é o campo da nossa especialização enquanto
professora de educação especial, onde temos desenvolvido a nossa prática, a qual nos
tem suscitado vários questionamentos, alguns dos quais gostaríamos de ver aqui
reflectidos.
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Enquadramento teórico
É nossa convicção que o percurso para uma educação inclusiva é complexo e
exige uma grande conjugação de esforços muito variados, nomeadamente na
generalização e assimilação do conceito de necessidades educativas especiais por
todos os intervenientes no sistema educativo, em especial professores de educação
especial e professores do ensino regular, técnicos de educação, psicólogos e
encarregados de educação. Na Declaração de Salamanca afirma-se: “A preparação
adequada de todo o pessoal educativo é o factor-chave na promoção das escolas inclusivas”.
O conceito de necessidades educativas especiais (NEE) refere-se, como afirma
Wedel (1990) “…ao desfasamento entre o nível de comportamento ou de realização da criança
e o que dela se espera em função da sua idade cronológica” (p.243).
A educação de crianças e jovens com NEE, no contexto de uma educação
inclusiva, não pode desenvolver-se de forma isolada. Assim é importante criar uma
cultura que valorize, no interior das escolas, a solidariedade e o espírito de equipa.
Essa cultura deve ser considerada um objectivo prioritário a atingir para todos os
agentes educativos.
Deste modo, aspectos relativos ao ensino, tais como as estratégias de ensino,
a gestão dos recursos, o currículo e a avaliação, devem ter presentes o objectivo de
um ensino diferenciado, como convém a todas as crianças e jovens e, em particular,
àqueles que têm NEE de carácter permanente, promovendo o objectivo prioritário
que será a construção de uma escola mais humanizada.
Proceder a ajustamentos curriculares nos cursos que asseguram a formação
inicial de professores e formadores é, assim, uma medida fundamental, na medida
em que os prepara para o desempenho competente de uma actividade docente no
quadro de uma educação inclusiva, suportada em práticas de ensino diferenciado.
Tais ajustamentos deverão, pois, enfatizar práticas pedagógicas diversificadas que
tenham em conta os contextos em que os alunos estão inseridos.
Nesta perspectiva, a formação contínua de professores, elemento base de
toda a acção com vista a uma escola inclusiva, tem, pois, de ser equacionada numa
relação estreita com a organização escolar e visar a criação de redes de formação nos
contextos escolares, aproveitando o estabelecimento de protocolos com instituições
do Ensino Superior, no quadro de uma vantajosa cooperação.
O processo de ensino aprendizagem, contextualizado e integrado por parte
dos professores, procurando sempre estimular actividades de parceria, por forma a
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assegurar às escolas o apoio técnico, designadamente com psicólogos educacionais,
terapeutas, fomentando sempre formas de acção reflectida, serão oportunidade para a
construção da educação inclusiva.
É neste sentido que a definição do problema em estudo se enquadra no
âmbito da nossa tese de doutoramento, numa perspectiva de valorização da
Educação Inclusiva reflectindo concepções
“….sobre a educação de alunos com necessidades educativas especiais (NEE)
que mostram que as escolas inclusivas facilitam a integração escolar destas
crianças, nomeadamente porque apelam à colaboração e cooperação de todos
os actores que fazem parte da comunidade onde a escola se insere” (????
2003: p.2 )
Segundo Stainback e Stainback (1992),
….uma escola inclusiva é aquela que educa todos os alunos dentro de um
único sistema, com o compromisso de lhes proporcionar programas
educativos adequados às suas capacidades e apoios tanto para os professores
como para os alunos em função das suas necessidades. (p. 63)
Sendo a população multideficiente muito heterogénea, Orelove e Sobsey (1991,
citados por Nunes, 2004) definem aluno multideficiente como “indivíduos com atraso
mental severo ou profundo, com uma ou mais deficiências sensoriais ou motoras e/ou
necessidades de cuidados de saúde especiais” (p.6). É importante referir que a
multideficiência é mais do que mera associação de deficiências, constituindo um grupo
muito
heterogéneo
entre
si,
apesar
de
apresentarem
características
específicas/particulares.
Deste modo, a combinação mais ou menos complexa das deficiências, no
domínio cognitivo ou no domínio motor ou sensorial (visão e audição) por uma razão
congénita ou adquirida, comprometem o nível de desenvolvimento, o acesso às
aprendizagens e a sua participação nos diversos ambientes.
De acordo com Nunes (2001), é útil deter uma filosofia assente em valores e
convicções a propósito do que faz mais sentido ensinar ao aluno multideficiênte, de
acordo com as competências evidenciadas e as necessidades manifestadas. Indo ao
encontro do aluno devolvemos-lhe o sentido de dignidade e respeito pela sua
singularidade, o que lhe permite acreditar em si próprio, querer fazer coisas,
estabelecer relações preferenciais e estar atento ao mundo que o rodeia com o sentido
de pertença e alguns propósitos de mudança.
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Assim e para uma efectiva resposta aos alunos com multideficência, surgiu a
necessidade do estabelecimento de Parcerias, as quais foram eventualmente mais
explicitadas com a publicação do DL 3/2008, de 7 de Janeiro.
Relativamente ao trabalho a desenvolver com estes alunos, é crucial a
colaboração com a família, assim como com os profissionais de outros serviços
relevantes para a educação do aluno, no sentido de uma abordagem multidisciplinar,
onde todos os intervenientes no seu processo educativo partilham os mesmos
objectivos. Nesta perspectiva, os professores de educação especial e a família são os
principais impulsionadores, cabendo aos técnicos o processo de avaliação e
colaboração na implementação das estratégias mais específicas nos ambientes naturais
ao aluno (Smith Levack, 1996). Assim, uma abordagem centrada no aluno, a
colaboração entre os diferentes elementos que constituem a equipa, onde as decisões
são tomadas por todos, são fundamentais para a eficácia da intervenção a desenvolver
(Sacks e Silberman, 1998).
As unidades de apoio especializado para a educação de alunos com multideficiência,
enquanto espaço educativo, estão pensadas e organizadas em função das suas
necessidades e dos seus interesses. Neste espaço, procura-se que o aluno se desenvolva
com qualidade e tenha o tempo necessário para experimentar, comparar, construir,
conhecer e conhecer-se a si próprio. É neste ambiente que o aluno descobrirá o gosto de
aprender a aprender.
Ao professor de educação especial cabe a tarefa de identificar as competências
do aluno e a estrutura progressiva das ajudas ao desenvolvimento das capacidades
emergentes, a fim de serem criadas condições de sucesso, relativamente às quais, todos
os intervenientes têm responsabilidades. E é neste sentido que o professor de educação
especial é um mediador.
Uma característica fundamental do processo de mediação é que este pressupõe
uma natureza activa. Assim, o estudo da mediação e da acção mediada não se deve
apenas centrar nos instrumentos culturais envolvidos, mas sim no processo do seu uso
único pelo indivíduo, na sua apropriação única que deles é feita. Cabe, assim, ao
professor de educação especial estar atento às comunicações do aluno, pois estas
reflectem o seu pensamento, obtendo-se, deste modo, informações muito ricas, as quais
permitem tomar decisões sobre o seu modo de actuar. A sua acção irá certamente
favorecer que se tomem decisões em conjunto; que os diversos profissionais cruzem
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fronteiras disciplinares; que a intervenção deva ser funcional, respondendo às
necessidades da criança e da família
A abordagem sociocultural da mente, proposta por Vygotsky, pretendia especificar como o
funcionamento mental humano reflecte e constitui seu local histórico, institucional e cultural
(Wertsch, 1990, p.111), cujo desenvolvimento será um processo partilhado com todos aqueles
que nele participam e influenciam. O indivíduo é entendido como uma construção social,
actualizada nas relações que vai estabelecendo com o mundo que o rodeia, que não lhe é neutro,
alheio ou indiferente, mas pleno de significações culturalmente definidas.
É pois importante que o professor de educação especial tenha consciência de
que a comunicação é um factor essencial em todo o processo de desenvolvimento do
aluno. E o desenvolvimento é um processo partilhado com todos os técnicos e
professores que, directa ou indirectamente, nele participam e ou influenciam. Deste
modo, a qualidade das interacções sociais que ocorrem no âmbito das unidades de
apoio especializado para a educação destes alunos poder-se-á afirmar que dependem
de variáveis como a organização do espaço físico e dos materiais. O estabelecimento de
uma rotina de actividades consistente, com oportunidades de diálogo individualizado
e um ratio professor/alunos adequado, surgem como factores cruciais na optimização
do tempo de interacção. Assim, é valorizada a necessidade de gestão contínua dos
comportamentos, o que possibilita condições para que o professor de educação especial
se disponibilize para interagir com o(s) aluno(s).
Desta forma, as actividades mais estruturadas e orientadas pelo professor
encorajariam mais interacção da criança com o adulto (Sylva, Roy e Painter, 1980), na
medida em que o acesso à resposta é por ele mediado. As actividades não estruturadas
facilitariam a definição de objectivos de acção pela criança, cuja programação e
consecução requer, não obstante, a ajuda do adulto, especialmente no sentido de a
libertar da pregnância do imediato (Wood, McMahon e Cranstoun, 1980)..
Enquadramento metodológico
A nossa pesquisa tem como questão de partida perceber como pode articularse o trabalho realizado pelos professores de educação especial e pelos outros técnicos
envolvidos, no âmbito das parcerias entre Instituições Particulares de Solidariedade
Social (IPSS) e Agrupamentos de Escolas para uma efectiva resposta inclusiva aos
alunos com multideficiência.
Analisar de que modo o trabalho desenvolvido pelos professores de educação
especial e os do ensino regular, que leccionam o 1º de escolaridade, decorrente das
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parcerias que Instituições de Educação Especial estabelecem com Agrupamentos de
Escolas, para apoiarem alunos considerados como tendo necessidades educativas
especiais — multideficientes – contribui para a inclusão escolar e social destes alunos,
é assim o objectivo desta investigação.
Considerando algumas ideias, aplicadas ao estudo da educação,
“…esse enfoque significa a necessidade de investigar como as práticas
educacionais correntes constrangem ou facilitam o pensamento, e a
necessidade de criar práticas novas, mais avançadas e amplas, para os
professores e crianças com os quais trabalhamos” (Moll, 1996, p.4).
Assim, com este estudo, pretende-se analisar de que forma as práticas dos
Professores, potenciam ou não um ambiente propício para o desenvolvimento da
inclusão escolar e social destes alunos. Para tal, pretendemos identificar as razões que
levam à implementação de Projectos de Parcerias entre as instituições atrás
referenciadas e os Agrupamentos de Escolas face à inclusão de alunos com
multideficiêancia, analisar os projectos em curso, identificar como os diversos parceiros
(Orgãos de Gestão, Professores envolvidos, Técnicos de Reabilitação, Psicólogos,
Encarregados de Educação) entendem o trabalho das Parcerias, identificar as
necessidades de formação dos professores envolvidos nestas parcerias, nomeadamente
os de Educação Especial bem como identificar estratégias de promoção da qualidade
do atendimento a estes alunos.
Face ao objectivo do estudo adoptaremos uma abordagem qualitativa, enquanto
“…metodologia de investigação que enfatiza a descrição, a intuição, a teoria fundamentada e o
estudo das percepções pessoais” (Bogdan e Biklen, 1994, p. 68). As questões a investigar
serão formuladas com o objectivo de investigar os fenómenos em toda a sua
complexidade e em contexto natural, assim como a compreensão dos comportamentos,
a partir da perspectiva dos sujeitos da investigação.
Desta forma, optou-se pelo paradigma interpretativo centralizado no
significado que os indivíduos dão às coisas, bem como na sua clarificação e exposição
por parte do investigador (Erikson, 1986).
Jacob (1988, citado por Walsh, Tobin e Graue, 1993) enumera três
particularidades a este tipo de investigação: é orientada num cenário natural; é
enfatizada
a compreensão das perspectivas dos participantes; e as questões e os
métodos emergem do trabalho de campo desenvolvido. Por seu lado Spindler &
Spindler (1982, citados pelos mesmos autores) acrescentaram mais dois aspectos: as
observações são contextualizadas, assim como prolongadas e repetitivas.
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As vantagens da utilização desta abordagem em estudos que visam
compreender e descrever situações de ensino aprendizagem e, particularmente, como
é o caso, em que se procura aceder ao pensamento do professor, têm sido amplamente
salientadas (Elbaz, 1983; Erikson, 1986).
Dado que a educação é a área em que esta investigação se enquadra, procuraremos
responder a questões de carácter explicativo, visando a obtenção de um produto final
do tipo descritivo, ou seja,
…este tipo de investigação visará essencialmente compreender os modos
como as forças culturais e institucionais moldam os indivíduos e como os
indivíduos podem vir a controlar e a moldar estas forças, desenvolvendo
dessa maneira a capacidade de se emanciparem de efeitos indesejáveis
(1997).
A recolha de dados será feita segundo uma abordagem qualitativa e em função
de um contacto aprofundado com os sujeitos, nos seus contextos ecológicos naturais.
De todos os instrumentos que iremos utilizar, destacamos a entrevista, a qual de
acordo com Bogdan e Biklen (1994) “é utilizada para recolher dados descritivos na
linguagem do próprio sujeito, permitindo ao investigador desenvolver intuitivamente uma ideia
sobre a maneira como os sujeitos interpretam aspectos do mundo” (p.134). Procuraremos
manter
… a fidelidade à tradição qualitativa de tentar captar o discurso próprio do
sujeito, deixando que a análise se torne evidente, as grelhas de entrevista
permitem, geralmente, respostas e são suficientemente flexíveis para
permitir ao observador anotar e recolher dados sobre dimensões inesperadas
do tópico do estudo” (Bogdan e Biklen, 1994, p. 136).
A análise de dados pressupõe o processo de pesquisa e de organização
sistemática de transcrições de entrevista, observações, notas de campo e de outros
materiais que forem sendo recolhidos com o objectivo de aumentar a nossa própria
compreensão desses mesmos materiais e de nos permitir apresentar aos outros aquilo
que se observou e analisou.
Considerações finais
Tendo em conta que esta investigação está no seu início, pretendemos com esta
comunicação aproveitar um espaço de reflexão relativamente à educação, entendida
como educação inclusiva sempre que possível, mas desde logo, inclusiva.
Como dissemos na introdução deste trabalho, a nossa experiência profissional
tem-nos levantado dúvidas e questionamentos que conduziram a esta investigação, cuja
questão de partida, objectivos e algum do referencial teórico que a suportará
explicitámos. Indiscutivelmente, o professor de educação especial tem, no processo de
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inclusão de alunos considerados como tendo necessidades educativas especiais e, em
particular, os que são multideficientes, um papel de mediação, fundamental para o
trabalho que tem de ser desenvolvido por todos os actores, sob pena de, em nome da
inclusão, nos situarmos na simples inserção, no mesmo espaço físico, de crianças e
jovens com problemáticas mais complexas. É esse papel que aqui queremos reflectir.
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